Proteção social na realidade brasileira:  
a assistência social em questão  
Social protection in Brazilian social formation:  
social assistance in question  
Ana Carolyna Ribeiro Sales*  
Vera Núbia Santos**  
Maria da Conceição Vasconcelos Gonçalves***  
Resumo: A formação social brasileira é  
marcada, de forma estrutural, pela relação de  
dependência com os países de capitalismo  
central e pela herança colonialista. Esses  
elementos delineiam, de maneira singular, o  
desenvolvimento capitalista e a manifestação  
das expressões da questão social na realidade  
brasileira. Tal dinâmica repercute nas políticas  
sociais, especialmente na assistência social, cuja  
estruturação reflete óbices estruturais como o  
clientelismo, o patrimonialismo e a mediação do  
favor. À luz do método materialista histórico-  
dialético, este artigo problematiza como a  
assistência social incorpora os aspectos da  
formação social brasileira em sua conformação.  
Abstract: The Brazilian social formation is  
structurally shaped by a historical condition of  
dependence on central capitalist countries and  
by its enduring colonial legacy. These structural  
determinants uniquely configure both the  
development  
of  
capitalism  
and  
the  
manifestations of the social question within the  
Brazilian context. This dynamic profoundly  
impacts social policies, particularly social  
assistance, whose institutional design reflects  
persistent structural barriers such as clientelism,  
patrimonialism, and the mediation of favors.  
Grounded  
in  
the  
historical-dialectical  
materialist method, this article critically  
examines how social assistance incorporates the  
fundamental elements of Brazilian social  
formation into its structure and functioning.  
Palavras-chaves: Assistência social; Formação  
social brasileira; Capitalismo dependente;  
Políticas sociais.  
Keywords: Social assistance; Brazilian social  
formation; Dependent capitalism; Social  
policies.  
* Universidade Federal de Sergipe. E-mail: carolynaribeirosales@gmail.com  
** Universidade Federal de Sergipe. E-mail: venus_se@uol.com.br  
*** Universidade Federal de Sergipe. E-mail: licavasconcelos@gmail.com  
DOI: 10.34019/1980-8518.2025.v25.47738  
Esta obra está licenciada sob os termos  
Recebido em: 09/06/2025  
Aprovado em: 23/06/2025  
Ana Carolyna Ribeiro Sales; Vera Núbia Santos; Maria da Conceição Vasconcelos Gonçalves  
Introdução  
A assistência social no Brasil tem se consolidado como uma política pública envolta de  
controvérsias ao longo de sua construção histórica. As origens dessas controvérsias vão além  
dessa política específica e estão profundamente enraizadas na formação social brasileira,  
caracterizada pela dependência e por uma estrutura marcada pelo legado colonialista e  
escravista. Esses fatores moldaram de forma singular o capitalismo no país, contribuindo para  
a perpetuação das desigualdades estruturais (Pastorini; Pereira, 2023) e suas repercussões no  
que tange ao acesso às políticas sociais públicas, ainda que cercadas de garantias legais.  
A formação social brasileira foi estruturada de maneira a atender aos interesses de uma  
elite que, ao longo da história, priorizou a manutenção de seus privilégios em detrimento da  
construção de uma nação democrática e comprometida com a redução das desigualdades que a  
constituía. A forma como se processou a constituição da sociedade brasileira trouxe como  
consequência a existência de uma massa da população subjugada à situação de pauperização e  
excluída dos processos decisórios, o que explica a fragilidade da noção de cidadania no país e  
determina as características particulares da questão social nessa formação específica.  
Marcada por uma trajetória pseudodemocrática e autoritária, as relações de favor e tutela  
fundamentaram as intervenções do Estado brasileiro sobre a questão social por longos anos.  
Com a instituição de um sistema de proteção social voltado para os trabalhadores formais, as  
necessidades de parte dos segmentos empobrecidos eram atendidas, inicialmente, por ações do  
que se pode caracterizar como protoformas da assistência social, conduzidas tanto por  
iniciativas privadas frequentemente de caráter filantrópico ou vinculadas ao poder dos  
coronéis quanto pelo próprio Estado, de maneira residual e descontínua. Essas práticas, no  
entanto, eram solo fértil para reprodução da cultura política enraizada em relações clientelistas  
e patrimonialistas, apresentadas sob a forma de benevolência, distanciadas do campo do direito.  
Com efeito, o processo de institucionalização da assistência social como política  
pública, após seu reconhecimento pela Constituição Federal de 1988, foi marcado por inúmeros  
desafios e se defronta, até os dias atuais, com barreiras para sua consolidação como premissa  
na construção da cidadania e da proteção social (Pastorini; Pereira, 2023). Desde o final dos  
anos 1990, essa política tem se limitado à gestão de demandas dos estratos mais empobrecidos,  
pautada em um viés residual. Sem o intuito de desconsiderar a influência das manifestações da  
crise do capital em uma economia dependente na formatação dessa política, é preciso  
reconhecer que essa tendência já estava posta pelos elementos próprios da formação da  
sociedade brasileira. Assim, considerando não ser possível abordar a especificidade da  
assistência social no Brasil sem levar em conta as determinações sociais e históricas que  
248  
Libertas, Juiz de Fora, v. 25, n. 1, p. 247-271, jan./jun. 2025. ISSN 1980-8518  
Proteção social na realidade brasileira: a assistência social em questão  
moldam o país, esse texto se propõe a refletir sobre a influência dos elementos estruturais da  
formação social brasileira na conformação da assistência social.  
Este artigo adota uma abordagem qualitativa, fundamentada no método materialista  
histórico-dialético, e resulta das reflexões originadas a partir da revisão bibliográfica realizada  
na dissertação de mestrado defendida no Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da  
Universidade Federal de Sergipe (UFS) em 20251. Nesse sentido, o artigo estrutura-se  
considerando-se dois movimentos: no primeiro, recupera os principais aspectos da formação  
social brasileira, de modo a apreender a particularidade da questão social no país por meio de  
seus elementos fundantes; e o segundo reflete sobre o desenvolvimento da assistência social no  
país, percorrendo desde a incorporação de aspectos da formação social brasileira à sua  
consolidação como política pública, a fim de analisar suas determinações sociais e históricas.  
Colocar a assistência social em questão na atualidade exige que se retomem esses  
aspectos, a fim de possibilitar dar centralidade à relação intrínseca entre a análise da formação  
social brasileira e sua repercussão nas lutas sociais que imprimem vigor às conquistas que o  
acesso às políticas sociais traz para parcela significativa da população. E a assistência social  
não se distancia desse movimento.  
Particularidades da questão social na realidade brasileira  
249  
Na América Latina, a questão social tem sua gênese no conflito entre o capital mercantil  
europeu e a expropriação violenta dos povos originários e negros escravizados para constituição  
do sistema colonial, em um movimento de ininterrupta usurpação das riquezas latino-  
americanas pelos países europeus. Desde o processo de colonização, o continente latino-  
americano teve sua trajetória marcada por relações de dominação, exploração e dependência,  
que perpetua desigualdade e pobreza entre as classes subalternas da região. Afirmam Paiva,  
Rocha e Carraro (2010, p. 157),  
O capitalismo dependente institui – de modo sempre crescente – o pauperismo  
das massas, produzindo e reproduzindo, dessa forma, uma intensa e crescente  
exploração do trabalhador, determinando, peculiarmente, os traços da  
chamada questão social no continente latino-americano.  
Marini (2011) elucida que a dependência da América Latina decorre da forma que esta  
região se integra à divisão internacional do trabalho. O autor afirma que no continente latino-  
americano estabeleceu-se “um ‘capitalismo sui generis’, que só adquire sentido se o  
contemplamos na perspectiva do sistema em conjunto, tanto em nível nacional, quanto, e  
1 O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior  
- Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.  
Ana Carolyna Ribeiro Sales; Vera Núbia Santos; Maria da Conceição Vasconcelos Gonçalves  
principalmente, em nível internacional” (Marini, 2011, p. 132). A partir de sua integração ao  
sistema mundial capitalista, afirma-se uma relação desigual, em que a economia latino-  
americana serve como instrumento para acumulação primitiva de capital nos países de  
capitalismo central, condicionando sua produção interna às necessidades do mercado externo.  
Esta dinâmica acentua ao máximo as contradições inerentes à acumulação capitalista  
em países de capitalismo dependente, como o Brasil, impondo condições degradantes à  
existência das classes pauperizadas. Além da remuneração da força de trabalho situar-se aquém  
de seu valor real, fruto da superexploração do trabalho2, nessa região nunca se configurou um  
Estado de Bem-Estar Social, diferentemente do que ocorreu nas nações europeias, o que  
também é um aspecto central da questão social na realidade latino-americana (Bezerra;  
Almeida, 2020).  
O debate em torno da questão social no Brasil requer considerar a abordagem das  
especificidades da formação social3 brasileira enquanto fatores necessários à sua compreensão,  
o que implica pensar o processo de construção e desenvolvimento do capitalismo no país. A  
necessidade de ultrapassar essa discussão em nível genérico está no fato de que não basta  
remeter às categorias gerais do modo de produção capitalista, tem-se que considerar as  
singularidades desta sociedade, que se constituem como mediações da forma particular que as  
expressões da questão social assumem na realidade brasileira. Como bem lembra Mandel  
(1982), é necessária a articulação dialética da dimensão universal, expressa pelas leis gerais da  
acumulação capitalista, com a dimensão particular, referente às formações sociais específicas.  
A constituição do capitalismo nos países centrais é marcada pela ruptura com as  
formações sociais pré-capitalistas através de revoluções democrático-burguesas. Tal processo  
representa a via clássica, conceito formulado por Lenin e recuperado por Coutinho (2011). No  
Brasil, Prado Júnior (1987) indica que a consolidação da ordem burguesa se engendrou pela via  
não clássica, em que as relações capitalistas foram introduzidas sem romper com as formas pré-  
capitalistas, se concretizando mediante conciliações entre o novo e o velho. É importante  
demarcar que a composição da burguesia se forjou através de uma aliança ainda que com  
250  
2
Marini (2011) utiliza a categoria superexploração do trabalho para mostrar como o pagamento da força de  
trabalho abaixo de seu valor — seja através da intensificação do trabalho, do aumento da produtividade sem a  
correspondente elevação dos salários, ou da compressão dos salários a patamares inferiores ao necessário para  
reprodução da força de trabalho – estão presentes nas economias dependentes como um traço estrutural para  
compensação da perda de mais-valia resultante das trocas desiguais no processo de transferência de valor da  
periferia para o centro.  
3
Emprega-se a expressão formação econômico-social (ou, simplesmente, formação social) para designar a  
estrutura econômico-social específica de uma sociedade determinada, em que um modo de produção dominante  
pode coexistir com formas precedentes (e mesmo, com formas que prenunciam elementos a se desenvolverem  
posteriormente) (Netto; Braz, 2006, p. 63).  
Libertas, Juiz de Fora, v. 25, n. 1, p. 247-271, jan./jun. 2025. ISSN 1980-8518  
Proteção social na realidade brasileira: a assistência social em questão  
conflitos entre a burguesia emergente e as classes oligárquicas tradicionais, em detrimento de  
uma associação com os “de baixo”. Ou seja, a burguesia brasileira já nasce conservadora. Nas  
palavras de Coutinho (2011, p. 144):  
No Brasil, bem como na quase generalidade dos países coloniais ou  
dependentes, a evolução do capitalismo não foi antecedida por uma época de  
ilusões humanistas e de tentativas – mesmo utópicas – de realizar na prática o  
ideal do “cidadão” e da comunidade democrática. Os movimentos neste  
sentido, ocorridos no século passado e no início deste século, foram sempre  
agitações superficiais, sem nenhum caráter verdadeiramente nacional e  
popular. Aqui, a burguesia se ligou às antigas classes dominantes, operou no  
interior da economia retrógrada e fragmentada.  
O desenvolvimento do capitalismo no Brasil guarda a particularidade da inexistência de  
um modo de produção feudal ou semifeudal na região. Aqui, o que se adaptou ao capitalismo  
foi uma colônia de exploração que inscreveu o país em uma condição dependente no quadro do  
capitalismo internacional, uma dependência inicialmente ao colonialismo e depois ao  
imperialismo, que revela o motivo de uma revolução burguesa brasileira pela via não clássica,  
conforme analisa Fernandes (1975 apud Coutinho, 2011).  
Na interpretação de Fernandes (1976), o desenvolvimento capitalista no Brasil foi  
determinado pela articulação entre dominação externa e dominação interna, que se processou a  
partir da aliança entre a burguesia estrangeira e a burguesia nacional, de modo a garantir o  
domínio das frações das classes dominantes nesse processo. Há que se registrar que essa aliança  
foi vislumbrada pela burguesia interna como forma de assegurar seus interesses, que consistia  
em controlar as massas populares e conservar seu poderio econômico e político. Coutinho  
(2011) destaca que há um ponto chave dos estudos de Caio Prado Júnior que deve somar-se às  
análises de Fernandes: a não resolução da questão agrária brasileira. De acordo com a sua  
análise, Prado Júnior (1987) considera que a manutenção da grande propriedade e da velha  
classe latifundiária seria também um dos determinantes da constituição do capitalismo  
brasileiro pela via não clássica.  
251  
No Brasil, a consolidação do capitalismo competitivo4 conservou muitas características  
do velho latifúndio, tanto que o processo de acumulação mantém uma estrutura de produção de  
bases agrárias e uma economia exportadora, em que se dão as protoformas da modernização  
capitalista. Ocorre que, na realidade brasileira, a consolidação do modo de produção capitalista  
não rompeu com os laços de dependência, ao contrário, aprofundou-os. Isso fica evidente  
4 Fernandes (1976) assinala que a partir do último quartel do século XIX, o Brasil ingressou na fase de formação  
e expansão do capitalismo competitivo, que compreende tanto o período de consolidação da economia urbano-  
comercial quanto a primeira transição industrial.  
Ana Carolyna Ribeiro Sales; Vera Núbia Santos; Maria da Conceição Vasconcelos Gonçalves  
quando se entende que a manutenção do padrão arcaico era necessária e útil para o capital  
monopolista estrangeiro, dado que  
[...] qualquer modificação profunda nessa esfera era nociva aos seus interesses  
imediatos e futuros, pois ela redundaria em modificações imprevisíveis do  
volume de excedente econômico que poderia ser drenado [...] para fora. Ora,  
era esse excedente que garantia os dois processos descritos, de formação de  
uma nova infra-estrutura para o mercado capitalista interno e de constituição  
de uma nova estrutura do sistema econômico brasileiro, ambos condicionados  
e regulados como um desdobramento de fronteiras das economias centrais.  
Para estas, portanto, suprimir a articulação inerente à superposição da  
economia urbano-comercial e da economia agrária seria o mesmo que matar  
a galinha dos ovos de ouro (Fernandes, 1976, p. 237).  
Iamamoto (2009) acentua que o processo de modernização da economia brasileira  
manteve a subordinação da produção agrícola aos interesses exportadores do mercado  
internacional, a presença de relações não-capitalistas de produção e a conservação da grande  
propriedade, elementos estes identificados na monocultura, no trabalho escravo e no latifúndio.  
Tais elementos são redimensionados e incorporados à expansão capitalista, a exemplo da  
transformação do latifúndio em empresa capitalista agrária, acompanhada da conservação do  
monopólio da terra e da expropriação dos agricultores rurais e pequenos produtores familiares,  
que, despossuídos de suas terras, se convertem em mão-de-obra assalariada disponível para a  
indústria nascente.  
252  
Segundo Marx (2013), a expropriação da terra e dos meios de produção é condição  
inerente à criação do trabalhador “livre”, próprio da organização do modo de produção  
capitalista. Na transição da sociedade escravista para a capitalista, a população negra, recém-  
liberta da escravidão, não encontrou espaço para sua inserção como força de trabalho  
assalariada no emergente mercado de trabalho “livre”, sendo lançada às margens dos processos  
produtivos, especialmente o trabalho formal. Assim, o mercado de trabalho brasileiro já nasce  
com uma população excedente formada majoritariamente por trabalhadores/as negros/as, que  
ocupam “uma grande franja marginal capaz de forçar os baixos salários dos trabalhadores  
engajados no processo de trabalho” (Moura, 1988, p. 133), desempenhando um papel  
fundamental ao desenvolvimento capitalista no Brasil.  
Evidencia-se, pois, que a consolidação do modo de produção capitalista no Brasil se faz  
em conciliação com o “atraso”, pois não implica em profundas alterações na estrutura  
socioeconômica herdada do período colonial. Contudo, assegura Fernandes (1976), tal fato não  
se revelou como obstáculo para consolidação da ordem social burguesa no país, pelo contrário,  
foi fundamental para consolidação da dominação externa e interna exercida pela burguesia e a  
manutenção do domínio político das oligarquias rurais.  
Libertas, Juiz de Fora, v. 25, n. 1, p. 247-271, jan./jun. 2025. ISSN 1980-8518  
Proteção social na realidade brasileira: a assistência social em questão  
Convém destacar que a reprodução do padrão produtivo baseado no latifúndio teve  
funcionalidade tanto no conjunto das relações capitalistas internacionais, mantendo a elevação  
das taxas de lucro dos países centrais, quanto na importância política das classes dominantes  
forjadas a partir da grande propriedade agrária, conforme afirma Santos (2012), e por este  
motivo, a consolidação da ordem burguesa não resultou em uma crise do poder oligárquico, o  
que houve de fato foi “uma transição que inaugurava, ainda sob hegemonia da oligarquia, uma  
recomposição das estruturas do poder, pela qual se configurariam, historicamente, o poder  
burguês e a dominação burguesa” (Fernandes, 1976, p. 203).  
Observa-se que “a combinação entre o forte teor conservador no plano político cultural  
das elites dirigentes e a incorporação ornamental do ideário liberal na defesa de suas atividades  
econômicas passa pelo caráter particular do liberalismo no Brasil”, como ressalta Iamamoto  
(2009, p. 32). Na formação brasileira, o liberalismo nasceu tendo como base social uma  
burguesia de tradição político-cultural conservadora. Assim, dadas as suas raízes oligárquicas  
e estamentais, a burguesia brasileira incorpora no discurso um liberalismo econômico e afirma  
nas relações internas a prática do mando e do favor, características próprias das relações de  
poder das oligarquias, o que repercute nas próprias funções do Estado.  
Nessas condições, o Estado Republicano surge dentro de uma relação ambígua, que tem  
o liberalismo como fundamento político-ideológico e o patrimonialismo como prática concreta  
(Fernandes, 1976), dada a apropriação do aparelho estatal para dominação e manutenção dos  
privilégios das classes tradicionais. Na verdade, o liberalismo no Brasil restringiu sua  
abrangência aos aspectos formais e legais, ou, como afirma Iamamoto (2009, p. 34), “não se  
constrói sobre a universalidade da figura de cidadão”.  
253  
Evidencia-se, assim, que o padrão de desenvolvimento capitalista no Brasil designado  
como uma modernização conservadora, como assinala Fernandes (1976), foi uma forma de  
assegurar o poderio das classes tradicionais, revelando a feição antidemocrática da revolução  
burguesa brasileira. O autor elucida que no país, o processo de dominação burguesa foge ao  
modelo universal, sendo caracterizada como uma “democracia restrita” – restrita às classes  
dominantes, que generaliza seus interesses de classe como se fossem interesses universais, por  
meio da mediação do Estado e seus aparelhos privados de hegemonia. Para Iamamoto (2009),  
o que se assistiu foi uma transição da democracia dos oligarcas à democracia do grande capital.  
Assim, cristaliza-se o controle estatal nas mãos dessa elite, inviabilizando a construção de uma  
estrutura democrático-burguesa, na qual “[...] a institucionalização política do poder era  
realizada com a exclusão permanente do povo e o sacrifício consciente de um estilo democrático  
de vida”, como aponta Fernandes (2009, p. 21).  
Ana Carolyna Ribeiro Sales; Vera Núbia Santos; Maria da Conceição Vasconcelos Gonçalves  
O caráter elitista e antipopular da revolução burguesa no Brasil é considerado  
determinante da questão social, uma vez que emoldura as lutas de classe no país. Há que se  
destacar o papel decisivo do Estado nesse processo, responsável por conduzir transformações  
que “evitam qualquer ruptura radical com o passado, conservando traços essenciais das relações  
sociais e a dependência ampliada do capital internacional” (Iamamoto, 2009, p. 32). Ocorre  
que, no Brasil, a modernização capitalista foi induzida por “cima” e efetivada pelas mãos do  
Estado, que, capturado pelas classes dominantes, assume a função de dirigente político dos  
processos de transformação. Ao tornarem o Estado seu centro de atuação política, as classes  
dominantes conformaram uma unidade entre os diferentes interesses das frações burguesas,  
traduzindo-os em políticas de Estado, fazendo incidir no espaço público seus interesses  
privatistas como sendo interesses da Nação, reforçando sua tradição patrimonialista, como  
elucida Santos (2012). Por isso,  
[...] o Estado nacional não é uma peça contingente ou secundária desse padrão  
de dominação burguesa. Ele está no cerne de sua existência e só ele, de fato,  
pode abrir às classes burguesas o áspero caminho de uma revolução nacional,  
tolhida e prolongada pelas contradições do capitalismo dependente e do  
subdesenvolvimento (Fernandes, 1976, p. 307).  
Nessa perspectiva, é preciso demarcar os processos de revolução passiva que  
particularizam a formação do capitalismo no Brasil. Coutinho (1999), transportando o conceito  
gramsciano de “revolução passiva”5 ao caso brasileiro, evidencia que no processo de instituição  
do capitalismo no país, as classes dominantes engendraram uma estratégia de antecipação à  
possibilidade de uma transformação “de baixo para cima”, operando mudanças parciais “pelo  
alto”, sem realizar uma transformação efetiva na estrutura de poder, o que implicou na exclusão  
das massas populares dos processos decisórios. Nesse sentido, considera-se que  
254  
[...] foi próprio da formação social brasileira que os segmentos e franjas mais  
lúcidos das classes dominantes sempre encontrassem meios e modos de  
impedir ou travar a incidência das forças comprometidas com as classes  
subalternas nos processos e centros políticos decisórios. A socialização da  
política, na vida brasileira, sempre foi um processo inconcluso – e quando,  
nos seus momentos mais quentes, colocava a possibilidade de um grau mínimo  
de socialização do poder político, os setores de ponta das classes dominantes  
lograram neutralizá-los. Por dispositivos sinuosos ou mecanismos de coerção  
aberta, tais setores conseguiram que um fio condutor costurasse a constituição  
da história brasileira: a exclusão da massa do povo no direcionamento da vida  
social (Netto, 1996, p. 18-19).  
5
O conceito de revolução passiva parece-me exato não só para a Itália, mas também para os outros países que  
modernizaram o Estado através de uma série de reformas e de guerras nacionais, sem passar pela revolução política  
de tipo radical-jacobino (Gramsci, 2002, p. 210).  
Libertas, Juiz de Fora, v. 25, n. 1, p. 247-271, jan./jun. 2025. ISSN 1980-8518  
Proteção social na realidade brasileira: a assistência social em questão  
No entanto, como causa-efeito dos processos de revolução passiva é que as classes  
dominantes operam pela prática do transformismo, em que ocorre a “assimilação pelo bloco no  
poder das frações rivais ou até mesmo de setores das classes subalternas” (Coutinho, 1999, p.  
205). É preciso demarcar que a supremacia da classe burguesa não pode assentar-se somente  
na coerção, por isso o Estado opera meios de obter o mínimo de consenso necessário, visando  
sua legitimação junto aos setores subalternos por meio do atendimento pontual de seus  
interesses, principalmente com as iniciativas relacionadas à proteção social.  
Não à toa, os ciclos de expansão das políticas sociais se combinam com os períodos  
ditatoriais (1937-1945 e 1964-1984). Outro exemplo foi a forma populista do segundo governo  
de Vargas e do governo de Juscelino Kubitschek, responsável por garantir um significativo  
consenso enquanto o Estado se empenhava em garantir as bases econômicas para expansão do  
capitalismo monopolista. Nota-se, contudo, que o modelo de populismo desse período  
enfrentava um processo de organização das classes trabalhadoras, no sentido das lutas por  
políticas sociais, conforme analisa Vieira (1985, p. 20).  
Embora o populismo ainda perdurasse muito além de 1945, aceitando as  
pressões populares e manipulando seus anseios em nome da ordem instituída,  
parece claro que as alianças partidárias experimentavam o impacto causado  
pela crescente força das reivindicações dos trabalhadores.  
Acerca dessa dinâmica, cabe pontuar a observação de Santos (2012). Para a autora, os  
processos de revolução passiva não refletem uma fragilidade das classes populares, pelo  
contrário, demonstram uma preocupação do Estado em face do reconhecimento da força desses  
setores. Além disso, embora tenham uma intenção conservadora pelas classes dominantes, tais  
processos também possuem efeitos progressistas, desencadeando, no mesmo movimento,  
mudanças de cunho reformista. Com base na interpretação de Cerqueira Filho (1982), a autora  
cita como exemplo o reconhecimento da questão social pelo Estado brasileiro na década de  
1930, que passa a ser tratada como “caso de política” – apesar do paternalismo implícito de  
maneira a assegurar a continuidade passiva da modernização capitalista, tendo em vista a  
desmobilização da classe trabalhadora.  
255  
Na sua concepção, no Brasil, o Estado foi o ator que efetivou o transformismo em nome  
dos interesses da burguesia e passa a agir como o novo coronel6, em referência ao termo  
utilizado por Iamamoto e Carvalho (1995). Com isso, a autora chama a atenção para o  
esvaziamento dos conflitos no que envolve a instituição de direitos e serviços sociais, que, sob  
6 Os famosos coronéis foram personagens centrais na formação do coronelismo, fenômeno amplamente referido  
na cultura política brasileira para designar a dependência política de setores da população rural em relação ao seu  
poder (Santos, 2012, p. 117).  
Ana Carolyna Ribeiro Sales; Vera Núbia Santos; Maria da Conceição Vasconcelos Gonçalves  
o prisma do transformismo, aparecem como se fossem concessões do Estado, o que redunda na  
“‘aparente passividade’ da classe trabalhadora, que foi historicamente debilitada em sua  
autonomia organizativa” (Santos, 2012, p. 121). Assim, entendida como uma complexa  
dialética entre conservação e modernização (Coutinho, 2012), atribui-se à revolução passiva o  
êxito do caráter conservador da modernização capitalista no Brasil.  
No entanto, Coutinho (1999) sinaliza que outro efeito dos processos de revolução  
passiva é o predomínio das formas ditatoriais em detrimento das formas hegemônicas. Faz-se  
mister destacar que na realidade brasileira “sempre venceu ou predominou o Estado forte, o  
regime de exceção, a ditadura civil ou militar, com poucos entreatos de democracia limitada,  
de cidadania tolerada” (Ianni, 2004, p. 242). No que se refere à ditadura militar iniciada em  
1964, Florestan (1976) destaca que representa o elo da consolidação do capitalismo  
monopolista no país e o apelo da burguesia ao aparato autocrático do Estado para conter a  
pressão das massas nos anos 1960 e a possibilidade de uma ampliação da participação política.  
Nesse quadro, o bloco hegemônico operou, a partir do golpe militar, uma contrarrevolução  
preventiva que foi decisiva para o fortalecimento da dominação burguesa.  
Evidencia-se, então, que o Estado teve papel central na criação de condições para o  
desenvolvimento capitalista no Brasil. Para Santos (2012), o desempenho das suas funções  
econômicas e extraeconômicas estão associadas, quase sempre, à fragilidade da dominação  
burguesa no plano econômico e à sua precoce dominância política. Deve-se considerar ainda  
um aspecto destacado pela autora referente ao protagonismo do Estado no âmbito das relações  
entre capital e trabalho na realidade brasileira. Desde as primeiras iniciativas de regulações do  
trabalho, o Estado brasileiro efetiva uma política de restrição de direitos trabalhistas que  
subjuga a classe trabalhadora à níveis de informalidade e superexploração, o que não foi  
alterado nem mesmo em contextos de forte crescimento econômico, como ocorre no período de  
industrialização dos anos 1950 e durante a ditadura militar.  
256  
Em sua análise, a autora argumenta que a formação do mercado de trabalho nacional é  
caracterizada pela condição de desemprego estrutural, restrita regulação do trabalho, alta  
rotatividade nos empregos, informalidade e baixos salários, “consolidando, assim, uma relação  
entre capital e trabalho pautada na superexploração” (Santos, 2012, p. 436). O Estado, com seu  
caráter autoritário, cumpre o papel de garantir as condições necessárias para reprodução da  
superexploração do trabalho no país, utilizando seu aparato repressivo para reprimir a  
organização e as lutas dos trabalhadores contra os níveis de exploração desumanos e as  
remunerações abaixo do valor da força de trabalho que caracterizam o mercado de trabalho  
brasileiro.  
Libertas, Juiz de Fora, v. 25, n. 1, p. 247-271, jan./jun. 2025. ISSN 1980-8518  
Proteção social na realidade brasileira: a assistência social em questão  
Diante desse quadro, em conformidade com o que interpreta a autora, observa-se que os  
processos de flexibilidade e precarização do trabalho no Brasil não podem ser imputados à crise  
mundial capitalista de 1970 embora se tornem mais evidentes no contexto de acumulação  
flexível pois trata-se de traços estruturantes da formação do mercado de trabalho brasileiro,  
ou, melhor dizendo, “constituem o essencial das modalidades de exploração implementadas  
pelo capital” (Santos, 2012, p. 242). Assim, institui-se o que a autora define como “fordismo à  
brasileira”, o significa que, ao contrário da estabilidade promovida nos países centrais durante  
o período fordista clássico, no Brasil sempre vigorou o padrão de flexibilidade/precariedade nas  
relações de trabalho. Por isso, é importante reforçar que, embora a precarização das relações de  
trabalho tenha se estendido à realidade global como efeito da crise estrutural do capital da  
década de 1970, nos países periféricos ela se constitui como condição estrutural para o  
desenvolvimento capitalista.  
É evidente, portanto, que a superexploração do trabalho é traço constitutivo do  
capitalismo brasileiro, que termina por radicalizar a questão social nessa realidade,  
intensificando os processos de pauperização à classe trabalhadora, especialmente à população  
negra, pois como afirma Souza (2023, p. 18), “o racismo [...] é um elemento determinante e  
determinado da superexploração da força de trabalho, sob a dependência e o imperialismo”.  
São os processos de flexibilização, precarização, informalidade, baixos salários e desemprego  
que dão o tom da relação capital-trabalho na periferia desde sempre, e a questão racial é o  
elemento que estrutura e hierarquiza as relações de produção, subjugando a população negra  
aos postos de trabalho mais precarizados e as piores condições de reprodução.  
257  
Os elementos apresentados revelam como nas particularidades da questão social  
brasileira pesa a determinação de contradições advindas da formação social do país, tal como a  
exploração colonial, a conservação da grande propriedade territorial, o caráter conservador da  
modernização capitalista, a estrutural superexploração do trabalho e a condição de dependência  
e subordinação à dinâmica imperialista. Isso significa que as expressões da questão social que  
se apresentam hoje conservam heranças do passado, embora redimensionadas e  
complexificadas.  
Compreendidos os elementos que caracterizam a questão social na realidade brasileira,  
é possível, então, avançar na análise sobre como tais particularidades incidem diretamente na  
configuração e na natureza das políticas sociais sob os marcos de um capitalismo dependente,  
Ana Carolyna Ribeiro Sales; Vera Núbia Santos; Maria da Conceição Vasconcelos Gonçalves  
com destaque para a conformação da Política de Assistência Social (PAS) no país, como será  
sinalizado no próximo item7.  
A conformação da Política de Assistência Social no Brasil: as presentes marcas da  
formação social brasileira  
O desenvolvimento das políticas sociais no Brasil carrega as particularidades da sua  
formação sócio-histórica, o que imprime contornos específicos à construção dessas políticas  
que divergem do padrão forjado nos países centrais. Em concordância com os apontamentos de  
Behring e Boschetti (2011), para pensar o sentido e o significado das políticas sociais na  
realidade brasileira, é preciso fazê-lo de maneira articulada à compreensão da dinâmica do  
capitalismo dependente, o papel do Estado capitalista na sua formulação e implementação e a  
interferência da luta de classes na sua conformação.  
Em atenção a esses determinantes, observa-se que a própria condição de dependência  
impõe limites estruturais às políticas sociais no Brasil. Por um lado, a superexploração do  
trabalho, como condição necessária à acumulação capitalista nas economias dependentes,  
produz a agudização dos níveis de pobreza e desigualdade para o conjunto das classes  
subalternas, que, por sua vez, exige respostas estatais às expressões da questão social que se  
manifestam. No entanto, é esta mesma dinâmica de dependência que materializa um Estado a  
serviço dos interesses da burguesia, especialmente da burguesia internacional, em que impera  
uma democracia restrita que prioriza os interesses das classes dominantes e fragiliza a  
capacidade de pressão dos subalternos em favor dos seus direitos. Como resultado, observa-se  
que a tendência à pauperização de grande parcela da população vem acompanhada de ações  
insuficientes por parte do Estado no enfrentamento às expressões da questão social, revestidas  
por um caráter heterogêneo e pontual. Paiva e Ouriques (2006, p. 172) destacam que  
258  
[...] para a grande maioria da população, pobreza e miséria vêm acompanhadas  
da omissão do Estado, expressa, sobretudo, na ausência de políticas sociais,  
ou, na maioria das vezes, num tipo determinado de política social, cujo  
horizonte não pode ser pretensioso em termos sociais e políticos e no qual  
todo radicalismo deve ser combatido, seja em termos da composição do gasto  
social seja em função da dimensão emancipadora que elas poderiam conter.  
Couto (2010, p. 92), ao analisar a instituição das políticas sociais na realidade brasileira,  
afirma que “os traços constitutivos de uma sociedade dependente com economia baseada no  
7 Cabe destacar que, embora este artigo dialogue com um conjunto de autoras e autores que analisam a formação  
social brasileira, a questão social e a assistência social a partir de matrizes teóricas alinhadas à crítica social, suas  
abordagens não são homogêneas. Há diferenças significativas nas interpretações, ênfases e categorias analíticas  
adotadas, especialmente sobre a assistência social, porém, o aprofundamento dessas diferenças escapa aos limites  
deste artigo.  
Libertas, Juiz de Fora, v. 25, n. 1, p. 247-271, jan./jun. 2025. ISSN 1980-8518  
Proteção social na realidade brasileira: a assistência social em questão  
trabalho escravo e com relações sociais delimitadas pelo campo privado, darão a trajetória dos  
direitos [...] nessa sociedade”, ou seja, esses traços são, portanto, as características de uma  
sociedade marcada por uma trajetória antidemocrática e autoritária que dão o tom da fragilidade  
da cidadania no país, visto que o acesso aos direitos sociais se caracterizou como desigual e  
fragmentado.  
Nesse sentido, cabe lembrar Yazbek (2012), ao ressaltar que, no Brasil, até o início do  
século XX, a pobreza era vista como um problema individual, sendo alvo de ações sociais e  
filantrópicas e redes de solidariedade e familiares, com um trato pautado no assistencialismo,  
enquanto o Estado operava por meio da coerção e repressão, tratando-a como caso de polícia,  
sem qualquer tipo de fomento à instituição de direitos sociais. Esse quadro sofre alterações com  
o desenvolvimento da industrialização e da emergência da classe operária e suas reivindicações.  
É neste momento que o Estado reconhece a legitimidade da questão social, o que dá início as  
medidas estatais de proteção ao trabalhador.  
Nesse contexto, as primeiras iniciativas de proteção social no Brasil, que datam de 1919  
e se expandem a partir de 1930 no governo Vargas, ocorreram de forma condicionada ao que  
Santos (1994) denomina de cidadania regulada8. Isso porque tais iniciativas foram restritas aos  
cidadãos inseridos no mercado formal de trabalho, constituindo um sistema baseado no modelo  
de seguro social transportado dos países europeus, com caráter contributivo.  
259  
Em uma realidade marcada pela superexploração da força de trabalho, em grande parte  
subjugada ao desemprego ou à informalidade, a vinculação das iniciativas de proteção social  
com a inserção laboral formal implica, necessariamente, na exclusão das classes subalternas ao  
seu acesso. Com base na forma particular que se constitui o mercado de trabalho da periferia  
capitalista, a assistência social adquiriu centralidade na reprodução da classe trabalhadora  
brasileira, entendida na totalidade daqueles e daquelas disponíveis no mercado, o que demarca  
a sua relação histórica com o trabalho.  
A especificidade da política de assistência social pode ser referenciada no  
âmbito das respostas concretas à grande massa de trabalhadores informais,  
desempregados e subempregados, àqueles que não são contemplados com as  
demais políticas sociais e que seguem à margem da proteção social tradicional,  
alicerçada na contributividade do trabalho formal (Paiva; Rocha; Carraro,  
2010, p. 256).  
8 O conceito de cidadania regulada foi formulado por Wanderley Guilherme Santos em referência a forma que a  
cidadania foi definida no Brasil, em que o Estado é quem regula quem era cidadão ou não através da profissão.  
Utilizando-se da sua explicação, “por cidadania regulada entendo o conceito de cidadania cujas raízes encontram-  
se, não em um código de valores políticos, mas em um sistema de estratificação ocupacional, e que, ademais, tal  
sistema de estratificação é definido por norma legal. [...] A cidadania está embutida na profissão, e os direitos do  
cidadão restringem-se aos direitos do lugar que ocupa no processo produtivo, tal como reconhecido por lei”  
(Santos, 1994, p. 68).  
Ana Carolyna Ribeiro Sales; Vera Núbia Santos; Maria da Conceição Vasconcelos Gonçalves  
Aos considerados “não cidadãos”, excluídos dos sistemas de proteção social  
contributivos, restou-lhes a benemerência e a filantropia das ações assistenciais. Assim, a  
conformação da assistência social se baseia no atendimento dos segmentos sem condições de  
prover sua própria subsistência através do trabalho, tendo suas protoformas determinadas por  
ações pautadas na caridade e na benesse, o que a transforma em prática assistencialista ou no  
assistencialismo.  
Ao contrário do que ocorreu nos países centrais, onde a constituição do sistema de  
proteção social representou a ampliação do exercício de cidadania, Sposati (2002) chama a  
atenção para o fato de que nos países periféricos uma grande parte da população teve seu status  
de cidadão negado, o que fez com que a solidariedade da sociedade civil fosse a principal  
responsável pela atenção aos segmentos pauperizados. Desta forma, a assistência social  
inicialmente apresenta uma vinculação histórica com o trabalho filantrópico da rede privada  
levada a cabo por instituições religiosas como a Igreja Católica e entidades beneficentes,  
movido pelo sentimento cristão de amparo aos despossuídos e necessitados.  
A respeito da intervenção do Estado, há que se destacar que as ações estatais organizadas  
para o enfrentamento da pobreza se articulavam com as ações voluntárias e filantrópicas de  
entidades da sociedade civil, especialmente via subvenções e auxílios técnico-financeiros9, para  
realização de um conjunto de ações descontínuas, pontuais e pulverizadas, distantes da sua  
afirmação como política social. Com isso, contribuía para reiterar uma perspectiva de ajuda e  
voluntariado junto às classes subalternas no campo de intervenção da assistência social, com  
sentido aparentemente compensatório e meritocrático. Por isso, Sposati (2002, p. 16) afirma  
que “a assistência social não consegue assumir o perfil de uma política no campo da reprodução  
social”.  
260  
Essa configuração das práticas da assistência social se distancia da lógica do direito e  
materializa o viés do favor no trato aos segmentos mais pauperizados, reiterando relações de  
dependência e submissão ao ter o atendimento pontual de suas necessidades revestidas na forma  
de benesse e/ou concessão. Como observa Yazbek (2016), as relações sociais atravessadas pelo  
favor e pelo clientelismo, características da cultura política brasileira em razão da sua formação  
social, penetram a política social, encontrando na assistência social um solo fértil para a  
ocorrência de práticas assistencialistas e clientelistas.  
9 Mestriner (2011) demarca que a primeira iniciativa do Estado brasileiro de reconhecimento da assistência social  
ocorre no governo Vargas através da criação do Conselho Nacional de Serviço Social (CNSS), em 1938, tendo  
como principal função a emissão de subvenções às entidades filantrópicas e organizações sociais.  
Libertas, Juiz de Fora, v. 25, n. 1, p. 247-271, jan./jun. 2025. ISSN 1980-8518  
Proteção social na realidade brasileira: a assistência social em questão  
Há uma associação entre o clientelismo e o assistencialismo nas bases da assistência  
social, em que o acesso aos bens e serviços se realiza a partir de relações de favor, o que  
reproduz uma subordinação dos subalternos aos representantes do poder público, especialmente  
na forma de lealdade e fidelidade políticas, nas quais, como afirma Schwarz (1981, p. 16), “o  
favor é a nossa mediação quase universal”. Tais práticas estão ligadas à tradição patrimonialista  
do Estado, que como se sabe, prevê uma indistinção entre o público e o privado, operando uma  
negação de direitos que nem sempre é percebida como tal, o que serve, necessariamente, para  
ocultar o conflito e legitimar a dominação das classes dominantes. Por este motivo, Yazbek  
(2016, p. 70) assinala que “o significado assumido pela assistência se explica a partir, e no  
conjunto, das relações entre dominantes e dominados”, e Oliveira (1998, p. 12-13) analisa:  
A constituição da assistência social como política pública percorre um longo  
caminho no país “cordial” de Sérgio Buarque de Holanda, em que a  
sociabilidade do favor era – e ainda é – a moeda de troca das relações sociais,  
principalmente entre dominantes e dominados. A área da assistência social  
presta-se, como poucas, a essa cordialidade. Desfazer isto que é quase uma  
“segunda natureza” das relações de dominação no Brasil, para transformá-la  
numa esfera pública não burguesa que ao mesmo tempo se estrutura nos  
direitos e reforça-se com sua prática, não é uma tarefa para poucas décadas.  
Essa matriz do favor, como lembra Yazbek (2016), fundamenta a cultura tuteladora que  
historicamente permeia as ações da assistência social, criando um estigma sobre os/as seus/suas  
usuários/as enquanto desemparados/as, necessitados/as, reforçando a auto culpabilização pela  
sua situação de pobreza e, por consequência, renegando a sua condição de sujeitos de direitos.  
Convém destacar que a lógica do direito, que por muito tempo não se apresentava nas iniciativas  
assistenciais, foi incorporada tardiamente. Somente com a aprovação da Constituição Federal  
de 1988 a assistência social torna-se, efetivamente, uma política de proteção social, quando  
passa a integrar o tripé da Seguridade Social brasileira, junto às políticas de Saúde e da  
Previdência Social, o que a traz para o campo dos direitos e da responsabilidade estatal. No  
entanto, essa caracterização não se mostrou suficiente para eliminar a sua tradição clientelista  
e conservadora que ainda se percebe na sociedade hodierna.  
261  
A Constituição Federal confere à assistência social a condição de política social de  
proteção social não contributiva, destinada a que dela necessitar. Entretanto, Sposati (2007, p.  
442) destaca que “não é o fato de nominar o campo da assistência social como de proteção  
social que lhe instaura, de imediato, nova percepção social”. Em razão da sua tradicional relação  
com a iniciativa privada e filantrópica, demanda-se um conjunto de modificações e  
ressignificações para alcançar um novo paradigma de gestão. Assim, apesar dos avanços no  
Ana Carolyna Ribeiro Sales; Vera Núbia Santos; Maria da Conceição Vasconcelos Gonçalves  
campo jurídico institucional, o reconhecimento público da assistência social como direito tem  
sido uma tarefa árdua, em que ainda há muito a ser feito.  
Compreende-se que a introdução da Política de Assistência Social na Seguridade Social  
ocorreu pela negativa, na medida que a assistência passa a integrar tudo aquilo que não era parte  
da Previdência Social10 por não ser decorrente de contribuição prévia, sendo “instituída mais  
pelas ‘heranças institucionais’ do que pela concepção efetiva de um novo paradigma ou novo  
pacto social com base na democracia e na redistributividade”, como elucida Sposati (2007, p.  
446), o que não explicitou, no primeiro momento, a necessidade de novas responsabilidades  
sociais e públicas para com a população não acobertada pela Previdência, ou ainda, que se  
tratava de um esforço de expansão da cidadania brasileira para além do seguro social.  
No entanto, simultaneamente a este movimento de reorganização da assistência social,  
sucedia-se uma reconfiguração das relações capitalistas no cenário brasileiro diante do avanço  
da ofensiva neoliberal a partir da década de 1990. A consequência mais evidente da introdução  
do neoliberalismo no país é o retrocesso de conquista de direitos estabelecidas na Constituição  
Federal, incidindo diretamente sobre o sistema de proteção social e as condições de vida das  
classes subalternas, especificamente no tocante ao financiamento das políticas sociais com o  
advento da Emenda Constitucional 95, de 2016 (Brasil, 2016).  
A adoção do receituário neoliberal teve consequências distintas entre os países,  
guardadas suas particularidades. Pastorini e Galízia (2006) sinalizam que a adesão pelos países  
da América Latina às propostas neoliberais na década de 1980 deu-se por imposição dos  
organismos internacionais, como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI).  
Uma vez que a concessão de empréstimos aos governos latino-americanos tinha a adesão à  
ideologia neoliberal como contrapartida, assim como às prescrições desses organismos para  
cada país, reitera-se a condição de dependência que caracteriza essa relação. Nestas economias,  
a exemplo do Brasil, o principal efeito do ajuste proposto foi sentido pelo recrudescimento da  
pobreza e da miséria. Contraditoriamente, esse mesmo ajuste traduz um impeditivo para  
estruturação do incipiente sistema de proteção social brasileiro, como consequência da  
redefinição do papel do Estado.  
262  
Assim, evidencia-se que a tônica das recomendações do ideário neoliberal pauta a defesa  
de um Estado mínimo na área social, a partir da redução da sua função de provedor de direitos  
10 Um exemplo de transferência do campo da previdência social para o da assistência social foi a Renda Mensal  
Vitalícia (RMV), que consistia em uma espécie de pensão social para idosos e pessoas com deficiência,  
independente de contribuição prévia ao seguro social, tendo sido extinto do âmbito da previdência em 1996,  
sucedido pelo Benefício de Prestação Continuada (BPC) sob o escopo da assistência social.  
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Proteção social na realidade brasileira: a assistência social em questão  
e serviços sociais, e de cortes nos gastos sociais, qualificados como custos excessivos, como  
afirma Soares (2003), o que interfere na lógica dos direitos conquistados com o capítulo da  
Seguridade Social na Constituição Federal, uma vez que, conforme indica Laurell (2002, p.  
163) “o neoliberalismo opõe-se radicalmente à universalidade, igualdade e gratuidade dos  
serviços sociais”. O que se percebe com isso, é a paulatina transferência do atendimento das  
necessidades sociais para o âmbito do mercado por meio do sucateamento dos serviços  
públicos, bem como pela sua privatização.  
Nesse sentido, importa destacar que “a cultura neoliberal cai, como uma luva, em nossa  
tradição político-cultural, fazendo emergir um de seus traços mais conservadores: o predomínio  
do interesse privado sobre todas as coisas em detrimento dos interesses públicos” conforme  
ressalta Iamamoto (2009, p. 35) ao retomar Chauí (1995).  
Depreende-se, então, que os avanços legais para institucionalização da PAS no Brasil  
se defrontam com os entraves oriundos da orientação neoliberal e das particularidades da sua  
formação social. Exemplo disso foi a sua regulamentação tardia a partir da Lei Orgânica da  
Assistência Social (LOAS), aprovada em 1993, após o veto do seu primeiro projeto pelo  
presidente Fernando Collor de Melo, em 1990. Ou seja, somente cinco anos após a promulgação  
da Constituição Federal de 1988 a assistência social foi regulamentada, tendo sido a última do  
conjunto das políticas de Seguridade Social. A sua materialização como política nacional,  
entretanto, demorou mais 11 anos, com a efetivação em julho de 2004 e implantação do Sistema  
Único da Assistência Social em 2005 e, em 20 anos depois, ainda não possui percentual de  
financiamento assegurado no orçamento público11. Tais constatações demonstram o tratamento  
residual que a assistência social recebe ao lado das demais frentes de proteção social.  
É também sob este contexto que se estabelece uma agenda de restrição de direitos  
sociais, onde impera o trinômio privatização/focalização/descentralização no trato das políticas  
sociais (Behring, 2003), conforme agenda da ideologia neoliberal no país. Assim, a Política de  
Assistência Social se depara com uma conjuntura desfavorável à sua execução, sendo imbuída  
por uma lógica reducionista que imprime uma característica seletiva e focalizada de  
atendimento às demandas das classes subalternas. A focalização se torna o fulcro do acesso a  
essa política, produzindo um enrijecimento dos critérios e condicionalidades na tentativa de  
263  
11 Tramita na Câmara Federal a Proposta de Emenda à Constituição 383/2017, que “altera a Constituição Federal  
para garantir recursos mínimos para o financiamento do Sistema Único de Assistência Social”. A proposta  
encontra-se “pronta para pauta no plenário”, conforme informação disponível no site da Câmara dos Deputados:  
Ana Carolyna Ribeiro Sales; Vera Núbia Santos; Maria da Conceição Vasconcelos Gonçalves  
reduzir o contingente de beneficiários/as, conformando um desmantelamento notório a sua já  
muito frágil afirmação enquanto política de direito.  
Na análise de Pereira (1996), a perspectiva focalista e seletiva que rege a PAS, se deve,  
em grande parte, à insuficiência da destinação de recursos financeiros para a sua execução. Vale  
ressaltar que, em economias dependentes, como o Brasil, a expropriação do fundo público  
aparece ao lado da superexploração do trabalho como mecanismo de transferência de valor para  
os países centrais, especialmente sob aporte do serviço da dívida. Apesar de não ser um  
fenômeno novo, pois a dívida externa da América Latina tem origem no período da sua  
independência política, tendo sido contraída para o pagamento da indenização às antigas  
metrópoles, Marini (2011) observa que sua intensificação ocorreu a partir da década de 1970,  
momento em que o capital estrangeiro na periferia passou a ser investido predominantemente  
por meio de financiamentos.  
Assim, o capital estrangeiro, “além das taxas de amortização, cobra taxas de juros que  
são deduzidas da mais-valia gerada pelo investimento produtivo para o qual ele contribuiu, sem  
haver assumido, contudo, os riscos da produção e realização dessa mais-valia” (Marini, 2012,  
p. 25). Ocorre então a canalização do fundo público das economias periféricas para o capital  
imperialista, especialmente através do pagamento da dívida externa, ampliando a relação de  
dependência.  
264  
Para Salvador e Ribeiro (2023, p. 3), “a participação concreta do Estado quanto à  
garantia das condições para o desenvolvimento do capitalismo e à reprodução das relações  
sociais é perceptível a partir da constituição e apropriação do fundo público12”. Os autores  
afirmam que a mediação do fundo público na garantia do processo de transferência de valor se  
dá pela isenção de impostos sobre os lucros remetidos ao capital estrangeiro e uma pesada carga  
tributária sobre os trabalhadores, dado o caráter regressivo da estrutura tributária na periferia  
capitalista, com maior incidência sobre o consumo, enquanto nos países centrais recaem,  
majoritariamente, sobre a renda e o patrimônio.  
Desta forma, tem-se um Estado partícipe no socorro à reprodução do capital em  
detrimento da sua participação na reprodução da força de trabalho, o que se contrapõe aos  
clamores liberais de um Estado mínimo, demonstrando que para o capital sua atuação deve ser  
sempre máxima. Nessas condições, há uma restrição do fundo público para viabilização de  
12 Para Behring (2021, p. 91), o fundo público pode ser compreendido como “[...] um compósito de mais-valia —  
incidindo sobre o lucro/juro e a renda da terra — e sobre o trabalho necessário, há vista a crescente tributação  
sobre os rendimentos da classe trabalhadora e também sobre as mercadorias que compõe sua cesta básica de  
reprodução (tributação indireta)”.  
Libertas, Juiz de Fora, v. 25, n. 1, p. 247-271, jan./jun. 2025. ISSN 1980-8518  
Proteção social na realidade brasileira: a assistência social em questão  
políticas sociais universais e gratuitas, intensificado com os ajustes neoliberais, na medida que  
são disponibilizados recursos escassos para investimentos, comprometendo a efetivação dos  
direitos sociais das classes subalternas, que tem suas condições de vida agravadas pela mesma  
dinâmica de dependência.  
Sob esta perspectiva, para além da redução da sua abrangência, a cobertura da Política  
de Assistência Social não acompanha as demandas da população que constitui seu público-alvo,  
pois passa a responder de acordo com a disponibilidade orçamentária. Por isso, muitos/as  
usuários/as que necessitam dos serviços e benefícios recorrem a ela, mas nem sempre são  
atendidos/as. Por este motivo, Pereira (1996, p. 17) chama atenção para o fato de que a  
assistência social “[...] deve atender a pobreza (problema estrutural e substantivo), mas o  
critério que rege a sua ação é algo externo à pobreza, isto é, a disponibilidade de recursos  
(problema conjuntural e político)”.  
Nessas condições, a partir dos anos 1990 a assistência social direciona suas iniciativas  
para focalização na população identificada como mais pauperizada dentre os segmentos  
pauperizados, caracterizando-se por ações paliativas no combate à pobreza e extrema pobreza.  
É importante demarcar que o redimensionamento da assistência social brasileira para um viés  
de política de combate à pobreza tem relação com as prescrições do Banco Mundial e do FMI,  
que, segundo Netto (2007), começaram a demonstrar “preocupação” com o agravamento da  
questão social, especialmente os níveis de pobreza, provocado pela adoção das medidas de  
ajuste estrutural pelos países da América Latina. Por este motivo, “as políticas passam a ser  
substituídas por ‘programas de combate à pobreza’, que tratam de, segundo seus proponentes,  
‘minimizar’ os efeitos do ajuste sobre os ‘mais pobres’ ou os ‘mais frágeis’” (Soares, 2003, p.  
27).  
265  
Conforme analisa Ugá (2004), nesse período houve uma mudança no tratamento da  
pobreza na agenda política internacional, transformando-se em um ponto de atenção especial  
nos relatórios de organismos internacionais e nos documentos de avaliação e formulação de  
políticas públicas dos países periféricos. Essa preocupação se intensifica à medida que o  
crescimento da desigualdade social na periferia capitalista poderia representar uma ameaça à  
ordem pelos segmentos pauperizados.  
É nesse contexto, de acordo com Sitcovsky (2013), que irão se desenvolver os  
programas de transferência de renda nesses países enquanto estratégia para o enfrentamento da  
pobreza, assumindo centralidade nas iniciativas que constituem a Política de Assistência Social  
na entrada do século XXI. No Brasil, tais programas começam a ser instituídos no final dos  
anos 1990 durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, a exemplo do Bolsa Escola, o  
Ana Carolyna Ribeiro Sales; Vera Núbia Santos; Maria da Conceição Vasconcelos Gonçalves  
Auxílio Gás e o Bolsa Alimentação, mas é no primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva  
que se tem a unificação destes programas e do Cartão-Alimentação com a criação do Programa  
Bolsa Família (PBF) em 2003, que se tornou o maior programa de transferência de renda do  
país. No entanto, há que se registrar que,  
As iniciativas de expansão da assistência social – via programas de  
transferência de renda – longe de representar a adoção de um novo receituário  
para as políticas sociais, consolidaram as tendências regressivas da  
Seguridade Social em curso no Brasil e nos demais países latino-americanos  
desde os anos de 1990 (Sitcovsky, 2013, p. 133).  
Dessa forma, os programas de transferência de renda emergem como uma medida para  
administração da pobreza através da transferência monetária às famílias pobres ou  
extremamente pobres, tendo como critério de elegibilidade as linhas de pobreza absoluta13,  
mediante apresentação de elementos comprobatórios e, como contrapartida exige o  
cumprimento de condicionalidades14 associadas às políticas de saúde e educação. Assim,  
reproduz-se o que Teixeira (2002) conceitua de cidadania invertida, em que o indivíduo recorre  
à assistência social no momento que se reconhece como um não-cidadão, estabelecendo com o  
Estado uma relação de beneficiário condicionado a comprovação da sua situação de miséria e  
pobreza.  
Pelo exposto, concorda-se com Boschetti (2009, p. 11) acerca de que os programas de  
transferência de renda são destituídos do caráter de direito, pois “seus valores,  
condicionalidades e forma de gestão o colocam na órbita das políticas compensatórias”. Ainda  
que seja inegável o impacto desses programas para redução da pobreza e para subsistência  
material dos/as beneficiários/as, não se pode desconsiderar que não há intenção de uma efetiva  
redistribuição de renda nestes programas, mas sim a construção de medidas residuais e  
focalizadas que não têm a potencialidade de tirar o/a beneficiário/a da sua condição  
pauperizada, principalmente em uma realidade como a do Brasil. Como observa Stein (2009,  
p. 201), “[...] “analisados sob o prisma das necessidades básicas, os programas revelam que o  
atendimento se restringe à sobrevivência”. Há que se salientar, ainda, que  
266  
Mesmo que se possa e deva reconhecer que, contraditoriamente, a assistência  
social, e tais programas, possam ser assegurados como direito social, não se  
pode esquecer sua histórica função e potencialidade de manter a coesão, a  
integração e o controle social sobre uma parcela dos pobres, enquanto para  
outros prevalece a criminalização, repressão e punição (Boschetti, 2016, p.  
13  
Em 2025, são elegíveis ao Programa Bolsa Família as famílias inscritas no Cadastro Único em situação de  
pobreza, com renda per capita mensal de até R$ 218,00 (duzentos e dezoito reais).  
14  
Em relação à educação, as condicionalidades consistem na frequência escolar mínima de 85% no caso de  
crianças de 06 a 15 anos e 75% no caso de jovens de 16 e 17 anos. Na saúde, as condicionalidades consistem no  
acompanhamento pré-natal, nutricional, vacinação, crescimento e desenvolvimento da criança.  
Libertas, Juiz de Fora, v. 25, n. 1, p. 247-271, jan./jun. 2025. ISSN 1980-8518  
Proteção social na realidade brasileira: a assistência social em questão  
25).  
Ao que parece, as tendências atuais da Política de Assistência Social brasileira tendem  
à ampliação do assistencialismo voltado ao pauperismo absoluto, considerando os últimos anos,  
concretizado por meio de intervenções episódicas e pontuais, contrárias à concepção da  
assistência como direito. O cenário torna-se ainda mais crítico pós-2016, período em que a  
materialização do SUAS e os avanços na sua construção são ameaçados pela exasperação dos  
mecanismos de ajuste fiscal no país, resultando em profundos retrocessos no campo dos direitos  
sociais. Na análise de Mauriel (2020, p. 208)  
[...] as tendências que se apresentaram na assistência social mostram um  
processo contraditório que, ao mesmo tempo em que apontam a garantia de  
direitos a toda população pela noção de seguridade social, apresentam  
tendências neoconservadoras que limitam sua própria estruturação como  
política de proteção – centralidade da transferência de renda, foco do alívio da  
pobreza extrema, focalização, paralelismos, sem deixar de vivenciar os velhos  
dilemas assistencialistas e clientelistas que ainda se fazem presentes, mas  
reconfigurados e, por vezes, potencializados.  
Esse movimento implica na diluição das conquistas históricas que impulsionaram os  
avanços da Política de Assistência Social pós-1988 e na reintrodução de mecanismos de  
desproteção social. O esforço em destacar esses impactos não desconsideram os avanços  
logrados à Política de Assistência Social, porém atentam para a descontinuidade do ciclo breve  
de sua construção como política de direito e realçam como as determinações históricas e  
estruturais da formação social brasileira, presentes nos traços do capitalismo dependente, do  
legado colonial, clientelista e patrimonialista, impõem desafios e limites à assistência enquanto  
política pública.  
267  
Tal debate não pretende desconsiderar a importância desta política, tampouco negá-la  
como instrumento de proteção social. Pelo contrário, exige reconhecer seu papel estratégico na  
disputa pelos direitos e pela ampliação da cidadania. No entanto, é igualmente imprescindível  
explicitar seus limites históricos e estruturais na realidade brasileira, diretamente determinados  
pela lógica do capitalismo dependente e periférico. Portanto, é preciso afirmar com clareza: a  
assistência social não é, nem pode ser, a solução para os problemas estruturais da formação  
social brasileira. Seu papel, ainda que fundamental, deve ser compreendido no marco das lutas  
por direitos, da radicalização democrática e da construção de alternativas societárias que  
apontem para além da sociabilidade do capital.  
Ana Carolyna Ribeiro Sales; Vera Núbia Santos; Maria da Conceição Vasconcelos Gonçalves  
Considerações finais  
À luz da análise desenvolvida, impõe-se problematizar: quais são, afinal, os limites  
estruturais da Política de Assistência Social em um país cuja formação social se ancora em um  
capitalismo hipertardio, dependente e profundamente atravessado pela lógica da revolução  
passiva? Esta trajetória, marcada pela conciliação entre modernização e conservação, pela  
reprodução ampliada da dependência e pela ausência de rupturas radicais com o colonialismo,  
a escravidão e a ordem oligárquica, conforma as bases históricas que tensionam e, ao mesmo  
tempo, condicionam a conformação da assistência social no Brasil.  
A assistência social, portanto, carrega uma contradição fundante: enquanto, por um lado,  
constitui uma trincheira de resistência no campo das lutas sociais, por outro, encontra-se  
permanentemente tensionada pela sua inscrição em uma ordem que reproduz a desigualdade, a  
exploração e a subordinação. Não há como dissociar os impasses desta política dos impasses  
do próprio desenvolvimento capitalista brasileiro. Isso revela que, enquanto persistir o padrão  
de acumulação destrutivo e excludente do capital, a assistência social estará permanentemente  
tensionada entre ser instrumento de controle social e mediação da ordem, ou expressão de  
resistência e ampliação dos direitos sociais.  
Desta forma, importa refletir: Quais as possibilidades de a assistência social romper com  
os desafios impostos, numa conjuntura onde as demandas das lutas sociais não fazem parte da  
pauta de negociação? Qual é o lugar desta política em um capitalismo dependente, que, no atual  
estágio de acumulação, intensifica a plataformização do trabalho, a precarização, a  
expropriação, a devastação ambiental e o aprofundamento da desigualdade?  
268  
O desafio que se coloca, então, não é apenas defender a Política de Assistência Social  
frente aos processos de desmonte e mercantilização dos direitos, mas, sobretudo, compreendê-  
la como parte de uma luta mais ampla. Essa é uma disputa aberta, que exige, mais do que nunca,  
a articulação das lutas coletivas em defesa dos direitos sociais, reconhecendo que a superação  
dos desafios postos à assistência social está indissociavelmente vinculada ao enfrentamento da  
ordem do capital e das estruturas que sustentam a dependência e a reprodução da desigualdade  
no Brasil.  
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