Editorial

João Paulo Malerba1

1 Professor do Programa de Pós-Graduação em Comunicação/UFJF e editor da Revista Lumina. E-mail: joaopaulo.malerba@ufjf.br.

Juiz de Fora, PPGCOM – UFJF, v. 17, n. 3, p. 1-6, set./dez. 2023

A última edição da Revista Lumina de 2023 reflete a interdisciplinaridade, a diversidade e a capacidade crítica que têm caracterizado as pesquisas atuais em Comunicação. Os artigos deste número demonstram a vivacidade de um campo que, aberto ao autoexame e à construção coletiva de suas bases, também se debruça sobre questões urgentes do cotidiano a partir do olhar singular comunicacional. Aqui, o/a leitor/a vai encontrar desde discussões epistemológicas e de método até análises sobre temas tão contemporâneos, como os embates discursivos sobre a cannabis medicinal, a disputa em torno do conceito de “família” e o modo como as mulheres são retratadas na mídia.

Fabrício Lopes da Silveira, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), empreende uma análise do livro Communication: A post-discipline, do pesquisar argentino Silvio Waisbord, publicado em 2019. O ensaio contribui para uma visão panorâmica dos estudos de Comunicação ao cotejar a obra – ainda pouco conhecida entre nós – a partir de autores/as brasileiros/as como Sodré e Rüdiger. O artigo aprofunda a discussão a respeito do caráter disciplinar/pós-disciplinar do campo, articulando aspectos epistemológicos e institucionais, inclusive com a indicação de tensionamentos futuros.

Também da UFRGS vem uma releitura de estudos de Jesús Martín-Barbero para pensar as tecnologias de comunicação na contemporaneidade, como os processos de uso e apropriação dos algoritmos de recomendação. As pesquisadoras Ana Júlia de Freitas Carrijo e Ana Carolina Damboriarena Escosteguy investigam o conceito de tecnicidade a partir da mediação e da abordagem sociocultural, pilares estruturantes da obra de Barbero, autor espanhol com alma latino-americana.

O terceiro artigo acompanha o esforço comparativo do primeiro e o enfoque regional do segundo texto desta edição. Daniel Macêdo, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), realiza uma discussão epistêmica no âmbito da sociologia da imagem ao colocar em diálogo duas obras sul-americanas sobre fotografia, uma boliviana (Rivera-Cusicanqui) e outra brasileira (Souza Martins). Amparado na compreensão dos autores de que visualidades são expressões de conhecimentos sociais, Macêdo sugere deslocamentos em favor de um olhar decolonial para a sociologia da imagem.

As pesquisadoras Paula Telles de Menezes Faro e Bruna Luiza de Camillo Allegretti, da Pontíficia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), exploram a relação entre neoliberalismo, consumo e mercado místico tendo como ponto de partida o significante “despertar”. As autoras analisam o discurso de um guru brasileiro conhecido tanto por seus métodos de autoconhecimento quanto por denúncias de abusos. A aplicação da análise da Teoria do Discurso de Laclau e Mouffe encontra-se na base de uma apreciação das supostas saídas – e armadilhas – para o sofrimento moderno.

Jane de Almeida, Alfredo Suppia, Cicero Inacio da Silva e Davi Marques Camargo de Mello, também pesquisadores/as da PUC-SP, contribuem – tendo como foco os festivais de cinema – com o conjunto de análises que pensam as mudanças mais ou menos permanentes provocadas pela pandemia no âmbito da circulação e consumo midiático. Tais eventos culturais foram diretamente atingidos pelo isolamento social e consequente aceleração dessas mudanças de hábitos, tendo de realizar adaptações diversas. Um dos resultados da pesquisa é a proposição de uma tipologia dessas estratégias adotadas pelos festivais em função do uso do streaming.

Seja pelos recorrentes maus usos ou sua centralidade na compreensão de fenômenos midiáticos, o termo “transmídia” tem solicitado críticas e revisões periódicas do campo. Dario Mesquita, Sérgio Nesteriuk e João Massarolo, da PUC-SP e Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), propõem-se a realizar retrospectiva nacional em favor de um olhar brasileiro sobre as experiências transmídias a partir de nossas reflexões teóricas, produções e projetos. Tal esforço se explica pelas características produtivas e econômicas distintas do contexto estadunidense, berço dos principais referenciais sobre prática transmídia.

Eduardo Comerlato, da PUC-RS, articula reflexões conceituais sobre memória, narrativa, testemunho e esquecimento em análise fílmica sobre Argentina, 1985, lançado em 2022. O longa-metragem trata de um capítulo essencial de uma das ditaduras mais violentas e opressoras da América Latina: o Juicio de las juntas, em que militares argentinos foram julgados e condenados por crimes cometidos entre 1976 e 1983. O artigo compreende que a obra ressignifica, reconstrói e repolitiza o passado através de uma rememoração produtiva acerca de um episódio que colocava como possibilidades excludentes justamente o esquecimento (impunidade) ou a memória (justiça).

A publicidade, importante meio de pluralização de discursos, pode corroborar ou desconstruir padrões enraizados na cultura. A hipótese de que o setor publicitário brasileiro desconsidera especificidades sociais é o que orienta Beatriz Molari, da Universidade Estadual de Londrina (UEL), em seu artigo sobre como as mulheres são retratadas em campanhas publicitárias veiculadas na televisão aberta brasileira. A análise de documentos regulatórios e autorregulatórios, balizada com teóricas feministas, constata falta intencional de orientações, o que contribuiria para a perpetuação de violências sociais.

Análises comunicacionais acerca de questões ligadas ao Antropoceno e às mudanças climáticas aparecem com frequência cada vez maior em nosso campo. Tendo como base o referencial teórico e as correntes da questão animal, Artur Oliari Lira e Myrian Regina Del Vecchio-Lima, ambos da Universidade Federal do Paraná (UFPR), buscam entender como as pessoas que defendem a causa animal no mundo digital constroem suas autorrepresentações. Ainda que tenha como foco um nicho específico, os pesquisadores acabam por contribuir para a análise da representatividade dos/as influenciadores/as digitais como um todo.

Francisco Gabriel Alves, da UFMG, abarca um tema cuja relevância ultrapassa o meio acadêmico, alcançando a saúde pública. O artigo Quem tem dor, tem pressa contrapõe analiticamente os depoimentos do movimento favorável à cannabis medicinal e as medidas restritivas lançadas pelo Conselho Federal de Medicina (CFM). Em seu desenvolvimento, a pesquisa dá conta de problematizar os conceitos de politização, despolitização e pós-democracia, tecendo críticas ao abafamento do debate público em um contexto de ascensão da cultura do preconceito, desinformação e conservadorismo.

Os monumentos públicos têm sido objetos de estudos em Comunicação por mobilizarem temas tão caros ao campo, como representação, sentidos, memória urbana e identidade coletiva. Bruna Serafim Moura e João Batista Freitas Cardoso, ligados à Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS) e à Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM), investigam as representações de monumentos ao migrante com base em levantamento iconográfico e análise semiótica. Os resultados confluem para a representação tradicional e nuclear de família; o endosso a papéis de gênero; e a construção da imagem do imigrante como força de trabalho e representação do progresso.

Fechamos nossa edição com um panorama dos estudos sobre jornalismo esportivo no Brasil, abarcando a produção acadêmica sobre o tema desde o início deste século. Os pesquisadores Daniel Leal e Giovana Borges Mesquita, da Universidade Federal do Pernambuco (UFPE), coletaram e analisaram dados dos principais portais e congressos da área no que concerne aos estudos sobre mídia e esporte. A pesquisa conclui que, salvo poucas exceções, ao jornalismo esportivo ainda recai um olhar “marginal” no campo científico quando comparado às demais temáticas.

Para encerrar esta apresentação, agradecemos aos/às pareceristas por um trabalho comumente invisibilizado, mas essencial à qualidade de qualquer periódico. Demonstramos gratidão à cada um e cada uma da equipe editorial pela dedicação cuidadosa e comprometida nesta edição. Agradecemos especialmente à Daiana Sigiliano, que se desliga da equipe depois de oito anos de colaboração. A doutoranda atuou desde 2019 como editora associada, foi responsável pela organização do processo editorial e de indexação da revista, e pela criação do plano de comunicação e divulgação científica, tendo desenvolvido um trabalho muito importante para a qualificação da Lumina nos últimos quadriênios.

No final de 2023 e início de 2024, novos/as editores/as se juntaram aos desafios impostos por esse processo editorial, que recebeu financiamento da Chamada 08/23 Fapemig – sob a coordenação do professor João Paulo Malerba – e contará, ainda, com a liderança e o conhecimento dos professores Telma Johnson e Wedencley Alves.

Boas festas e boa leitura!

Expediente

Conselho Editorial

Gabriela Borges

João Paulo Malerba

Jhonatan Alves Pereira Mata

Letícia Barbosa Torres Americano

Paulo Roberto Figueira Leal

Telma Johnson

Wedencley Alves

Assistentes Editoriais

Adriana A. Oliveira

Ana Carolina Oliveira

Ana Paula Dessupoio Chaves

Daniel Lucas Santos da Silva

Eutália Ramos

Larissa Nascimento

Luma Perobeli

Mariana Lopes

Vanessa Coutinho Martins

Colaboração

Daiana Sigiliano

Revisão

Ana Carolina Oliveira

Ana Paula Dessupoio Chaves

Daniel Lucas Santos da Silva

Eutália Ramos

Larissa Nascimento

Luma Perobeli

Mariana Lopes

Vanessa Coutinho Martins

Revisão Geral

João Paulo Malerba

Diagramação

Eutália Ramos
Mariana Lopes

Revisão Diagramação

João Paulo Malerba
Telma Johnson
Wedencley Alves

Capa

Hsu Ya Ya

Imagem da Capa

Unsplash

Projeto Gráfico

Carlos Eduardo Nunes