Tupi Amazônico ou Língua Geral Amazônica?
Repensando a identidade linguística da Amazônia colonial
Palavras-chave:
Códice 69, Filologia, História das Ideias Linguísiticas, Língua Geral Amazônica, Linguística de Contato.Resumo
Este artigo investiga a identidade linguística da Amazônia colonial a partir do códice 69, manuscrito setecentista intitulado Grámatica da lingua geral do Brazil, com hum diccionario dos vocábulos mais uzuaes para a intelligencia da dita língua. O problema central reside na controvérsia terminológica entre “Tupi Amazônico” e “Língua Geral Amazônica” (LGA), tradicionalmente concebidas como continuidade do tupinambá missionário. A relevância do estudo está em revisar essa visão, demonstrando que a LGA constitui um complexo linguístico híbrido, produto de contatos interétnicos e políticas missionárias. O objetivo é descrever os traços gráficos, lexicais e morfossintáticos do códice e compará-los ao tupinambá clássico e à tradição jesuítica. A metodologia articula edição semidiplomática, análise paleográfica e filológica, e cotejo linguístico com fontes coloniais. Os resultados indicam instabilidade ortográfica, simplificações gramaticais, hibridizações lexicais e marcas regionais amazônicas, revelando um processo de “amazônização” da língua. Conclui-se que a LGA deve ser entendida como língua de contato politicamente construída, distinta do tupinambá e do tupi jesuítico.
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Referências
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