Considerações sobre o conceito gramsciano de “classes subalternas”
contamos com um patrimônio de conhecimento histórico e com uma série de projetos teóricos
elaborados por diversos autores e por distintas correntes do marxismo crítico1.
Partindo desses pressupostos, dedicaremos as próximas páginas ao conceito de classes
subalternas desenvolvido por Antonio Gramsci em seus escritos carcerários. Comportando
grande atualidade e relevância – tanto sociológica quanto política – a noção de classes
subalternas não foi devidamente estudada e analisada por Gramsci, apesar de ocupar um lugar
fundamental na estrutura do seu pensamento. Nesse sentido, apresentaremos duas
considerações: a primeira está relacionada ao adjetivo qualificativo de subalterno, no qual
denominaremos da sequência subalternidade-autonomia-hegemonia. E, a segunda, associa-se
ao substantivo classe e ao que denominamos fórmula classes subalternas.
A sequência subalternidade-autonomia-hegemonia
A origem e evolução do conceito de subalterno na obra de Gramsci foi reconstruída e
analisada por vários autores2. Acrescemos a esse levantamento as contribuições dos Subaltern
Studies3 que, embora tenham colaborado para a difusão do conceito, geraram mais equívocos
do que esclarecimento em relação à sua consistência e alcance4. Denominamos de
“subalternismo” esse uso indefinido do conceito, dado que culmina em uma abordagem
essencialista de uma subjetividade reclusa na subalternidade e na exaltação de um subalterno
autônomo, ativo, consciente e rebelde, ou seja, um subalterno não subalterno5.
545
Para sair desse impasse teórico, amplamente difuso no mundo acadêmico anglo-saxão,
mas também através dos estudos culturais e pós-coloniais na América Latina, é oportuno
retornar ao texto de Gramsci para reconhecer e destacar que o lugar e o papel que o conceito
de subalternidade ocupa no seu pensamento gira em torno da sequência subalternidade-
1 Um percurso descritivo de alguns dos autores mais influentes pode ser encontrado em Modonesi; Vela; Mingau.
El concepto de clase social en la teoría marxista contemporanea, Cidade do México, Unam-Buap, 2017.
2
BARATTA, G. Antonio Gramsci em contraponto. São Paulo: Unesp, 2011; J.A. Buttigieg, Sulla categoria
gramsciana di “subalterno”, in G. Baratta, G. Liguori (a cura di), Gramsci da un secolo all’altro, Roma, Editori
Riuniti, 1999; Id., Subalterno, subalterni, in G. Liguori, P. Voza (a cura di), Dizionario gramsciano 1926-1937,
Roma, Carocci, 2009; M.E. Green, Sul concetto gramsciano di “subalterno” [2002], in G. Vacca, G. Schirru (a
cura di), Studi gramsciani nel mondo 2000-2005, Bologna, Il Mulino, 2007; M. Modonesi, Subalternità
antagonismo autonomia, Roma, Editori Riuniti, 2015. Guido Liguori, em dois artigos distintos, classificou de
modo claro e bem documentado as diversas acepções que aparecem nos Cadernos: G. Liguori, Tre accezioni di
“subalterno” in Gramsci, In Critica Marxista, 2011, n. 6, e Id., “Classi subalterne” marginali e “classi
subalterne” fondamentali in Gramsci, In Critica Marxista, 2015, n. 4.
3
Corrente historiográfica e interdisciplinar surgida na década de 1980 na Índia, de grande significado para os
estudos dos subalternos. Contribuições e limitações desta corrente podem ser encontradas em MODONESI, M.
Da subalternidade ao subalternismo: uma crítica gramsciana aos Subaltern Studies. In: DEL ROIO, M. (ed.).
Gramsci: periferia e subalternidade. Edusp: São Paulo, 2017. [Nota das Tradutoras]
4
Como já indicado por Buttigieg, Green, Modonesi, e da D. Arnold, Gramsci e la subalternità contadina in
India, In G. Vacca, P. Capuzzo e G. Schirru, Studi gramsciani nel mondo. Gli studi culturali, Bologna, il Mulino,
2008, e V. Chibber, Postcolonial theory and the specter of capital, London, Verso, 2013.
5 M. Modonesi, Subalternità antagonismo autonomia, cit., pp. 38-52.