“Pós de verdade” e jornalismo em Mato Grosso:

uma análise sobre o site FolhaMax [1]

Thiago Cury Luiz1 e Nayara Fernanda Takahara da Cruz Carvalho2

Resumo

Os métodos canônicos do Jornalismo, como pesquisa documental e entrevista, são centrais ao ofício no cumprimento do seu papel junto à sociedade e à democracia. Nesse sentido, o objetivo deste trabalho é demonstrar a ocorrência de “pós de verdade” (Zamith, 2019) gerados pela lógica do “jornalista sentado” (Neveu, 2006) na relação entre a produção de relises pela assessoria de comunicação do governo do estado de Mato Grosso e a veiculação de matérias sobre o referido órgão público no site jornalístico FolhaMax. Para tanto, tendo como recorte temporal da pesquisa os 31 dias do mês de janeiro de 2023, lançamos mão da análise de conteúdo (Bardin, 2002) enquanto método de investigação, em vertente qualitativa e quantitativa. A partir deste substrato metodológico, discriminamos cinco categorias analíticas, quais sejam: título; linha fina; assinatura; conteúdo (foto e texto) e crédito (autoria). Observamos uma alta incidência de reprodução dos relises, pressupondo a prática do “jornalista sentado” e do jornalismo declaratório e descontextualizado. Com isso, ao transformar o relise em conteúdo publicável, em vez de sugestão de pauta, o jornalismo, seja por escassez de recursos, precarização do trabalho, déficit técnico ou falência deontológica, compromete a cidadania e a lógica democrática.

Palavras-chave

Assessoria de imprensa; Jornalismo; Pós de verdade; Jornalista Sentado; FolhaMax.

1 Doutor em Educação, mestre em Comunicação e Bacharel em Comunicação Social/habilitação em Jornalismo. Professor Adjunto III do Departamento de Comunicação e docente permanente do Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). E-mail: thiago.luiz@ufmt.br.

2 Mestra em Comunicação e Bacharela em Comunicação Social/habilitação em Jornalismo pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). E-mail: nayaratakahara@gmail.com. 

Juiz de Fora, PPGCOM – UFJF, v. 18, n. 2, p. 42-58, MAI./AGO. 2024                                         DOI 10.34019/1981-4070.2024.v18.44227

“Powders of truth” and journalism in Mato Grosso:

an analysis of the FolhaMax website

Thiago Cury Luiz1 and Nayara Fernanda Takahara da Cruz Carvalho2 

Abstract

Canonical methods of journalism, such as documentary research and interviews, are central to the profession in fulfilling its role within society and democracy. In this sense, the aim of this study is to demonstrate the occurrence of “truth dust” (Zamith, 2019) generated by the logic of the “sitting journalist” (Neveu, 2006) in the relationship between the production of press releases by the communications department of the state government of Mato Grosso and the dissemination of articles about this public agency on the journalistic site FolhaMax. To achieve this, using the 31 days of January 2023 as the timeframe for the research, we employed content analysis (Bardin, 2002) as our investigative method, both qualitatively and quantitatively. Based on this methodological substrate, we identified five analytical categories: headline; subheadline; byline; content (photo and text); and credit (authorship). We observed a high incidence of reproduction of press releases, implying the practice of the “sitting journalist” and declarative and decontextualized journalism. By turning the press release into publishable content rather than a story suggestion, journalism—whether due to resource scarcity, job precariousness, technical deficits, or ethical failures—compromises citizenship and democratic logic.

Keywords

Press office; Journalism; Truth Dust; Sitting Journalist; FolhaMax.

1 Doutor em Educação, mestre em Comunicação e Bacharel em Comunicação Social/habilitação em Jornalismo. Professor Adjunto III do Departamento de Comunicação e docente permanente do Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). E-mail: thiago.luiz@ufmt.br.

2 Mestra em Comunicação e Bacharela em Comunicação Social/habilitação em Jornalismo pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). E-mail: nayaratakahara@gmail.com. 

Juiz de Fora, PPGCOM – UFJF, v. 18, n. 2, p. 42-58, MAI./AGO. 2024                                         DOI 10.34019/1981-4070.2024.v18.44227

Introdução

A função do jornalista tem papel de destaque no regime democrático. Nesta época de múltiplas convulsões, tanto no campo político quanto no social, é difícil imaginar qualquer atuação de governo que não tenha ampla cobertura jornalística. Na outra ponta da interlocução está o assessor de imprensa, também jornalista, que, em nome do assessorado, distribui as informações de interesse da sociedade e, no caso da comunicação pública institucional, colabora com o trabalho do governo de prestar contas de seus atos à população.

A assessoria de imprensa tem como papel auxiliar no processo de aproximação entre os veículos de comunicação e o órgão, atuando como mediadora desta relação. Um dos principais produtos da assessoria é o relise, que, no inglês original – press release –, significa material liberado para a imprensa e que pode servir de pauta para jornalistas.

No entanto, quando a sugestão de pauta é veiculada como notícia, e não a base ou o ponto de partida para a construção de uma matéria, o jornalista publica a palavra oficial como verdadeira, sem o exame crítico e independente, e divulga ao leitor uma informação enviesada, a qual muitas vezes não reflete a realidade, denominando-se “jornalismo declaratório” (Zamith, 2019, p. 159).

O fato é que a prática atual do jornalismo, ambientado no ciberjornalismo ou jornalismo on-line, tem se notabilizado por uma produção aquém dos parâmetros técnicos e éticos e, grande parte, reduziu-se à “pós de verdade”, conforme Zamith (2019), e a um fazer jornalístico mais orientado e “sentado”, complementa Neveu (2006).

Guiada por essas questões, esta pesquisa centrou-se no atual cenário mato-grossense de produção e divulgação de notícias, considerando que as assessorias de imprensa do Poder Executivo estadual disseminam informações de interesse da sociedade por meio de relises, os quais são inseridos com facilidade nas editorias da imprensa local, em especial no site de notícias FolhaMax, nosso objeto de estudo.

Partindo desses contextos, se os governos empregam a comunicação governamental (Haswani, 2006) para falar só boas notícias de si mesmos, ocultando informações desfavoráveis, e se a imprensa abdica de seu dever de fazer um trabalho investigativo e vale-se apenas dos relises distribuídos pelas assessorias, temos os seguintes problemas de pesquisa: de que forma o site FolhaMax se apropria dos relises produzidos pelas assessorias do governo de Mato Grosso? Em que medida este trabalho pode ser caracterizado como “pós de verdade” (Zamith, 2019) e “jornalista sentado” (Neveu, 2006)?

Nesse sentido, a hipótese lançada neste estudo é a de que o site FolhaMax reproduz na íntegra os relises do governo do estado, bem como contribui com a veiculação de “pós de verdade” ao praticar um “jornalismo sentado” e voltado à publicidade das ações do governo. Assim, o objetivo deste trabalho é demonstrar a ocorrência de “pós de verdade” (Zamith, 2019) gerada pela lógica do “jornalista sentado” (Neveu, 2006) na relação visivelmente dependente das redações de jornalismo dos relises das assessorias de imprensa, particularmente, entre o governo do estado de Mato Grosso e o site FolhaMax.

A metodologia está amparada na análise de conteúdo (Bardin, 2002), com o estabelecimento de categorias de análise, a partir dos componentes genéricos e estruturantes dos textos, e de categorias em que os resultados serão enquadrados, com base em Zamith (2019). A amostra contempla 60 unidades de registro, sendo 30 relises do governo de Mato Grosso e 30 notícias do site FolhaMax, publicados entre 1º e 31 de janeiro de 2023 e coletados manualmente.

O presente artigo apresenta, logo a seguir, uma discussão teórica sobre os eixos que perpassam o estudo. Depois, aborda conceitualmente a análise de conteúdo, método condutor desta produção, além do corpus da pesquisa e as categorias analíticas e de resultados. A seção posterior apresenta e discute os resultados da investigação, à luz da bibliografia consultada, das inferências e interpretações propostas e das categorias criadas. Por fim, fazemos algumas considerações a respeito do trabalho, projetando outras investigações que possam contribuir para as discussões sobre o fazer jornalístico.

Conceitos centrais da pesquisa

O conceito central desta pesquisa é o de “pós de verdade” (Zamith, 2019). Segundo o autor, trata-se de “notícias que têm apenas um pouco de verdade, uns pós de verdade” (Zamith, 2019, p. 155). Neste caso, o termo “pós” não é usado nem no sentido de “depois”, como em “pós-guerra”, nem para se referir ao que vai além, como em “pós-verdade”. No contexto em voga, “pós” é o plural do substantivo “pó” (Zamith, 2019).

“Assim, podemos dizer que ‘pós’ são poeiras, são partículas muito pequenas, são o pouquíssimo que resta de um corpo ou substância” (Zamith, 2019, p. 152). E o autor (2019, p. 152) complementa: “Os pós de que falamos são, ainda, verdade (mais vale pós de verdade do que nenhuma verdade), mas apenas uma pequena parte da verdade”.

Outro conceito relevante desta investigação é o de “jornalista sentado” (journaliste assis), utilizado por Neveu (2006), para designar a atual prática jornalística de produção de notícia e de coleta de informações e sobre o qual faz a seguinte referência: “(…) um jornalismo mais orientado ao tratamento (formatação dos textos de outros jornalistas, gênero editorial ou comentário) de uma informação que não é coletada pelo próprio jornalista” (Neveu, 2006, p. 51). “Ao mesmo tempo em que é solitário, o ‘jornalista sentado’ trabalha com uma infinidade de fontes distintas, muitas delas oferecendo notícias prontas para publicação” (Pereira, 2006, p. 97).

Em resposta a isso, a verdade exige tempo de apuração, de verificação e de ponderação (Silva, 2019). “Nessa perspectiva, a tecnologia deu ao falso o seu trunfo: a velocidade de difusão. […] Contra a lentidão da verdade, a celeridade do celerado. A tarefa é trazer de volta [o jornalismo] para o terreno da apuração, da verificação e da demonstração” (Silva, 2019, p. 44).

Considerando que a democracia é um arranjo político calcado na tomada de decisões, o debate público deve estar ancorado na verdade factual (Bucci, 2019), e não descontextualizada, sob o risco da liberdade de opinião se tornar uma farsa (Arendt, 1967). Nesse sentido, reivindica-se que o trabalho técnico do jornalismo, como apuração e checagem (Lage, 2008; Pereira Júnior, 2010), esteja vinculado à dimensão ética da profissão, cabendo-lhe a busca pela verdade dos fatos para cumprir a sua função social, que precede à sua vocação empresarial (Bucci, 2000).

Embora qualquer tipo de material informativo encaminhado à imprensa possa ser considerado relise, é tradição caracterizá-lo como “o documento estruturado na forma de matéria jornalística” (Duarte, 2009, p. 288). A função básica do material, em consonância com Ferraretto e Ferraretto (2009, p. 70), é levar às redações notícias que possam servir como material de apoio ou sugestão de pauta, “propiciando solicitações de entrevistas ou de informações complementares”. O relise apresenta a notícia do ponto de vista da fonte, mas adaptada ao ângulo e formato que aumentem as possibilidades de despertar interesse pelo jornalista e tornar-se notícia nos meios de comunicação.

Caso o conteúdo seja utilizado, provavelmente não será informada ao público a origem da informação (relise), nem identificada a autoria do texto (assessor), ainda que divulgado na íntegra, como notícia (Duarte, 2009). A audiência, por sua vez, interpretará a notícia como tendo sido pautada, apurada e editada pelo veículo, inclusive porque desconhece o funcionamento do sistema de informação envolvendo as assessorias e as redações, complementa Duarte (2009). Apesar de identificar e queixar-se de todos os problemas, pondera Duarte (2009), é quase impossível ao jornalista ignorar um bom assunto apresentado em um relise.

Os profissionais atuantes em assessoria de imprensa, como jornalistas, têm, antes de tudo, um compromisso com a livre circulação de informações. Por isso, precisam defender fortemente perante seus assessorados a ideia de que “não devem ser impostas barreiras à divulgação de fatos de interesse público, mesmo que eventualmente envolvam situações negativas” (Ferraretto e Ferraretto, 2009, p. 31-32).

O artigo 4º do Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros (2007, p. 1), especificamente, observa que “o compromisso fundamental do jornalista é com a verdade no relato dos fatos, razão pela qual ele deve pautar seu trabalho pela precisa apuração e pela sua correta divulgação”.

No entanto, o cenário atual tem apresentado práticas jornalísticas que se limitam a reproduzir o relise emitido pela assessoria, sem qualquer avanço na apuração das informações, incorrendo em “pós de verdade”’ (Zamith, 2019). Conforme o autor (2019, p. 148), a produção jornalística voltada para a internet, muitas vezes, contenta-se “com muito pouco, com apenas algumas informações ou declarações soltas, que não são mais do que um pouquinho da verdade que devia transmitir”.

É esse o exato nó que deveria ser desatado com o exercício de investigação e de apuração da notícia. Para o autor (2019, p. 153), compete ao jornalista “procurar e relatar a verdade, e, em conformidade, desmascarar e denunciar quaisquer tentativas (sejam elas de quem forem) de impor à opinião pública uma qualquer ‘pós-verdade’”. No entanto, Zamith (2019) entende que algumas práticas, mencionadas a seguir, conduzem o jornalismo on-line na ratificação do problema, e não no seu enfrentamento.

a apressada publicação sem confirmação; a titulagem enganosa à caça de cliques (clickbait); o recurso injustificado (e abusivo) a fontes não identificadas; a reprodução acrítica de declarações (“pé-de-microfone”) sem questionamento, sem investigação e sem recurso ao contraditório; a publicação de informações descontextualizadas; o descarado copy/paste de notícias dos outros (rapinagem de conteúdos); a reprodução ipsis verbis de comunicados de imprensa; a publicação de “conteúdos patrocinados” ao lado de notícias. (Zamith, 2019, p. 148).

Mais adiante, os resultados levantados serão categorizados de acordo com essas práticas do ciberjornalismo propostas por Zamith (2019). Antes apresentamos, do ponto de vista conceitual e procedimental, a metodologia deste trabalho.

Parâmetros metodológicos do estudo

A análise de conteúdo da mídia é um dos métodos mais eficientes para executar o rastreamento de uma civilização, segundo reflexão de Herscovitz (2007).  Conforme a estudiosa, por meio de diversos documentos, tais como livros, jornais, revistas, vídeos, filmes, CDs e DVDs, arquivos com discursos, cartas, artefatos e afins, seria possível inferir sobre aquilo que ficou registrado, com o intuito de interpretar a vida da época (Herscovitz, 2007).

Em face dos objetivos desta análise, o “acontecimento” foi tomado como unidade de registo (Bardin, 2002, p. 109). Os relises divulgados pelas assessorias de imprensa do governo do estado e republicados pelo site FolhaMax, coletados no mês de janeiro de 2023, foram definidos como unidades de registro, em um total de 60 (um relise e uma notícia por dia, com exceção de um dia em que não houve veiculação), aptas a elucidar a realidade inferida como hipótese, qual seja: o site FolhaMax reproduz na íntegra os relises do governo do estado, bem como contribui com os “pós de verdade” (Zamith, 2019) ao praticar um “jornalismo sentado” (Neveu, 2006) e voltado à publicidade das ações do governo.

O recorte temporal do estudo se justifica pela escolha de um ano que não fosse eleitoral, como o de 2022, podendo alterar a amostra em função dos acontecimentos relativos ao escrutínio. De todo modo, em observações exploratórias realizadas em períodos distintos, a tônica não foi substancialmente diferente da identificada neste estudo, sendo a reprodução de relise mais uma praxe do que um recurso contingencial.

Os dados, “resultados brutos”, foram coletados manualmente e tratados de maneira a serem “falantes e válidos” (Bardin, 2002, p. 101). Assim, lançamos mão de estatísticas simples e algumas mais complexas com quadros de resultados, figuras e modelos que condensam as informações fornecidas pelas análises.

De modo a facilitar a compreensão do objeto de análise, foram dispostos todos os dados empíricos catalogados ao longo dos 31 dias de janeiro de 2023. Em apenas um dia não houve a veiculação de relise. Para cada material coletado, a análise ocorreu sob cinco categorias: título; linha fina; assinatura; conteúdo (foto e texto) e crédito (autoria).

Esses elementos genéricos e estruturantes das 60 unidades de registro da pesquisa apresentam-se nesta investigação como categorias por meio das quais analisaremos dados, elaborando inferências e interpretações a partir dos fenômenos observados (Bardin, 2002). Pela limitação do espaço para a redação deste artigo, apenas algumas unidades de registro serão mencionadas na seção seguinte, quando da análise qualitativa, a título de ilustração dos resultados e discussões que iremos propor.

Em relação ao conteúdo dos relises e matérias, serão propostas análises quali-quantitativas, com o objetivo de identificar as deficiências do conteúdo jornalístico, sugerindo alternativas de apuração que pudessem suprimir ou, ao menos, atenuar a incisão de “pós de verdade” do jornalismo praticado pelo site FolhaMax.

Por fim, os resultados serão categorizados a partir das incidências de “pós de verdade” no ciberjornalismo, definidas por Zamith (2019), dentre as quais se destacam: [i] a apressada publicação sem confirmação; [ii] a reprodução acrítica de declarações (“pé-de-microfone”) sem questionamento, sem investigação e sem recurso ao contraditório; [iii] o descarado copy/paste de notícias dos outros (rapinagem de conteúdos) e [iv] a reprodução ipsis verbis de comunicados de imprensa.

Apresentação e discussão dos resultados

Em um paralelo genérico entre os relises e as notícias, das 30 matérias publicadas pelo FolhaMax, cinco não tiveram qualquer tipo de alteração, enquanto as outras 25 apresentaram modificações. Destas, apenas uma trouxe informações complementares ao conteúdo, enquanto as outras 24 sofreram adequações apenas no título. No geral, não houve atualização ou qualquer tipo de aprofundamento das informações divulgadas, mantendo-se o padrão de mera reprodução ipsis verbis do relise das assessorias e reprodução acrítica dos comunicados da imprensa (Zamith, 2019) do governo de Mato Grosso.

Tomando como referência as unidades de registro de 1º de janeiro de 2023 (Rodrigues, 2023a; MT, 2023a), para fins de análise qualitativa, é possível notar que houve uma sutil adequação na chamada do FolhaMax, inclusive com a supressão do nome do governador do Estado, procedimento adequado no sentido de não pessoalizar o poder público.

Entretanto, a alteração realizada não interferiu no sentido final da mensagem. A menção ao governador foi realocada para o “chapéu” e tanto o “quê” quanto o “quem” mantiveram-se em destaque antes mesmo de iniciarmos a leitura do primeiro parágrafo da notícia, onde normalmente são respondidas as seis perguntas que servem de base ao lide jornalístico (quem, o quê, quando, onde, por quê e como), conforme Pereira Junior (2010).

No corpo da notícia (incluída a linha fina/subtítulo), houve a reprodução integral do texto, sem qualquer adequação realizada. Isso é tão evidente, que até o erro de digitação do relise aparece na matéria publicada no site FolhaMax (ver a retranca intitulada O Estado que mais analisa Cadastro Ambiental Rural). No último parágrafo do tópico, o termo "implantação" aparece com dois “is” (iimplantação) (Rodrigues, 2023a; MT, 2023a).

Do ponto de vista da apuração, é importante mencionar que, para cada indicador trazido pelo relise, uma matéria jornalística poderia ter sido pautada e apurada. Além disso, muitos dados são trazidos pelo relise, sem que o conteúdo jornalístico indique as fontes documentais ou dê o contexto desses índices.

Sobre o primeiro tópico (Recorde em emprego), o FolhaMax poderia, por exemplo, ter entrevistado um economista para entender por que Mato Grosso se destaca no quesito “emprego” na comparação com outros estados, quais setores estão absorvendo a mão de obra e/ou quais são os reflexos desse cenário positivo para a economia local.

Sobre o tópico seguinte (Hospitais), novamente o jornalismo deveria ter ido além ao buscar dados de outros estados para comparar ou até mesmo confirmar a informação de que “nenhum outro estado está com obras em andamento de seis grandes hospitais” (Rodrigues, 2023a; MT, 2023a). Outras fontes também poderiam ter sido entrevistadas, como, por exemplo, médicos e a própria população. A foto da notícia no site FolhaMax também é a mesma utilizada na divulgação do relise.

Embora ambos possam ser – e normalmente o são – jornalistas, repórter e assessor distinguem as suas atuações no âmbito da apuração e da checagem. De acordo com o Artigo 12, Inciso I do Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros (2007, p. 3), o profissional deve:

ressalvadas as especificidades da assessoria de imprensa, ouvir sempre, antes da divulgação dos fatos, o maior número de pessoas e instituições envolvidas em uma cobertura jornalística, principalmente aquelas que são objeto de acusações não suficientemente demonstradas ou verificadas.

Em relação à assinatura do conteúdo publicado no site FolhaMax, apenas um material é assinado por jornalista do veículo. As outras 29 publicações são assinadas como “Da Redação”, confirmando a notícia prêt-à-porter (Duarte, 2009) e a prática do jornalismo na fonte (Chaparro, 2009), como é o caso exposto na Figura 2.

Os profissionais das assessorias de imprensa do governo de Mato Grosso não foram citados por suas produções, embora eles assinem os comunicados, o que atesta uma deficiência também na categoria “crédito”. Mas é fato que textos encaminhados por assessores que conquistaram respeito por sua atuação são examinados de forma melhor (Duarte, 2009) e podem transformar-se em pauta a ser apurada ou utilizada na íntegra ou em parte, de acordo com Duarte (2009).

Figura 1 - Print do relise publicado pelo site do governo, em 7 de janeiro de 2023.

http://tiny.cc/3g8kzz 

Fonte: Souza (2023).

Figura 2 - Print da matéria publicada pelo site FolhaMax, em 7 de janeiro de 2023.

http://tiny.cc/cg8kzz 

Fonte: Batalhão (2023b).

O recurso “Da Redação” é um subterfúgio utilizado pelo site, que não avança na apuração dos materiais enviados pelas assessorias ligadas ao governo estadual e, ao mesmo tempo, fere o direito autoral. Ao não mencionar a pessoa responsável pela redação do texto, o site toma como seu um conteúdo elaborado fora dele, desnudando problemas de ordem técnica, como falta de pesquisa documental e fonte pessoal (Lage, 2008), e ética (Bucci, 2000).

Esse procedimento remete a três categorias propostas por Zamith (2019, p. 148). São elas: “a reprodução acrítica de declarações (“pé-de-microfone”) sem questionamento, sem investigação e sem recurso ao contraditório”; (…) o descarado copy/paste de notícias dos outros (rapinagem de conteúdos); a reprodução ipsis verbis de comunicados de imprensa”. No comparativo entre a Figura 1 e Figura 2, título e linha fina não sofreram alterações na conversão do relise para notícia.

Vale ressaltar que a única notícia que apresentou a assinatura do jornalista do site FolhaMax – “Entidades de MT repudiam atos golpistas realizados em Brasília” –, trata-se de um compilado de notas de órgãos e entidades públicas sobre a manifestação golpista que ocorreu em 8 de janeiro de 2023, em Brasília.

Além disso, estamos diante de mais um exemplo de reprodução de relise. Título, subtítulo, corpo da notícia e imagem, todos os principais elementos foram copiados, sem questionamentos, sem verificações. Ainda que bem redigida, a sugestão de pauta tornou-se a notícia, contrariando tecnicamente o fazer jornalístico, reafirmando o seu “uso e abuso” (Duarte, 2009).

Como defende Zamith (2014), um press release (comunicado de imprensa) é parcial, institucional, sectário; já uma notícia é – assim se espera – factual, imparcial, verdadeira, credível. Neste contexto, “nada melhor para o comunicador político do que chamar de ‘notícia’ uma informação facciosa que quer ‘passar’ para a opinião pública” (Zamith, 2014, p. 3).

No quesito apuração, o site poderia ter comparado os dados anuais (2022-2021) para, ao menos, checar a informação da fonte de que no ano de 2022 o saldo de ações foi positivo. Outra possibilidade teria sido a humanização dos números ao trazer para o texto a opinião da população diante do serviço público prestado pela polícia do estado.

A respeito do horário de publicação dos relises e das notícias (Quadro 1), identificamos variação na diferença, sendo cinco deles publicados no site FolhaMax no dia seguinte à veiculação do relise. Os outros 25 tiveram veiculação no mesmo dia, com 14 deles com menos de uma hora de diferença. Em dois casos (*), a notícia foi publicada antes do próprio relise.

Quadro 1 - Diferença de horário entre a publicação do relise e da notícia FolhaMax.

http://tiny.cc/gg8kzz 

Fonte: os autores (2023).

Ao expor os horários de publicação do relise e da notícia no FolhaMax, dado o pequeno intervalo de tempo entre uma e outra, demonstramos, inicialmente, a ‘apressada publicação sem confirmação”, o que pode gerar “reprodução acrítica de declarações” (Zamith, 2019, p. 148).

Entretanto, observamos que as notícias do FolhaMax seguem o mesmo padrão de “copy/paste” (Zamith, 2019, p. 148) em todas as análises ao examinar mais atentamente que, independentemente do horário de publicação do relise (diferença de minutos ou mais de 24h), o tempo não é o fator determinante para a divulgação do material de governo, com apuração e checagem de informações, como determina a deontologia da profissão embasada no tripé “verdade factual – interesse público – relevância” (Bucci, 2000).

O modelo de jornalismo percebido é a mera reprodução e publicidade das informações institucionais, além da alta incidência de reprodução de relises, nada mais do que “pós de verdade”, conforme Zamith (2019), e a fazer um jornalismo orientado e “sentado”, de acordo com Neveu (2006).

Importante constar que o asterisco (*), nos dias 3 e 19 de janeiro, indica que a divulgação da notícia no site FolhaMax ocorreu primeiro que a divulgação do relise. Para tal ocorrência, há algumas hipóteses, como a de que o relise pode ter sido liberado para o FolhaMax de forma antecipada ou de que houve algum problema técnico em um dos sites que justifique o horário adiantado ou atrasado.

Considerações Finais

A disputa por espaço na mídia ocorre por meio da busca de efeitos de viralização. Ou seja, a capacidade de pessoas ou de corporações de comunicação fazerem com que uma informação repercuta, ocupando as discussões, é decisiva para mobilizar a opinião pública. Quanto mais viral, maior a influência na sociedade.

Conscientes da importância do acesso à mídia e do poder que têm junto a ela, as instituições trabalham para serem “lembradas pela imprensa” e, mais do que isso, “para serem reconhecidas como referências” (Monteiro, 2009, p. 146). “A mídia passa a ser a arena ou o campo social no qual esses interesses tornam-se visíveis na batalha pela conquista do apoio da opinião pública” (Monteiro, 2009, p. 147).

O objetivo principal desta investigação foi identificar as ocorrências de pós de verdade do site FolhaMax, geradas pela lógica do “jornalista sentado” (Neveu, 2006), na apropriação dos relises produzidos pelas assessorias de imprensa ligadas ao governo de Mato Grosso, tendo em perspectiva os seguintes problemas de pesquisa: de que forma o site FolhaMax se apropria dos relises produzidos pelas assessorias do governo de Mato Grosso? Em que medida este trabalho pode ser caracterizado como “pós de verdade”, segundo a definição de Zamith (2019), e proveniente de um trabalho do “jornalista sentado” (Neveu, 2006)?

Com base na pesquisa empírica, confirmando a nossa hipótese, obteve-se como resultado não somente a alta incidência de reprodução dos relises, como também as características listadas por Zamith (2019), o que contribui para o desencadeamento dos fenômenos estudados nesta pesquisa: “pós de verdade” e “jornalista sentado”.

O padrão de jornalismo praticado pelo FolhaMax e percebido neste estudo é o de mera reprodução do material das assessorias de imprensa do governo de Mato Grosso, sem o aprofundamento devido a partir do relise, enquanto sugestão de pauta, por meio do trabalho de apuração.

Apesar da aparente apresentação dos fatos como independentes, as notícias carregam um tom global positivo e favorável às ações do governo do estado. A estrutura das notícias segue o formato adotado pelas assessorias, com pequenas alterações na titulação da chamada ou com a substituição ou supressão de imagens, mantendo as adjetivações e a autopromoção incorporadas aos relises, confirmando que a construção da notícia veiculada no site se trata de uma cópia “ipsis verbis” (Zamith, 2019, p. 148) dos comunicados enviados à imprensa.

Dos 30 relises remetidos pelas assessorias de imprensa e coletados neste estudo, 25 passaram por uma sutil alteração no título e foram publicados como notícias creditadas à “Redação” do site. Os horários entre uma publicação e outra – algumas com diferença de apenas dois minutos, outras com mais de 24 horas –, demonstram que o tempo não é fator relevante para não se apurar o material do governo.

O que distinguiria a “notícia” do FolhaMax do relise da assessoria? Esperávamos por elementos como os do contraditório, logicamente ausente do material da assessoria, mas de elevada importância para uma notícia jornalística e, como demonstrado, visivelmente também ausente nos textos do site. Isso ocorre porque o relise é parcial, enviesado: traz apenas o que o autor da informação, seja pessoa, grupo, instituição, empresa, clube, partido, sindicato, quer que chegue ao público (Zamith, 2019).

Assim, ainda que não seja possível afirmar que os dados ou relatos trazidos pelos relises e reproduzidos pelo site jornalístico sejam fraudulentos - não sendo este o objetivo do trabalho -, as notícias “têm apenas um pouco de verdade, uns pós de verdade” (Zamith, 2019, p. 154). Este procedimento pode gerar desinformação, na medida em que ela, conforme Recuero (2024), prolifera nos vácuos informacionais, algo a ser aprofundado em estudos vindouros.

As publicações do site FolhaMax apresentam algumas lacunas, que, de acordo com a nossa análise, enquadram os resultados em [i] apressada publicação sem confirmação; [ii] a reprodução acrítica de declarações (“pé-de-microfone”) sem questionamento, sem investigação e sem recurso ao contraditório; [iii] o descarado copy/paste de notícias dos outros (rapinagem de conteúdos); e [iv] a reprodução ipsis verbis de comunicados de imprensa (Zamith, 2019).

De acordo com o autor (Zamith, 2019, p. 148), trata-se de “práticas que conduzem a estes míseros ‘pós de verdade’ que encontramos no ciberjornalismo atual”, cenário no qual, segundo Zamith (2019, p. 154), ficou mais difícil fazer “a distinção entre o ‘trigo’ (notícias confiáveis) e o “joio” (‘notícias’ sem apuração jornalística séria e rigorosa)”.

A segunda categoria de enquadramento de resultados, a reprodução acrítica de declarações (“pé-de-microfone”), é o que se pode nomear de jornalismo declaratório. “Frequentemente, o jornalista não questiona nem comprova o que é declarado por uma fonte, negligenciando a sua obrigação profissional. Em vez da verdade, na sua plenitude, o que transmite é parte dessa verdade” (Zamith, 2019, p. 159).

Retomando a perspectiva inicial desta seção, a disputa por espaço na mídia, o que se espera dos jornalistas, independente de qual posição ocupem, é que atuem com profissionalismo “essencialmente crítico e independente” (Duarte, 2009), com compromisso ético como um bem social, representando e defendendo o interesse dos leitores. Por isso, a absorção de uma informação implica cada vez mais um exercício de prudência, desconfiança e verificação (Figueira e Santos, 2019) por parte de todos os pares (profissionais da imprensa e leitores).

Ao mesmo tempo, é preciso reconhecer que o jornalismo, bem como outras profissões inseridas na conjuntura do capitalismo, passa por um processo de precarização das relações de trabalho, contexto em que poucos profissionais precisam realizar múltiplas funções em redações cada vez mais enxutas. Essa perspectiva de uma produção jornalística apoiada em materiais de assessorias no cenário de Mato Grosso já foi objeto da inquietação de Coêlho et al. (2020).

Com esta pesquisa, ansiamos contribuir para as discussões relevantes na intersecção entre os “pós de verdade” e o jornalismo. Mesmo entendendo a relevância do debate relativo às informações enviesadas e/ou fora de contexto, ponderar a atuação da imprensa neste cenário pode incrementar a atuação das empresas jornalísticas e seus profissionais, campo de atuação tão fundamental ao fortalecimento da democracia.

Notas

[1] Este artigo é proveniente de uma dissertação defendida na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), em 15 de setembro de 2023.

Artigo submetido em 04/03/2024 e aceito em 20/06/2024.

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