O cercadinho começa aqui

o ódio e a construção mítica de Bolsonaro no Pânico na Band 

Janaine Sibelle Freires Aires1, Raissa Sales de Macêdo2 e Suzy dos Santos3 

Resumo

A televisão aberta desempenhou um papel fundamental na ascensão da extrema direita no Brasil, especialmente através da sua capacidade de moldar a opinião pública e disseminar ideologias. Este artigo se concentra na análise do quadro “Mitadas do Bolsonabo”, exibido no programa humorístico Pânico na Band entre março e dezembro de 2017. O objetivo é refletir sobre as estratégias utilizadas para construir a imagem mítica do então candidato à presidência, Jair Messias Bolsonaro, que governou de 2018 a 2022. Nossa pesquisa investiga como o personagem humorístico contribuiu para a naturalização da retórica odiosa de Bolsonaro, cujas ideias e discursos reverberaram na comunicação política durante seu mandato. Para alcançar esses objetivos, realizamos dois levantamentos: o primeiro abrangeu as participações e menções do candidato nos canais Band, RedeTV! e SBT, enquanto o segundo envolveu uma análise sistemática, utilizando o software ATLAS.ti, de dez edições do “Mitadas do Bolsonabo”, escolhidas aleatoriamente, para identificar os temas mais recorrentes. Os resultados revelaram uma forte presença de discursos de ódio relacionados a gênero, raça e classe, além da consolidação de uma marca mítica, conforme o conceito proposto por Roland Barthes (2001), evidenciando que o quadro funcionou como uma eficaz peça de propaganda política.

Palavras-chave

Televisão; Discurso de ódio; Bolsonarismo; Análise de Conteúdo; Pânico na Band.

1 Doutora em Comunicação e Cultura pela UFRJ. Professora da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro e do Programa de Pós-graduação em Estudos da Mídia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Integra o Grupo de pesquisas em Políticas e Economia Política da Informação e Comunicação (PEIC/UFRJ). E-mail: janaine.aires@eco.ufrj.br.

2 Doutoranda em Ciência Política pelo IESP/UERJ, pesquisadora do Laboratório de Estudos de Mídia e Esfera Pública (IESP/UERJ), pesquisadora do grupo de pesquisas em Políticas e Economia Política da Informação e Comunicação (PEIC/UFRJ). E-mail: raissamacedo@iesp.uerj.br.

3         . E-mail: suzy.santos@eco.ufrj.br. 

The political playpen begins here

hatred and the mythical construction of Bolsonaro on Pânico na Band

Janaine Sibelle Freires Aires1, Raissa Sales de Macêdo2 and Suzy dos Santos3 

Abstract

Free-to-air television played a fundamental role in the rise of the far right in Brazil, especially through its capacity to shape public opinion and disseminate ideologies. This article focuses on the analysis of the segment "Mitadas do Bolsonabo," aired on the humorous program Pânico na Band from March to December 2017. The aim is to reflect on the strategies used to construct the mythical image of then-presidential candidate Jair Messias Bolsonaro, who governed from 2018 to 2022. Our research investigates how the humorous character contributed to the normalization of Bolsonaro's hateful rhetoric, whose ideas and speeches reverberated in political communication during his administration. To achieve these objectives, we conducted two surveys: the first covered the candidate's appearances and mentions on Band, RedeTV!, and SBT, while the second involved a systematic analysis, using ATLAS.ti software, of ten randomly selected editions of "Mitadas do Bolsonabo" to identify the most recurring themes. The results revealed a strong presence of hate speech related to gender, race, and class, in addition to the consolidation of a mythical brand, according to the concept proposed by Roland Barthes in 2001, demonstrating that the segment functioned as an effective piece of political propaganda.

Keywords

Television; Hate speech; Bolsonarism; Content analysis; Pânico na Band.

1 Doutora em Comunicação e Cultura pela UFRJ. Professora da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro e do Programa de Pós-graduação em Estudos da Mídia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Integra o Grupo de pesquisas em Políticas e Economia Política da Informação e Comunicação (PEIC/UFRJ). E-mail: janaine.aires@eco.ufrj.br.

2 Doutoranda em Ciência Política pelo IESP/UERJ, pesquisadora do Laboratório de Estudos de Mídia e Esfera Pública (IESP/UERJ), pesquisadora do grupo de pesquisas em Políticas e Economia Política da Informação e Comunicação (PEIC/UFRJ). E-mail: raissamacedo@iesp.uerj.br.

3 Doutora em Comunicação pelo PósCom/UFBA. Professora da Escola de Comunicação ECO/UFRJ. Coordenadora do grupo de pesquisas em Políticas e Economia Política da Informação e Comunicação (PEIC/UFRJ). E-mail: suzy.santos@eco.ufrj.br.

Introdução

“Você tem uma cara de homossexual terrível e nem por isso eu te acuso de ser homossexual!”. Quem disse essa frase: o presidente do Brasil em pleno exercício de seu mandato ou um personagem grosseiro de um esquete televisivo? Engana-se quem aposta na segunda opção. A frase, proferida no dia 20 de dezembro de 2019, por Jair Messias Bolsonaro, é representativa da forma de comunicação que o político adotou para lidar com a divergência. Dirigido a um jornalista, o discurso homofóbico do presidente foi proferido naquilo que ficou conhecido como cercadinho. Mas a frase, o tom e o contexto também poderiam pertencer a um esquete de programa televisivo produzido anos antes: o quadro “Mitadas do Bolsonabo”.

As cores verde e amarela, o blazer desajustado, os cabelos desalinhados, os trejeitos e a postura corporal são parecidos. Acrescentam-se os signos militares nos trajes e a conotação sexista em que o “nabo” nomeia o personagem e compõe o figurino, formulando uma caricatura supostamente viril. “Bolsonabo” é interpretado pelo humorista Márvio Lúcio, conhecido como Carioca, e fez parte do programa Pânico na Band com um quadro próprio.

A data de criação do personagem não é precisa, no entanto, a veiculação do quadro se inicia em 2017, no contexto político que culminaria com a ascensão de Jair Messias Bolsonaro à Presidência da República. Tais produções televisivas, associadas a redes sociais como Facebook, Twitter e Instagram e aos aplicativos de mensagem instantânea, como Whatsapp e Telegram, foram fundamentais para que um político até então desconhecido do grande público conquistasse a visibilidade almejada.

Nossa hipótese compreende que, além de favorecer a ascensão a um cargo público, quadros televisivos como o “Mitadas do Bolsonabo” foram fatores relevantes na formulação da imagem de Bolsonaro como mito político, cuja estratégia de comunicação política está centrada no discurso de ódio. O objetivo central da pesquisa foi investigar em que medida as pautas e as ideias reproduzidas pelo programa se alinham ou não aos posicionamentos do próprio presidente Jair Bolsonaro, que, à época, era deputado federal e pré-candidato à presidência. Nessa linha, procuramos ainda identificar se a construção do personagem “Bolsonabo” apresentava aspectos mais favoráveis ou desfavoráveis à imagem pública do então presidenciável.

A análise de conteúdo – método útil à realização de análises empíricas sobre processos comunicacionais – foi utilizada nesta pesquisa tanto de maneira exploratória, auxiliando na descoberta de temáticas dentro do material observado, quanto de modo a observar a hipótese previamente elaborada. Ou seja, a investigação se deu através de dois processos complementares, englobados pelo que Bardin (2011, p. 125) denomina “três polos cronológicos”, a saber: 1) a pré-análise; 2) a exploração do material; e 3) a interpretação dos resultados.

Durante a pré-análise, fizemos a seleção do corpus de documentos a serem analisados dentro do universo de 33 edições do quadro “Mitadas do Bolsonabo”, que foi ao ar entre março de 2017 e o final do programa Pânico na Band, encerrado em dezembro do mesmo ano. De maneira aleatória, foram selecionadas dez edições do quadro em questão, praticamente um terço do universo total. Adotamos o software de análises de dados qualitativos ATLAS.ti para sistematizar o processo analítico dessas edições. Inicialmente, discutiremos sobre a importância da televisão na ascensão da extrema direita no Brasil, refletindo sobre a construção da imagem mitológica de Jair Bolsonaro na TV aberta. Discorreremos sobre o formato do programa Pânico e contextualizaremos o quadro. Por fim, apresentamos a análise.

A importância da televisão para a ascensão da extrema direita

A televisão aberta tem influência na ascensão da extrema direita em vários países. No Brasil, as últimas duas décadas são marcadas pela ascensão de elites nacionais-conservadoras, especialmente vinculadas a entidades religiosas. Um quadro comparativo entre 2003 e 2018 aponta para uma ascensão de grupos religiosos ao comando de geradoras de televisão diretamente atrelada à sua representação política. Traduz-se uma mudança nas elites que dominam a política e a mídia no Brasil. Porto, Neves e Lima (2020) defendem que além de representar uma crise hegemônica mais profunda, a eleição presidencial de 2018 representa uma alteração no papel historicamente desempenhado pela Rede Globo na política brasileira. O autor e as autoras indicam um reordenamento midiático focado na RecordTV.

Nesse contexto, Jair Bolsonaro que até então gozava de baixa visibilidade política e estava vinculado ao “baixo clero” do congresso nacional passou a ser adotado como um outsider alçado para comentar o cotidiano político em programas de entretenimento (Solano, 2018). Atribuiu-se a ele a alcunha de mito, que ele afirma resultar de um apelido de infância [1], e suas opiniões foram tratadas pela mídia como simples polêmicas.

Ora, as constantes participações em programas televisivos criaram uma espécie de marca desse candidato e, mais tarde, presidente do país. É nesse sentido que interpretamos a alcunha dada a Bolsonaro também na perspectiva de Barthes (2001), para quem o mito é uma mensagem, uma fala ideologizada e despolitizada. A partir de pesquisa retrospectiva nos canais de YouTube de emissoras de televisão – Band, RedeTV! e SBT –, levantamos a quantidade de aparições de Jair Bolsonaro em programas nacionais, conforme demonstramos na Figura 01.

Nossa coleta foi concluída em agosto de 2018 e demonstra a diversidade de participações do político na televisão brasileira. A participação mais longeva se deu no programa SuperPop da RedeTV! apresentado por Luciana Gimenez. Ao todo identificamos 11 entrevistas entre 2010 e 2018, com quantidade/média aproximada de tempo por programa de 1h16min. Nesse escopo, a construção identitária da personagem política que se apresentava às eleições presidenciais marcava distinção daquela figura de um obscuro militar da reserva com pautas fortemente vinculadas às zonas norte e oeste do município do Rio de Janeiro. A imagem construída, paulatinamente desde 2010 e largamente intensificada a partir de 2015, se concentra em cinco características centrais relacionadas ao candidato: 1) Outsider, figura política diferente e divergente “de tudo que está aí”; 2) Herói nacional; 3) Masculinidade exacerbada; 4) Polêmico, sem “mimimi”; e 5) Engraçado.

Figura 1 – Construção da imagem mitológica de Jair Bolsonaro na TV aberta.

https://bit.ly/3YmzwNf 

Fonte: Elaboração do grupo de pesquisa PEIC [2] com base no material disponível no YouTube e acompanhamento dos programas entre março e agosto de 2018.

Na Band, Bolsonaro apareceu nos programas Pânico e CQC. O Pânico na Band, que analisamos em profundidade, realizou duas entrevistas com ele entre 2014 e 2018, com média de 14 minutos. No rádio, entre 2016 e 2018, foram cinco entrevistas, com média de 1h35min. O CQC veiculou sete entrevistas entre 2011 e 2015, com média de 12 minutos, e Bolsonaro foi mencionado 23 vezes no quadro Top 5. No SBT, o vínculo foi mais tardio: Bolsonaro foi entrevistado cinco vezes no Programa do Ratinho até 2018, com média de 45 minutos. No The Noite, ele participou de duas entrevistas, recebeu 68 menções de campanha e 4 sobre o game "Bolsonaro Mito". O genro do dono da emissora, Fábio Faria, foi Ministro das Comunicações de Bolsonaro, consolidando o alinhamento ideológico iniciado na pré-eleição.

O projeto identitário construído em torno da figura de Bolsonaro segue um relativo padrão de similaridade com outros processos eleitorais marcados por características identitárias relativas à legitimidade do “homem branco” como oposição ao avanço da diversidade social nos espaços de poder. A chamada ofensiva identitária da branquidade (Giroux, 1999), teve sua tônica de visibilidade baseada no ambiente midiático popular, em particular nas redes de televisão aberta e no rádio.

Pode-se dizer que o perfil identitário construído para as eleições brasileiras de 2018 partia de condicionantes locais e globais. Por um lado, o sucesso político do Partido dos Trabalhadores ao estabelecer uma sequência de quatro vitórias eleitorais nacionais seguidas (2002, 2006, 2010 e 2014) foi impactado por intensa e coesa campanha antipetista, nacionalmente estruturada a partir de 2013. Esta campanha uniu distintas correntes e abriu espaço para o avanço de uma extrema direita que agrupava o poder agropecuário aos poderes religiosos de distintas matrizes, agregando denominações evangélicas neopentecostais e setores conservadores do catolicismo, e tinha uníssono no ambiente da chamada “grande mídia” nacional. Em termos globais, por outro lado, campanhas majoritárias que obtiveram sucesso em polos globais distintos, a destacar-se a campanha de Vladimir Putin, na Rússia em 2012, e a de Donald Trump, nos EUA em 2016, estiveram marcadamente pautadas pela ruptura da imagem mais sóbria tradicionalmente estabelecida ao longo do século XX para um “líder político”. As gravatas elegantes, ternos cinzas muito bem cortados, vocabulário e raciocínio complexo, modos refinados que caracterizavam a imagem da liderança política “típica” cedem espaço ao “homem médio de família”, sem berço elitista, sem vínculos partidários ou campanhas programáticas.

Esta construção tem dupla função na despolitização da vida social, primeiro, protege a liderança da campanha permanente de demonização da vida política, capitaneada pelos movimentos neoliberais desde as décadas 1980 e 1990 (Harvey, 1994) e, sequencialmente, reforça, pela mitificação personalista, a alienação política desejável para o avanço do projeto de retração dos direitos sociais. Nesse sentido, a imagem eleitoral supõe uma cumplicidade, a informalidade, o humor, e o não pertencimento, propõe ao eleitor “sua própria efígie, clarificada, magnificada, imponentemente elevada à condição de tipo” (Barthes, 1982, p. 103). Assim, Jair Bolsonaro deixa de ser “um velho político” para tornar-se “um líder indignado” que fala o que pensa sem medo de represálias. Um mito. Assim como herói radicalmente comprometido, “enquanto a imprensa popular assinalava a emergência de uma política de identidade, pela qual homens brancos se definiam a si próprios como vítimas do preconceito racial ‘reverso’” (Giroux, 1999, p. 101), promovia-se uma virada identitária com cálculo eleitoral baseado no cenário internacional e na estruturação política.

O que Giroux chama de imprensa popular reflete, também, outra cisão, entre a mídia elitista, no Brasil identificada como os principais jornais impressos associados ao grupo Globo. A escolha de grupos de comunicação “periféricos” não reflete apenas uma estratégia de marketing eleitoral. A estrutura de propriedade dos meios de comunicação no Brasil, a decadência econômica do sistema midiático nacional e a capilaridade geográfica dos pequenos grupos midiáticos facilitou largamente o processo.

“Mitadas do Bolsonabo”: o cercadinho midiático

O programa Pânico na Band é um produto da Jovem Pan, emissora de rádio paulista que veicula a versão radiofônica da atração desde 1993 e, através da afiliação informal de emissoras de rádio, alcança dezenove estados brasileiros (MPF, 2023). No rádio, trata-se de um programa de variedades no formato de mesa-redonda, transmitido ao vivo de segunda a sexta-feira ao meio-dia. Entre 2003 e 2012, a primeira versão televisiva da atração foi veiculada pela Rede TV! Entre 2012 e 2017 [3], o programa passou a ser veiculado na Rede Bandeirantes e mudou de nome, sendo denominado nesta época como Pânico na Band.

Seu formato é de um programa de auditório cujas atrações são a veiculação de matérias e de quadros humorísticos intermitentes, todos protagonizados pelos comediantes contratados. Predominantemente, o programa foi exibido aos domingos, às 21h, com média de duas horas e meia. Em todas as suas versões, o Pânico foi apresentado por Emílio Surita. Embora sejam usualmente invisibilizados, os vínculos políticos da família Surita são importantes na contextualização do programa. O programa Pânico foi criado em 1993, dois anos após a chegada da irmã do apresentador Emílio Surita, Teresa Surita, à Câmara dos Deputados pelo PDS. Desde 1991, Teresa Surita alternou mandatos de deputada federal (1991-1993, 2011-2013) com de prefeita de Manaus (1993-1997, 2013-2021). Teresa Surita foi também casada com Romero Jucá, ex-governador de Roraima (1988-1990), senador, entre 1995 e 2019, líder do MDB, partido fundamental no processo de impeachment de Dilma Rousseff e, após o golpe consumado, Jucá esteve na base do governo Temer, tanto como Ministro do Planejamento e, também, como líder do Senado. Jucá é proprietário do maior grupo de comunicação no estado de Roraima, tendo duas emissoras de TV em Boa vista, afiliadas da Record e da Band, além de jornal impresso e duas estações de rádio. Assim, além dos laços familiares que unem o apresentador, também laços empresariais atrelam diretamente o programa Pânico ao ambiente político nacional. Não se pode tratar tamanha intimidade de relações como coincidências ou acaso. O programa, no contexto que se delineia, pode ser definido como ferramenta de propaganda política. E, por isso, sua análise torna-se ainda mais relevante à compreensão da intersecção entre os sistemas político e midiático no Brasil.

Dentro do Pânico na Band, “Mitadas do Bolsonabo” contou com 33 episódios, com média de 8 minutos. Ao todo, somam 4 horas e 29 minutos. O primeiro episódio foi exibido em 26 de março de 2017 e o último em 17 de dezembro de 2017. No canal de YouTube do Programa Pânico, a soma de todos os episódios contabiliza 136 milhões de visualizações [4]. Nele, o personagem “Bolsonabo”, acompanhado de uma comitiva de atores trajados com vestes militares que formam uma banda de fanfarra, interage com transeuntes que fazem questionamentos a partir de um púlpito. Trata-se de escadas para piadas politicamente incorretas que reproduzem a falta de decoro característica do então parlamentar. O choque diante do excesso e da violência das respostas era a base para provocar o riso e o engajamento da plateia, induzida pelo elenco para endossar um coro uníssono: “Mito! Mito! Mito!”.

O neologismo “mitadas”, apropriado pela direita, denomina o ato de transformar algo ou alguém em mito, lenda, no sentido de fazer algo fantástico, inusitado, heroico e lendário. Se atribui heroísmo ao ato de, supostamente representando o senso comum, afirmar sem titubear algo politicamente incorreto [5]. Trata-se de uma forma de incivilidade (Sodré, 2021), na qual o ódio se associa às lógicas midiáticas de engajamento e de visibilidade. As “mitadas” são o discurso de ódio midiatizado, transformado em entretenimento.

O cenário do quadro “Mitadas do Bolsonabo” e o “cercadinho” são semelhantes em muitos aspectos. Sendo que este último se tornou uma ambiência a partir da qual o então presidente da República interagia com os seus apoiadores nas entradas e nas saídas do Palácio da Alvorada. Esse espaço reservado em que a interação com o público era controlada pela equipe de segurança da presidência, tornou-se o ponto a partir do qual, sem a intermediação de jornalistas e/ou opositores, o político agitava sua base de apoio e proferia posicionamentos que alcançavam visibilidade na imprensa.  Para além destes aspectos, as mitadas, de certa forma, promovem a conexão entre a produção televisiva e a difusão desse conteúdo nas plataformas digitais.

Essa forma de engajamento foi utilizada durante toda a gestão de Jair Bolsonaro. Assim, o cercadinho consagrou-se como uma representação do modelo de comunicação política implementado pelo governo Bolsonaro, caracterizado pela demarcação espacial, informalidade e constrangimento ao contraditório. Inicialmente, as recusas de contatos oficiais consolidaram aquele espaço como a oportunidade em que a imprensa podia tentar uma interação direta com a presidência.

Durante a fase de exploração do material coletado do quadro “Mitadas do Bolsonabo”, ao longo da qual foi realizada a codificação e a categorização dos documentos, nos valemos do software de análises de dados qualitativos ATLAS.ti para sistematizar o processo analítico. Para isso, foram transcritas as íntegras de dez edições selecionadas aleatoriamente. Vale dizer que a codificação – na qual os dados brutos são transformados por meio de recortes e agregações temáticas – foi estruturada tanto ao longo da pré-análise (quando tivemos um primeiro contato com o conteúdo) quanto durante a exploração do material.

No total, foram identificados 15 códigos ao longo das transcrições, e essa identificação foi feita por parágrafos. Em um segundo momento, os códigos foram reagrupados em categorias organizadas conforme seus elementos em comum. Com isso, passamos a ter cinco categorias, indicadas a seguir (todos os códigos, categorias e o número de vezes em que são mencionados serão trazidos na próxima tabela): 1) Gênero e sexualidade; 2) Outras formas de discriminação; 3) Racismo, xenofobia e classismo; 4) Posição política e 5) Violência.

Por último, a interpretação dos resultados, ainda auxiliada pelo ATLAS.ti, será objeto da seção subsequente. Por enquanto, é possível adiantar que através das categorias temáticas encontradas, a frequência com que aparecem ao longo do material, a quantidade de co-ocorrências entre os temas e a construção de nuvens de palavras, pudemos observar atitudes, valores e inclinações políticas recorrentes, que se destacam nos discursos do programa.

O quadro era marcado pelo discurso de ódio às questões de gênero e de sexualidade, raciais e de classe. Além disso, a exaltação da masculinidade e da violência eram recursos corriqueiros. A seguir, apresentamos alguns dados obtidos ao longo da análise de conteúdo e trechos ilustrativos das categorias e dos códigos formulados, bem como exemplos de como eles co-ocorrem entre si. Antes disso, porém, segue uma tabela listando as categorias, seus respectivos códigos, e o número de citações recebidas por cada um na amostra analisada.

Quadro 01 – Categorias e códigos de análise.

Categoria/códigos

Nº de citações

Gênero/sexualidade

116

LGBTfobia

42

Sexismo

73

Sexualização feminina

18

Masculinidade

44

Outras formas de discriminação

25

Capacitismo

8

Drogas

4

Etarismo

5

Gordofobia

11

Classismo/racismo/xenofobia

23

Classismo

15

Racismo

14

Xenofobia

3

Posição política

11

Política -– corrupção

2

Política -– oposição

10

Violência

11

Apologia à violência

9

Referência aos militares

2

Fonte: Elaboração própria (2025).

Como esperado, já que a categoria mais frequente é “gênero/sexualidade”, ela é também a que mais ocorre junto a outras categorias, sendo que as três primeiras co-ocorrências mais frequentes são entre “gênero/sexualidade” e “outras formas de discriminação” (13), “gênero e sexualidade” e “classismo/racismo/xenofobia” (12) e “gênero/sexualidade” e “violência” (7).

Especificamente em relação aos códigos, as quatro co-ocorrências mais presentes são “sexismo” e “masculinidade” (26), “sexismo” e “sexualização feminina” (16), “LGBTfobia” e “masculinidade” (14) e “masculinidade” e “sexualização feminina” (12). Por motivos de espaço, optamos por destrinchar em subseções apenas as categorias com mais de 20 menções; sendo assim, as categorias “Posição política” e “Violência” serão mencionadas em suas relações com as outras três.

Análise do Quadro “Mitadas do Bolsonabo”

4.1. Misoginia recreativa: Gênero e sexualidade

Nesta categoria, incluem-se quatro códigos temáticos: “LGBTfobia”, “sexismo”, “sexualização feminina”, e “masculinidade”. O código “sexismo”, que aparece 73 vezes, é o mais recorrente não apenas nesta categoria, mas em toda a amostra, sendo que em 26 das citações há também uma questão de masculinidade envolvida. Além disso, o código ocorre de forma concomitante com todos os outros códigos da amostra pelo menos uma vez, à exceção de “política – corrupção”. Grande parte das vezes, as referências sexistas presentes nos discursos de “Bolsonabo” e demais participantes do quadro se relacionam com os seguintes aspectos: 1) questões estéticas e depreciativas às mulheres participantes; 2) Sexualização e objetificação feminina; 3) Associação de mulheres a atividades domésticas; 4) Associação à ideia de que as mulheres são atraídas por dinheiro; 5) Depreciação da capacidade intelectual feminina.

Ao falar com mulheres que estão dentro do padrão de beleza associado à magreza, brancura e juventude, a tendência é que o personagem assuma um tom elogioso e recorrentemente de sexualização; quando a mulher, sob a perspectiva do humorista, não possui tais características, o tom assumido é de hostilidade e de depreciação. Vale salientar que a opção por criar um código apenas para a “sexualização feminina”, destacado do código “sexismo” se justifica pela recorrência com que a sexualização de mulheres aparece, mas geralmente os dois surgem juntos. Os trechos a seguir exemplificam o comportamento descrito:

[Participante Mulher] – O que você vai fazer pela saúde?

[Bolsonabo] – O que eu vou fazer pela saúde, eu não sei. Mas pela sua saúde, eu vou levar você pra [sic] minha casa e vou botar o meu termômetro pra [sic] saber a tua febre (Pânico na Band, 2017).

[Mulher] – Eu sou feia e pobre, como é que eu faço pra alguém gostar de mim?

[Bolsonabo] – É melhor você morrer! Porque no velório pelo menos vão dizer que gostavam muito de você! (Pânico na Band, 2017).

Aqui, vale mencionar como declarações relacionadas ao posicionamento político da personagem retratada se confundem com o posicionamento do próprio programa, podendo surgir interseccionadas com temáticas como gênero e sexualidade. Sob a forma de piadas, são tecidos comentários discriminatórios contra pessoas de esquerda e petistas, que além disso, fazem parte ou são associadas a outros grupos discriminados. Os exemplos a seguir são ilustrativos:

[Participante Mulher] – Quero ser miss São Paulo, será que eu consigo?

[Bolsonabo] – Cê só pode tá de sacanagem com a minha cara, né?

[Participante Mulher] - Não posso?

[Bolsonabo] – Você é a mistura de bruxa com a perna peluda da Maria do Rosário! (Pânico na Band, 2017).

[Participante Homem] – Qual é a pior das circunstâncias: ter um filho gay ou maconheiro?

[Bolsonabo] – O pior filho que tem não é o gay nem o maconheiro, o pior filho é aquele meio canhota, sabe? Que vai acabar virando os dois (Pânico na Band, 2017).

Como demonstrado pela tabela da subseção anterior, os códigos pertencentes à categoria “gênero e sexualidade” são os quatro mais frequentes ao longo da amostra, sendo que “masculinidade” e “LGBTfobia” assumem, respectivamente, o segundo e o terceiro lugares – além de usualmente aparecerem de maneira simultânea. A masculinidade, de modo geral, se manifesta de duas formas: 1) Como algo a ser afirmado quando a personagem fala de si mesmo ou aconselha os outros (com referências à potência sexual, relações com várias mulheres e ao homem como provedor/chefe de família); 2) Como algo que apresenta dúvida quando são feitas piadas com homens da plateia (aqui as referências são à impotência sexual, à traição e à sexualidade). Seguem exemplos do primeiro e segundo modos de apresentação da temática da masculinidade, respectivamente:

[Bolsonabo canta e os homens repetem. Duas mulheres com corpos atléticos e roupas curtas ficam ao lado do personagem] – Mito, mito! Mi-to-to, mi-to-to. Mito, mito. Mi-to-to, mi-to-to. Tem mulher que é safada, só quer balada e curtição, fica dançando pelada, o povo morre de tesão. Mas se ela fosse minha, eu mudava sua postura, ia mandar pra escolinha de crochê, corte e costura (Pânico na Band, 2017).

[Participante Homem] – Minha mina tá grávida. E eu sempre uso camisinha. O que eu faço?

[Bolsonabo] – Você usa camisinha?

[Participante Homem] – Sempre usei.

[Bolsonabo] – É, mas seu vizinho não! (Pânico na Band, 2017).

Em menor medida, as piadas que questionam a masculinidade também são dirigidas da plateia para a personagem, conferindo a ele uma imagem mais humana e descontraída. Assim, somos apresentados a uma figura aberta a brincadeiras, passível de ser contrariada, que não se leva tão a sério. O código “LGBTfobia”, por sua vez, surge recorrentemente associado ao código “masculinidade”, mas também a “sexismo”. Quase sempre as referências a pessoas LGBTQIA+ são piadas feitas pela personagem ou mesmo pelo público de forma a depreciar seus interlocutores. Nesse sentido, a ideia que se transmite é de que qualquer orientação sexual fora da heteronormatividade é desviante e errada. Por exemplo, no primeiro episódio do quadro, quando a personagem sugere que uma mulher da plateia beije seu “filho”, Pedrinho, e recebe como resposta que ela é casada, ele responde que “não sendo mulher com mulher, tá bom” (Pânico na Band, 2017a).

Também relacionada à noção de que há algo errado com sexualidades não heteronormativas, aparece a ideia de que elas devem ser punidas. Não à toa, quase metade das menções ao código “apologia à violência” co-ocorrem com o código “LGBTfobia”. No dia 1 de abril de 2017, por exemplo, quando um homem fala a Bolsonabo que está desconfiado que o filho é gay e pergunta o que fazer para descobrir, o personagem diz que, se fosse filho dele, ele mataria. Ao dizer isso, ele dá um chute e derruba do palco o humorista Pedro Gardin. Em outra situação, a personagem busca constranger um rapaz gay, ao mesmo tempo em que faz apologia à violência e debocha das possíveis consequências jurídicas do crime de homofobia: “É melhor ser preso por homofobia do que ter a ruela solta” (Pânico na Band, 2017).

A forte identidade machista, atrelada à campanha de Bolsonaro, não é reflexo de um acaso. Faz, também, parte da tendência mais ampla da política identitária da extrema direita em diversos polos. Assim como o viés “macho” de Trump, ou, ainda antes, o viés “macho” de Putin, a dinâmica política do “Machão” está estrategicamente arraigada. Segundo Sperling (2015), as normas de gênero, especialmente a masculinidade, encontram farto espaço político em sociedades nas quais o sexismo e a homofobia têm firmes raízes culturais e socioeconômicas. No cenário político brasileiro que levou à eleição de Bolsonaro, uma presidenta marcadamente feminista e o avanço das políticas sociais inclusivas justificavam o discurso patriarcal. No entanto, se detivermos o nosso olhar na história patrimonial brasileira, no papel da mulher na estrutura familiar que constitui nosso modelo fundador econômico, nas relações do trabalho doméstico, na divisão patrimonial que implica a diversidade no seio da “família tradicional”, pode-se inferir, também, que além da projeção simbólica da imagem masculina, a pauta sexista refletia importante guinada de retomada econômica das elites patrimonialistas nacionais.

4.2. Moralismo: outras formas de discriminação

Com 25 citações, a categoria “outras formas de discriminação” inclui os códigos “Gordofobia” (11), “Capacitismo” (8), “Etarismo” (5) e “Drogas” (4). Novamente, as codificações que apresentam esses temas estão relacionadas, em sua maioria, a piadas depreciativas com pessoas da plateia. No caso do capacitismo, contudo, a maior parte das piadas se direciona a Pedrinho, que interpreta o filho de Bolsonabo. Já quando se trata do código “drogas”, que aparece em apenas quatro circunstâncias, embora duas delas tenham como alvo a depreciação de terceiros, as outras duas são brincadeiras com o próprio Bolsonabo.

Já o etarismo – discriminação baseada em estereótipos ligados à idade e que atinge, principalmente, pessoas idosas –, assim como as referências às drogas, não é muito recorrente na amostra. Apesar disso, o número não é insignificante se considerarmos que cinco das 12 pessoas aparentemente idosas que interagem com Bolsonabo ao longo das edições analisadas, são alvos de piadas envolvendo essa temática. Além disso, embora as 12 pessoas idosas estejam divididas igualmente entre os sexos masculino e feminino, entre as cinco que são alvo de piadas etaristas, quatro são mulheres. Nesse caso, em alguns momentos (como quando são chamadas de “bruxas”) é uma tarefa difícil distinguir se estão sendo discriminadas por sua idade ou por seu gênero, o que corrobora com as análises que apontam a interseccção entre ambos os tipos de discriminação.

Os trechos codificados como “gordofobia”, por outro lado, não apresentam o mesmo caráter de gênero (pois há paridade entre homens e mulheres alvos dessas piadas). Ainda assim, algumas falas apresentam teor simultaneamente gordofóbico e misógino, como é o caso quando o personagem afirma que uma mulher com quem está interagindo é “uma gata, sim. Gorda, peluda e com bigode!” (Pânico na Band, 2017).

O capacitismo, por sua vez, é direcionado, principalmente, aos personagens Pedrinho e Furrico – o primeiro é parte do elenco, já o segundo começa a aparecer como alguém do público e depois se torna membro do “exército” de Bolsonabo. O nanismo do humorista Pedro Gardin é objeto de deboche em diversas situações: ele é infantilizado, fisicamente agredido por Bolsonabo e tem sua capacidade intelectual subjugada.

4.3. Classismo, racismo e xenofobia

Nesta última categoria, os códigos “classismo” e “racismo” se destacam com, respectivamente, 15 e 14 menções. Na amostra total, eles são menos mencionados apenas do que os códigos da categoria “Gênero e sexualidade”. Além disso, refletindo a associação existente entre classe e raça na própria sociedade brasileira, os dois códigos aparecem de forma conjunta em sete ocasiões. Ou seja, metade das referências a questões raciais, se referem também a questões de classe. Já a xenofobia, presente em apenas três situações, está interligada com o racismo em duas delas.

De modo geral, a categoria é marcada por piadas depreciativas sobre características físicas, trejeitos, modo de se vestir e de se expressar de pessoas não-brancas e/ou assumidas como pobres. Entre os trechos codificados exclusivamente como “classismo”, há situações em que o personagem Bolsonabo corrige e debocha de erros de português, bem como do nível de escolaridade alheio.

Outro tipo de comentário feito pelo personagem em três momentos diferentes é o que associa homens do público a criminosos (segundo ele, eles têm “cara de bandido”), sendo que em duas das três ocasiões, os homens são não brancos (um pardo e um preto). Vale dizer que os três homens estão com indumentária associada à cultura periférica, como boné de aba reta, óculos juliet e roupa folgada, mas apenas o rapaz branco é “identificado” como bandido explicitamente por essas características: “Isso aí tem roupa de que assalta em moto. Bigodinho escroto já tem” (Pânico na Band, 2017).

Os comentários de teor racista, embora variem em sua forma, têm em comum a presença de estigmas e de estereótipos relacionados ao corpo. Nesse sentido, nos deparamos com ofensas a cabelos crespos e às feições de um homem de barba longa que, segundo Bolsonabo, “tem cara de refugiado”. Além disso, quando uma mulher negra “dá em cima” do humorista, ele diz que “é só porque sou olho azul” e desdenha da resposta de que seu olho também é claro. Em outras situações, mulheres negras são pejorativamente apelidadas com os nomes de artistas negras famosas – nestes casos, é como se a cor de pele fosse suficiente para reunir pessoas diversas sob o rótulo de que são iguais. Assim, uma mulher negra com cabelo black power é chamada de Sandrá de Sá, enquanto outra de cabelo loiro é referida como “Beyoncé com caps lock ativado”.

Esses trechos, assim como os demais apresentados ao longo desta seção, são representativos do que Moreira (2019) conceitua como “racismo recreativo”. Isto é, a utilização do humor como forma de expressar e encobrir hostilidade racial. Ao longo da análise, é patente a utilização de estereótipos que reforçam sentidos culturais negativos sobre grupos raciais oprimidos; com destaque, em relação aos últimos exemplos, para a desqualificação e inferiorização de pessoas negras. Através de circunstâncias humilhantes – intensificadas pelo movimento e enquadramentos das câmeras, pelas escolhas da edição, pelo comportamento do humorista e do público em geral – a construção de negros e pobres como moral, intelectual e fisicamente inferiores a membros de grupos socialmente dominantes é corroborada pelo esquete.

Considerações Finais

Identificamos que a personagem “Bolsonabo” não era ridicularizada ou depreciada por suas características físicas, sua atuação política e sua formação intelectual. Na verdade, é possível observar uma tendência de humanizá-la, apresentando-a como uma figura sem “papas na língua”, popular e, a partir disso, mítica. Nesse sentido, o quadro teve um apelo propagandístico tão forte que foi compartilhado nas redes sociais pelo então candidato a presidente.

Concluímos que o quadro contribuiu para fortalecer a imagem do candidato e que as estratégias utilizadas foram fundamentais para consolidar uma marca em que Jair Bolsonaro se apresenta de um lado como um “outsider” e como um heroi. Em nossa amostra o racismo e a misoginia recreativas são latentes e evidenciadas pelas palavras, pela sonoridade e pelos enquadramentos sugeridos, sempre sob ponto de vista cômico. A partir de tal estratégia, o quadro buscou se inserir em grupos mais jovens.

Dessa forma, o quadro se alia à política identitária da extrema direita e apresenta uma resposta às políticas sociais inclusivas promovidas pelos governos progressistas do Partido dos Trabalhadores. O quadro, portanto, integrou midiaticamente o projeto identitário construído em torno da figura de Jair Bolsonaro, reproduzindo similaridades com outros processos eleitorais em que o ressentimento do “homem branco” combate o avanço da diversidade social nos espaços de poder.

Notas

[1] Jair Bolsonaro, em entrevistas, costuma dizer que é denominado assim por seus seguidores em alusão a seu apelido de infância “parmito”. No entanto, o apelido está associado ao verbo “mitar” e integra a forma de engajamento de sua base política: criação de conteúdo com efeitos virais (Rocha, 2022).

[2] Esse levantamento e esta figura também foram utilizados em Costa; Santos e Santos (2020).

[3] O programa foi encerrado no dia 31 de dezembro de 2017.

[4] Esses dados foram coletados em 28 de agosto de 2023.

[5] Embora não seja nosso objetivo, é importante refletir sobre as diferenças entre o que se denomina como “Mitadas” e o que se classifica como “lacração”. Esta última, definida como “um discurso simplificado, triunfalista, frequentemente debochando de adversários políticos” (Miguel; Fontenele, 2023). A direita tem atribuído à gíria “lacrar”, que significa arrasar, o suposto hábito de pessoas de esquerda em, com frases de efeito, desqualificar o que é conservador ou de direita.

Artigo submetido em 16/10/2024 e aceito em 07/04/2025.

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