A imagem sátira, das charges aos memes:
um estudo das páginas on-line do Estadão e G1
Juliana Leão Borba Lins1 e Ana Carolina Kalume Maranhão2
Resumo
O artigo tem como objetivo investigar os memes de internet como uma possível evolução das charges e cartuns no jornalismo on-line e forma de compreender a comunicação imagética, principalmente, por meio do uso da sátira e crítica social. Evolução no sentido de mais bem-adaptado ou, em outras palavras, um artefato mais prolífero. Para isso, o trabalho parte da análise de memes de internet e charges, em matérias publicadas nos veículos on-line Estadão e G1, entre 2008 a 2012, e em 2016 e 2023. Os dados coletados apontam para uma participação mais significativa dos memes de internet enquanto função complementar à parte textual da notícia, mas as charges continuam presentes, sendo ainda uma importante forma de comunicação. Como método, foram utilizados os critérios de análise de conteúdo de Bardin (1977): i) inventário e ii) classificação. Para este estudo, também traremos exemplificações das classificações por meio da análise de imagem proposta por Joly (2012), realizando i) descrição e ii) decomposição. Por fim, será apresentada a função narrativa dos artefatos em: i) gancho de notícias, ii) complemento opinativo e iii) complemento para exemplificar.
Palavras-chave
Memes de internet; Charges; Cartuns; Caricaturas; Evolução cultural.
1 Mestranda do Programa de Pós-graduação em Design da Universidade de Brasília. Graduada em Comunicação pela UnB. E-mail: julianajorp@gmail.com.
2 Doutora e Mestre em Comunicação pelo PPGCOM-FAC/UnB. Professora do PPG Design e da Faculdade de Comunicação da UnB. E-mail: ckalume@gmail.com.
Juiz de Fora, PPGCOM – UFJF, v. 19, n. 2, p. 54-72, mai./ago. 2025 10.34019/1981-4070.2025.v19.48351
The satirical image, from editorial cartoons to memes:
a study of the online pages of Estadão and G1
Juliana Leão Borba Lins1 and Ana Carolina Kalume Maranhão2
Abstract
This article aims to investigate internet memes as a possible evolution of editorial cartoons within online journalism, and as a means of understanding visual communication, particularly through satire and social critique. Evolution is understood here in the sense of being better adapted, or in other words, as a more prolific artifact. To this end, the study analyzes internet memes and editorial cartoons published in the online outlets Estadão and G1 between 2008 and 2012, as well as in 2016 and 2023. The collected data indicate a more significant role for internet memes as a complementary function to the textual component of news, while editorial cartoons remain present and continue to constitute an important form of communication. The method applied follows Bardin’s (1977) content analysis criteria: (i) inventory and (ii) classification. For this study, we also provide examples of these classifications through Joly’s (2012) image analysis, applying (i) description and (ii) decomposition. Finally, we present the narrative function of these artifacts in three forms: (i) as a news hook, (ii) as an opinion-based complement, and (iii) as an illustrative complemente.
Keywords
Internet memes; Editorial cartoons; Comic strips; Caricatures; Cultural evolution.
1 Mestranda do Programa de Pós-graduação em Design da Universidade de Brasília. Graduada em Comunicação pela UnB. E-mail: julianajorp@gmail.com.
2 Doutora e Mestre em Comunicação pelo PPGCOM-FAC/UnB. Professora do PPG Design e da Faculdade de Comunicação da UnB. E-mail: ckalume@gmail.com.
Juiz de Fora, PPGCOM – UFJF, v. 19, n. 2, p. 54-72, mai./ago. 2025 10.34019/1981-4070.2025.v19.48351
Introdução
As imagens são uma poderosa forma de comunicação desde a Antiguidade. Seja nos tetos da caverna de Lascaux, na França, ou em Altamira, na Espanha, podemos encontrar figuras entalhadas de 15.000 a 10.000 a.C. (Gombrich, 2015), provando que os homens têm uma intimidade milenar com o icônico. As imagens que tiveram sua história iniciada nas superfícies das cavernas hoje têm seu ápice nas falsas superfícies das telas; falsas porque não são um contínuo mas um alternado de pontos, como esclarece Flusser (2008).
As imagens habitam vários meios e em cada época predominam em diferentes suportes, desde as paredes de cavernas à madeira mais rudimentar, até à proliferação possibilitada pelas impressões no papel. Adentrando na imagem no jornalismo, a consolidação se dá em meados do século XIX com a modernização do maquinário da imprensa.
Entre os formatos utilizados ao longo da história, cartuns, charges, fotografia e gráficos diversos. A imagem toma movimento com o telejornalismo em meados do século XX. Na internet, meio muldimodal, todos esses formatos são acolhidos. Nesse meio, que possibilita variadas expressões, surge uma linguagem que é sua síntese, os memes de internet.
Existem vários tipos de memes de internet, inclusive aquele pelo qual o grupo ficou conhecido: simples piadas, desafios e brincadeiras. Para este trabalho, é investigado um tipo específico que realiza crítica a acontecimentos sociais e políticos contemporâneos por meio de humor. Memes e memes de internet não são sinônimos. Meme é uma categoria de replicação cultural criada por Dawkins (1976) abrangendo a replicação de ideias, comportamentos e técnicas de um cérebro ao outro. Nessa perspectiva, memes de internet podem ser vistos como um subgrupo dos memes on-line.
Memes de internet podem assumir várias formas, desde apenas textos, imagens fixas, imagens em movimentos como em gifs e até vídeos curtos. A intertextualidade e o humor são uma das principais características de um meme de internet e seu conceito varia, a depender do pesquisador. Knobel e Lankshear (2020) apontam três características dominantes em memes de internet que tiveram maior proliferação, não precisando os três atributos estarem presentes ao mesmo tempo: sobreposição anômala (quando imagens e figuras se sobrepõem sem congruência), intertextualidade (cruzamento de contextos diferentes) e humor (geralmente o satírico).
O trabalho investiga a evolução do uso das imagens satíricas no jornalismo on-line, atravessando um estudo sobre as charges, cartuns e caricaturas até chegarmos aos memes de internet. Em sete anos de análise, foi inventariado um total de 524 matérias jornalísticas com memes de internet ou charges (dentro desta última um grupo que pode incluir ainda caricaturas e cartuns), a partir de uma investigação sobre as publicações dos jornais on-line Estadão e G1, entre os anos de 2008 a 2012, e também 2016 e 2023.
Importante mencionar que o trabalho se debruça sobre a evolução de imagens sátiras do ponto de vista de sua adaptação no jornalismo on-line. O quão presente esses formatos imagéticos se encontram no jornalismo? Ou em outras palavras: como se dá a consolidação da participação desses artefatos em matérias nas páginas jornalísticas on-line em investigação? Evolução não como progresso, mas enquanto bem-adaptado ao espaço.
Foram avaliadas as matérias com artefatos memes de internet em contrapartida com aquelas com charges, caricaturas ou cartuns, que foram buscadas por meio de ferramenta avançada de pesquisa (que possibilitou a procura por ano, site e termos) e utilizados critérios de análise de conteúdo de Bardin (1977), para a formação de um i) inventário e ii) classificação.
Para melhor exemplificação e entendimento das classificações são apresentados alguns dos artefatos encontrados no corpus, utilizando análise da imagem de Joly (2012), que é composta de: i) descrição e ii) decomposição da imagem. Também são apresentados critérios de função narrativa em: i) gancho de notícias, ii) complemento opinativo e iii) complemento para exemplificar.
A análise dos dados evidencia a relevância tanto das charges quanto dos memes de internet como recursos visuais de natureza crítica e satírica no jornalismo digital contemporâneo. Todavia, os memes de internet demonstram uma participação mais significativa ao longo do período investigado. Os memes de internet se destacam ainda enquanto um artefato mais utilizado como um formato comunicativo complementar aos textos das notícias.
Memes, a cultura em evolução
Muito antes de se falar em memes de internet, surgiu o conceito de meme, com o etólogo Dawkins, no livro O gene rgoísta, de 1976. Nele, o professor de zoologia fez a analogia entre gene e meme, sendo o primeiro um replicador genético e o segundo replicador cultural.
Precisamos de um nome para o novo replicador, um nome que transmita a ideia de uma unidade de transmissão cultural, ou uma unidade de imitação. "Mimeme" provém de uma raiz grega adequada, mas eu procuro uma palavra mais curta que soe mais ou menos como "gene". (Dawkins, 2007, p. 330).
O autor traz o meme como traço cultural em que evoluir é conseguir uma melhor taxa de sobrevivência. A cultura assume caráter central em um meme. Em sua visão metafórica sobre gene (no qual o replicador genético tem a intenção de se propagar), os genes utilizam o corpo para sobreviver e os memes, o cérebro. Mas Dawkins deixa claro que quando fala em intenção de gene e de memes lutando pela própria sobrevivência está a utilizar uma metáfora.
Tanto genes e memes sobrevivem de acordo com a melhor adaptação. Nessa direção, é evolução no sentido de o mais apto se multiplicar e se espalhar. Propagar ideias, teorias, conceitos: é isso o que meme realiza. Ele é a inteligência repassada, o comportamento aprendido, as ideias transmitidas. Em suma, tudo que pode ser imitado é meme. O meme é um grande grupo. A cultura é meme. Agora, o que seria uma unidade de meme? De difícil definição, a unidade seria a informação que é repassada junta, em determinado momento, assim, poderia ser tanto uma música inteira quanto um refrão, como esclarece Dawkins (2007).
Continuando a analogia entre genes e memes, Dawkins (2007) ressalta uma das propriedades do gene: a fidelidade da cópia. O autor reconhece que ao contrário dos genes, nos quais cópias fiéis são esperadas e desejadas, no meme isso não é possível. Quando falamos de repasse do abstrato ou imitação de comportamento ou repetição de técnicas, a fidelidade está no traço básico e não necessariamente na totalidade.
Por falar em fidelidade, essa é apenas uma das três propriedades fundamentais do gene e que se junta à fecundidade e longevidade, qualidades essas que igualmente se aplicam ao meme. Longevidade, o perdurar no tempo (não necessariamente dentro do mesmo corpo ou da mesma mente). Fecundidade é o espalhar-se, multiplicar-se.
Continuando a história da terminologia dos memes, se Dawkins foi o criador do conceito de meme, quem o popularizou foi o filósofo e cientista cognitivo Dennett, em seu livro de 1991, Conciousness Explained (Leal-Toledo, 2017). Dennett (2021, p. 217) coloca o meme como “[…] termo geral para qualquer forma de base cultural.” Se Dawkins faz referência aos genes, Dennett faz aos vírus. Para o autor, os memes invadem o cérebro da mesma forma que o vírus faz com corpo. “Os memes têm assim a sua própria aptidão reprodutiva, tal como os vírus”. (Dennett, 2021, p. 219).
Para os teóricos do meme, a ideia é utilizar a fórmula da seleção natural e abstraí-la para utilizar na cultura. Na verdade, os estudiosos da temática entendem a seleção natural como um conceito abstrato que pode ser aplicado em qualquer substrato que tenha como propriedades a fidelidade da cópia, a longevidade e a fecundidade, e também para o qual haverá a concorrência por recursos e assim a disputa por sobrevivência. No caso dos memes, o recurso em disputa seria a atenção das nossas mentes. Agora, que abordamos este grande grupo (meme), vamos ao subgrupo que mais interessa a este trabalho: os memes de internet.
Os novos replicadores no ambiente digital
Os memes são os novos replicadores, considerando a história recente da cultura humana. Já os memes de internet são os novos replicadores no novo meio: o universo digital. Esses novos artefatos são popularmente conhecidos por uma imagem com um texto satírico ou engraçado sobreposto em letras grossas e sem serifas, mas este é apenas um dos seus tipos: o image macro. Os memes de internet, se aplicarmos o conceito de Dawkins, seriam tudo que é compartilhado entre as pessoas no ambiente digital. Meme de internet é um conceito disputado, dependendo do pesquisador acharemos uma diferente explicação.
Börzsei (2020) defende o remix como uma das características-chave. Quanto ao formato e a variação de modos comunicativos que o abriga, este é amplo, indo desde uma simples imagem estática até um vídeo. Ou seja, meme de internet é multimodal. Entre as configurações do meme, Börzsei traz a baixa resolução e a simplicidade.
A maior parte dessas imagens é simplista, de baixa qualidade, em geral, e com estilo banal. Não são criadas com a intenção de parecerem bonitas ou particularmente realistas; seu foco se concentra na mensagem (Börzsei, 2020, p. 512).
Knobel e Lankshear (2020) nos apresentam três características dominantes em memes de internet de grande circulação, sobreposição anômala, intertextualidade e humor (não necessariamente existirão as três características).
Segundo esses mesmos investigadores, os memes de internet “[…] passaram das margens da prática social cotidiana, durante a última década, para desempenhar um papel significativo na forma como interagimos uns com os outros” (Knobel; Lankshear, 2020, p. 122). A última década referenciada no trecho acima seria por volta dos anos de 2008. Ou seja, um período importante de ascensão dos memes de internet.
Nos anos de 1990, começa a se utilizar o termo meme dentro da internet para se referir a piadas e outros sucessos da internet. Em 1993, até mesmo foi criado um newsgroup na Usenet (rede social de texto) onde se discutia a Memética (campo de estudos sobre memes). Já um dos primeiros sucessos da web foi em 1996, o Dancing Baby, animação de bebe dançarino (Chagas, 2020).
Provavelmente, o meme de internet mais antigo é o emoji, aquela carinha que varia as expressões, podendo estar sorridente, triste, espantada etc. O emoji foi criado em 1982 por Scott E. Fahlman (Chagas, 2020). Hoje os memes de internet são variados e surgem em diversos espaços, principalmente, em redes sociais como Twitter, Facebook, YouTube, Instagram e tantas outras.
A sátira no século XIX, a crítica por meio da diversão
Charges são conhecidas pela sua crítica por meio de humor a acontecimentos políticos e sociais ou “cartum cujo objetivo é a crítica humorística imediata de um fato ou acontecimento específico, em geral de natureza política” (Rabaça; Barbosa, 2018, p. 82).
Já a caricatura, geralmente, é a configuração de alguma personalidade com tons distorcidos e humorísticos. “Em sua acepção primeira, a caricatura é a representação da fisionomia humana com características grotescas, cômicas ou humorísticas.” (Rabaça; Barbosa, 2018, p. 73).
Entre as primeiras técnicas utilizadas estava a xilogravura (gravuras em madeira), tendo registro do seu uso ainda no primeiro milênio. Destaque para o surgimento da invenção da litografia (gravura em pedras) por volta dos anos de 1796 que “[…] possibilitava a reprodução de excelentes ilustrações” (Romualdo, 2000, p. 22).
As charges e cartuns como os conhecemos, típicos de jornais impressos e que fazem crítica a acontecimentos da atualidade, se desenvolveram no século XIX. Nos Estados Unidos, o Daily Graphic, em 1873, é o primeiro jornal diário a ter gravuras regularmente em suas edições. Nos anos de 1880, as ilustrações se tornaram comuns nos jornais estadunidenses (Romualdo, 2000).
No Brasil, é com reinado de Dom Pedro II, no século XIX, que vem a modernização da imprensa e com isso o surgimento dos humorísticos ilustrados.
Merece destaque, no contexto de modernização da imprensa no Segundo Reinado, o surgimento do periodismo, em particular o satírico, que começou a usar ilustração. (Romancini; Lago, 2007, p. 59).
O humor ilustrado apresentava um trabalho significativo de artistas críticos aos costumes e a política. A Semana Ilustrada (1860), do alemão Henrique Fleuss, foi o primeiro periódico duradouro a apontar neste cenário. Já a Revista Ilustrada do italiano Ângelo Agostini, criada posteriormente, em 1876, vai se consolidar como o jornal satírico mais popular do século XIX no Brasil.
A influência de Agostini e sua Revista nesse período era tão grande no cenário político brasileiro que Joaquim Nabuco chega a afirmar que esta foi a “Bíblia da Abolição dos que não sabiam ler” (Romancini; Lago, 2007, p. 63). É importante ressaltar que essas ilustrações primeiras dos jornais não eram apenas caricaturas ou charges, mas também havia representações realísticas a acontecimentos e pessoas (o que ainda acontece hoje em dia, mas não com a força da necessidade que havia então), tendo estas últimas gravuras o papel que a fotografia faria mais tarde.
Assim, as charges e os cartuns são formas de representações comuns no jornalismo impresso desde o século XIX, apesar de “nas pinturas rupestres, estudiosos acreditam descobrir nos artistas das cavernas intenções de caricaturar as figuras com que representavam seus inimigos” (Rabaça; Barbosa, 2018, p.73).
Dessa forma, os memes não apenas dialogam com o presente digital, mas também ecoam uma herança estética e discursiva que conecta as formas de humor gráfico de origens remotas às dinâmicas comunicacionais do século XXI. Os memes de internet são uma linguagem requisitada devido à capacidade de síntese e ainda mais atrativa pela leveza e humor com uma pitada de ironia que também têm as charges e caricaturas.
Procedimento metodológico
O presente trabalho toma como base a realização de uma análise de conteúdo utilizando Bardin (1977), seguido por análise de imagem (Joly, 2012), trazendo exemplos dos artefatos memes de internet, charges e afins presentes no inventário. Por fim, entre os artefatos debruçados foram apresentadas as funções na narrativa.
A análise de conteúdo (Etapa 1) foi empreendida por meio de i) inventário e ii) classificação. Em um segundo momento, como desdobramento da pesquisa principal, para entendimento dos artefatos encontrados nas notícias classificadas, o foco foi colocado na mensagem da imagem (Etapa 2), incluindo as etapas de: i) descrição e ii) decomposição da mensagem visual.
Em uma terceira etapa, ainda na análise do artefato em recorte, foram analisadas as funções da narrativa, de acordo com os seguintes critérios: i) gancho de notícias (um motivo para reviver um fato), ii) complemento opinativo (uma opinião sobre um acontecimento) e iii) complemento para exemplificar (um exemplo ou ainda uma ilustração sobre algo ou alguém), podendo os artefatos terem mais de uma destas funções e/ou a predominância de uma delas. Dessa forma, a Figura 1 a seguir sistematiza as três etapas de análise.
Figura 1 - Descrição dos métodos empregados durante a pesquisa.
Fonte: Elaboração das autoras (2025).
Na análise de conteúdo (Etapa 1), utilizando critérios de Bardin (1977): i) inventário e ii) classificação, temos, no item ii, o agrupamento, que é realizado pelo conteúdo como um todo da matéria jornalística, considerando artefatos e textos. Para o inventário (i), foram realizados os recortes nos jornais on-line Estadão e G1, nos anos de 2008 a 2012, e os anos de 2016 e 2023.
O ano de 2008 foi escolhido para o início da pesquisa porque autores apontam que por volta desse período houve uma maior participação dos memes de internet (Knobel; Lankshear, 2020). Os dois últimos anos foram selecionados para trabalharmos com etapas mais recentes, tendo o cuidado de pegar dois pontos com espaçamentos distribuídos dentro da linha do tempo até à atualidade da pesquisa.
Foi utilizada a ferramenta de busca avançada disponibilizada pelo Google, Advanced Search, para a busca das palavras meme/memes, charge/charges, cartum/cartuns, caricatura/caricaturas nas páginas dos sites analisados. A ferramenta permite busca por data, sites e palavras determinadas.
Em seguida, manualmente, link por link de notícias foram revisados, para identificarmos as palavras em destaque e também a inserção de ao menos um artefato (os memes, as charges, as caricaturas e os cartuns) dentro da estrutura da matéria jornalística. Para selecionar o link para nosso corpus, utilizamos os critérios de palavras-chave dentro da estrutura da matéria (meme, charge, cartum e caricatura), seja no título, na legenda ou no corpo do texto, e essa palavra estar relacionada direta ou indiretamente a algum artefato dentro da notícia.
No item ii, a classificação, para os memes de internet, temos:
a) Atualidade social (sociedade de forma em geral, como vestibular, tempo, celebridades, futebol e outros fatos jornalísticos);
b) Atualidade política (políticos e afins);
c) Viralizou (brincadeiras e desafios);
d) Mix (apanhados de artefatos com temas diferentes);
e) Sobre eles mesmos (histórias de personagens, ferramentas e outros).
Seguem os Quadros 1 e 2 dos inventários de matérias jornalísticas com memes de internet no Estadão e G1 e suas classificações, nos anos de 2008 a 2012, 2016 e 2023.
Quadro 1 - Matérias com memes de internet no Estadão, nos anos de 2008 a 2012, 2016 e 2023.
Ano | Corpus | Atualidade social | Atualidade política | Viralizou | Mix | Sobre eles mesmos |
2008 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 |
2009 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 |
2010 | 01 | 01 | 0 | 0 | 0 | 0 |
2011 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 |
2012 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 |
2016 | 43 | 17 | 19 | 01 | 02 | 04 |
2023 | 56 | 41 | 07 | 02 | 01 | 05 |
Fonte: Elaboração das autoras (2025).
No Quadro 1, temos o inventário dos memes de internet no Estadão. Podemos notar no corpus uma explosão no quantitativo do uso de memes de internet nas duas categorias de Atualidades, de zero no primeiro ano para 48 em 2023. No Quadro 2, temos o inventário de memes de internet no G1. Notamos, igualmente, nas categorias de Atualidades, a consolidação da participação dos artefatos. No ano de 2008, temos zero em nosso corpus e em 2023 passa para 107.
Quadro 2 - Matérias com memes de internet no G1, nos anos 2008 a 2012, 2016 e 2023.
Ano | Corpus | Atualidade social | Atualidade política | Viralizou | Mix | Sobre eles mesmos |
2008 | 01 | 00 | 00 | 00 | 01 | 00 |
2009 | 03 | 00 | 00 | 03 | 00 | 00 |
2010 | 01 | 01 | 00 | 00 | 00 | 00 |
2011 | 03 | 01 | 00 | 00 | 00 | 02 |
2012 | 09 | 01 | 01 | 03 | 02 | 02 |
2016 | 72 | 51 | 04 | 11 | 00 | 06 |
2023 | 136 | 91 | 16 | 18 | 00 | 11 |
Fonte: Elaboração das autoras (2025).
No caso das charges, essas foram agrupadas nos seguintes grupos:
a) Atualidade social (sociedade de forma em geral);
b) Atualidade política (políticos e afins);
c) Sobre eles mesmos (cartunistas, exposições e outros);
d) Espaço configurado social (sociedade como um todo);
e) Espaço configurado política (cenário político, seus desdobramentos e personagens). Seguem os Quadros 3 e 4 com os inventários e classificações das matérias com charges e/ou caricaturas e/ou cartuns, nos jornais on-line Estadão e G1, entre 2008 a 2012, e nos anos de 2016 e 2023.
Quadro 3 - Matérias com charges e afins no Estadão, entre 2008 a 2012, e nos anos de 2016 e 2023.
Ano | Corpus | Atualidade social | Atualidade política | Sobre eles mesmos | Espaço configurado social | Espaço configurado política |
2008 | 00 | 00 | 00 | 00 | 00 | 00 |
2009 | 00 | 00 | 00 | 00 | 00 | 00 |
2010 | 03 | 01 | 00 | 02 | 00 | 00 |
2011 | 02 | 01 | 00 | 01 | 00 | 00 |
2012 | 01 | 00 | 00 | 01 | 00 | 00 |
2016 | 06 | 04 | 01 | 01 | 00 | 00 |
2023 | 12 | 04 | 02 | 06 | 00 | 00 |
Fonte: Elaboração das autoras (2025).
No Quadro 3, temos o inventário do grupo charges no Estadão. Podemos notar que a participação nas categorias Atualidades (juntando a social e política) também teve aumento, porém, não de forma explosiva como no caso dos memes de internet. Não há nenhuma charge em nosso corpus em 2008 contra seis em 2023. No Quadro 4, a seguir, temos o inventário das charges no G1. Notemos que nosso corpus é zero em 2008 em Atualidades e em 2023, temos sete itens.
No G1, temos, em 2016, nos Espaços configurados, aquelas típicas charges (imagens sátiras encomendadas pela empresa jornalística a um profissional para criticar um acontecimento com a utilização de nenhum ou pouco texto). Encontramos um número notável de 59 matérias jornalísticas no total. Quando pesquisada a causa deste quantitativo fica evidente o trabalho autoral de charges de um único profissional no período. Nos outros anos, nos Espaços configurados, encontramos zero ou menos que uma dezena de trabalhos típicos de produção de charges no G1, já no Estadão, temos zero itens em nosso inventário em todos os anos da pesquisa.
Quadro 4 - Matérias com charges e afins no G1, entre 2008 a 2012, e nos anos de 2016 e 2023.
Ano | Corpus | Atualidade social | Atualidade política | Sobre eles mesmos | Espaço configurado social | Espaço configurado política |
2008 | 10 | 00 | 00 | 08 | 02 | 00 |
2009 | 11 | 01 | 02 | 04 | 04 | 00 |
2010 | 07 | 00 | 00 | 06 | 01 | 00 |
2011 | 02 | 00 | 00 | 00 | 02 | 00 |
2012 | 15 | 02 | 03 | 10 | 00 | 00 |
2016 | 96 | 07 | 15 | 15 | 16 | 43 |
2023 | 34 | 05 | 02 | 27 | 00 | 00 |
Fonte: Elaboração das autoras (2025).
As categorias que iremos nos debruçar e trazer exemplos são aquelas em que o artefato atua para contar um acontecimento que não seja ele mesmo o foco. Tanto para os memes de internet quanto para as charges as categorias são: a) Atualidade social, onde entram assuntos que estão em relevância na sociedade; b) Atualidade política, assuntos que estão em voga no cenário político. E os Espaços configurados (d & e), agrupamento apenas para as charges, seja no tipo social ou político. São aqueles típicos de charges dos jornais impressos, geralmente, uso de pouco texto e preponderância da imagem, no qual um profissional contratado pelo jornal faz o desenho, utilizando comumente a linguagem das caricaturas e realiza a crítica pelo humor ao acontecimento.
As outras categorias, ao contrário, têm o foco centrado mais no próprio artefato, como em c) Viralizou (brincadeiras e desafios) dos memes de internet e dessa forma não nos interessa para investigação. É sobre memes de internet e charges como imagem satírica a um acontecimento que este trabalho se dedica, ou seja, esses artefatos como um formato predominantemente opinativo, atuando para narrar um fato noticioso.
Outro ponto, nas categorias de Espaço configurados (aplicadas apenas as charges) não serão utilizadas definições de funções narrativas: i) gancho de notícias, ii) complemento opinativo, iii) complemento para exemplificar, uma vez que o artefato atua não no sentido de gancho noticioso e nem de complemento dentro da estrutura, na verdade, funcionando como um formato opinativo por si só.
Análise dos artefatos encontrados no inventário
Para melhor entender as classificações, iremos trazer exemplos das categorias do inventário desta pesquisa. Para memes de internet, charges e afins, interessam para esta investigação apenas as categorias em que os artefatos em análise funcionam como um formato que auxilia ou narra um acontecimento terceiro que não seja ele mesmo. Assim, as seguintes classificações serão o foco: Atualidades (a & b) e para charges também os Espaços configurados (d & e). Serão realizados a) análise imagética dos artefatos e b) enquadramento da função na narrativa.
Para a) análise da mensagem dos artefatos apresentados será realizada: i) descrição e ii) decomposição da mensagem da imagem (Joly, 2012). Os artefatos também serão b) enquadrados de acordo com sua função narrativa: i) gancho de notícias, ii) complemento opinativo, iii) complemento para exemplificar (podendo ter mais de uma função ou predominância de uma). Os artefatos meme de internet e charges são considerados como um todo para o recorte em análise, imagem e texto que o acompanha.
Seguem a Figura 2 Print de meme de internet Atualidade social e Figura 3 Print de meme de internet Atualidade política.
Figura 2 - Print de meme de internet Atualidade social.
https://encurtador.com.br/CwZyh
Fonte: Catto (2023).
Este meme foi retirado da matéria do G1: “Suspensão de pacotes pela 123 Milhas gera revolta e memes nas redes sociais” (Catto, 2023). Ao todo, nesta matéria, temos nove memes de internet, sendo possível encontrar composições de vídeo e texto, foto e texto, apenas textos e ilustração e texto.
a) Análise da imagem. Descrição: o meme de internet exposto na Figura 1 é composto de texto mais imagens sobrepostas. O artefato foi retirado pelo G1 da rede social X. Decomposição: existe uma crítica social, a quebra de compromisso realizada pela empresa 123 Milhas, ao colocar a logo da empresa em cima do rosto do monstro revelado do desenho Scooby-Doo, concluindo por uma ingrata surpresa aos usuários.
Acima da composição, um texto: “Desde maio quando tentei comprar uma passagem normal e era cancelada eu comecei a estranhar. Nunca comprei a promo 123 milhas, mas ficava sempre com o pé atrás com esses preços. Parece que ela hurbou…”. O relato textual em acompanhamento não possui preocupação com a gramática formal como podemos notar na abreviação “promo” de promoção.
Temos b) as funções: i) gancho de notícias e ii) complemento opinativo, pois os memes são ganchos jornalísticos, para reviver o assunto então em alta nos jornais, a suspensão de pacotes de viagem da linha promocional que ocorreu em 2023 da empresa 123 Milhas. Em ii) complemento opinativo pode ser vista uma sátira imagética sobre a surpresa em relação ao comportamento da empresa.
Figura 3 - Print de Meme de internet Atualidade política.
https://encurtador.com.br/7Ote3
Fonte: ‘Bolsonaro’ […] (2023).
Meme de internet extraído do Estadão da matéria: “Bolsonaro já é inelegível na Austrália’: veja memes do julgamento do ex-presidente”. Ao todo, na matéria, vemos oito memes de internet (‘Bolsonaro’ […], 2023). Temos memes com foto e texto, vídeo e texto e temos um meme de internet com a expressão “não encontrada”, ou seja, não foi possível recarregar o artefato na página.
a) Análise imagética. Descrição: o meme possui imagem de um monumento australiano, fogos de artifício e texto sobreposto. Decomposição: brinca com a diferença de fuso horário entre Brasil e Austrália, trazendo ao fundo o cenário da Ópera de Sydney com fogos de artifícios. Os textos sobrepostos e acima da imagem são os mesmos: “Já é Bolsonaro inelegível na Austrália”. Os internautas brincam com a decisão do julgamento que estavam por acompanhar.
b) Os memes de internet são utilizados mais uma vez como i) gancho noticioso e ii) complemento opinativo, para um fato político naquele momento, o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro e a possibilidade de ele se tornar inelegível. O artefato realiza uma crítica política por meio do humor.
Seguem agora os grupos de charges nas Figura 4 Print de charge Atualidade social, Figura 5 Print de charge Atualidade política, Figura 6 Print de charge Espaço configurado social e Figura 7 Print de charge Espaço configurado política.
Figura 4 - Print de charge Atualidade social.
https://encurtador.com.br/SMgcY
Fonte: Tavares (2012).
A caricatura é da matéria do G1: “Após seis anos, Los Hermanos volta a se apresentar em Brasília”. a) Análise da imagem. Descrição: caricaturas de quatro homens. Decomposição: a caricatura de quatro homens desenhados do ombro para cima, rostos com características marcantes, ou extremamente alongado como na figura com a camiseta vermelha. Na legenda, lemos: “A caricatura dos Los Hermanos que estão em turnê comemorativa de 15 anos de banda (Foto: Divulgação/Los Hermanos)”. b) A imagem funciona como iii) complemento para exemplificar o fato noticiado, ou seja, ilustração dos integrantes do grupo Los Hermanos.
Figura 5 - Print de charge Atualidade política.
https://encurtador.com.br/qXm8P
Fonte: Santos; Vassalo (2023).
A charge está presente na matéria do Estadão intitulada: “Juiz Luis Carlos Valois tem perfis bloqueados nas redes sociais; entenda o motivo”. A depender do contexto, poderíamos ter enquadrado este artefato como meme de internet: afinal temos uma imagem compartilhada em rede social, mas a charge também pode ser compartilhada. Aqui temos uma ilustração sátira, o que também se aplica a memes e charges. Vemos, neste exemplo, que a linha entre charge e memes de internet pode em alguns casos ser tênue ou ainda subjetiva. Encontramos a palavra charge dentro da matéria associada indiretamente.
a) Análise imagética. Descrição: artefato recortado da rede social Instagram do próprio juiz tema da matéria. Notamos que a ilustração é simples, uma pessoa segura um cartaz com cadeado. Decomposição: arte em desenho e uma crítica contra o bloqueio, representada pelo cadeado. Aqui temos uma crítica política. O artefato contém as duas principais características das charges: grafismo e crítica rápida a um acontecimento.
Um texto acompanha: “Pessoal, essa deve ser a minha última postagem nas redes sociais. O CNJ determinou o bloqueio de todas as minhas contas no Facebook, Instagram e Twitter. Somente o Twitter bloqueou, mas em breve as demais devem ser bloqueadas também…” o texto é longo e continua por mais um parágrafo. Seguem emojis de mão em sinal de oração, rosto triste e coração. b) O artefato desempenha dentro da notícia ii) complemento opinativo sobre o fato. A imagem é uma crítica ao bloqueio sofrido nas redes sociais do juiz Valois.
Figura 6 - Print de charge Espaço configurado social.
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Fonte: Peters (2016b).
Nos espaços configurados, temos as charges tradicionais como no jornalismo impresso. Temos o seguinte título: “Charge: ‘Todo Natal é assim…”. Peters (2016b). a) Análise da imagem. Descrição: caricaturas de pessoas aguardando em uma fila, pouco texto dentro do quadro ilustrativo e fonte abaixo. Decomposição: uma fila de pessoas compõe a imagem, elas seguram sacolas, itens, estão claramente em uma fila para pagamento em um comércio indicada pela placa: “CAIXA”. Papai Noel está na fila, visivelmente irritado, provavelmente está com pressa.
A assinatura do autor da charge está sobre a ilustração. Um texto sobrepõe o quadro: “Sempre pra última hora...”. Na legenda, a indicação de autoria: “Renato Peters é repórter de esporte da TV Globo.” A crítica é ao costume do brasileiro de deixar tudo para a última hora, até o Papai Noel entrou no ritmo e deixou a compra dos presentes para o último momento.
Figura 7 - Print de charge Espaço configurado político.
Fonte: Peters (2016a).
Por fim, a “Charge: ‘Governo cortando gastos” (Peters, 2016a). a) Análise da imagem. Descrição: caricatura de dois homens, o exagero da tesoura, poucos textos por cima e legenda com autoria. Decomposição: o tamanho da tesoura faz um paralelo ao excesso de corte de gastos do então governo. Dois homens conversam. Um deles, desenhado proporcionalmente maior que o outro para indicar posição de quem tem controle, ele diz: “Acho que está de bom tamanho”. A assinatura do autor da charge vai no canto direito. Uma fonte abaixo indica o nome do artista: “Renato Peters é repórter de esporte da TV Globo”. Existe uma crítica política aos cortes de gastos que estavam sendo realizados pelo governo naquele momento.
Voltando ao panorama geral, notamos que as charges e memes de internet atuam em conjunto com os textos presentes nas classificações de Atualidades (a & b), podendo ter o papel de: i) gancho de notícias, ii) complemento opinativo e iii) complemento para exemplificar (podendo ter mais de uma função ou predominância de uma). As charges ainda possuem as categorias de Espaços configurados (d & e) que apresentam artefatos críticos sociais e políticos de forma autônoma e não complementar a textos, como encontramos em Atualidades (a & b).
Sobre os artefatos encontrados, a charge é um desenho sobre pessoas ou retratando fatos, geralmente com a utilização de caricaturas e de pouco texto. Agora o meme de internet varia e muito, desde textos a vídeos, mas na maior parte do inventário, os artefatos encontrados são constituídos de conteúdo visual, sejam imagens fixas (desenhos, fotos e montagens) ou em movimento (vídeos e gifs).
Os memes de internet quando atuam como uma crítica social ou política acabam se tornando similar às charges. Assim, ao mesmo tempo em que se inserem nas lógicas contemporâneas da comunicação digital, retomam uma longa tradição de representação crítica por meio da imagem. Ao mesmo tempo, as charges continuam presentes no jornalismo on-line como apontam a sua persistência na investigação realizada.
Considerações Finais
Compreender as transformações culturais impulsionadas pela internet é fundamental para analisar como as tecnologias digitais têm ressignificado as formas de comunicação, em especial no campo do jornalismo. Nesse contexto, nossa atenção se volta para um novo formato expressivo emergente no jornalismo on-line: o meme de internet. Este artefato multimodal, cada vez mais presente nas narrativas jornalísticas, tem se destacado pela atuação satírica aos fatos noticiosos, assim como o trabalho realizado pelas tradicionais charges.
No escopo desta investigação, o objetivo central consistiu em analisar se os memes de internet podem ser compreendidos como uma possível evolução das charges, evolução no sentido de proliferação no espaço, no que se refere ao jornalismo on-line. A análise fundamentou-se, assim, na comparação entre ambos os artefatos – memes de internet e charges – quanto à sua frequência, persistência e função discursiva nas matérias jornalísticas.
No que se refere especificamente à presença quantitativa desses elementos no corpus, os dados revelam um crescimento expressivo da participação dos memes de internet, notadamente nos anos de 2016 e 2023. Nesse período, nas classificações de Atualidades social e política, contando o inventário de ambas as páginas jornalísticas analisadas, foram identificadas 246 matérias com memes de internet, em contraste com apenas 40 itens vinculados a charges e produções afins.
Apesar de numericamente inferiores, as charges também apresentaram incremento em relação aos primeiros anos da série histórica (2008 a 2012), período no qual as ocorrências no Estadão em Atualidades foram de dois itens no total e no G1, oito itens encontrados no corpus. Os números melhoram para as charges nos anos de 2016 e 2023, nos quais juntos possuem presenças em 11 matérias em Atualidades no Estadão e 29 no G1.
Nas categorias de Espaços configurados em nosso inventário, aqueles típicos de charges em jornais impressos, é importante ressaltar que as charges tiveram um número relevante no ano de 2016 no G1, um total de 59 itens, mas esses números são reflexos do trabalho de um único profissional. Já em 2023, por exemplo, no G1, os espaços configurados apresentam zero itens. Indo para o Estadão, nas classificações do corpus para Espaços configurados, os números são zeros em todos os anos da tabela.
De forma em geral, os memes de internet com sua linguagem ágil, sintética e altamente compartilhável se tornam eficazes enquanto forma imagética de crítica, ocupando com aparente naturalidade o espaço discursivo nas mídias digitais. As charges, embora ainda relevantes, parecem manter uma presença mais moderada, menos adaptada às dinâmicas de produção e engajamento próprias do ambiente on-line. Para estudos futuros, a reflexão e a investigação da hipótese do uso de memes de internet no jornalismo on-line como uma alternativa às charges como um dos resultados dos enxugamentos das redações de jornais.
Artigo submetido em 15/04/2025 e aceito em 31/07/2025.
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