Dossiê "Violências, sociabilidades e resistências nas margens das cidades brasileiras"

2023-08-04

Chamada para Dossiê (2024-1)

Violências, sociabilidades e resistências nas margens das cidades brasileiras

ORGANIZADORES
Palloma Menezes, IESP-UERJ
Marcelo Campos, UFJF
Rachel Barros, FASE


O presente dossiê debaterá as violências, socialidades e resistências que marcam a vida urbana brasileira, com foco especial nas (des)continuidades ocorridas ao longo das últimas décadas. Os textos reunidos no dossiê discutirão como as violências, seus impactos na sociabilidade e rotina, assim como as resistências relacionadas aos conflitos urbanos multiplicaram-se e diversificaram-se em todo o país nos últimos anos. A proposta parte, por um lado, da ideia de Machado da Silva (2008) de que a violência urbana é uma representação coletiva que confere sentido às experiências vividas nas cidades e que orienta instrumental e moralmente o curso da ação de seus moradores. E, por outro, toma como ponto de partida o pressuposto de que para compreender a violência urbana é necessário considerar a sua dimensão territorial, uma vez que experiências de violência variam radicalmente de acordo com o lugar em que os moradores e moradoras da cidade habitam e ocupam. Especialmente as favelas e periferias têm seu cotidiano marcado por múltiplas formas de violência e, por isso, frequentemente constituem lutas em defesa dos direitos à vida, à cidadania e à cidade. Entendidas como a transmutação dos quilombos, favelas e seus moradores são representadas no debate público como uma ameaça no século XXI, assim como os quilombos no Império (Campos, 2005). Nesse sentido, é fundamental apreendermos esses territórios a partir de marcadores de raça, gênero, etc. para compreendermos as diferentes dinâmicas de violências e suas resistências nas margens da cidade (Das e Poole, 2004) quebrando a ideia de uma identidade nacional homogênea (Bhabha, 1998). Nas últimas décadas, a sensação de intensificação da violência urbana especialmente em favelas e periferias brasileiras se expressou nas diferentes formas de atuação de grupos criminais (Barbosa, 1998; Misse, 2008; Sá, 2011; Beato e Zili, 2012; Birman, Fernandes e Pierobon, 2014; Zilli, 2015; Hirata e Grillo, 2017; Melo e Paiva, 2021; Feltran, Motta, 2021; Hirata, Couto, 2022); nas próprias dinâmicas de atuação estatal (Medeiros e Eilbaum, 2018; Menezes, 2018; Barros, 2019; Leite, Rocha, Farias e Carvalho, 2018; Miagusko, Jardim e Cortes, 2018; Farias; 2020; Magalhães, 2022); no crescimento das chacinas (Hirata, Grillo, Lyra e Dirk; 2022); na expansão das milícias (Alves, 2003; Cano e Duarte, 2012; Werneck,
2015; Manso, 2020); na ocorrência de desaparecimentos forçados (Araújo, 2014); no aumento do encarceramento em massa (Adorno e Salla, 2007; Lourenço, Alvarez, 2018; Campos, 2019; Godoi, Araújo e Mallart, 2019); etc. Além disso, a sensação de aumento da insegurança também parece estar relacionada com as dinâmicas e linhas de fuga da vida cotidiana desses territórios (Machado da Silva, 2008); as transformações das relações entre violência e religião (Teixeira, 2011; Machado, 2014; Vital da Cunha, 2015, Corrêa, 2020); a intensificação do racismo contra religiões de matriz africana (Deus, 2019); ou ainda a precarização de equipamentos de saúde, educação e de infraestrutura de saneamento e água que deixou diversas favelas e periferias ainda mais vulneráveis, especialmente, durante a pandemia da Covid-19 (Lima e Campos, 2021; Oliveira, 2020). Para se contrapor a este quadro, as favelas e periferias empreenderam formas variadas de resistências (Telles, 2017) nas últimas décadas. Os anos 2000 representam um momento especial nessa trajetória, pois favoreceu a constituição do favelado como sujeito político e de conhecimento: aliada à uma conjuntura de maior mobilidade social, sobretudo a partir dos efeitos de políticas públicas redistributivas, proliferaram coletivos (especialmente culturais) reivindicando inserção na arena política enquanto forma de organização social (Aderaldo, 2013). Nota-se aqui que a organização e reivindicação coletiva (e individual) dos sujeitos e movimentos sociais, nesta esfera de ação e reivindicação, é ao mesmo tempo influenciada e influenciável pela disseminação (teórica e prática) da perspectiva pós-colonial (especialmente de Fanon) que trazem no bojo à questão racial para o debate sobre a violência, as margens e as resistências das peles negras e indígenas (Fanon, 2008 e 2010; Scherer-Warren, 2010;
Guimarães, 2008). Neste contexto, os anos 2000 são marcados tanto pela intensificação das pesquisas sobre segurança pública, violência e sociabilidades e prisões (Campos e Alvarez, 2017), bem como pela emergência de "sujeitos periféricos" conectados em rede com movimentos sociais, usando tecnologias de informação para problematizar questões de identidade racial, classe e gênero, e reforçar sua representatividade política institucional via participação em partidos e pleitos eleitorais, inaugurando novas formas de representação, como as mandatas e mandatos coletivos. Mais recentemente, a pandemia da Covid-19 criou um ponto de inflexão no longo histórico de mobilização dos(as) moradores(as) de favelas e periferias brasileiras. Entre 2020 e 2021, ações coletivas, articulações em redes e produção própria de dados e informações - o chamado “nós por nós” - fortaleceram-se intensamente (Fleury e Menezes, 2020; Menezes, Magalhães e Silva, 2021).

O presente dossiê pretende criar um espaço de interlocução reunindo pesquisadoras/es que se dedicam a refletir sobre iniciativas como essas citadas acima, analisando a multiplicidade das violências e a diversidade das resistências no espaço urbano brasileiro. Serão bem-vindas propostas que: 1) problematizam mudanças nas dinâmicas da violência urbana levando em consideração suas dimensões territorial, criminal, étnico-racial estatal, infraestrutural, interseccional, geracional, religiosa ou outras; 2) mapeiam os impactos dessas mudanças na sociabilidade e na rotina das favelas e periferias brasileiras; 3) analisem experiências de resistências cotidianas, associativismos e movimentos sociais, redes de produção de conhecimento, memória e comunicação comunitária, formas de ativismos jurídico e de representação/inserção político-institucional, ou mesmo iniciativas que acionam a arte e a cultura como formas de resistência à violência urbana.

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