A comunicação corporativa e o consumo de ativismo:

o caso da Simple Organic no Instagram

Giovanna Masiero Fischer1 e Marcia Perencin Tondato2

Resumo

O objetivo deste artigo é refletir sobre a configuração da comunicação corporativa como estímulo ao consumo de ativismo na pós-modernidade, suas características e formas de expressão. No contexto de nossa problematização, caracterizamos o consumo como um ato de expressão identitária e cultural, entendendo que os símbolos são utilizados como forma de atribuição de significados e valores. A problematização diz respeito a como o estímulo ao consumo de ativismo engendra a ordem capitalista pós-moderna, em um sistema que se retroalimenta e se transforma a partir das suas próprias inquietações, utilizando as mídias sociais para aumentar o alcance da narrativa e atingir uma audiência mais ampla. Para responder a isso, realizamos um estudo tendo como base um perfil de produtos veganos no Instagram (Simple Organic) observando como se configura o conteúdo das postagens da empresa em relação aos símbolos apresentados, entre 04 e 14 de outubro de 2023. Analisamos a estratégia discursiva da marca sob a ótica de deslocamentos identitários, buscando entender os padrões narrativos empregados. Observamos nas narrativas da marca, nas redes sociais, uma tendência à apropriação de signos de consumo já estabelecidos culturalmente.

Palavras-chave

Comunicação; Consumo; Hegemonia; Identidade; Ativismo.

1 Mestranda no PPGCom ESPM. Bacharel em Ciências Econômicas, Especialista em Inteligência de Mercado. E-mail: giovanna.fischer@acad.espm.br.

2 Docente titular - PPGCom ESPM, líder do GP CNPq CiCO. E-mail: mtondato@espm.br.

Juiz de Fora, PPGCOM – UFJF, v. 18, n. 1, p. 58-73, jan./abr. 2024                                 DOI 10.34019/1981-4070.2024.v18.42961

Corporate communication and the consumer activism:

a case study of Simple Organic on Instagram

Giovanna Masiero Fischer1 and Marcia Perencin Tondato2

Abstract

The purpose of this article is to reflect on the configuration of corporate communication as a stimulus for activist consumption in the postmodern age, its characteristics, and forms of expression. In the context of our problematization, we characterize consumption as an act of identity and cultural expression, understanding that symbols are used as a way of attributing meanings and values. The problematization concerns how the encouragement of activist consumption engenders the postmodern capitalist order, in a system that is self-sustaining and transforms itself from its own disruptions, using social media to enhance the exposure of the narrative and reach a broader audience. To address this, we conducted a study based on a profile of vegan products on Instagram (Simple Organic) observing how the company's posting content is configured in relation to the symbols presented, between October 4th and 14th, 2023. We analyzed the discursive strategy from the perspective of identity displacements, seeking to understand the narrative patterns. We observed in the brand's narratives on social media a tendency towards the appropriation of culturally established consumption signs.

Keywords

Communication; Consumption; Hegemony; Identity; Activism.

1 Mestranda no PPGCom ESPM. Bacharel em Ciências Econômicas, Especialista em Inteligência de Mercado. E-mail: giovanna.fischer@acad.espm.br.

2 Docente titular - PPGCom ESPM, líder do GP CNPq CiCO. E-mail: mtondato@espm.br.

Juiz de Fora, PPGCOM – UFJF, v. 18, n. 1, p. 58-73, jan./abr. 2024                                 DOI 10.34019/1981-4070.2024.v18.42961

Introdução

Nas Teorias da Comunicação, Baudrillard (1981) analisa o poder e a influência dos discursos midiáticos e indaga a representação da realidade pelos meios de comunicação. Suas ideias trazem uma perspectiva crítica em relação ao teor real e simulado nas mensagens que circulam em nosso cotidiano, fornecendo ao discurso uma forma de atribuição de sentidos. Por outra perspectiva, Slater (2002, p. 188) acredita que “todo consumo é cultural”. Para o autor, consumo não é apenas uma transação da mercadoria, mas carrega também um significado cultural, desmaterializando o objeto e criando uma estética que vai além do produto em si.

No século XXI, a configuração do consumo ocorre também por meio das mídias sociais, um lugar onde vozes dos consumidores são amplificadas. Domingues e Miranda (2018, p. 18) afirmam que “usar o consumo para reivindicar mudanças na sociedade não é recente. O que há de novo é o uso do espaço cibernético para manifestações dos consumidores. […] As mídias sociais deram vozes para os gritos que estavam entalados e abafados”.

Para que novas vozes possam ser ouvidas e novos comportamentos culturais surjam, o cenário precisa estar aberto a isso. Blumer (1969) ilustra situações que permitem que novos conceitos se estabeleçam em uma sociedade, exemplificando a transformação de produtos de moda: as pessoas devem estar prontas para revisitar suas crenças, abertas para adoção de novas práticas e vivendo em uma sociedade onde haja a oportunidade para se exercer a liberdade de escolha (Domingues; Miranda, 2018).

Em um ambiente onde projeções e realidade se misturam, Fontenelle (2017, p. 204) comenta que talvez “tenhamos chegado ao estágio proposto por Baudrillard […], onde real e o virtual já não se distinguem”, e propõe observar os acontecimentos da contemporaneidade como uma junção entre dois eixos que estruturam a cultura do consumo: o capitalismo e as paixões humanas. No capitalismo, a distribuição do capital ocorre a partir das decisões de consumo e as escolhas feitas são originárias das aspirações humanas. O ato de consumir torna-se um meio pelo qual o sujeito tem o potencial de se associar a novas representações identitárias, que podem ser atribuídas para si mesmo, possibilitando que identidades sejam desconstruídas e reconstruídas, permitindo que o sujeito seja compreendido “à luz das ordenações e reordenações reflexivas geradas pelas relações sociais, que, cotidianamente são influenciadas pelos inputs de conhecimento e informação da sociedade atual” (André, 2006, p. 21).

São essas aspirações que definem os comportamentos cotidianos, buscando satisfazer necessidades através do consumo, na maioria das vezes irrefletidamente. Com o aumento de riscos ambientais para o planeta, surgem novos temores, que consideram recursos naturais finitos e traz consequências para nossa sobrevivência. Um cenário que aos poucos se torna uma preocupação dos sujeitos-consumidores que começam a demonstrar interesse nos processos de produção, mobilizando comportamentos que não passam desapercebidos ao mercado que identifica nisso um novo potencial de negócios, e logo se transforma para atender aos movimentos socioculturais, estabelecendo novos nichos de consumo. Como exemplo, citamos o veganismo, uma alternativa que vai além de evitar o consumo de carne e derivados de origem animal, mas atingindo também os produtos testados em animais que devem ser substituídos por outros que estejam dentro dos parâmetros de cruelty-free (que significa, traduzindo ao pé da letra, “livre de crueldade”, um selo que atesta que o produto não foi testado em animais). Nesse sentido, em um movimento de adaptação, as marcas rapidamente se apropriam dos novos valores, reproduzindo em seus discursos comunicacionais elementos que representem sua inserção no universo simbólico que se delineia em prol da preservação da natureza. As narrativas são extensas e algumas vezes podem ser dúbias, como por exemplo a prática do greenwashing – (que significa, traduzindo ao pé da letra, “lavagem verde”), uma expressão que identifica marcas que se aproveitam do desejo latente do consumidor por sustentabilidade ao apresentarem produtos com ingredientes e procedimentos técnicos supostamente afinados com as pautas ambientais, mas que muitas vezes não passam de ações de marketing questionáveis e pouco efetivas no âmbito de práticas mais adequadas a um novo entendimento de saudabilidade.

Este exemplo ilustra a dinâmica do sistema econômico que rege a sociedade, caracterizada por um “capitalismo (que) é rápido e hábil em absorver os discursos públicos e reverter os confrontos em seu favor” (Borges, 2014, p. 26). No sistema, os símbolos de valor são atualizados, renovando-se em sua estrutura. Para Domingues (2013, p. 303, apud Domingues; Miranda, 2018, p. 42), é um sistema “que sempre se reinventa e se reatualiza, trazendo para dentro do regime as possíveis ameaças e desvios, como numa espécie de ‘fagocitose sociopolítica’ rápida e eficaz”.

Em um contexto em que discursos constroem narrativas, identidades se expressam pelo consumo, vivendo em uma sociedade que apresenta recursos naturais escassos e se transforma de forma contínua, perguntamos: quais são os elementos que configuram essa transformação? Problemática que trazemos neste artigo onde refletimos sobre os significados que estão sendo transmitidos como estímulo não só ao consumo de produtos veganos, mas ao consumo de ativismo em geral. Argumentamos que nos encontramos em uma sociedade que tem como fundamento o poder do capital que circula no mercado e se reinventa por meio de um consumo – nesse caso em específico – que contesta o próprio movimento hegemônico. Uma sociedade onde o ativismo se torna um componente de uma engrenagem fundamental ao próprio sistema, parte de uma máquina que se retroalimenta, na qual a mão invisível do mercado se manifesta por intermédio das paixões humanas que, em suas possibilidades, mobilizam intenções latentes dentro desse organismo vivo que é a sociedade cultural em que vivemos.

Neoliberalismo e o realismo capitalista do século XXI

O realismo capitalista é uma expressão apresentada por Fisher (2020) em livro homônimo, onde o autor ilustra a trajetória da economia e a sociedade neoliberalista pós-moderna. O movimento neoliberal tem início no Reino Unido nos anos 1980, em um momento socioeconômico em que foram abandonadas as políticas econômicas keynesianas, social-democratas, do pós-guerra. Um projeto dos “novos conservadores” em um contexto de enfraquecimento dos sindicatos e a rentabilidade dos negócios surgindo praticamente como a única opção de sustentabilidade, relegando a produção a um segundo plano. O slogan de criação atribuída a Margareth Thatcher, “não há alternativa” (TINA – acrônimo de “There Is No Alternative”), ilustra os princípios do estabelecimento do neoliberalismo como única opção de salvação social-econômica ocidental. No âmbito sociocultural, adentramos o mundo pós-moderno, de fragmentação identitária, culminando em um sujeito descentrado, mas que é agora responsabilizado pelo seu sucesso ou fracasso, na esteira das mudanças estruturais advindas da globalização econômica e a institucionalização das privatizações.

Nos anos 1990, o neoliberalismo se torna o padrão natural, intensificado pela abertura de mercados e expansão da globalização. O fluxo de capital é cada vez mais fluido e a tecnologia permite que o sistema avance de forma muito mais acelerada. A velocidade trazida pela tecnologia e a limitação de opções às dinâmicas econômicas promovidas pelo avanço do neoliberalismo permitiram que o sistema crescesse e se retroalimentasse de forma orgânica. Entretanto, mesmo secundário, o papel do Estado ainda é fundamental, agindo como pano de fundo para aplicar as correções necessárias quando o sistema se desestabiliza em crises intensas que acontecem eventualmente quando ciclos se esgotam nesse sistema engenhoso que é a hegemonia neoliberal:

no interior da atmosfera do realismo capitalista, aceitar a eternidade do capitalismo é cair na real – abrir mão das fantasias utópicas, despir o mundo das ilusões sentimentais, abandonar as ideologias do passado e aceitar a realidade como ela é: cão comendo cão, cada um por si (Fisher, 2020, p. 107).

Mesmo com a diminuição da atuação das lideranças sindicais e a ausência de uma organização formal representativa mais assertiva entre aqueles que se opõem ao sistema, grupos ativistas começam a se fortalecer na década de 1990, em especial a partir da Rio 1992. Reflexões importantes como pensar até que ponto é possível crescer como sociedade, estando alicerçados em um sistema baseado na extração e produção são apresentados e problematizados. Se os recursos naturais são escassos e finitos, qual é o limite da exploração?

Adentrando nossa reflexão sobre o consumo de ativismo, trazemos Slater (2002, p. 101) que nos ensina que “o âmago do paradoxo crítico da cultura do consumo” é ter-se desenvolvido em “um sistema dotado de poder material para liberar os seres humanos da necessidade e oferecer-lhes uma base para seu desenvolvimento”, mas que os “subjuga à lógica determinada pela produção e troca de bens materiais”. A configuração desse sistema faz com que a cultura como um todo se transforme em cultura do consumo, entendendo-se com isso que a produção e consumo de mercadorias é central na contemporaneidade (Slater, 2002), em um cenário mercadológico que cresce de forma contínua. Assim o capitalismo, como está estruturado, vem gerando um modelo produtivo que pode levar a uma sociedade com custo marginal zero (Rifkin apud Fontenelle, 2017) em uma configuração que está longe de agradar a todos. Nesse contexto, vozes ativistas se mesclam aos tons das narrativas publicitárias e novos termos começam a surgir, sendo o “consumo responsável” um deles, conforme Fontenelle (2017). Mas, se refletirmos: o quanto o consumo de ativismo não deixa de ser mais um estímulo ao consumo de mercadorias? Entre o ativismo e o consumo de ativismo existe uma fronteira que quase se apaga: o fator custo (capital) - benefício (desejo) que cada um carrega para se apropriar de novas identidades através do consumo. Para Heath e Potter (2005 apud Fontenelle, 2017, p. 156),

comércio justo e marketing ético dificilmente seriam ideias revolucionárias e certamente não representariam ameaça ao sistema, pois se os consumidores estão dispostos a pagar mais por tênis feitos por trabalhadores bem tratados ou ovos colocados por galinhas felizes, é porque haveria dinheiro em jogo para essas coisas circularem no mercado.

Na mesma linha, trazemos Fisher (2020, p. 13) para quem “o realismo capitalista não exclui certo tipo de anticapitalismo. […] Longe de enfraquecer o realismo capitalista, esse anticapitalismo gestual, na realidade, reforça-o”. Assim, a crítica ao sistema intencionada pelo consumo ativista mostra que é perfeitamente possível continuar participando da mecânica capitalista, mesmo acreditando que o capitalismo é mau. A ironia é que, desde os primórdios da Ciência Econômica, Smith (1983a) já apontava a importância do indivíduo como motor da geração de capital e parte do jogo de interesses mais amplos, já que ele orienta sua atividade para que a produção tenha maior valor em relação às demais, visando ao ganho individual e contribuindo para o sistema: “ao perseguir seus próprios objetivos, o indivíduo muitas vezes promove o interesse da sociedade muito mais eficazmente do que quando tenciona realmente promovê-lo” (Smith, 1983a, p. 379).

O início da segunda década do século XXI está marcado por uma pandemia, guerras que ameaçam a distribuição global de energia, em um cenário econômico inflacionário. Esse contexto vai constituir um meio ambiente em que o consumidor equilibra necessidades econômicas com seus desejos. É nesse ambiente que as marcas adotam discursos que lhes permitam estabelecer um contexto de comunicação com seus consumidores, constituindo novos formatos de conexão que têm como princípio impulsionar a venda de produtos sustentáveis para o mercado.

Consumo, identidade e paixões humanas

O consumidor do século XXI é uma consequência do conceito do indivíduo moderno, com base em um tipo de subjetivação própria do liberalismo que se formou ao longo dos séculos XVII e XVIII. De todas as características atribuídas à constituição desse indivíduo – razão, autonomia e liberdade de escolha, para citar algumas – nenhuma foi tão fundamental para a produção do consumidor do que o entendimento das paixões humanas como necessárias ao bem-estar geral, conforme Fontenelle (2017).

De acordo com Tondato (2011), o sujeito é um receptor ativo, que participa do processo comunicacional pelas suas escolhas, que são individuais na busca da expressão de sua identidade e inserção na sociedade, considerando também suas limitações, principalmente os recursos financeiros a que tem acesso. Para André (2006), o consumo implica em questões referentes às possibilidades de novas configurações de relações de poder e consequências no estabelecimento do status, do acesso e domínio do capital cultural, resultando em referências e critérios que orientam as escolhas dos sujeitos. O ato de consumir carrega um valor simbólico que vai muito além da utilidade e da materialidade de um produto. Os objetos são constituídos de significados dinâmicos e atribuídos pela sociedade em uma corrente que evolui continuamente entre produção e recepção de significados, ou nas palavras de Baudrillard (2007, p. 60), “nunca se consome o objeto em si [...] manipulam-se sempre como signos que distinguem o indivíduo”.

Nesse contexto, como uma paixão humana individual se torna uma forma de ativismo coletivo? Hirschman (2002 apud Fontenelle, 2017, p. 181) apresenta uma explicação, associando Smith a Mandeville. Quando o primeiro escreveu A Riqueza das Nações, em 1776, seguiu ideias calvinistas de Mandeville ao escrever a Fábula das Abelhas, afirmando que a busca pelo próprio prazer é capaz de produzir riqueza e felicidade para o coletivo, de forma que os interesses individuais possam ser aproveitados em benefício do bem-estar público. Por outro lado, sob a perspectiva da psicanálise, os interesses individuais são atribuídos às pulsões humanas que, por não poderem ser expressas em sua totalidade no aspecto individual, considerando as limitações da própria organização moral da sociedade, são redirecionadas para atividades coletivas e podem apoiar e corroborar novas configurações culturais. A pulsão como conceito é, portanto, considerada socialmente válida quando articulada a uma forma cultural aceita pela sociedade, como aponta Fontenelle (2017).

Sobre o surgimento do consumo de ativismo na sociedade pós-moderna, Miranda e Domingues (2018) destacam a relevância do tema como um recorte que possibilita uma melhor compreensão da cultura de consumo no século XXI. O consumo ativista se torna parte da engrenagem de mercado e promove o desenvolvimento de novos nichos de consumo, sendo o segmento de produtos naturais e veganos um dos que mais crescem. Segundo a consultoria Euromonitor Internacional, o segmento de leites vegetais no Brasil chegou a 51,5% em 2018 e o mercado de clean beauty – que considera produtos livres de parabenos, sulfatos, ftalatos, corantes e fragrâncias artificiais, +600 outros ingredientes – cresceu 8,1% em 2021 nos Estados Unidos, de acordo com a consultoria Nielsen (Kercher, 2022). Mas, quais são as características do discurso que se estabelece entre ethos e pathos que viabiliza essa redefinição das possibilidades de consumo? Quais os símbolos das narrativas das marcas?

A comunicação corporativa de marcas ativistas nas redes sociais

O estudo aqui apresentado utiliza como base a análise discursiva fundamentada em Foucault, que trata dos símbolos incorporando aspectos de conhecimento e poder. Em Cultura e Representação, Hall (2016, p. 78) analisa a maneira como Foucault se preocupava com a “produção de conhecimento (em vez de apenas sentido) pelo que ele chamou de discurso (em vez de apenas linguagem)”, já que para ele o discurso revela uma ligação entre desejo e poder. Para Foucault (2013), discurso não é aquilo que manifesta (ou oculta) o desejo; é, também, aquilo que é o objeto do desejo, e o discurso não é simplesmente o que se traduz de lutas ou sistemas de dominação, mas aquilo pelo que se luta, o poder do qual queremos nos apoderar. Para Foucault (2013, p. 17), há uma “vontade de verdade”, que é conduzida por meio de práticas pedagógicas sobre como o saber é aplicado na sociedade, como ele é “valorizado, distribuído, repartido e, de certo modo, atribuído”. Assim, a vontade de verdade, impulsionada por uma necessidade de distribuição institucional cria pressão e um certo poder de coerção (Foucault, 2013). O discurso é, portanto, constituinte de uma espécie de rede de comunicação que conecta seres humanos, respondendo a uma complexidade de interesses múltiplos, entre eles nossas paixões, pulsões, desejos, conhecimento e busca por poder, sempre como parte de uma estrutura econômica e social. Neste contexto, a tecnologia atua como ferramenta de potencialização do discurso, e, entendemos com McLuhan (1964) que o progresso humano deve ser investigado sob a ótica da evolução tecnológica. As redes sociais, portanto, agregam uma nova camada para o discurso, permitindo que ele seja adaptado para atingir determinadas audiências.

Os novos comportamentos do consumidor e o acesso à internet faz com que as marcas busquem por uma boa reputação no ecossistema digital, que se torna um espaço de imprescindível presença. Assim, a comunicação no Instagram evolui para uma comunicação mais humana e que busca gerar valor para os consumidores (Ghisleni; Trindade, 2019). Dessa forma, quando uma marca se comunica nas redes sociais, seu discurso se torna sua ferramenta de persuasão ao consumo, uma forma de expor um ponto de vista, influenciar e demonstrar autoridade sobre o produto oferecido e sobre a sociedade.

Neste estudo, trabalhamos o discurso de uma marca ativista no Instagram como exemplo em um recorte com o objetivo de compreender quais símbolos são mobilizados para estimular o consumo de seus produtos. Adotamos uma abordagem qualitativa para avaliar o conteúdo apresentado pela marca no formato de narrativas e imagens e seus processos de conotação. A escolha pela abordagem qualitativa se justifica na medida em que temos como objetivo a tipificação de atributos ainda não conhecidos (Bauer; Aarts, 2017).

Para construção do corpus, partimos da regra do delineamento em relação à relevância, homogeneidade e sincronicidade (Bauer; Aarts, 2017). Em relação à relevância do objeto, foi selecionado um perfil do Instagram que comercializasse produtos veganos (no caso, cosméticos), a Simple Organic (2017), conforme os critérios: 1) Marca BTC (Business to Consumer); 2) Oferta de produtos físicos considerados sustentáveis; 3) Com mais de 100.000 seguidores; 4) Com opção de interação com os consumidores, por meio de comentários e curtidas e que; 5) Tenha se originado como marca independente (indie brand). Esse recorte foi escolhido de forma intencional, a partir de critérios que identificam uma marca que pode ser considerada de atuação relevante no mercado.

A Simple Organic se considera uma das marcas pioneiras no mercado de beleza limpa no Brasil, com 70% das vendas concentradas no canal digital, 35 lojas e presente em mais de 1.200 farmácias (Fernandes, 2023). Para cumprir o critério de homogeneidade, a seleção do corpus limitou-se às postagens do feed no perfil da marca. A sincronicidade foi observada levando em consideração uma linearidade de postagens ao longo do tempo, o que possibilitou coletar o material a ser analisado em seu ciclo natural, de forma a que pudéssemos ter um “universo discursivo”, entendido isso como um conjunto de formações discursivas de todos os tipos que interagem em uma conjuntura dada, ou ainda, um conjunto de elementos que representasse um conjunto finito, ainda que entendamos não ser a globalidade (Maingueneau, 2008).

Para definir o período de coleta, avaliamos o conteúdo das postagens ao longo do ano de 2023, onde identificamos um comportamento similar, sem notar distorções explícitas, definindo assim o recorte em um período de 10 dias. Isso resultou na seleção das postagens no feed do período entre 04 e 14 de outubro de 2023, contemplando os formatos reels e posts estáticos. Uma análise preliminar das postagens resultou em três categorias de conteúdo a serem analisadas: 1) Conteúdo em relação à apropriação de símbolos culturais; 2) Disciplina com práticas pedagógicas; 3) Responsabilidade e inclusão, cujos conteúdos detalhamos no Quadro 1.

Quadro 1 - Dados sobre o discurso da Simple Organic no Instagram.

https://bit.ly/3UAr8bn 

Fonte: elaborado pelas autoras (2024).

Análise das postagens categoria 1: apropriação de signos culturais

O sistema linguístico dos signos compreende o que Sausurre (1857-1913, apud Penn, 2017, p. 368) observa como as “regras que governam suas relações”. Para Sausurre, o signo linguístico é um conjunto entre significante (imagem acústica) e significado (conceito ou ideia) (Penn, 2017). Temos pouco poder para mudar a língua, já que ela age como uma instituição social, porém “o conceito ao qual se refere um significante específico pode mudar” (Penn, 2017, p. 369). Aqui, observamos a redefinição de significantes na palavra “retinol”: no produto “Retinol-Like”, a marca, que se posiciona como natural, sem conservantes ou elementos sintéticos, se apropria do termo “retinol” para trazer um novo significante (“Retinol-Like”).

De acordo com o site dicionario.com (Retinol, [entre 2019 e 2024], p. 1), “retinol” se caracteriza como a “vitamina A que é encontrada apenas em fontes animais e presente na composição de diversos cremes destinados a reduzir os efeitos do envelhecimento da pele”. Assim, por meio da denominação Retinol-Like, a marca propõe uma nova articulação (vegana) de um significado já estabelecido culturalmente (retinol: produto de origem animal).

A ressignificação fica clara na postagem no perfil da marca no Instagram “7 motivos para usar o Retinol-Like” que menciona as propriedades inerentes ao retinol sintético como, por exemplo, estímulo da produção de colágeno, ação antioxidante e uniformização do tom da pele, e apresenta como benefício o fato do Retinol-Like ser um produto 100% natural. Na sua comunicação, a marca reforça a performance do produto vegano, com a vantagem de ser uma “alternativa limpa e segura ao retinol sintético”, que controla a acne e a oleosidade e não causa irritações como o retinol sintético. Ou seja, por meio da apropriação do significado já bem conhecido culturalmente do retinol, um produto de origem animal, para o nascimento de seu novo significante, o Retinol-Like, a marca deliberadamente usa sua comunicação corporativa como estímulo ao consumo de ativismo incorporando os principais benefícios do produto de origem animal – reduzir os efeitos de envelhecimento da pele – para promover sua alternativa vegana.

Análise das postagens categoria 2: disciplina com práticas pedagógicas

Para Foucault (2013, p. 10), o discurso se caracteriza como o “poder do qual nós queremos apoderar” e as regras disciplinares são uma forma de domínio sobre os objetos. Ainda em Foucault (2013, p. 30), “uma disciplina se define como um conjunto de métodos [...], um jogo de regras e de definições, de técnicas e de instrumentos” tudo isso constituindo “uma espécie de sistema anônimo à disposição de quem quer ou pode servir-se dele”. Entretanto, “para que haja disciplina é preciso, pois, que haja possibilidade de formular, e de formular indefinidamente, proposições novas” (Foucault, 2013, p. 30).

Nas sete postagens analisadas, observamos o emprego da pedagogia como estabelecimento de uma disciplina, utilizando o conhecimento como estratégia de estímulo ao consumo, instruindo o consumidor a adotar a linha completa de seus produtos para que o resultado seja mais eficaz. Por exemplo, o vídeo “Qual é a ordem da aplicação” (#2), ensina uma rotina de cuidado complexa, instituindo 12 ocasiões de uso de produtos de beleza todos os dias, sendo que oito delas são diferentes entre si (limpeza, tratamento, tratamento por pele, hidratação, proteção FPS, sérum labial, secativos e óleos). Para cada uma dessas etapas, a marca sugere um de seus produtos, utilizando-se de uma prática pedagógica com o objetivo claro de impulsionar as vendas.

O caráter explicativo das postagens cria um papel disciplinador em relação a como o consumidor deve usar cada produto. Um exemplo é a legenda: “Só não se esqueça: produtos formulados com ácido, como Ácido Salicílico e Ácido Glicólico devem ser usados apenas de noite ok?🌛”. A hashtag presente em todos os posts, ao lado da hashtag da marca #simpleorganic, é a #skincareésimple, que demonstra a intenção de educar e dizer que pode ser simples utilizar os produtos da Simple Organic.

Categoria 3: responsabilidade e inclusão

Em três dos sete posts analisados a marca insere em sua narrativa conceitos que caracterizamos como constituintes de um discurso ativista, como responsabilidade e inclusão. Para Normando, o conceito de responsabilidade se relaciona com o de consciência:

em um sentido comum, responsabilidade diz respeito à condição ou qualidade de alguém em ser responsável. É pressuposto que esse ser responsável tenha capacidade de consciência quanto aos atos que pratica voluntariamente, ou seja, que consiga saber antes de agir as consequências de sua vontade (Normando, 2012, p. 249).

A marca se posiciona como consciente e responsável, como exemplo da postagem sobre neutralização de carbono (#5), com a legenda “Sabe como funciona a neutralização de Carbono? 👀 Quais são os fatores levados em conta na hora do cálculo, e quais são as formas de auditoria? 💚🤓”. A fundadora da marca explica, em um vídeo, as consequências negativas para o meio ambiente que um evento de moda pode causar e como a marca contribuiu para que isso não aconteça por meio de um patrocínio relativo à neutralização de carbono.

Em seu discurso nas redes sociais, a Simple Organic utiliza-se de signos de inclusão e representatividade da diversidade de corpos, sem reforçar padrões estéticos com figuras que demonstram a intenção de ampliar a cobertura do perfil representativo de seus potenciais consumidores. Na postagem sobre os tons de pele (#4), o vídeo mostra diversos tons de pele, gêneros, idade, origem étnica e tipos de corpos. Na postagem que promove os ácidos da marca (#3), a imagem é de uma mulher negra com cabelos crespos, destacando a diversidade nas representações. Dessa forma, a marca se coloca em uma posição de promotora da inclusão ao adotar uma estratégia de comunicação corporativa que apresenta uma representação heterogênea em sua narrativa nas redes sociais ao trabalhar com uma variedade de tipos corporais e padrões identitários e étnicos. Além de se colocar como uma marca preocupada em proporcionar maior visibilidade a perfis que eventualmente são sub-representados na publicidade, promovendo um apelo à inclusão, também amplia sua base de potenciais consumidores.

Nos exemplos analisados fica clara a comunicação da marca sobre seu posicionamento, por meio da utilização de signos carregados de valores culturais que devem fazer sentido junto aos seus consumidores ativos e potenciais. Slater (2002, p. 144) nos ajuda a entender o conjunto analisado no âmbito do consumo ativista, na medida em que “ao comprar uma parte do sistema, compra-se o sistema de signos como um todo: em termos mais contemporâneos, compra-se um modo de vida, uma vez que a compra de qualquer signo-função evoca todo o sistema de significado”.

Considerações Finais

A sociedade é formada por projeções humanas, que são ao mesmo tempo sociais e culturais e que são constituídas por signos carregados de significados. O que esse produto representa para mim? Como ele vai me ajudar a ser quem eu quero ser? Como ele pode me tornar mais aceita pelas outras pessoas? São algumas questões, nem sempre formuladas de maneira reflexiva, que elaboramos ao adquirir e consumir os produtos disponíveis no mercado. Muito além do valor da mercadoria, cada produto carrega em si um imaginário com significados que representam o que queremos ser e como queremos ser vistos pela sociedade. A aquisição de um produto representa muito mais do que o objeto material, no consumo também compramos signos que refletem a cultura em que estamos inseridos, sinalizando comportamentos que queremos ter, novas formas de ser e pertencer.

Na cultura do consumo, esses signos são constantemente reatualizados, ora respondendo a uma demanda econômica, ora a uma demanda ideológica, mas sempre com base no cenário cultural. “Tudo que é sólido se desmancha no ar”, em uma economia onde a desintegração é a própria força mobilizadora que impulsiona a transformação (Berman, 2007).

Nesse contexto, a comunicação corporativa assume um papel fundamental na ressignificação dos símbolos de consumo e na disseminação de novos discursos na sociedade, especialmente em uma era impulsionada por altos investimentos em publicidade. Especificamente nesse caso, no processo de ressignificação de símbolos, observamos nas narrativas da marca Simple Organic nas redes sociais, uma tendência à apropriação de conceitos já estabelecidos culturalmente, como, por exemplo, do Retinol, vindo a fazer com que o produto vegano se aproxime do imaginário coletivo sobre o tema que já está em curso na sociedade. Assim, a marca é um exemplo de como o estímulo ao ativismo pode vir a se tornar intrínseco ao próprio modo de operação da produção, não deixando de ser também um estímulo ao consumo, já que amplia o potencial de crescimento da marca em um mercado que se reconfigura, reatualiza seus signos e se reconstitui de forma contínua a partir de seus próprios tensionamentos.

Nesta sucinta análise de estratégia discursiva de uma marca de produtos veganos, identificamos que a marca em questão não se propõe explicitamente a incentivar a conversão ao leitor em relação ao ativismo, mas se apropria de símbolos já existentes para apresentar, através da sua narrativa, um imaginário de inclusão, responsabilidade e performance para aqueles que estejam dispostos a comprar seus produtos. Identificam-se alguns signos que se conectam com pulsões humanas já consolidadas na sociedade e o conteúdo não deixa de ser uma proposta ao receptor, motivando-o a também participar de uma sociedade mais responsável e inclusiva. O discurso apresentado se propõe a estimular a intenção de compra através de pulsões por beleza, bem-estar e pertencimento, que são socialmente aceitas. De Smith a Mandeville, voltemos às abelhas: seria a busca pelo próprio prazer capaz de produzir um maior benefício coletivo? Ou esse ativismo por parte das marcas não deixa de ser uma estratégia mercadológica?

Ao contrário dos ativistas da década de 1960, o ativismo do século XXI se sofistica para além das feiras hippies e produtos artesanais. Ele se consolida como uma indicação de que os indivíduos utilizam do poder de suas escolhas de consumo para reforçar suas identidades, em pulsões que são socialmente aceitas, contribuindo assim para alimentar a engrenagem hegemônica em novas configurações estruturais.

Referências

ANDRÉ, M. Consumo e Identidade: itinerários cotidianos da subjetividade. São Paulo: DVS Editora, 2006.

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