Chamada de Artigos/Dossiê “Novos ventos nas artes e na cultura. A constante procura por métodos e contra-métodos de pesquisa em ciências sociais"
O sociólogo francês Bruno Péquignot (2005) em seu texto “La sociologie de l’art et de la culture en France: un état des lieux” nos brinda com um estado da arte da disciplina, um tipo de diagnóstico cujo resultado é o desvelo das potencialidades e das limitações empíricas e metodológicas que atravessam esse campo de investigação. Argumentando que fazer sociologia depois de Pierre Bourdieu, Jean-Claude Chamboredon e Jean-Claude Passeron, é também tomar com seriedade a questão sobre o objeto científico como objeto construído, Péquignot lança luz a um problema cuja solução passa pela produção de uma definição exterior à obra que não a reduza a um objeto ou evento isolado, mas que a integre ao conjunto do que a produziu e os efeitos que ela provocou nesta definição. Ponto amplamente desenvolvido em Le métier de sociologue (1968 [2007]), no qual a referência a Bachelard e Canguilhem é onipresente sobre este tema, a pesquisa de Péquignot ressalta na realidade os contínuos desafios envolvidos no tratamento dos fenômenos culturais transformados em objetos de investigação.
Tributária dos escritos de Pierre Francastel, Norbert Elias, Jean Duvignaud, Lucien Goldmann, Roger Bastide, Nathalie Heinich, Raymonde Moulin, Alain Bowness, Antoine Hennion, Paul DiMaggio e muitos outros, a sociologia da arte e da cultura se constituiu num “campo no qual se manifestam os valores contra os quais se configurou a própria sociologia – o individual em oposição ao coletivo, a interioridade em oposição à exterioridade” (Heinich, 1998: 7, tradução nossa), de maneira que desconhecer essa condição de fratura equivale a ignorar as adversidades de sua formulação científica.
Dito isso, esta proposta de dossiê temático busca reunir artigos e ensaios que venham a colaborar para o refinamento (e amplificação) dos métodos de investigação sobre as artes e a cultura, seja através do aprofundamento de ferramentas já correntes, seja a partir da revisão e da atualização de seus pressupostos; ou ainda, por meio da proposição de contra-métodos inovadores e/ou alternativos que permitam com que a disciplina evolua na medida em que também se sofisticam os fenômenos sociais. Em diálogos possíveis – e incentivados – com a antropologia, a história social da arte, a sociologia das imagens, a sociologia da mediação e da recepção, a história das exposições, as etnografias visuais, a sociologia urbana, a sociologia do imaginário, e os estudos em produção e consumo cultural, encorajamos os autores não só a se debruçar sobre os métodos aplicados aos seus respectivos objetos mas também a descrever os ganhos empíricos e/ou conceituais advindos desse processo.
Se, como estabelece Bastide (1977: 190), “somos parte de uma sociologia que busca o social na arte e chegamos a uma sociologia que caminha em sentido contrário, do conhecimento da arte ao conhecimento do social”, as contribuições teóricas-metodológicas desse dossiê são, ademais, uma forma de re-imaginar a escrita da cultura como prática social; isto é, um modo legítimo de incorporar no fazer científico colaborativo questões pungentes para as ciências humanas e sociais hoje como os artivismos (Guerra, 2019), a pedagogia crítica (Guerra, 2022) e a arte em sua expressão urbana e social (Guerra & Figueredo, 2020).
Sobre os objetos de análise
Encorajamos os autores a proporem contribuições sobre os mais distintos objetos abrigados sob a sociologia, a antropologia, a geografia da arte e da cultura, a saber, o cinema, o vídeo, as redes sociais, as artes visuais, as artes performativas, a música, o teatro, a moda, a literatura, as mudanças na produção e consumo material e visual, os cruzamentos e instalações multidisciplinares, etc.
Referências bibliográficas
Bastide, Roger. (1977). Art et Société. Paris: Payot.
Bourdieu, Pierre; Chamboredon, Jean-Claude; Passeron, Jean-Claude. (2007 [1968]). Ofício de sociólogo: metodologia da pesquisa na sociologia. Petrópolis: Vozes.
Guerra, Paula. (2019). “Nothing is forever: um ensaio sobre as artes urbanas de Miguel Januário”. Horizontes Antropológicos, 55, pp. 19-49.
Guerra, Paula; Figueredo, Henrique Grimaldi. (2020). “Prosopografias clubbers em São Paulo e Londres: moda, estilo, estética e cenas musicais contemporâneas”. Revista TOMO, 37, pp. 215-252.
Guerra, Paula. (2022). “Barulho! Vamos deixar cantar o fado bicha. Cidadania, resistência e política na música popular contemporânea”. Revista de Antropologia da USP, 65(2), pp. 1-26.
Heinich, Nathalie. (1998). Ce que l’art fait à la sociologie. Paris: Minuit.
Péquignot, Bruno. (2005). “La sociologie de l’art et de la culture en France: un état des lieux” — Sociedade e Estado, Brasília, 20(2), pp. 303-335.
**Os artigos submetidos devem atender às normas de publicação da Revista Teoria e Cultura, disponíveis no site: https://periodicos.ufjf.br/index.php/TeoriaeCultura/index
[1] Professora do Departamento de Sociologia da Universidade do Porto – Faculdade de Letras. Investigadora Integrada do Instituto Sociologia Universidade do Porto (IS-UP), Adjunct Associate Professor do Griffith Centre for Cultural Research (GCCR). Investigadora Colaboradora do Centro de Estudos de Geografia e do Ordenamento do Território (CEGOT) e do CITCEM – Centro de Investigação Transdisciplinar «Cultura, Espaço e Memória». E-mail: pguerra@letras.up.pt. ORCID: http://orcid.org/0000-0003-2377-8045
[2] Doutorando em Sociologia pela Universidade Estadual de Campinas (IFCH/UNICAMP) com estágio de doutoramento pela École des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS). Bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), é membro do GEBU/UNICAMP, do IASPM-Portugal e Editor Executivo do periódico Todas as Artes, sediado no Instituto de Sociologia da Universidade do Porto (UPorto). E-mail: henriquegrimaldifigueredo@outlook.com. ORCID: http://orcid.org/0000-0002-6324-4876.