No coração dessa tragédia se encontra a raça

Relações de gênero, masculinidades negras e as narrativas sobre o preconceito e discriminação na escola

Autores

  • Beatriz Giugliani

DOI:

https://doi.org/10.34019/1981-2140.2022.37969

Palavras-chave:

Racismo, Ensino Médio, Relações de gênero, Desigualdade escolar, Masculinidades Negras

Resumo

O presente artigo é um recorte de uma pesquisa de doutorado de abordagem antropológica crítico-interpretativa para compreender o fenômeno da defasagem escolar dos rapazes em relação às moças na etapa do ensino médio em uma escola pública do Recôncavo Baiano. A investigação recorreu à produção de estratégias e métodos preponderantemente qualitativos na intenção de identificar e analisar os processos que têm levado esses sujeitos deixarem para trás a escola, interromperem seus estudos por meio da evasão ou do abandono, bem como as formas cotidianas de resistência dos que frequentam, e através delas, perceber a maneira como negociam e interpretam sua posição de sujeito frente a esse desafio escolar. A análise particular desse artigo parte das próprias singularidades e complexidades cotidianas desses rapazes frente aos valores da masculinidade hegemônica, das suas próprias reflexões e discussões sobre a construção das masculinidades racializadas e das relações de gênero estabelecidas no sistema escolar. Em contexto estruturado socialmente como a escola, as práticas de gênero têm um aspecto determinante posto que lidamos com as diferenças de maneira hierarquizada e desigual. Em verdade, desde a colônia até hoje, o sistema de classificação social está baseado em uma hierarquia racial e sexual, e na formação e distribuição de identidades sociais de superior a inferior, com o branco masculino no topo da pirâmide e os indígenas e negros na sua base. Ao contrário do discurso segundo o qual a escola é a base para a transformação social, na verdade, ela é o núcleo por excelência de manutenção do status quo dominante na sociedade. Em geral, os processos pedagógicos permitem/provocam um apagamento da subjetividade do estudante, uma acomodação dele como ser político atuante e potencial transformador da realidade. Os sujeitos dessa investigação ocupam propriamente uma posição única e incomunicável, posto que a escravidão póstuma faz com que convivam com a violência gratuita e estrutural perpetuamente, posto que estão situados fora da trama da sociedade civil e da Humanidade; posto que a violência não depende de sua própria transgressão, mas por causa de quem são.

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Publicado

2023-08-14

Como Citar

Giugliani , . B. . (2023). No coração dessa tragédia se encontra a raça: Relações de gênero, masculinidades negras e as narrativas sobre o preconceito e discriminação na escola. CSOnline - REVISTA ELETRÔNICA DE CIÊNCIAS SOCIAIS, (36), 269–296. https://doi.org/10.34019/1981-2140.2022.37969

Edição

Seção

Artigos