As teses do VI CBAS de 1989 nas trincheiras da luta antirracista do serviço social brasileiro: legado e atualidade
superexploração da força de trabalho, em detrimento das necessidades médias do capital
(Fagundes, 2022). Moura (1988) já havia feito um balanço de denúncia sobre as manutenções
da dinâmica das desigualdades raciais no Brasil, 100 anos após a Abolição.
A eliminação dos sistemas de proteção, social, a "flexibilização" dos direitos
sociais dos trabalhadores, a destruição da malha de proteção social (como
saúde, habitação e educação), a implantação de políticas “desreguladoras” das
economias nacionais dos países periféricos, as privatizações dos segmentos
estratégicos, o aumento vertiginoso do desemprego estrutural: tudo isto lança
as populações pobres - majoritariamente negras - na dramática condição de
excedente populacional descartável (Jornal da Marcha, 1995, p. 04).
Nesse contexto dos anos 1990, de contrarreformas no âmbito do Estado, é realizada, por
um conjunto de entidades, grupos, sindicatos, organizações e movimentos sociais negros8, a I
Marcha Zumbi contra o Racismo, pela Cidadania e pela Vida, em 20 de novembro de 1995,
reunindo mais de 30 mil pessoas, em Brasília, sendo um importante marco de denúncia do
racismo no Brasil, evidenciando, deste modo, a isenção do Estado na ausência da adoção de
medidas de promoção da igualdade racial voltadas à população negra, indígena e quilombola.
Nesse momento, foi entregue um documento-compromisso ao então presidente
Fernando Henrique Cardoso. Esse movimento massivo expressa um legado que ensejou
importantes desdobramentos nas primeiras décadas dos anos 2000, durante os governos
petistas, considerando sua demarcação política, e, de tal maneira, tensionando pautas e
reivindicações históricas, no campo da promoção da igualdade racial (Domingues, 2007).
513
Sem dúvida, a análise das relações raciais no Brasil realizada pelas assistentes
sociais negras no final da década de 1980 foi uma crítica contundente à
persistência do mito da democracia racial, que desconsiderou o racismo como
determinação das condições de vida e trabalho e processos de resistência da
população negra desde a escravidão, através da qual se estruturou as relações
de dominação / opressão com base na raça e no gênero, assimetrias e
desigualdades (Almeida, Rocha, Branco, 2019, p. 169-170).
Ademais, nesse período, ainda eram apresentadas “teses” nos CBAS – uma forma de
comunicação, aprovada e deliberada em assembleias prévias ao encontro mais amplo
propriamente dito. No VI CBAS (1989), foram apresentadas duas teses, concentradas no eixo
Rio-São Paulo, respectivamente, — Serviço Social e os Bastidores do Racismo, de autoria de
Magali da Silva Almeida e Fátima Cristina Rangel Sant’Anna; e a tese – A questão racial
8 Conforme expressa, o Jornal da Marcha (1995): “Sem prejuízo da pluralidade de concepções e ações políticas,
coloca-se hoje, para a militância que combate o racismo, o enorme desafio de priorizar os anseios e os interesses
maiores da população afro-brasileira, através da formação de um amplo arco de força e aliança capaz de pautar a
questão racial na agenda dos problemas nacionais. Forjar a unidade no Tricentenário de Zumbi é um imperativo
histórico que exige das entidades do Movimento Negro um exercício coletivo de descoberta de novas formas de
relacionamento. Isto também resulta na defesa intransigente da postura ética e do objetivo comum de consolidar o
Movimento Negro como elemento estratégico na transformação da sociedade brasileira” (Jornal da Marcha, 1995,
p. 04).