Apresentação

Heleny Méndiz Rojas[1], Jorge Abelardo Cortés M.[2] e

Márcia Barbosa da Silva[3]

Com uma longa história na América Latina, a educação midiática desenvolveu linhas de trabalho que tratam do alcance da disciplina no contexto educacional. Hoje, mais do que nunca, uma discussão sobre o momento atual dessa perspectiva teórica é relevante, pois, após o surgimento da internet, a consolidação das redes sociais e da inteligência artificial, com suas virtudes e fracassos (desacertos), é urgente que (a educação) entenda a mídia como uma ferramenta pedagógica com a qual professores e alunos podem ser alfabetizados, de forma a desenvolver neles o espírito crítico para enfrentar a crescente desinformação, pois deve-se considerar que a construção de uma cidadania crítica se dá por meio de um processo constante de formação e aprendizagem, em que a participação ativa é essencial.

 Nesse sentido, o presente número da revista Lumina mostra e traz, a partir do contexto ibero-americano, experiências e desafios analisados, discutidos e compartilhados por seus autores no VI Congresso Internacional Alfamed, cujo tema foi Redes Sociais e Cidadania: Ciberculturas para aprender, realizado em outubro de 2022 em Arequipa, no Peru, e também a partir da pesquisa realizada pela equipe brasileira da Rede Alfamed, além de outros trabalhos que responderam ao desafio da revista de refletir sobre educação midiática.

Esta não é uma questão menor para nós, que consideramos esta necessidade de formação em ambiente participativo e cívico, entendendo que nem os programas educativos nem as nossas escolas e universidades dialogam com os públicos que as integram, ou seja, alunos e professores.

Há mais de 40 anos, a Educomunicação surgiu na América Latina, focando seu trabalho nas pessoas, com o objetivo de construir uma voz crítica, analítica e reflexiva, a partir da formação cidadã, diante das mensagens massivas da mídia e das redes sociais. Não se trata mais de discutir se a educação tecnológica deve ser meramente instrumental - em hipótese alguma -, mas devemos entender que a importância está em aprender a nos expressar de outras maneiras graças aos meios digitais e, acima de tudo, a interpretar as mensagens criticamente.

Para este dossiê, foram selecionados oito artigos de diferentes países ibero-americanos: Argentina, Brasil, Colômbia, México, Espanha e Portugal.

O primeiro artigo, Alfabetización mediática y aprendizaje informal en Latinoamérica: Una revisión de literatura de Bibian Rocío Galeano Sánchez da Universidade de Medellín introduz a temática deste dossiê. O artigo aponta a importância da alfabetização midiática e das habilidades midiáticas integradas a conceitos como aprendizagem informal, cidadania e divisões digitais e sociais. Os resultados da pesquisa reiteram “a necessidade de formação precoce do cidadão para compreender e interagir com os meios de comunicação e as tecnologias de informação e comunicação”. O que conduz ao nosso próximo texto.

A família é o primeiro ambiente formativo no qual as crianças têm os primeiros contatos com a mídia, por isso mesmo convém indagar se ela está preparada para exercer este papel. No artigo: Necesidades formativas de las familias para la gestión del uso de los móviles por sus hijos e hijas, os autores Francisco J. Poyato López, Antonia Ramírez García e Maria Pilar Gutiérrez Arenas da Universidade de Córdoba, apresentam um projeto que indaga sobre os temas mais sensíveis em relação à formação em diferentes competências digitais, mediáticas e parentais das famílias. A maioria dos pais e mães participantes da pesquisa possui nível superior de escolaridade, o que nos leva a pensar sobre o porquê das dificuldades em lidar com a educação midiática de seus filhos mesmo com tantos anos de escolaridade. Isso abre caminho para as reflexões dos próximos artigos.

O artigo Capital cultural digital de docentes universitarios: Un estudio de caso en tiempos de pandemia por Covid-19 de autoria de Gabriela Jorge Gasca, Javier Organista Sandoval e Maricela López-Ornelas, pesquisadores da Universidade Autónoma de Baja California, aborda esta problemática a partir dos conceitos de habitus e capital cultural propostos por Bourdieu. A questão é relevante, pois é necessário saber, quais foram as competências que os professores universitários tiveram de desenvolver para fazer frente aos desafios trazidos pelo contexto pandêmico e como foram enfrentados, que caminhos foram abertos e que novas interrogações emergiram nesse processo.

Uma contribuição para essa discussão pode vir de experiências formativas como a descrita em: Audiovisual, criação e docência: o autoestudo como experiência de formação dos autores Mario Luiz da Costa Assunção Júnior e Martha Maria Prata-Linhares da Universidade Federal do Triângulo Mineiro. Partindo da constatação, que ficou ainda mais evidente no contexto pandêmico, de que há um hiato entre a habilidade de jovens universitários com as tecnologias e a sua integração na própria práxis pedagógica. O estudo apresenta o processo de produção de um curta-metragem como possibilidade de desenvolvimento integrando docentes e discentes num processo criativo e reflexivo que engloba tanto as questões relativas ao estudo da mídia quanto ao fazer artístico.

Já o artigo Dietas e competências mediáticas de universitários portugueses de autoria de Isa Maio e Paula Lopes da Universidade Autónoma de Lisboa, procurou compreender de que forma os jovens universitários portugueses compõem as suas dietas mediáticas, em particular as informativas, como as desconstroem, as interpretam e como refletem sobre elas. Os resultados revelaram o que muitas famílias e profissionais da saúde e educação já vem percebendo: jovens imensamente mergulhados no contexto digital, porém pouco críticos e engajados. Vale a pena mergulhar nesse texto para buscar pistas sobre como lidar com essa situação. Alguns resultados descritos no próximo artigo talvez apontem possíveis caminhos.

Mapas das Mediações e Territórios de Expressão para uma Política da Educação Midiática:  O grupo EntreMídias de Rejane Moreira da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro discute os alicerces de algumas práticas de letramento midiático desenvolvidas no âmbito do Curso de Comunicação, tendo como pano de fundo os estudos de Jesús Martín-Barbero.

O próximo artigo, Mídias digitais no desenvolvimento de competências escolares: Dinâmicas dos estudantes do interior do Pará durante a pandemia de Covid-19, as autoras Elaine Javorski e Macilene Borges da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará, nos apresenta um estudo sobre como jovens do contexto urbano e do campo na região da Amazônia Oriental, fazem uso da internet e das mídias digitais e como essa utilização favorece o desenvolvimento de competências escolares. O contraste entre campo e cidade na relação com a tecnologia vem sendo tratado desde muito tempo, porém a particularidade da região amazônica por si só traz novos contornos a essa questão.

Finalizamos este dossiê com o artigo dos pesquisadores da Universidade de Huelva, Marcia Koffermann e Ignacio Aguaded: A influência das redes sociais sobre os adolescentes: Ciberconsumo e Educação Crítica. Partindo de um conceito ainda pouco explorado, o ciberconsumo, os autores apresentam uma contribuição importante para professores no desenvolvimento de uma reflexão sobre a relação entre algoritmos onipresentes nas redes sociais e práticas de consumo tanto material como cultural. Destacamos a frase final do artigo “Certamente é um trabalho longo e que exige pensar a educação para além dos muros da escola, mas é também um compromisso que as instituições educativas têm com relação à formação integral das novas gerações”.

O que vem a seguir: Chatbots e Inteligência Artificial

O ecossistema digital e midiático configurado nos últimos tempos pela expansão tecnológica, pelo desenvolvimento de uma web semântica e pela implantação de redes sociais digitais, dispositivos portáteis e aplicativos multidesign progressivos, torna-se dia a dia e de modo irreversível, em um determinante do que fazer social e cultural. No entanto, apenas alguns meses após o congresso da Alfamed de Arequipa ter sido realizado com o tema Redes sociais e cidadania: Cibercultura para aprender, a escalada tecnológica para redes neurais de inteligência artificial muda o cenário digital e reprograma, por assim dizer, os determinantes das novas práticas.

Uma das áreas de progresso mais marcantes é o Processamento de Linguagem Natural (NLP), que invadiu o ambiente cibernético e causou grandes expectativas quanto à qualidade da produção de texto avançado. Um primeiro modelo de chatbots com inteligência artificial GPT (Generative Pre-trained Transformer), promissor, mas com limitações, desenvolvido em 2018, lançou as bases para a série. Um ano depois, o segundo modelo havia feito progressos notáveis em termos de geração de texto coerente e contextualizado, embora ainda funcionasse com um pacote de dados restrito.

O GPT-3, lançado em 2020, “foi um grande salto em termos de desempenho e capacidade. Com 175 bilhões de parâmetros, foi um dos maiores e mais poderosos modelos de linguagem de seu tempo. Apesar de seu desempenho impressionante, ele ainda tinha dificuldades em interpretar o contexto e o raciocínio lógico” (LEVY, 2023) (tradução nossa) [1].

GPT versão 4, anunciada oficialmente em 14 de março de 2023 pela OpenAI, trabalha com grandes volumes de dados e apresenta desempenho excepcional em uma ampla variedade de tarefas, como tradução automática, redação, resumo de texto, geração de código, suporte a chatbot, entre outras. A propósito, a Microsoft anunciou recentemente a criação do Copilot, uma ferramenta baseada no Chat GPT-4, mas com uma variante específica que foi projetada para ser integrada a ferramentas de escritório como Word, Power Point, Excel, entre outras [2]. O Google, por sua vez, começou a disponibilizar aos usuários seu chatbot de inteligência artificial (IA) chamado Bard.

Como se percebe facilmente, o sistema educacional tem um grande desafio com esta tecnologia, alunos e professores têm uma poderosa ferramenta para fazer trabalhos de casa, redações e exames e sem dúvida será muito útil nas pesquisas. No entanto, para evitar fraudes acadêmicas, a própria OpenAI já anunciou uma ferramenta para detectar textos gerados por modelos de IA. Talvez essa seja a questão que mais preocupa, não só pelo alto risco de dependência, mas pelo uso indevido da ferramenta para fins maliciosos, já que também facilita o assédio, a manipulação, o discurso de ódio, as notícias falsas e as pós-verdades de ordem política, econômica e social. Espera-se também, segundo os especialistas, que influencie negativamente as habilidades críticas propriamente humanas, na medida em que possa vir a ser encarregado da resolução de problemas complexos, incluindo a tomada de decisões. Outros problemas associados são o aumento das lacunas tecnológicas e a substituição de postos de trabalho.

Também não devemos esquecer que estamos no alvorecer dessa tecnologia e muitos dos problemas distópicos que amedrontam os internautas, hoje, talvez venham a ter, eventualmente, soluções descomplicadas. Não é por acaso que o tema do próximo congresso da Alfamed seja justamente sobre os desafios das plataformas, da inteligência artificial e dos fenômenos digitais emergentes.

Este dossiê não abrange todas as questões relativas à produção acadêmica ibero-americana sobre a educação midiática. Contudo, pretende ser uma contribuição e um incentivo para mais estudos nessa área, pois a cada dia somos confrontados com novos desafios na busca de empreender uma educação midiática “em favor da justiça social, fraterna, igualitária e respeito aos direitos humanos”, como preconizam Aguaded e Koffermann em seu artigo.

Notas

[1] Fue un gran salto en términos de rendimiento y capacidad. Con 175 000 millones de parámetros, fue uno de los modelos de lenguaje más grandes y poderosos de su tiempo. A pesar de su impresionante desempeño, todavía tenía dificultades con la interpretación del contexto y el razonamiento lógico.

[2] Disponível em: <https://bit.ly/40QOv0X>. Acesso em: 3 abr. 2023.

Referências

LEVY, G. Andina Link, On-line. Disponível em: <http://www.andinalink.com/>. Acesso em: 3 abr. 2023.


[1] Doutora em Comunicação, Professora Associada da Escola de Jornalismo da Universidade Católica do Norte (UCN). Coordenadora da Rede Interuniversitária Euroamericana de Investigação em Competências Midiáticas para a Cidadania (Alfamed), Chile. E-mail: hmendiz@ucn.cl.

[2] Doutor em Ciências da Informação, Comunicação e Jornalismo. Professor da Faculdade de Filosofia e Letras, Divisão de Estudos de Pós-Graduação, da Universidade Autônoma de Chihuahua, México. E-mail: jcortes@uach.mx.

[3] Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) com pós-doutorado pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) . Professora da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) e pesquisadora Independente da Rede Interuniversitária Euroamericana de Investigação em Competências Midiáticas para a Cidadania (Alfamed). E-mail: marciauepg@gmail.com.