A inveja como princípio regulador da multidão
DOI:
https://doi.org/10.34019/2448-2137.2019.31108Resumo
A crítica de Kierkegaard à modernidade e, consequentemente, ao fenômeno das massas se concentrou nos seus aspectos ou desdobramentos morais, culturais, políticos e religiosos, preocupando-se sobretudo em avaliar como tal fenômeno afetava negativamente a consciência individual. Mas, para além desta abordagem sócio-política, é possível analisar o fenômeno da formação das massas e a sua influência sobre os indivíduos a partir de categorias psicológicas – as quais, a meu ver, estão muito mais aptas a explicar as transformações que a consciência individual sofre quando exposta ao assédio da multidão. Ao longo de sua obra, Kierkegaard analisou as paixões dos indivíduos, suas emoções, seus estados de espírito, e nos mostrou de que maneira estes constituem sua subjetividade e, por conseguinte, sua relação consigo mesmos, com o próximo e com Deus. Kierkegaard nunca dedicou uma obra à inveja (como dedicou à angústia ou ao desespero), mas tratou dela no seu livro “Uma resenha literária” (Enliterair Anmeldelse) de 1846. Nesta obra o autor dinamarquês se põe a analisar o fenômeno da formação das massas e encontra justamente na inveja (Misundelse) o seu princípio regulador, isto é, a ideia em torno da qual a multidão se forma. A proposta do presente trabalho é, portanto, mostrar por que a inveja se erige num princípio regulador, quais são os seus efeitos nas consciências individuais, de que maneira se relaciona com o conceito kierkegaardiano de numérico (Numeriske) e, finalmente, como ela contribui para o nivelamento (Nivellering) dos indivíduos.