Trans de direita?

Marcações identitárias e espectro político no TikTok

Fernanda Martins Machado1 e Tarcisio Torres Silva2 

Resumo

Este artigo investiga o impacto das redes sociais na política brasileira, com ênfase na atuação de Suellen Rayanne, influenciadora digital e mulher trans conservadora com forte presença no TikTok. Suellen desafia estereótipos ao alinhar sua identidade trans a valores bolsonaristas, criando uma figura política particular, especialmente em um contexto onde as figuras trans são geralmente associadas a pautas de esquerda e progressistas. A pesquisa realiza uma análise qualitativa das postagens de Suellen, buscando entender como sua atuação digital demonstra os desafios enfrentados por indivíduos LGBTQIAPN+ que se identificam com essa vertente ideológica. Além disso, o estudo compara a trajetória de Suellen a de outras figuras trans na política brasileira, como Erika Hilton e Thammy Miranda, destacando as diferentes estratégias políticas adotadas por essas lideranças em espectros ideológicos opostos. Ao analisar o caso de Suellen Rayanne, este estudo contribui para a compreensão das dinâmicas entre identidade, redes sociais e política no Brasil contemporâneo, oferecendo uma reflexão crítica sobre os desafios, oportunidades, tensões internas e as complexidades da representatividade LGBTQIAPN+ em um contexto polarizado e em constante transformação.

Palavras-chave

TikTok; LGBTQIAPN+; Redes sociais; Política; Polarização.

1 Mestre em Linguagens, Mídia e Arte pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas). Bolsista Capes. E-mail: fernanda_m_martins@hotmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0077-372X.

2 Doutor em Artes Visuais, professor pesquisador da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas). E-mail: tarcisio.silva@puc-campinas.edu.br. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9347-7585.

Juiz de Fora, PPGCOM – UFJF, v. 19, n. 2, p. 129-147, mai./ago. 2025 10.34019/1981-4070.2025.v19.47036

Right-wing trans?

Identity markers and political spectrum on TikTok

Fernanda Martins Machado1 and Tarcisio Torres Silva2 

Abstract

This article investigates the impact of social networks on Brazilian politics, with an emphasis on the work of Suellen Rayanne, a digital influencer and conservative trans woman with a strong presence on TikTok. Suellen defies stereotypes by aligning her trans identity with Bolsonarist values, creating a particular political figure, especially in a context where trans figures are generally associated with left-wing and progressive guidelines. The research carries out a qualitative analysis of Suellen's posts, seeking to understand how her digital activities shows the challenges faced by LGBTQIAPN+ individuals who identify with this ideological aspect. Furthermore, the study compares Suellen's trajectory to that of other trans figures in Brazilian politics, such as Erika Hilton and Thammy Miranda, highlighting the different political strategies adopted by these leaders on opposite ideological spectrums. By analyzing the case of Suellen Rayanne, this study contributes to the understanding of the dynamics between social and political networks in contemporary Brazil, offering a critical reflection on the challenges, opportunities, internal tensions and the complexities of LGBTQIAPN+ representation in a polarized and constantly transforming context.

Keywords

TikTok; LGBTQIAPN+; Social media; Politics; Polarization.

1 Mestre em Linguagens, Mídia e Arte pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas). Bolsista Capes. E-mail: fernanda_m_martins@hotmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0077-372X.

2 Doutor em Artes Visuais, professor pesquisador da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas). E-mail: tarcisio.silva@puc-campinas.edu.br. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9347-7585.

Juiz de Fora, PPGCOM – UFJF, v. 19, n. 2, p. 129-147, mai./ago. 2025 10.34019/1981-4070.2025.v19.47036

Introdução

As pautas identitárias têm surgido como uma estratégia política no contexto brasileiro, especialmente em um cenário de crescente polarização ideológica e avanço das redes sociais. Movimentos sociais e partidos políticos, tanto de esquerda quanto de direita, têm utilizado questões ligadas à identidade – como raça, gênero, sexualidade e religião – para mobilizar eleitores, construir narrativas e disputar espaço no debate público. Essas pautas se tornaram ferramentas eficazes para conectar projetos políticos a experiências individuais e coletivas, criando uma ponte emocional com os eleitores. Na esquerda, a defesa de direitos de populações historicamente marginalizadas – como negros, mulheres e LGBTQIAPN+ – busca reforçar ideais de justiça social e inclusão, enquanto, na direita, o discurso identitário frequentemente ressignifica temas como família, religião e tradição, enfatizando valores conservadores.

No entanto, a incorporação das pautas identitárias à política não é isenta de tensões. Para alguns grupos, especialmente aqueles que historicamente se identificam com lutas por direitos, o uso dessas questões pode parecer superficial ou instrumentalizado, resultando em práticas simbólicas desvinculadas de ações concretas. Esse fenômeno evidencia como a disputa pelas narrativas identitárias transcende alinhamentos ideológicos tradicionais, criando um campo híbrido em que identidades são tanto ferramentas de resistência quanto instrumentos de poder.

Com o advento das redes sociais, novos agentes foram surgindo ao centro do debate público, entre eles Suellen Rayanne, influenciadora digital e mulher trans conservadora que tentou ingressar na política como vereadora pela cidade de Rio Claro (SP). Conhecida pelo perfil @transdedireita.sp6 [1] no TikTok (Rayanne, [2025]), que detém mais de 100 mil seguidores, ela aborda pautas alinhadas à direita, defende valores tradicionais, e critica movimentos progressistas, inclusive dentro da própria comunidade LGBTQIAPN+, se contrapondo ao imaginário coletivo que frequentemente associa pautas LGBT exclusivamente a vertentes progressistas ou de esquerda. Sua presença nas redes sociais chama a atenção por romper com expectativas tradicionais associadas a identidades de gênero e orientação política, gerando engajamento e controvérsia.

A presença de Suellen no TikTok e sua tentativa de ingressar na política desafiam tanto as barreiras impostas por sua identidade trans quanto os limites ideológicos que cercam a direita conservadora. Em um cenário marcado por violência estrutural e desafios à inclusão, figuras como ela representam tanto um ponto de ruptura quanto uma oportunidade para repensar as dinâmicas entre identidade, política e redes sociais no Brasil contemporâneo.

Dessa maneira, este artigo busca problematizar o papel de figuras como Suellen no contexto regional e político brasileiro, onde pautas identitárias são frequentemente moldadas por dinâmicas locais e sociais. Para isso, a metodologia adotada envolve a análise de conteúdo das postagens de Suellen Rayanne no TikTok. Por meio de um estudo qualitativo, pretende-se entender como a presença dela nas redes sociais ilustra a convivência de diferentes identidades e valores dentro de um cenário político complexo, refletindo as diversas perspectivas e desafios presentes.

Representatividade trans no Brasil

O movimento LGBTQIAPN+, nasceu como uma resposta coletiva às opressões e violências enfrentadas por aqueles que não se encaixam nas normas sociais de sexualidade e gênero. A sigla, que inicialmente era apenas LGBT, expandiu-se ao longo das décadas para incluir outras identidades e orientações sexuais, como queer, intersexo e assexual, refletindo a diversidade de experiências dentro do grupo. Dentro do movimento LGBTQIAPN+, o conceito de “trans”, ou o “T” da sigla, abrange pessoas cuja identidade de gênero é diferente do sexo que lhes foi designadoao nascer. Isso inclui mulheres trans, homens trans e pessoas não binárias, que não se identificam exclusivamente como homem ou mulher. A identidade de gênero é uma percepção pessoal e interna, que, para pessoas trans, muitas vezes se traduz em um processo de transição social, legal e/ou médica. No Brasil, esses processos ainda enfrentam desafios significativos de ordem estrutural, social e cultural, que vão desde a discriminação familiar e profissional até a violência física e psicológica. Para Trevisan (2018, p. 512), “a identidade transexual […] continua sofrendo preconceito e repressão nos mais diferentes aspectos, até o nível da crueldade, que pessoas transexuais há muito vivenciam”.

A exclusão no mercado de trabalho e as barreiras no acesso à educação são obstáculos recorrentes. A violência é uma questão crítica: em 2023, foram registradas 155 mortes de pessoas trans no Brasil, sendo 145 assassinatos e 10 suicídios, muitos dos quais ocorreram após episódios de violência ou devido à falta de apoio e visibilidade. Esses números, divulgados na 7ª edição do Dossiê: Assassinatos e Violências Contra Travestis e Transexuais Brasileiras em 2023, da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), revelam um aumento de 10,7% em relação a 2022, quando ocorreram 131 assassinatos. É o lugar que mais se assassina pessoas trans e travestis no mundo (Almeida, 2024).

A história das políticas públicas para pessoas trans no Brasil é marcada pela ausência ou precariedade de iniciativas até os anos 2000. Entre 1990 e 2000, essas pessoas eram amplamente invisibilizadas e não contavam com suporte em áreas como educação, emprego ou proteção social. Avanços começaram a surgir a partir de 2010, como a inclusão de procedimentos de redesignação sexual no Sistema Único de Saúde (SUS) e, em 2018, com a criação da Política Nacional de Saúde Integral para a População LGBTQIAPN+. Mais recentemente, a Lei 14.192/2021 garantiu o direito de alterar nome e gênero em documentos sem a necessidade de cirurgia, representando um progresso significativo. Apesar de avanços pontuais, políticas públicas voltadas para pessoas trans ainda são escassas e pouco eficazes. O histórico de exclusão, combinado com os desafios da representatividade política, reforça a urgência de ações mais amplas e integradas para enfrentar a transfobia e garantir direitos básicos a essas pessoas.

Os dados apresentados reforçam a necessidade de ações governamentais eficazes para enfrentar o preconceito e a violência contra pessoas trans. Além de melhorar as políticas públicas, é fundamental ampliar o debate social para combater a discriminação e garantir que todas as pessoas trans possam viver com dignidade e segurança. No entanto, o impacto dessas ações pode variar consideravelmente dependendo do contexto regional em que se inserem. Em São Paulo, por exemplo, as tensões entre valores conservadores e movimentos identitários são especialmente evidentes, refletindo um estado que combina tradição e modernidade em suas dinâmicas políticas e sociais.

Historicamente, São Paulo desempenhou um papel central no desenvolvimento político e econômico do Brasil, abrigando elites econômicas, grandes centros urbanos e uma classe média diversificada que frequentemente reforça valores tradicionais. Isso se reflete em práticas políticas que, em muitos municípios paulistas, tendem a priorizar agendas conservadoras em temas como família, religião e costumes (Pierucci, 1999). Por outro lado, São Paulo também é um dos principais berços de movimentos sociais no país. Desde os anos 1980, o estado tem sido palco da emergência de novos sujeitos políticos e formas de mobilização coletiva, como apontou Sader (1988) ao analisar o cenário urbano brasileiro e a entrada em cena de personagens sociais até então marginalizados.

Movimentos de trabalhadores, feministas, antirracistas, LGBTQIAPN+ e de juventude têm encontrado no estado um espaço fértil para organização e mobilização. Essa convivência entre valores conservadores e demandas por inclusão cria um cenário paradoxal, onde conflitos e negociações acontecem constantemente. Em muitas cidades do interior, por exemplo, observa-se a reprodução de discursos conservadores que convivem com iniciativas pontuais de inclusão e diversidade. Um exemplo é a crescente visibilidade de lideranças LGBTQIAPN+ e de mulheres negras, mesmo em ambientes onde o conservadorismo cultural ainda prevalece.

Na esfera política, isso se traduz em uma disputa simbólica e pragmática. Enquanto partidos de direita e extrema-direita ganham força ao defender valores conservadores como resposta às “ameaças” de mudança social, outros movimentos buscam ocupar esses mesmos espaços, dialogando com eleitores de forma estratégica. Portanto, a região paulista é um microcosmo das tensões nacionais entre tradição e transformação. É um espaço onde identidades se cruzam, onde narrativas conservadoras são desafiadas e onde o diálogo – ainda que muitas vezes marcado por polarizações – possibilita a reconfiguração do imaginário político brasileiro.

A ascensão de pessoas trans na política brasileira

As instituições políticas frequentemente exacerbam a marginalização dos grupos menos favorecidos. O sistema legislativo, predominantemente composto por “homens, ricos, brancos e heterossexuais, que não refletem a diversidade de perspectivas e interesses do povo brasileiro” (Pereira, 2017, p. 121), tem contribuído para a exclusão das demandas das pessoas trans. A disseminação de discursos de ódio por parte de políticos também fortalece essa exclusão, intensificando a falta de reconhecimento das pessoas trans (Machado, 2017).

Segundo Carvalho (2015) e Santos (2016a; 2016b), a participação de pessoas trans em processos eleitorais é uma estratégia de ativismo relativamente nova, apesar de existirem candidaturas desde a década de 1990. A primeira mulher transexual a ocupar um cargo político tanto no Brasil quanto na América Latina foi Kátia Tapety, eleita em 1992 como vereadora na cidade de Colônia do Piauí (PI), a 300 km da capital Teresina. Ela foi reeleita para três mandatos consecutivos (1992, 1996 e 2000), e, após sua eleição, não houve novas candidaturas de pessoas trans e travestis até 2002.

Somente em 2018, após uma decisão do TSE, as pessoas trans ganharam o direito de votar utilizando seus nomes sociais. No mesmo ano, em um contexto de crescente oposição de grupos conservadores e maior visibilidade para os movimentos LGBT, três deputadas estaduais trans e negras foram eleitas para cargos importantes. Erica Malunguinho (PSOL) e Erika Hilton (PSOL) foram eleitas para a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (ALESP), enquanto Robeyonce Lima (PSOL) foi eleita para a Assembleia Legislativa do Estado de Pernambuco (ALEPE) (Campos, 2018). A eleição de representantes por meio de mandatos coletivos e bancadas ativistas destaca as estratégias dos movimentos sociais independentes e pluripartidários na busca por uma representação política mais inclusiva.

Erika deixou seu mandato na ALESP em 2020 para lançar sua candidatura à Câmara Municipal de São Paulo, onde fez história ao se tornar a primeira mulher trans eleita para o cargo de vereadora. Na eleição de 2020, Erika obteve mais de 50 mil votos e foi a mulher mais votada. Nesse mesmo pleito, Thammy Miranda se tornou o primeiro homem trans a ser eleito para a Câmara Municipal de São Paulo, com 43.321 votos, sendo o 9º mais votado (Moreno, 2020).

Em 2022, Erika se candidatou à Câmara dos Deputados pelo estado de São Paulo, conseguindo se eleger deputada federal com 256.903 votos. Hilton se destaca por trabalhar em prol de políticas que promovem a inclusão e os direitos da comunidade LGBTQIAPN+, a equidade racial, a defesa dos Direitos Humanos e a valorização de culturas jovens e periféricas (Silva, 2023).

Nas eleições municipais de 2020, 30 candidatas trans foram eleitas como vereadoras, com sete delas figurando entre as mais votadas em suas cidades. As eleitas foram Linda Brasil (PSOL – Aracaju), Dandara Ferreira (MDB – Patrocínio Paulista), Tieta Melo (MDB – São Joaquim da Barra), Lorim de Valéria (PDT – Pontal), Duda Salabert (PDT – Belo Horizonte), Titia Chiba (PSB – Pompeu) e Paullete Blue (PSDB – Bom Repouso) (Antra, 2020). A alta incidência de candidaturas trans nas eleições municipais pode ser explicada pela menor necessidade de capital político e financeiro nesta esfera, o que também proporciona maior visibilidade eleitoral.

Já em 2024, houve um recorde histórico no número de candidaturas LGBTQIAPN+ no Brasil, com 225 candidatos eleitos, representando um crescimento de 130% em comparação com 2020. Desses, 26 são pessoas trans, com destaque para Amanda Paschoal (PSOL), quinta vereadora mais votada da cidade de São Paulo. No entanto, o impacto dessas candidaturas ainda se concentra em partidos progressistas, como PSOL e PT, o que evidencia os desafios enfrentados por representantes LGBTQIAPN+ em partidos de espectro ideológico mais conservador (Santos, 2024).

Dentro da estrutura da esquerda, o movimento LGBTQIAPN+ frequentemente ocupa um lugar de destaque simbólico, mas enfrenta dificuldades em traduzir essa visibilidade em ações concretas e consistentes em todas as esferas de poder. Como nos propõe Pereira (2017, p. 121):

É possível dizer que trabalhadores/as, mulheres, população negra e lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT), só para citar alguns grupos, são obstados de ocupar espaços de poder tanto pela dinâmica da exclusão social quanto pelos filtros institucionais que tendem a reproduzir as desigualdades sociais na esfera pública e na política eleitoral.

Assim, a inclusão de pautas identitárias em programas partidários pode ser vista tanto como uma oportunidade estratégica de expandir a base eleitoral, quanto como um risco de instrumentalização das causas em prol de agendas maiores, como disputas de poder entre lideranças partidárias.

Um dos principais riscos enfrentados por pessoas LGBTQIAPN+ dentro da esquerda é a invisibilização de interseccionalidades. Identidades negras, periféricas ou trans podem ser marginalizadas em um movimento que, por vezes, privilegia vozes mais alinhadas às lideranças tradicionais. Além disso, o contexto de crescente polarização política no Brasil expõe lideranças LGBTQIAPN+ de esquerda a ataques constantes, que vão desde campanhas de desinformação nas redes sociais até ameaças diretas à sua integridade física.

Por outro lado, a esquerda também oferece oportunidades significativas para lideranças LGBTQIAPN+, especialmente no campo das políticas públicas. Parlamentares como Erika Hilton, mulher trans e negra eleita deputada federal pelo PSOL em 2022, ilustram como a aliança entre pautas identitárias e agendas progressistas pode levar à construção de um legado político robusto. Erika não apenas ocupou um espaço que historicamente era inacessível para pessoas como ela, mas também trouxe para o Congresso debates cruciais sobre violência contra pessoas trans, inclusão no mercado de trabalho e acesso a direitos básicos.

A ascensão de figuras como Erika Hilton também revela a importância das redes sociais como ferramentas para mobilização e visibilidade. Erika utiliza plataformas digitais para conectar-se a seus eleitores, superar barreiras impostas pela mídia tradicional e posicionar-se em temas sensíveis, o que fortalece sua base política e inspira outras lideranças LGBTQIAPN+ a seguir seu exemplo.

Entretanto, o sucesso de Erika contrasta com as dificuldades enfrentadas por pessoas LGBTQIAPN+ em partidos fora do espectro progressista. Enquanto na esquerda há uma predisposição maior para acolher a diversidade, o mesmo não pode ser dito de partidos conservadores, onde as pautas LGBTQIAPN+ ainda são vistas, em grande parte, como inconciliáveis com seus valores – ou “impermeáveis à agenda LGBT”, como nos coloca Pereira (2017, p. 127). Nesse contexto, a análise da trajetória de Erika Hilton serve como contraponto ao caso de figuras como Suellen Rayanne, demonstrando como diferentes espectros políticos lidam com a pauta identitária e revelando as tensões que emergem dessa interação.

Dessa forma, a inclusão da pauta identitária não é apenas uma questão de ocupar espaços, mas de atualizar e ressignificar o debate político brasileiro. Erika Hilton simboliza a luta por representatividade plena, enquanto o caso de Suellen desafia noções pré-concebidas sobre a relação entre identidade de gênero e posicionamento ideológico. Ao explorar esses dois casos, buscamos contribuir para a compreensão das dinâmicas que moldam o debate político em torno da diversidade, tanto na esquerda quanto na direita, destacando os riscos e as oportunidades enfrentados por pessoas LGBTQIAPN+ em diferentes contextos.

No Brasil, a integração das questões trans nos movimentos de esquerda começou a se consolidar nos anos 2000, quando as questões LGBT, incluindo a identidade de gênero, passaram a receber mais atenção pública. A crescente visibilidade e organização dos movimentos sociais trouxeram as demandas trans para o centro do debate político e social.

Um exemplo significativo da relação entre a política de esquerda e os direitos LGBT no Brasil é a atuação de Marta Suplicy, figura amplamente lembrada por Trevisan (2018) em seu tratado sobre a história da homossexualidade no Brasil. Em 1995, durante a abertura da 17ª Conferência Anual da International Lesbian and Gay Association (ILGA), Marta Suplicy lançou uma campanha nacional pela criação de uma lei de parceria civil e pela inclusão de uma emenda constitucional que proibisse a discriminação com base na orientação sexual. Essa proposta visava reconhecer e garantir direitos civis e proteção legal para casais do mesmo sexo e, indiretamente, apoiar a causa trans ao criar um ambiente de maior igualdade e respeito.

A proposta de parceria civil de Marta ajudou a recuperar o prestígio do PT como um partido defensor dos direitos de gays e lésbicas, reforçando seu compromisso com a justiça social e a inclusão. Esse esforço foi um marco na luta pelos direitos LGBT no Brasil (Green, 2000, p. 292). Embora nem todos no movimento LGBT se identifiquem com a esquerda, muitos avanços nos direitos trans foram impulsionados por partidos e políticas de esquerda. Com foco na redistribuição de poder e na defesa dos marginalizados, a esquerda frequentemente apoia a causa trans como parte de seu compromisso com a inclusão e a equidade. Partidos como o PT e o PSOL têm sido aliados importantes na promoção desses direitos, incorporando a proteção e inclusão das pessoas trans em suas agendas progressistas.

Do lado da direita, políticos como Thammy Miranda (homem trans) e Fernando Holiday (homem negro bissexual) conseguem navegar entre esses mundos ao articular identidades LGBTQIAPN+ com valores conservadores, como o respeito à família ou à religiosidade, e ainda alcançar êxito político em razão da conexão com outras bandeiras, como o liberalismo e a renovação política. Isso demonstra a complexidade de construir capital político em torno dessas causas em um estado que combina áreas conservadoras com polos progressistas.

Uma figura como Erika Hilton, eleita por São Paulo, talvez encontrasse maior dificuldade em conquistar o mesmo espaço político em regiões onde o conservadorismo cultural é mais dominante. Por outro lado, casos como o de Suellen, que busca se posicionar em um contexto conservador, mostram como é possível reformular a narrativa identitária para se adequar a públicos diferentes, ainda que com grande resistência.

Suellen Rayanne

Esse cenário mostra que lideranças LGBTQIAPN+ precisam adaptar suas narrativas para dialogar com públicos distintos, seja ao combinar pautas identitárias com valores conservadores ou ao destacar prioridades locais. Além disso, precisam lidar com os mecanismos de poder impostos pelas plataformas, pois como nos colocam Karhawi e Grohmann (2024, p. 236) (Tradução nossa) “o poder das plataformas atua para restringir identidades e o trabalho diário – incluindo a monetização e os relacionamentos com o público e as próprias plataformas” [2]. Nesse sentido, figuras como Suellen Rayanne exemplificam uma tentativa de navegar nesse cenário complexo. Atuando em um contexto marcadamente conservador, Suellen reformula as pautas LGBTQIAPN+ de maneira a se alinhar a valores bolsonaristas, o que a torna uma figura controversa e peculiar dentro do movimento.

Com base nas 37 postagens mais populares feitas por Suellen, em outubro de 2024 foi realizada uma análise detalhada de cada uma delas. As postagens foram classificadas em categorias específicas (Bolsonaro, comunidade LGBT e terceiro banheiro), o que possibilitou identificar padrões temáticos e estratégias discursivas recorrentes.

A partir dessas categorias, foram feitas inferências sobre como Suellen articula sua identidade, constrói narrativas e engaja seu público dentro de um espectro político conservador.

Considerando o ambiente em que está sendo feito o estudo, o TikTok, é importante descrever algumas particularidades ali presentes. Uma delas é a paródia, em que os vídeos consistem na recriação de algo já existente, mas a partir de um ponto de vista cômico e satírico. No TikTok, os usuários utilizam-se muito de paródias a partir de músicas que já existem. Os desafios (challenges, em inglês) são, também, uma oportunidade para envolver o público na plataforma. Eles servem para incentivar mais pessoas a realizarem determinada atividade que o desafio propõe, como ficar de um lado da tela se concorda com um tema e do outro se discorda. Há ainda o vlog, que funciona com um relato pessoal que mostra o lado íntimo da pessoa, como o seu dia a dia. O que é recorrente tanto nas dancinhas quanto nos vlogs é o que Pereira de Sá e Polivanov (2012) chamam de “coerência expressiva”, quando os influenciadores mantêm um padrão de comunicação consistente com seu público de modo com que isso se torne tão natural que seja difícil reconhecer o que é virtual ou real e performado ou cotidiano (Sibilia, 2008).

Os resultados do levantamento mostraram que Suellen tem um foco considerável em temas relacionados a Jair Bolsonaro, com 12 postagens (32,43%) mencionando o ex-presidente. Isso sugere que ela busca se alinhar com a base de apoio de Bolsonaro, tentando atrair eleitores que compartilham suas simpatias políticas. Além disso, em 7 postagens (18,91%), Suellen adotou uma postura crítica em relação à comunidade LGBT, abordando questões como o uso de banheiros femininos por mulheres trans e a comemoração do Dia Internacional da Mulher por elas. Essa posição tende a atrair o público conservador, que defende valores tradicionais, mas também pode gerar divisões dentro da própria comunidade trans. Algumas pessoas trans podem se sentir representadas, enquanto outras podem discordar de suas ideias, o que contribui para a fragmentação do movimento em vez de fortalecer a união em torno de direitos e inclusão.

Suellen também fez 4 postagens (10,81%) propondo a criação de um terceiro banheiro para pessoas trans. No entanto, sua posição contrária ao uso de banheiros femininos por mulheres trans e a outros avanços inclusivos demonstra uma resistência a integrar totalmente as questões de identidade de gênero, o que pode afastar grupos que lutam por uma maior inclusão de pessoas trans.

Gráfico 1 - Distribuição de categorias no perfil de Suellen Rayanne.

https://encurtador.com.br/z4SDq

Fonte: Elaboração dos autores (2025).

Após a análise dos 37 vídeos publicados por Suellen, selecionamos cinco deles para uma análise qualitativa com ênfase em expressões, assuntos e viés metodológico. Esses vídeos foram escolhidos não somente por promover sua identidade política como “travesti bolsonarista”, mas também por questionar discursos tradicionais tanto da direita quanto da esquerda e por haver inúmeras incongruências. Um exemplo emblemático é o vídeo gravado durante um evento com Jair Bolsonaro, que alcançou 1,2 milhão de visualizações e evidenciou sua habilidade em usar plataformas digitais para ampliar sua visibilidade [3]. Até a data de 6 de junho de 2024, esse vídeo havia recebido 143,3 mil curtidas, 6.899 comentários, foi adicionado aos “favoritos” por 4.292 pessoas e compartilhado 3.301 vezes em outras plataformas como WhatsApp, Instagram, Facebook e Twitter.

A gravação foi feita e publicada no dia 29 de maio de 2024, durante uma visita do ex-presidente Jair Bolsonaro a Campinas (SP), para um evento de arrecadação de doações para ajudar o Rio Grande do Sul, que enfrentava uma grande tragédia devido às enchentes. O evento aconteceu no Ginásio de Esportes do Guarani Futebol Clube e contou com a presença de autoridades como o governador Tarcísio de Freitas, o prefeito de Campinas, Dário Saadi, e outros políticos da região (Figura 1).

Figura 1 - Encontro com Bolsonaro em 29 de maio de 2024.

 https://encurtador.com.br/L4IYJ

Fonte: [4].

No vídeo, Suellen se aproxima de Bolsonaro, que está sentado em um banco, para tirar uma foto com ele. Enquanto isso, alguém que está filmando comenta: “a trans de direita quer namorar com Bolsonaro”. Embora não seja possível ouvir claramente o que Bolsonaro responde, ambos estão sorrindo, e Suellen faz um gesto de vitória com as mãos. Depois, Bolsonaro dá um abraço nela.

Algo interessante nos vídeos de Suellen é a forma como ela se apresenta como uma “travesti bolsonarista”. O termo “bolsonarista” não se refere apenas a alguém que apoia a direita política, mas a um movimento ideológico muito específico ligado ao ex-presidente Jair Bolsonaro. A palavra “bolsonarista”, assim como “feminista” ou “socialista”, indica uma identificação com um movimento ou ideologia; nesse caso, com as ideias e o estilo político de Bolsonaro.

Por exemplo, uma pessoa que se identifica como “feminista” defende os direitos das mulheres e a igualdade de gênero, enquanto um “socialista” apoia uma sociedade mais igualitária, com a socialização dos meios de produção. Da mesma forma, ao se identificar como “bolsonarista”, Suellen não está apenas dizendo que é de direita, mas que compartilha uma adesão específica ao movimento político que se formou em torno de Bolsonaro. Isso é importante, pois ser de direita não significa, necessariamente, apoiar Bolsonaro. Existem diferentes formas de ser conservador, e alguns conservadores podem discordar de Bolsonaro em questões como economia ou política externa.

Portanto, o “bolsonarismo” se tornou uma identidade política própria, distinta de outras posições da direita, e tem características específicas ligadas à personalidade e ao governo de Bolsonaro. Quando Suellen se descreve como “bolsonarista”, ela está afirmando essa conexão direta com esse movimento, que é muito mais do que apenas uma orientação política à direita.

O uso da palavra “travesti” no contexto de Suellen também é algo relevante, pois historicamente o termo foi usado de maneira pejorativa e discriminatória. No entanto, algumas pessoas transgênero começaram a se reapropriar da palavra, tentando mudar seu significado negativo e valorizar sua identidade. Essa prática faz parte de uma abordagem de movimentos identitários de esquerda, que buscam ressignificar palavras e símbolos para dar mais visibilidade à comunidade. Contudo, Suellen se identifica politicamente com a direita, o que cria uma contradição em seu discurso. Ela é transgênero, mas não defende as pautas identitárias típicas dos movimentos de esquerda, o que torna sua posição política complexa e controversa.

Outro exemplo de contradição é o fato de uma pessoa LGBTQIAPN+ apoiar um político que, em várias ocasiões, fez declarações homofóbicas e racistas. Em 2011, em uma entrevista à revista Playboy, Bolsonaro afirmou que seria incapaz de amar um filho homossexual e disse que “preferiria que um filho dele morresse em um acidente do que aparecesse com um bigodudo por aí”. Ele também afirmou que, se um casal homossexual morasse ao lado dele, isso desvalorizaria sua casa (Bolsonaro, 2011).

O segundo vídeo de Suellen com maior engajamento tem 679,1 mil visualizações, 126,4 mil curtidas e 12,4 mil comentários. Esse vídeo também foi compartilhado 4.016 vezes nas redes sociais e foi adicionado aos “favoritos” por 4.024 pessoas. No vídeo, Suellen, como a personagem “Trans de Direita”, segura o smartphone e responde a um comentário em que alguém questiona se os "bolsonaristas" permitiram que ela use o banheiro feminino. A pergunta sugere que ela não seria aceita por apoiadores de Bolsonaro, dada a controvérsia sobre os direitos de pessoas trans.

Em sua resposta, Suellen defende a ideia de um terceiro banheiro específico para pessoas trans, travestis e transgêneros, pois acredita que isso evitaria constrangimentos para todos os envolvidos. Ela argumenta que a comunidade LGBTQIAPN+ foca em “brigar por um vaso sanitário” em vez de discutir questões mais amplas. Para Suellen, essa atitude é um exemplo de “lacração” e militância, práticas das quais ela não se considera parte. Ela também critica essa postura, afirmando que ela “destrói a família”, prega “desrespeito” e é intolerante com as religiões.

Em outro vídeo, Suellen discute a diferença entre mulheres trans e mulheres biológicas. Ela responde a um comentário que questiona se a direita a considera mulher, defendendo a ideia de que deve existir um espaço separado para as mulheres trans, como banheiros, esportes e concursos. Suellen reforça que, embora ela seja uma mulher trans, considera que mulheres trans e mulheres biológicas são completamente diferentes, afirmando que nasceu homem e continuará sendo homem. Esse posicionamento gerou bastante repercussão em seu perfil no TikTok, gerando debates sobre o reconhecimento de mulheres trans dentro do movimento feminista (Figura 2).

Figura 2 - Print de tela com recorte de fala “tá ok”.

https://abrir.link/oqTZd

Fonte: [5].

Suellen também postou um vídeo parabenizando somente as mulheres biológicas pelo Dia Internacional da Mulher. Esse vídeo recebeu 1.905 comentários, a maioria positiva, principalmente de mulheres (Figura 3). A atitude de Suellen em não comemorar o Dia Internacional da Mulher com todas as mulheres levantou discussões sobre a diversidade de pensamentos dentro da comunidade trans. Algumas mulheres trans se identificam plenamente com o gênero feminino e apoiam a luta feminista, enquanto outras, como Suellen, têm uma visão diferente sobre sua identidade.

Figura 3 - Recortes de comentários no vídeo sobre o Dia da Mulher.

https://abrir.link/sJazF

Fonte: [6].

As declarações de Suellen geram debates sobre a hierarquia de gênero, em que algumas pessoas, como ela, acreditam que as mulheres cisgêneras (que se identificam com o sexo biológico com o qual nasceram) são mais “legítimas” do que as mulheres trans. Esse tipo de discurso ignora a luta histórica das mulheres trans, que enfrentam discriminação, violência e marginalização. Suellen também responde a um comentário em que a acusam de ser como um “escravo que apoia a escravidão”. Ela refuta a comparação, dizendo que não se deixa “escravizar” pelas ideologias da esquerda e questiona a hipocrisia de alguns apoiadores do movimento LGBTQIAPN+, citando figuras históricas como Che Guevara, que, em sua época, perseguiu e matou pessoas LGBTQIAPN+. Ela critica a esquerda por apoiar essas figuras e ao mesmo tempo se dizer a favor dos direitos LGBTQIAPN+.

Suellen também se posiciona sobre o aumento das mortes de pessoas LGBTQIAPN+ em 2023 e critica o governo de Lula, alegando que ele não tem feito nada para combater a violência contra a comunidade. Suellen se coloca como uma “trans de direita” e afirma que a esquerda não defende verdadeiramente os direitos LGBTQIAPN+, mas, sim, uma ideologia.

Em outro vídeo, Suellen critica artistas e jornalistas por não se manifestarem sobre as queimadas no Brasil. Ela acusa figuras como Leonardo DiCaprio, Greta Thunberg e Mark Ruffalo de não falarem sobre as queimadas quando o governo de Lula está no poder, embora esses artistas tenham criticado o governo Bolsonaro durante sua gestão. Suellen sugere que eles “sumiram” por estarem recebendo benefícios da Lei Rouanet, que subsidia a produção cultural no Brasil.

Embora o discurso de Suellen chame atenção, ele simplifica questões complexas, como as queimadas no Brasil. As queimadas não podem ser atribuídas apenas a um governo, já que são causadas por uma combinação de fatores, como mudanças climáticas e práticas ilegais. A crítica de Suellen parece ignorar essa complexidade e se concentra apenas em atacar a esquerda e os artistas, sem propor soluções eficazes para a crise ambiental.

O apoio que Suellen recebe de muitas pessoas nos comentários, que questionam a postura de artistas e culpam o governo de Lula pelas queimadas, reflete uma visão distorcida de eventos passados. A crítica de Suellen à Lei Rouanet, por exemplo, é uma crítica comum entre setores da direita, que alegam que artistas se aproveitam de incentivos fiscais enquanto criticam o governo. No entanto, a discussão sobre as queimadas e os direitos LGBTQIAPN+ exige um entendimento mais profundo, que transcenda ideologias partidárias e busque soluções coletivas e inclusivas para as questões sociais e ambientais.

Embora o perfil de Suellen Rayanne quebre alguns estereótipos ao se apresentar como uma mulher trans alinhada à direita política, sua estratégia de comunicação não obteve o impacto esperado nas urnas. Mesmo em Rio Claro, uma cidade com mais de 200 mil habitantes, ela conquistou apenas 83 votos. Isso mostra que, embora ela tenha conseguido atrair uma parte do eleitorado conservador, seu discurso não foi suficiente para mobilizar um número maior de pessoas, refletindo a dificuldade de engajamento de sua proposta em um cenário eleitoral mais amplo. Mostra também que possivelmente a maior parte de seus seguidores não seja da cidade, o que indica a dificuldade em reverter uma pauta identitária segmentada em expressão democrática manifestada no voto dos cidadãos locais.

Em resumo, a abordagem de Suellen, com suas críticas à comunidade LGBT e sua posição conservadora, pode ter limitado seu apelo entre os eleitores, resultando em uma votação muito baixa.

Considerações Finais

Embora Thammy, Suellen e Erika compartilhem experiências de enfrentamento à discriminação devido às suas identidades, suas trajetórias políticas e a forma como abordam as pautas identitárias, elas divergem profundamente, especialmente em relação ao espectro ideológico ao qual se alinham.

Thammy Miranda tem utilizado sua visibilidade para construir pontes entre a comunidade LGBTQIAPN+ e valores tradicionais, como a defesa da família e da religiosidade. Assim, busca legitimar as demandas da diversidade dentro do campo conservador, promovendo uma narrativa que tenta aproximar agendas de inclusão a valores vistos como fundamentais por seus eleitores. Sua abordagem procura reduzir a resistência do público conservador às questões trans, sem romper com as bases ideológicas que o sustentam politicamente. Sua base eleitoral é a cidade de São Paulo, o que também contribui para comportar a diversidade eleitoral de forma mais abrangente.

Por outro lado, Suellen Rayanne adota uma postura mais combativa em relação à predominância da esquerda nas pautas identitárias. Ela constrói uma narrativa que desafia diretamente o monopólio progressista sobre questões LGBTQIAPN+, argumentando que ser trans é compatível com os valores conservadores. Seu discurso tenta desconstruir a ideia de que identidades trans necessariamente se alinham a uma agenda de esquerda, oferecendo uma visão alternativa para eleitores que se identificam com o conservadorismo.

Já Erika Hilton trilha um caminho oposto ao de Suellen e Thammy, sendo uma liderança emblemática da esquerda brasileira. Erika representa a consolidação de pautas identitárias dentro de um campo progressista, onde questões de gênero, raça e classe são centrais. Diferentemente de Suellen, que questiona o vínculo entre identidade e progressismo, Erika reafirma a importância da esquerda como espaço histórico de articulação e conquista de direitos para pessoas LGBTQIAPN+. Sua atuação no Congresso Nacional, marcada pela defesa de políticas contra a violência trans e pela inclusão social, reforça a aliança entre pautas identitárias e agendas progressistas.

A comparação entre esses três líderes revela as múltiplas formas de articulação política dentro da diversidade. Enquanto Thammy tenta normalizar a presença trans no campo conservador e Suellen desafia a hegemonia progressista, Erika se posiciona como uma voz crítica e estruturante dentro da esquerda, evidenciando as tensões e os diálogos possíveis entre identidade e política em espectros ideológicos distintos.

Essa dinâmica levanta questões importantes sobre o impacto das lideranças LGBTQIAPN+ na transformação das estruturas políticas brasileiras. Estariam Thammy e Suellen reformulando o conservadorismo ao incorporar uma diversidade antes rejeitada? Ou suas ações servem mais para reforçar as bases do conservadorismo, adaptando-as para dialogar com demandas contemporâneas? Da mesma forma, Erika Hilton demonstra como o progressismo pode ser atualizado para incluir vozes historicamente marginalizadas, mas também expõe os desafios de lidar com as contradições internas e externas que emergem dessa inclusão.

Ao analisar figuras como Erika Hilton, Thammy Miranda e Suellen Rayanne, é possível apontar como as pautas identitárias não apenas refletem as disputas políticas entre direita e esquerda, mas também moldam as narrativas sobre representatividade, diversidade e inclusão no Brasil contemporâneo.

Notas

[1] O perfil de Suellen Rayanne no qual a pesquisa se baseou @transdedireota.sp5 foi derrubado pelo TikTok, segundo a própria influenciadora. Desde março de 2025, Suellen publica seus vídeos neste novo perfil: @transdedireota.sp6.

[2] Platform power acts to constrain identities and everyday work – including monetization and relationships with audiences and the platforms themselves.

[3] O vídeo não existe mais, pois estava em uma conta que foi banida pelo TikTok.

[4] Da mesma forma, o print se refere a uma postagem de uma conta que foi banida pelo TikTok.

[5] O print se refere a uma postagem de uma conta que foi banida pelo TikTok.

[6] O print se refere a uma postagem de uma conta que foi banida pelo TikTok.

Artigo submetido em 28/12/2024 e aceito em 08/07/2025.

Referências

ALMEIDA, D. Brasil registrou 145 assassinatos de pessoas trans no ano passado. Agência Brasil, Brasília, DF: 29 jan. 2024. Disponível em: https://bit.ly/4gul8JI. Acesso em: 24 ago. 2024.

ANTRA – ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE TRAVESTIS E TRANSEXUAIS. Mapeamento de candidaturas de travestis, mulheres transexuais, homens trans e demais pessoas trans em 2020. Salvador, 2020. Disponível em: http://bit.ly/47wday4. Acesso em: 11 ago. 2025.

BOLSONARO, J. Entrevista concedida a Jardel Sebba. Playboy, São Paulo, 29 jun. 2011.

CAMPOS, A. C. Candidatas trans se elegem para mandatos individual e coletivo. Agência Brasil, Brasília, DF: 21 out. 2018. Disponível em: http://bit.ly/3HC2PpR. Acesso em: 11 ago. 2025.

CARVALHO, M. F. L. “Muito Prazer, Eu Existo!” Visibilidade e reconhecimento no ativismo de pessoas trans no Brasil. 2015. Tese (Doutorado em Saúde Coletiva) – Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015. Disponível em:
http://www.bdtd.uerj.br/handle/1/4733. Acesso em: 10 ago. 2025.

GREEN, J. N. “Mais amor e mais tesão”: a construção de um movimento brasileiro de gays, lésbicas e travestis. Cadernos Pagu, n. 15, p. 271–295, 2000. Disponível em: https://bit.ly/4fsflDn. Acesso em: 10 set. 2024.

KARHAWI, I.; GROHMANN, R. Struggling with platforms: Marxist identities, cultural production, and everyday work in Brazil. International Journal of Cultural Studies, v. 28, n. 1, p. 223-240, 2024. DOI: https://doi.org/10.1177/13678779241268078.

MACHADO, M. Pentecostais, sexualidade e família no Congresso Nacional. Horizontes Antropológicos, v. 23, n. 47, p. 351-380, 2017. DOI:
https://doi.org/10.1590/S0104-71832017000100012.

MORENO, V. Eleito vereador em SP, Thammy diz ser privilegiado por superar expectativa de vida trans. UOL, São Paulo: 26 nov. 2020. Disponível em:
http://bit.ly/415WWYA. Acesso em: 11 ago. 2025.

PEREIRA, C. F. Barreiras à ambição e à representação política de LGBT no Brasil. Ártemis, v. 24, n. 1, p. 120-131, 2017. DOI:
https://doi.org/10.22478/ufpb.1807-8214.2017v24n1.35710.

PEREIRA DE SÁ. S.; POLIVANOV, B. Auto-reflexividade, coerência expressiva e performance como categorias para análise dos sites das redes sociais. Contemporânea, v. 10, n. 3, p. 574–596, 2012. DOI: https://doi.org/10.9771/contemporanea.v10i3.6433.

PIERUCCI, A. F. As ciladas da diferença. São Paulo: Ed.34, 1999.

SADER, E. Quando novos personagens entraram em cena: experiências, falas e lutas dos trabalhadores da grande São Paulo: 1970-80. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.

SANTOS, D. Eleições: 225 candidatos LGBTI+ são eleitos; 3 para prefeituras. Metrópoles, [S. l.], 7 out. 2024. Disponível em: https://bit.ly/3VUNZyF. Acesso em: 25 ago. 2024.

SANTOS, G. Diversidade sexual e política eleitoral: analisando as candidaturas de travestis e transexuais no Brasil contemporâneo. Sexualidad, Salud y Sociedad, Rio de Janeiro, n. 23, p. 58-96, 2016a. DOI: https://doi.org/10.1590/1984-6487.sess.2016.23.03.a.

SANTOS, G. Diversidade sexual, partidos políticos e eleições no Brasil contemporâneo. Revista Brasileira de Ciência Política, Brasília, DF, n. 21, p. 147-186, 2016b. DOI:
https://doi.org/10.1590/0103-335220162105.

SIBILIA, P. O show do eu: a intimidade como espetáculo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.

SILVA, T. T. Estética das identidades: sobre a política em torno das representações no digital. Galáxia, v. 48, p. e62418, 2023. DOI: https://doi.org/10.1590/1982-2553202362418.

RAYANNE, S. Trans de Direita desde 2014 - 1* Travesti Conservadora no Brasil. [Perfil do TikTok]. [S. l.], [2025], TikTok: @transdedireita.sp6. Disponível em: https://www.tiktok.com/@transdedireita.sp6 Acesso em: 14 ago. 2025.

TREVISAN. J. S. Devassos no Paraíso: a homossexualidade no Brasil, da colônia à atualidade. Rio de Janeiro: Objetiva, 2018.