A memória resgatada e a disputa da tradição
O lugar das quimbandas no movimento de ialorixás trans no campo afro-religioso brasileiro
DOI:
https://doi.org/10.34019/2236-6296.2025.v28.48523Palavras-chave:
Religiões Afro-brasileiras, Travestilidade, Memória, Tradição, Xica manicongoResumo
Neste artigo, debruço-me sobre as transformações em torno da noção de “quimbanda” e a maneira como sua memória é mobilizada politicamente no campo afro-religioso contemporâneo por lideranças transgênero. Para isso, retomo dois momentos de descontinuidade nos sentidos atribuídos ao termo: de um lado, os relatos de missionários e viajantes no universo luso-africano dos séculos XVI e XVII, e, de outro, os processos de legitimação da umbanda no século XX por parte de intelectuais umbandistas. Com base nas teorizações sobre monstruosidade, examino como o termo "quimbanda" foi historicamente ressignificado, ora associado à figura do “feiticeiro sodomita passivo”, ora mobilizado como contraponto moral e demonizado frente à umbanda, revelando disputas em torno de sua significação. Debruçando-me sobre os movimentos de resgate da memória de Xica Manicongo, mostro como essa retomada articula noções de pertencimento, ancestralidade e tradição no combate a discursos trans excludentes nos espaços afro-religiosos.
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