O que decolonizar o jornalismo afinal quer dizer?

Um olhar a partir do Brasil

Afonso de Albuquerque1

Resumo

O artigo apresenta perspectivas que questionam o estado da arte do debate sobre o decolonial e o modo como ele deve impactar aos estudos do jornalismo. Ele sustenta que o debate sobre o decolonial frequentemente se debruça sobre assimetrias de poder e prestígio – que afetam questões raciais, de gênero, identidade sexual, dentre outros aspectos – que seriam resultantes de um processo de colonização eurocêntrica do passado e, dessa forma, omite processos de colonização que têm lugar no presente e que são conduzidos principalmente a partir dos Estados Unidos. Sustenta-se que a lógica colonial que atua no presente está firmemente ancorada nas instituições responsáveis pela produção e circulação do conhecimento, em escala nacional e global. Uma dessas instituições é o sistema acadêmico global, que privilegia olhares produzidos a partir dos Estados Unidos e outros países do Ocidente em detrimento dos demais. O artigo sustenta que o jornalismo é outra instituição importante da estrutura de colonização que atua no presente. Nesse sentido, é importante entender as maneiras pelas quais ele se constitui tanto como objeto quanto sujeito de um processo de colonização. Finalmente, sugere-se que um olhar decolonial pode ajudar a trazer nova luz sobre o processo de modernização do jornalismo brasileiro.

Palavras-chave

Abordagem Decolonial; Jornalismo; Brasil; Sistema Acadêmico Global; Colonialismo Interno.

1 Doutor em Comunicação pela Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (ECO/UFRJ). Professor do Programa Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal Fluminense (PPGCOM/UFF). E-mail: afonsoalbuquerque@id.uff.br.

What does it mean to "decolonize journalism"?

A glimpse from Brazil

Afonso de Albuquerque1

Abstract

This article presents perspectives that question the state of the art of the debate on the decolonial and the way in which it should impact journalism studies. He argues that the debate on the decolonial often focuses on asymmetries of power and prestige - which affect racial, gender, sexual identity issues, among other aspects - that would be the result of a process of Eurocentric colonization of the past and, in this way, omits colonization processes that take place in the present and that are conducted mainly from the United States. It is argued that the colonial logic that operates in the present is firmly anchored in the institutions responsible for the production and circulation of knowledge, on a national and global scale. One of these institutions is the global academic system, which privileges perspectives produced from the United States and other Western countries to the detriment of others. The article argues that journalism is another important institution in the colonization structure that operates in the present. In this sense, it is important to understand the ways in which it constitutes itself both as an object and as a subject of a colonization process. Finally, it is suggested that a decolonial perspective can help to shed new light on the process of modernization of Brazilian journalism. article presents perspectives that question the state of the art of the debate on the decolonial and the way in which it should impact journalism studies. It lists a series of principles developed from a critical perspective on decolonial studies and then presents a series of suggestions on how they can bring an alternative light to the study of Brazilian journalism.

Keywords

Decolonial Approach; Journalism; Brazil; Global Academic System; Internal Colonialism.

1 Doutor em Comunicação pela Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (ECO/UFRJ). Professor do Programa Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal Fluminense (PPGCOM/UFF). E-mail: afonsoalbuquerque@id.uff.br.

Introdução

Ao longo dos últimos anos, tornaram-se cada vez mais comuns os apelos por uma abordagem decolonial do jornalismo. Os apelos refletem uma agenda mais ampla que se originou ainda na década de 1950 e ganhou grande impulso a partir da virada do milênio, impulsionada em grande parte por autores latino-americanos. De modo muito simplista, podemos descrever essa agenda como pautada numa crítica à modernidade como inseparável da colonialidade. Da perspectiva decolonial, portanto, a modernidade não é a marcha triunfante rumo ao progresso da humanidade que descreve a tradição iluminista eurocentrada; a colonialidade é o lado sombrio dessa trajetória (MIGNOLO, 2011; QUIJANO; 2000). Essa perspectiva, sem dúvidas, apresenta méritos e é particularmente relevante para pesquisadores que se situam de algum modo fora do centro de poder da academia global. Contudo, um problema fundamental persiste: no mais das vezes, o decolonial descreve seu objeto de uma perspectiva em grande angular, que dá pouca atenção às características particulares dos objetos específicos a que ela se refere. Na contramão dessa tendência, esse artigo busca dar conta das questões específicas que decorrem da aplicação da perspectiva decolonial ao estudo do jornalismo.

Este artigo se estrutura como um ensaio. Seu objetivo principal é apresentar perspectivas que questionem o estado da arte do debate sobre o decolonial e o modo como ele deve impactar aos estudos do jornalismo. O texto elenca uma série de princípios elaborados a partir de um olhar crítico sobre os estudos decoloniais e, em seguida, apresenta uma série de sugestões de como eles podem trazer uma luz alternativa para o estudo do jornalismo brasileiro.

Trazer de volta o colonial para o centro dos Estudos Decoloniais

À primeira vista, essa proposta pode parecer insólita, afinal o propósito central da corrente dos estudos decoloniais é questionar o legado e as consequências dos processos de colonização sobre as vidas daqueles que foram submetidos a ele ou seus descendentes. Qual, então, o ponto dessa proposição? O argumento que apresento aqui é que as pesquisas sobre os estudos decoloniais têm voltado a sua atenção primariamente para os efeitos do processo colonial sobre aqueles que se tornam sujeitos dele em detrimento da atenção ao papel que os agentes colonizadores e o modus operandi da colonização desempenham nesse processo. Em outras palavras, as referências à colonização têm se tornado cada vez mais distantes e abstratas nos estudos decoloniais.

Isso acontece porque muito da pesquisa decolonial foca primordialmente nos efeitos, antes que nas causas do processo de colonização. Igualmente, a atenção principal dessa tradição recai sobre as vítimas dessa condição, os indivíduos e coletividades que se tornam subalternizados. O efeito prático dessa opção analítica é tirar o foco da análise dos perpetradores da ação colonial e do seu modo de atuação. O agente opressor se torna, então, uma abstração analítica. O que se perde, aqui, é a materialidade do processo de exploração colonial.

Um exemplo concreto pode ajudar a esclarecer esse ponto. Grande parte das pesquisas realizadas tem por objeto a crítica das estruturas assimétricas de distribuição de poder (e nos discursos a elas associados) resultantes do processo de colonização: o advento de uma ordem social racista, patriarcal e heteronormativa, por exemplo (ELERDING, 2018; MANNING, 2021). Esse tipo de estrutura social é o resultado contingente de um processo histórico de colonização determinado, mas não define a condição em suas características mais fundamentais. Colonização é, primariamente, um processo que tem como fim a exploração econômica de uma sociedade por outra (ou, pelo menos, pelas elites dirigentes e econômicas da sociedade colonizadoras) e se vale do controle político e intelectual como meio para realizar esse fim. A lógica de uma opressão racista, patriarcal e heteronormativa é um arranjo histórico concreto que viabilizou a exploração colonial, mas nada impede que arranjos alternativos sejam empregados (voltaremos a este ponto oportunamente).

A colonização não é apenas eurocêntrica e não se refere somente ao passado

Uma das razões pelas quais os perpetradores da ação colonial recebem uma atenção marginal por parte dos estudos decoloniais é a suposição de que a colonização remete primordialmente ao processo de controle de sociedades ao redor do globo por potências europeias, que se estendeu da última década do século XV até a segunda metade do século passado (ainda que seu legado se faça sentir ainda no presente). Não se trata, aqui, de minimizar a importância histórica desse processo, mas de insistir que o foco exclusivo arrisca a atirar nas sombras a importância de um outro projeto colonial que se encontra em pleno vigor, capitaneado pelos Estados Unidos.

O projeto colonial estadunidense surgiu das cinzas da colonização europeia, no contexto da Guerra Fria. Na medida em que ex-colônias europeias na África e Ásia se tornavam Estados independentes, tornou-se imperioso para os Estados Unidos impedir que eles viessem cair na órbita do seu arquirrival, a União Soviética. Para tal, os Estados Unidos se valeram da ideologia da modernização. Diferentemente do modelo colonial europeu — centrado na premissa de que a superioridade europeia era um fato calcado em bases raciais (e, portanto, um fenômeno imutável) — o modelo estadunidense tem como premissa a ideia de que as sociedades podem evoluir, se adotarem propostas de desenvolvimento corretas (BABER, 2001). Duas consequências se seguem. Em primeiro lugar, o modelo de colonização estadunidense se apresenta como sendo de natureza fundamentalmente técnica, antes que ideológica (como o socialista propugnado por seus rivais soviéticos). Em segundo lugar, sendo eles mesmos uma ex-colônia britânica, os Estados Unidos podem reivindicar que seu próprio modelo colonialista tem um caráter decolonial.

O que dá ao projeto de modernização liderado pelos Estados Unidos um caráter colonial? Aqui, o importante é destacar — em conformidade com o que dissemos antes — que a exploração econômica é o objetivo principal dos processos de colonização, e o controle político e intelectual são os meios a partir do qual esse objetivo é atingido. O processo de modernização liderado pelos Estados Unidos abriu caminho para inúmeras empresas do país operarem nos novos mercados e uma política de sedução/punição foi empregada para garantir que esses interesses fossem atendidos. O campo da sedução operou pela lógica de ajuda humanitária e consultoria técnica, tendo por protagonistas agências governamentais dos Estados Unidos e fundações filantrópicas (ROELOFS, 2007). O campo da punição se exerceu seja por via de intervenção militar direta (guerras da Coreia, Vietnã, dentre outras) ou por ações de desestabilização destinadas a substituir governantes hostis por outros mais dóceis (SUSSMAN; KRADER, 2008; THUSSU, 2000). A indústria de comunicação massiva estadunidense desempenhou um papel crucial como instrumento da conquista de “corações e mentes” a serviço desse projeto de dominação.

Na virada da década de 1990, o projeto de colonização estadunidense atingiu um nível inteiramente novo, na sequência do colapso da União Soviética e os regimes comunistas a ela associados. Emergindo como potência unipolar à frente da “nova ordem mundial”, os Estados Unidos capitanearam — em aliança com o Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional, ambas com sede em Washington (DC) — um processo de globalização neoliberal que impactou decisivamente nas estruturas econômicas e políticas de países ao redor do mundo (WILLIAMSON, 2007). Tais países foram forçados a adotar uma série de medidas de abertura econômica ao capital estrangeiro, em muitos casos com efeitos desastrosos. Na América Latina, a chamada “década perdida” foi o legado dessas políticas. O que levou as elites dos países latino-americanos a adotarem medidas tão destrutivas para a economia e o tecido social de seus países? Em parte, isso se deveu a mecanismos de pressão exercidos pelas instituições financeiras internacionais, através de “mecanismos de condicionalidade” para futuros empréstimos. Por outro lado, contudo, isso resultou da convicção, por parte de setores das elites nacionais, de que isso era o correto a se fazer. Para entender como tais crenças se disseminaram entre essas elites, é preciso discutir o papel que o sistema acadêmico global tem como agente do modelo colonial implantado pelos Estados Unidos.

O sistema acadêmico global como agente colonial

Paralelamente ao triunfo da ordem neoliberal, um novo sistema acadêmico global emergiu a partir da década de 1990. Dois pilares desse novo sistema foram o princípio do capitalismo acadêmico e a lógica dos rankings globais. O capitalismo acadêmico nada mais é do que uma aplicação estrita dos princípios neoliberais à lógica do ensino e da pesquisa acadêmica. De acordo com essa lógica, universidades e outras instituições de pesquisa devem se economicamente eficientes, isto é, fazer valer os recursos que recebem (SLAUGHTER; RHOADES, 2004). Para tal, as universidades foram estimuladas a se tornar captadoras de recursos para financiar suas atividades. Isso abriu caminho para que um sem-número de instituições, tais como fundações ditas filantrópicas e think tanks passassem a exercer uma influência cada vez maior sobre a agenda da pesquisa acadêmica.

O sistema de rankings globais, por sua vez, permitiu aos pesquisadores e instituições sediados nos Estados Unidos — e secundariamente em outros países, com destaque para o Reino Unido — reivindicassem o status de centro do sistema acadêmico global (AMSLER; BOLSMAN, 2012). Usualmente promovidos por agências sediadas no mundo anglófono, os rankings classificam as diversas instituições envolvidas no processo de produção e distribuição do conhecimento científico — universidades, departamentos e periódicos, por exemplo — em função do seu impacto, medido por diferentes critérios. Elaborados com base em critérios pouco transparentes, esses rankings têm um viés que privilegia (pela ordem) os Estados Unidos, o mundo anglófono e Ocidente em relação às demais regiões do mundo (GIANNONE, 2010). Como resultado da aplicação desses princípios, os Estados Unidos emergiram como potência acadêmica central deslocando seus concorrentes para uma posição periférica. Um tradicional protagonista na pesquisa em Ciências Sociais, a França viu seu prestígio internacional diminuir consideravelmente quando essa lógica se tornou dominante. A influência internacional da pesquisa comunicacional latino-americana também foi fortemente abalada.

O resultado mais concreto dessa dinâmica foi criar um sistema de trocas acadêmicas compulsoriamente estabelecido em torno de instituições ocidentais, com destaque para os Estados Unidos. Nos termos desse sistema ter formação ou trabalhar em instituições sediadas nesses países se torna um requisito fundamental para pesquisadores que queiram perseguir uma carreira internacional (ALATAS, 2003). Duas estratégias para atingir esse fim são se mudar para uma instituição sediada num país central — o que, do ponto de vista do país nativo resulta na fuga de cérebros — ou integrar redes de pesquisa internacionais (invariavelmente em uma posição subordinada). Para os poucos que conseguem entrar no debate acadêmico internacional a partir de seus próprios países, o papel que o sistema acadêmico global reserva é geralmente o de um coadjuvante: alguém que testa empiricamente, com base nas condições particulares de seu próprio país, uma teoria mais geral (DEMETER, 2020).

Em muitos aspectos, esse sistema acadêmico opera como um mecanismo de promoção de conformidade em escala global. Publicar num periódico indexado, por exemplo, implica em conhecer e empregar apropriadamente a “literatura de referência” (usualmente anglófona). Outro mecanismo de conformidade importante são as associações científicas internacionais — também via de regra dominadas por pesquisadores de países ocidentais (WIEDEMANN; MEYEN, 2016). As associações de área studies, em particular — tais como a Brazilian Studies Association (Brasa) e a Latin American Studies Association (LASA) — desempenham um papel fundamental em delegar a instituições estadunidenses o lugar da fala autorizada sobre outros países.

A lógica colonial na periferia: elites e intelectuais como colonizadores internos

Sociedades não são corpos homogêneos e isso tem consequências do ponto de vista da dinâmica colonial, tanto no que se refere àquelas colonizadoras quanto às colonizadas. Como vimos, a lógica colonial impõe obstáculos estruturais aos indivíduos das sociedades periféricas, mas para aqueles que dispõem dos meios para contorná-los, esses obstáculos podem se tornar bastante convenientes. Isso acontece por dois motivos principais. Em primeiro lugar, diplomas acadêmicos de universidades estrangeiras de elite funcionam como um elemento de distinção; quanto mais difíceis de obter forem, maior a distinção. Em segundo lugar, os alunos dessas universidades têm a oportunidade de integrar redes que os conectam com as elites dirigentes globais (DEZALAY; GARTH, 2002).

As universidades de elite desempenham um papel fundamental na reprodução da lógica colonial contemporânea. A Harvard Kennedy School, por exemplo, se orgulha de ter formado mais dirigentes de países estrangeiros do que qualquer outro centro de ensino no mundo. Para além da educação formal, essas universidades também atuam como hubs para a articulação de lideranças globais. O Maurice Greenberg World Fellows Program, sediado na Yale University é uma dentre tantas iniciativas nesse sentido. Dentre seus participantes se encontram Alexey Navalny, o líder da oposição russa, e Carlos Vecchio, encarregado de assuntos do governo da Venezuela nos Estados Unidos, representando o governo do autonomeado presidente Juan Guaidó.

Um aspecto complementar desse modelo é a atuação de elites e intelectuais formados (direta ou indiretamente) por essas instituições como colonizadores internos (GONZÁLEZ-CASANOVA, 1965). Treinados para ver o mundo a partir da perspectiva dos colonizadores estrangeiros, esses agentes frequentemente percebem seus próprios países de origem como sendo “exóticos” ou “atrasados” e, dessa forma, assumem o compromisso de liderá-los rumo à civilização. Agências estrangeiras, governamentais ou não, desempenham um papel fundamental nesse processo. Um exemplo concreto do modo como esse processo funciona diz respeito à atuação da Fundação Ford no Brasil. Em um documento publicado em 2002 para comemorar os 40 anos da sua atuação no Brasil, a fundação relata com entusiasmo que “quatro membros do Ministério e quase toda a equipe econômica (do governo Fernando Henrique Cardoso) foram beneficiários de doações da Fundação” (STATION; WELNA, 2002, p. 187). Esta é uma indicação explícita da capacidade de agentes externos de moldar a agenda pública no Brasil e ajuda a explicar por que o governo Cardoso se entregou tão avidamente ao processo de privatização.

Usando o decolonial a serviço da colonização

Em maio de 2022, na esteira da invasão da Ucrânia, Casey Michel publicou um artigo intitulado “Decolonize Russia”. Seu argumento é que a Rússia é o último grande império do mundo e que deveria ser partido em diversas nações menores para evitar o risco de que um dia pudesse agredir outros países novamente. O artigo não reflete uma opinião isolada. Nos meses posteriores a Helsinki Commission — instituição bipartidária estadunidense criada em 1976 para estabelecer critérios e procedimentos a fim de distensionar as relações entre a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e o Pacto de Varsóvia promoveu diversos eventos virtuais para promover essa ideia. A conclusão que se segue é clara: toda retórica pode servir aos interesses de um projeto colonial, e não apenas aquela patriarcal, racista e heteronormativa destacada por boa parte dos estudos decoloniais.

Isso acontece devido à natureza profundamente assimétrica do sistema acadêmico global. Isso se aplica a todos os campos do conhecimento e o campo dos estudos decoloniais não é exceção. Embora originários de países periféricos, os pesquisadores mais influentes dessa tradição usualmente se titularam e desenvolveram suas carreiras acadêmicas em países centrais. Isso se aplica a Spivak, Mignolo, Said, Sousa-Santos, Appadurai e inúmeros outros (DEMETER, 2020, p. 155-156). Resulta daí que a reprodução da teoria decolonial ocorre primordialmente no Ocidente. Segue-se que pesquisadores originários de países periféricos devem se transferir para as universidades do centro para aprender apropriadamente a teoria decolonial. Nessas condições, o processo de apresentação a esta teoria ocorre por meio de uma trajetória de aprendizado colonial.

Os mecanismos que sustentam a lógica colonial não são essencialmente discursivos, mas dizem respeito às estruturas e padrões de relacionamento social que definem certos lugares e instituições como dotadas do poder de autoridade para construir discursos “apropriados” sobre o mundo. Nessas condições, agir de maneira decolonial tem menos a ver com adotar determinadas linhas analíticas do que reforçar práticas e instituições que viabilizem a produção de perspectivas alternativas às que se constituem no centro. Como isso se aplica ao estudo do jornalismo?

O que decolonizar o jornalismo quer dizer?

Com base nessas reflexões gerais sobre a natureza do processo colonial contemporâneo, estruturado a partir do Ocidente (e dos Estados Unidos, acima de todos), resta estabelecer de que modo elas se aplicam ao problema específico. Recentemente essa questão ganhou visibilidade e Daros (2021), por exemplo, sugeriu que um passo fundamental seria decolonizar o currículo dos estudos sobre o jornalismo. Este é certamente um passo necessário, mas a tarefa vai muito além da maior valorização de autores nacionais. Afinal, autores nacionais também atuam como agentes de um processo de colonização interna, mesmo quando não se dão conta disso.

O passo fundamental para um projeto efetivo de decolonização do jornalismo é identificar as maneiras pelas quais o processo colonial atua nele e através dele. Quais agentes exercem um papel determinante no processo de colonização de que o jornalismo faz parte? Quais estratégias são empregadas nesse processo? Um passo importante, aqui, é destacar que o jornalismo é tanto sujeito quanto objeto do processo de colonização e que essas duas dimensões se relacionam de muitas e significativas maneiras.

Entender o jornalismo como sujeito de um processo de colonização é atribuir a ele um papel importante como agente de colonização interna. Ele cumpre esse papel quando se torna intermediário de um processo de importação de verdades originadas nos países centrais do processo de colonização global. Entender o jornalismo como objeto de um processo de colonização significa identificar os agentes externos e internos que levam a atividade jornalística de um determinado país a basear suas práticas, métodos, agendas e valores por referência às potências centrais. Para tal, é preciso cultivar um distanciamento crítico em relação às narrativas dominantes sobre o jornalismo. Seguem-se alguns exemplos de como uma perspectiva decolonial pode ajudar a dar conta de dimensões importantes do jornalismo nacional.

O Diário Carioca e a modernização do jornalismo brasileiro

O mito do Diário Carioca serve, ainda hoje, como uma das narrativas mais populares na historiografia sobre o jornalismo brasileiro. Ele descreve como um grupo de jornalistas do Diário Carioca trouxe dos Estados Unidos um conjunto de práticas modernas que revolucionaram o jornalismo e as adaptaram à realidade do desta atividade no país. Nada mais seria como antes. Sob muitos aspectos essa narrativa deixa a desejar. Um motivo óbvio para o sucesso do novo conjunto de técnicas seriam vantagens a ela associadas. Se o Diário Carioca tivesse conquistado mais público por conta das mudanças, isso seria por certo uma razão para que seu modelo fosse emulado por outros jornais. Isso, porém não aconteceu. Ao contrário, apenas 15 anos depois da reforma o jornal fechou suas portas (ALBUQUERQUE, 2022).

Do ponto de vista do argumento desse artigo, a importância da reforma do Diário Carioca está no fato de ser um marco do processo de colonização do jornalismo brasileiro a partir dos Estados Unidos. Segundo Pompeu de Sousa, o jornalismo que se praticava no Brasil era atrasado em relação ao resto do mundo. No entanto, ele não era. Era apenas diferente em relação ao que se praticava nos Estados Unidos — e, basicamente, em nenhuma outra parte do mundo. Por que, então, copiar o jornalismo estadunidense? Aqui, o contexto histórico é fundamental.

Durante a Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos perceberam a necessidade de relações mais próximas com países da América Latina, a fim de evitar que o país fosse atraído para a órbita do Eixo. Criado em 1940, o Office for Inter-American Affairs (OCIAA) desempenhou um papel fundamental nessa estratégia. Ligado ao Departamento de Segurança Nacional dos Estados Unidos, o OCIAA usou a cultura como instrumento de sedução do público brasileiro (e latino-americano). Em muitos aspectos fundamentais, portanto, a América Latina serviu como laboratório experimental para o modelo de imperialismo cultural que os Estados Unidos aplicariam com tanto sucesso em escala global. Pompeu de Sousa e Danton Jobim, os editores a quem (dependendo da fonte) se atribui a responsabilidade, foram contemplados pelo programa para visitar os Estados Unidos (TOTA, 2000).

No período que se seguiu à Grande Guerra, o adversário mundial dos Estados Unidos mudou da Alemanha Nazista para a União Soviética. Em seu esforço para disputar com ela, o autonomeado “líder do mundo livre” buscou exportar o seu modelo de imprensa livre. Naquele momento, o esforço teve pouco êxito. O modelo de modernização do jornalismo brasileiro se apresenta como um dos poucos exemplos de sucesso, mesmo que mais simbólico — o jornalismo brasileiro permaneceu essencialmente diferente do praticado nos Estados Unidos em muitos e fundamentais aspectos — do que efetivo. Para além das características propriamente jornalísticas da reforma, é de se ressaltar o modo como ela instrumentalizou o discurso da modernização — peça-chave da estratégia colonial da nova potência global. Reconhecer as consequências coloniais de uma retórica que afirma os Estados Unidos como modelo inquestionável para outras nações é parte essencial de uma abordagem decolonial desse episódio.

O papel do jornalismo na legitimação da virada neoliberal

A ascensão do neoliberalismo marca um momento decisivo do projeto de colonização global liderado a partir dos Estados Unidos. Já tivemos a oportunidade de mencionar o papel que a formação das elites dirigentes brasileiras financiadas por agentes externos teve nesse processo. Nesta seção exploraremos o modo como o jornalismo brasileiro atuou como colonizador interno a serviço da promoção da agenda neoliberal. O neoliberalismo é, ainda hoje, a doutrina dominante da grande mídia brasileira, mas como se deu esse movimento? Nesta seção exploro apenas dois aspectos desse fenômeno mais abrangente.

O primeiro aspecto diz respeito ao papel pioneiro da Folha de S. Paulo na promoção do ideário neoliberal como norteador do jornalismo. Um exemplo concreto disso foram as reformas promovidas pelo jornal na década de 1980 e, em particular, os manuais de jornalismo que a Folha tornou públicos para divulgar sua concepção de jornalismo. Esses manuais — que por muitas vezes foram usados como material didático nos cursos de jornalismo do país — apresentam uma concepção essencialmente neoliberal da atividade jornalística. Em primeiro lugar, ela é exercida por organizações jornalísticas (entendidas como empresas) e seu vínculo com o leitor é essencialmente comercial. Além disso, a compra de exemplares pelo leitor é o que legitima o mandato concedido ao jornal. Na visão dos manuais da Folha, os jornalistas são profissionais apenas no que concerne ao seu dever — com o leitor e com a empresa —, mas não contam com direitos ou autonomia. A lógica por detrás da reforma da Folha atualiza a promovida pelo Diário Carioca três décadas antes. Em ambos os casos, ela se justifica pela necessidade de um esforço extraordinário, conduzido pela direção do jornal, de romper com padrões de “atraso” (avaliados em comparação com os Estados Unidos) das práticas jornalísticas em vigor (ALBUQUERQUE, 2022). A experiência prévia do ideólogo da reforma da Folha, Carlos Eduardo Lins da Silva, é outro elemento relevante que ajuda a definir o caráter das duas experiências como essencialmente colonial.

Do ponto de vista do conteúdo efetivamente veiculado pelas organizações jornalísticas, há que se destacar o papel que a Rede Globo de Televisão exerceu em legitimar, para o público brasileiro, os Estados Unidos como líder inconteste da nova ordem mundial. Jornalistas como Paulo Francis — com seu bordão “Aqui em Nova York não se fala em outra coisa” — tiveram um papel de destaque na construção da ideia de que Nova York é efetivamente a capital do mundo. O programa Manhattan Conection da Globo News dá continuidade a essa ideia.

Lava Jato, judicialização e colonialidade

A Operação Lava Jato, que desestabilizou as instituições políticas brasileiras, levou à prisão um ex-presidente injustamente acusado de corrupção e serviu de pano de fundo para o impeachment de uma presidente legitimamente eleita teve vínculos notórios com agentes estadunidenses. Isso fica claro nas mensagens trocadas pela equipe de acusação da Lava Jato no Instagram, posteriormente vazadas na série de reportagem Vaza Jato, publicada pelo Intercept Brasil. Nelas, os promotores se referem explicitamente ao FBI como sócio oculto — para o grande público — da investigação.

Menos destaque tem sido dado ao papel que as instituições acadêmicas dos Estados Unidos desempenharam no processo, mas seu engajamento é, contudo, essencial para dar conta do processo de legitimação da Lava Jato. Ele se deu de diferentes maneiras e em níveis distintos. No plano mais geral, ele se deu através da promoção de uma agenda que elencava a corrupção como representando uma das grandes ameaças à democracia. Essa agenda, promovida principalmente pelo Banco Mundial manifesta desconfiança quanto às instituições políticas representativas e atribui às instituições de vigilância — Judiciário, Promotoria, Imprensa, dentre outras — o protagonismo na missão de defender uma democracia saudável. Essa perspectiva teórica ofereceu um pano de fundo confortável para a Lava Jato. O cientista político estadunidense Matthew Taylor se destacou na promoção dessa perspectiva aplicada à realidade brasileira. Um segundo nível de sustentação opera através da defesa da Lava Jato em obras acadêmicas. O livro Corruption and the Lava Jato Scandal in Latin America, editado por Paul Lagunes e Jan Svejnar (2020), promove uma narrativa que apresenta a Lava Jato como um momento decisivo na trajetória da consolidação das instituições políticas brasileiras. Finalmente, um terceiro nível é o do apoio político explícito aos personagens centrais à frente da Lava Jato. Sergio Moro, por exemplo, foi homenageado pela Notre Dame University e circulou nos Estados Unidos, ciceroneado por Taylor, além de publicar um artigo sobre a Lava Jato no centenário periódico Daedalus.

A influência do sistema universitário estadunidense sobre a Lava Jato não se limitou ao campo jurídico, porém. A grande imprensa desempenhou um papel fundamental no processo, ao construir a culpabilidade de Lula perante a opinião pública. Evidências explícitas dessa colaboração também emergiram das conversas vazadas na Vaza Jato. Aqui também o aparato universitário sediado nos Estados Unidos exerceu um papel importante na legitimação da atuação da imprensa, sob a rubrica do “jornalismo investigativo”. Uma instituição central, aqui é o Knight Center for Journalism in the Americas, vinculado ao Departamento de Comunicação da University of Texas at Austin. Financiado por generosos recursos da Fundação Knight, bem como também da Open Society. O papel do Knight Center vai muito além de formar quadros acadêmicos e difundir conhecimento. Ele foi o inspirador da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) — também criou associações semelhantes na Argentina, Colômbia, Paraguai e Peru. O vice-presidente da Abraji no biênio 2016-2017, Vladimir Netto, exerceu um papel fundamental na legitimação da Lava Jato, tendo escrito inclusive um livro best-seller sobre o tema, que dava ao juiz Sérgio Moro um estatuto de herói.

A Operação Lava Jato cobrou um alto preço para o Brasil. Ela produziu descrédito sobre as instituições políticas e teve um impacto econômico catastrófico para um país que, naquele momento, mostrava ambições de se tornar um protagonista no cenário internacional. Tanto no que diz respeito aos seus aspectos jurídico e jornalístico, a Lava Jato se caracteriza por um alto grau de intervenção estrangeira (especialmente dos Estados Unidos). O aparato universitário daquele país foi parte central desse processo.

Considerações Finais

Este artigo defende uma nova perspectiva sobre o que “decolonizar” significa e que consequências isso tem do ponto de vista dos estudos sobre o jornalismo. Seu argumento principal é de que é preciso definir mais precisamente o que é o “colonial” ao qual o decolonial se opõe. Em oposição à perspectiva dominante sobre o assunto — que associa a colonização a uma força situada no passado, exercida principalmente por agentes europeus — sugiro que a colonização é um processo em andamento no presente, conduzido primariamente pelos Estados Unidos (isso é reconhecido pela literatura sobre colonialismo de dados, por sinal). Ainda mais importante, o aparato acadêmico global desempenha um papel central nesse processo, garantindo a agentes situados nos Estados Unidos (e secundariamente outros países ocidentais) um privilégio estrutural no tocante à sua capacidade de definir a agenda do debate global em seus próprios termos.

Considerado dessa perspectiva, o decolonial não se refere a uma perspectiva teórica específica. Como vimos, a mesma retórica desse processo pode ser apropriada e servir aos interesses do sistema colonial. Uma atitude efetivamente decolonial busca desafiar as estruturas coloniais que permeiam o sistema acadêmico global no presente. Um passo nesse sentido é reforçar as instituições situadas fora do centro colonial, bem como o diálogo entre elas.

Especificamente no que se refere ao jornalismo, um olhar decolonial pressupõe algo diferente de “valorizar” a história do jornalismo brasileiro. Não se trata, evidentemente, do oposto (negar a sua importância), mas entender que ela se dá no contexto mais abrangente de um processo de colonização da produção e distribuição do conhecimento, que define não apenas que tipos de conhecimento são válidos e a maneira correta de obtê-los e distribuí-los. Como o exemplo da Lava Jato deixa claro, ignorar essas dinâmicas nos torna suscetíveis a sermos influenciados por agendas e interesses estrangeiros e, não raro, realizarmos nós mesmos o papel de colonizadores internos em nossas próprias sociedades.

Referências

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