Aproximando mundos: pensando etnograficamente a aplicação da antropologia na saúde mental infantil
Abstract
Minha pesquisa de doutorado foi uma etnografia de consultas de crianças autistas com uma neuropediatra. Por dois anos, participei de algo em torno de 800 consultas de mais ou menos 300 crianças, dentro do consultório, observando as relações entre a doutora, os pacientes e suas famílias, vivenciando o estabelecimento prático do diagnóstico, as elaborações de tratamentos e cuidados em geral, assim como os dramas de vida envolvidos na emergência de uma doença mental nos pequenos. As dinâmicas interacionais das consultas – um espaço privado ocupado pela doutora, a criança e a família – fizeram com que minha presença se tornasse uma participação ativa. Tanto as famílias como a neuropediatra começaram a requisitar minha opinião sobre as situações discutidas nas conversas e a minha interação com as crianças, por iniciativa delas, foi se tornando frequente. Procurei corresponder a essas demandas, não só em razão de um senso ético – uma retribuição pela abertura do espaço privado da consulta – mas principalmente porque eram de natureza fundamentalmente comunicacional, um dos itens críticos do autismo. Minhas participação e interação traduziam linguagens e, de certa maneira, contribuíram com a comunicação entre os três atores tão distintos presentes nas consultas.
Assim, me tornei uma referência nas consultas porque acabei agenciando uma espécie de terapia antropológica, traduzindo as linguagens biomédicas, das famílias e das crianças umas para as outras. Nesse artigo, reflito
acerca dessa experiência, explorando as possibilidades e os riscos de uma antropologia aplicada às interações entre médicos, pacientes e famílias no contexto da saúde mental infantil.