A vacina no Facebook:
temáticas, posicionamentos e atores no início da imunização contra a Covid-19 no Brasil
Charlene Carvalho Soares1, Luisa Massarani2,
Marcelo Alves dos Santos Junior3, Thaiane Oliveira4,
Lídia Raquel Herculano Maia5 e Geilson Fernandes de Oliveira6
Resumo
A aprovação das vacinas contra a Covid-19 no Brasil aconteceu em meio à politização da pandemia e às controvérsias na aquisição dos imunizantes. Sobre este contexto, realizamos uma análise do conteúdo e análise temática de 671 publicações compartilhadas no Facebook nos dias 16 e 17 de janeiro de 2021 – datas históricas que marcaram a aprovação da vacina pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e o início da campanha de vacinação no país –, com o objetivo de investigar os principais posicionamentos e temáticas que emergem no debate público on-line a respeito da vacina contra a Covid-19, em diferentes tipologias de perfis de usuários. A partir da análise, verificamos a predominância de um posicionamento positivo a respeito das vacinas nas datas mencionadas e o uso do Facebook para o compartilhamento de informações sobre os imunizantes. Identificamos também uma politização da discussão sobre o início da vacinação contra a Covid-19, especialmente em perfis com até mil seguidores, enquanto há um predomínio de mensagens sobre regulação em perfis maiores, que ultrapassam esse número. Nossos resultados reforçam a importância que os microinfluenciadores possuem no debate público contemporâneo, refletem o contexto de politização da pandemia e das vacinas no Brasil e reiteram o papel desempenhado pelo Facebook na circulação de informações sobre questões de saúde pública.
Palavras-chave
Vacina; Covid-19; Facebook; Politização; Pandemia.
1 Mestre em Sociologia pela Universidade Federal Fluminense. Pesquisadora do Instituto Nacional de Comunicação Pública da Ciência e Tecnologia (INCT-CPCT), Fundação Oswaldo Cruz. E-mail: charlenesoaresufrj@gmail.com.
2 Doutora na Área de Gestão, Educação e Difusão em Biociências pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Coordenadora do Instituto Nacional de Comunicação Pública da Ciência e Tecnologia (INCT-CPCT), Fundação Oswaldo Cruz. E-mail: luisa.massarani@fiocruz.br.
3 Doutor em Comunicação pela Universidade Federal Fluminense. Professor do Departamento de Comunicação Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. E-mail: marcelo_alves@puc-rio.br.
4 Doutora em Comunicação pela Universidade Federal Fluminense e professora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação pela mesma Instituição. E-mail: thaianeoliveira@id.uff.br.
5 Doutora em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Pesquisadora do Instituto Nacional de Comunicação Pública da Ciência e Tecnologia (INCT-CPCT), Fundação Oswaldo Cruz. E-mail: lidiarhmaia@outlook.com.
6 Doutor em Estudos da Mídia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Pesquisador do Instituto Nacional de Comunicação Pública da Ciência e Tecnologia (INCT-CPCT), Fundação Oswaldo Cruz. E-mail: geilson.fernandes@gmail.com.
The vaccine on Facebook:
themes, positions, and actors at the beginning of immunization against Covid-19 in Brazil
Charlene Carvalho Soares1, Luisa Massarani2,
Marcelo Alves dos Santos Junior3, Thaiane Oliveira4,
Lídia Raquel Herculano Maia5 and Geilson Fernandes de Oliveira6
Abstract
The approval of vaccines against Covid-19 in Brazil occurred amid the politicization of the pandemic and controversies in the acquisition of the immunizers. In that context, we carried out a content analysis and thematic analysis of 671 posts shared on Facebook on January 16 and 17, 2021, historical dates that marked both the approval of the vaccine by the Brazilian Health Regulatory Agency (Anvisa) and the beginning of the vaccination campaign in the country. The aim of the research was to investigate the main positionings and themes that emerged from the online public debate regarding the vaccine against Covid-19 in different types of user profiles. We verified the predominance of both a positive positioning regarding vaccines on the mentioned dates and the use of Facebook to share information about immunizers. We also identified a politicization of the discussion about the beginning of vaccination against Covid-19, especially in profiles with up to a thousand followers, while messages about regulation predominated in larger profiles that exceeded that number. Our results reinforce the importance of micro-influencers in contemporary public debate, reflect the context of politicization of the pandemic and the vaccines in Brazil, and reiterate the role played by Facebook in the circulation of information on public health issues.
Keywords
Vaccine; Covid-19; Facebook; Politicization; Pandemic.
1 Mestre em Sociologia pela Universidade Federal Fluminense. Pesquisadora do Instituto Nacional de Comunicação Pública da Ciência e Tecnologia (INCT-CPCT), Fundação Oswaldo Cruz. E-mail: charlenesoaresufrj@gmail.com.
2 Doutora na Área de Gestão, Educação e Difusão em Biociências pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Coordenadora do Instituto Nacional de Comunicação Pública da Ciência e Tecnologia (INCT-CPCT), Fundação Oswaldo Cruz. E-mail: luisa.massarani@fiocruz.br.
3 Doutor em Comunicação pela Universidade Federal Fluminense. Professor do Departamento de Comunicação Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. E-mail: marcelo_alves@puc-rio.br.
4 Doutora em Comunicação pela Universidade Federal Fluminense e professora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação pela mesma Instituição. E-mail: thaianeoliveira@id.uff.br.
5 Doutora em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Pesquisadora do Instituto Nacional de Comunicação Pública da Ciência e Tecnologia (INCT-CPCT), Fundação Oswaldo Cruz. E-mail: lidiarhmaia@outlook.com.
6 Doutor em Estudos da Mídia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Pesquisador do Instituto Nacional de Comunicação Pública da Ciência e Tecnologia (INCT-CPCT), Fundação Oswaldo Cruz. E-mail: geilson.fernandes@gmail.com.
Introdução
O novo coronavírus, que foi identificado no final de 2019, impôs um estado de emergência sanitária e se espalhou por todos os continentes, dizimando milhões de pessoas ao redor do mundo. Diante disso, houve um esforço mundial para o desenvolvimento de vacinas, no intuito de conter a rápida transmissão do vírus. No final de 2020, anunciou-se que a primeira vacina contra a Covid-19 estava pronta para o uso em humanos, sendo aplicada pela primeira vez em 8 de dezembro no Reino Unido.
No Brasil, a espera pela imunização durou pelo menos mais um mês. O atraso se deveu, em grande medida, à politização das vacinas desenvolvidas para o controle do vírus (RECUERO; SOARES, 2022). A aprovação aos imunizantes contra a Covid-19 no Brasil aconteceu, então, em meio a diversas controvérsias e disputas discursivas, que envolveram o Governo Federal, o Ministério da Saúde, agências e órgãos regulatórios, institutos de pesquisa, a comunidade científica e governos estaduais.
Nesse sentido, um marco importante para a compreensão dos temas em circulação a respeito das vacinas contra a Covid-19, no cenário brasileiro, foram os dias 16 e 17 de janeiro de 2021. O dia 16 foi caracterizado pelo clima de expectativa quanto à reunião da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), marcada para o dia seguinte, para deliberação quanto à liberação das vacinas CoronaVac (desenvolvida pelo laboratório Sinovac em parceria com o Instituto Butantan) e AstraZeneca (desenvolvida pela Universidade de Oxford em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz - Fiocruz).
Já no dia 17, aconteceu a votação que liberou o uso dos imunizantes e a vacinação da primeira brasileira: a enfermeira Mônica Calazans, que atuou na linha de frente cuidando de pacientes acometidos pela Covid-19, no Instituto Emílio Ribas (São Paulo-SP). A aplicação da vacina CoronaVac foi um ato simbólico realizado pelo então governador de São Paulo, João Dória, para dar início à campanha de vacinação contra a Covid-19 no Brasil.
Tal acontecimento gerou embates, que reverberaram nas redes sociais, entre o governo de São Paulo e o governo federal (MONARI; SACRAMENTO, 2021) que, após recusar reiteradas vezes a compra da CoronaVac (GRAMACHO; TURGEON, 2021) e até realizar campanhas questionando a eficácia da vacina (RECUERO; SOARES, 2022), passou a reivindicar a paternidade do imunizante (MONARI; SACRAMENTO, 2021) desenvolvido pelo Butantan.
Mesmo antes desse evento particular, as mídias sociais, que estão entre os principais canais de informação no Brasil (NEWMAN et al., 2021), têm sido marcadas por um excesso de informações, disputas de narrativa e notícias imprecisas ou falsas sobre o vírus e as vacinas contra a Covid-19, intensificando o que a Organização Mundial da Saúde (OMS) vinha chamando de “infodemia” (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2018). Diante desse quadro desinformativo, do alto número de óbitos e casos da doença no Brasil [1] e da baixa adesão às doses de reforço [2] das vacinas, a análise do debate público on-line sobre a aprovação e o início da vacinação no país continua relevante para entendermos o campo de disputa sobre a informação científica na contemporaneidade.
Apesar de alguns artigos apontarem a relevância de influenciadores digitais para a propagação de mensagens pró-vacina nas mídias sociais (MALIK; AWAN; SALEEM, 2020; BONNEVIE et al., 2021; DUCK et al., 2022; SSANYU et al., 2022), poucos são os estudos que se dedicaram a estudar os temas e os posicionamentos sobre vacina a partir de classificação de tipologias de perfis de usuários no contexto brasileiro. Diante disso, o objetivo deste estudo foi explorar os principais temas e posicionamentos, a respeito da vacina contra a Covid-19, em circulação no Facebook nos dias 16 e 17 de janeiro de 2021, entre diferentes tipologias de perfis dos usuários da plataforma. Para tanto, realizamos uma análise do conteúdo e análise temática de 671 publicações realizadas nessa rede social, nas datas mencionadas.
O Facebook é a rede social mais usada para consumo de informações no Brasil (NEWMAN et al., 2021) e, atualmente, conta com mais de 150 milhões de usuários no país (STATISTA, 2022a). Dado seu alcance no cenário brasileiro, essa rede social foi utilizada pela população para tratar de assuntos relativos à vacina contra a Covid-19 (SILVA; PIRES; PAIVA, 2022). Nesse contexto, o Facebook é essencial para a compreensão do panorama geral dos temas em circulação sobre as vacinas contra o novo coronavírus no Brasil. Mas, embora haja um conjunto de estudos dedicados ao recorte da desinformação quanto às vacinas nessa rede social (COSTA; SILVA, 2022; RECUERO; SOARES, 2022; DEODATO, 2022), há ainda uma lacuna de investigações quanto às principais temáticas que emergem na discussão pública, no Facebook, sobre o início da vacinação no país. Nosso estudo busca, então, contribuir com a construção de um panorama mais amplo sobre a questão.
A politização da pandemia e das vacinas contra a Covid-19 no Brasil
A politização de questões que envolvem a ciência e a saúde não é uma novidade, como evidencia o histórico de debates sobre temas como mudanças climáticas, aborto e planejamento familiar (FOWLER; GOLLUS, 2015). Focando especificamente na politização de questões médicas ou de saúde nos meios de comunicação, Fowler e Gollus (2015) indicam que uma das características desse processo é a integração de argumentos partidários ou símbolos políticos na apresentação pública da questão de saúde politizada.
Como resultado, os cidadãos tendem a interpretar o problema de saúde por meio de um viés político ou ideológico específico, o que pode ter consequências amplas para a confiança nas instituições epistêmicas e pode aumentar ou diminuir o apoio às decisões institucionais quanto à saúde individual e coletiva (FOWLER; GOLLUS, 2015). Tais consequências puderam ser constatadas na pandemia de Covid-19 (ALLCOTT et al., 2020; BOLSEN; PALM, 2022; CALVILLO et al., 2020; RECUERO; SOARES, 2022).
Nesse sentido, Allcott et al. (2020) identificaram, por exemplo, que diferenças partidárias interferiram nas crenças sobre os riscos representados pelo novo coronavírus e na aceitação ou rejeição às medidas de isolamento social nos EUA. Bolsen e Palm (2022), por sua vez, observaram que a politização contribuiu para a hesitação quanto às vacinas contra a Covid-19 nesse mesmo país. Estudos sugeriram ainda que as origens da politização em torno das vacinas Covid-19 estão relacionadas a pelo menos três fatores: declarações e opiniões de políticos proeminentes, cobertura midiática sobre a natureza do vírus e divisão partidária no discurso público sobre vacinação (HART; CHINN; SOROKA, 2020; MOTTA; STECULA; FARHART, 2020; BOLSEN; PALM, 2022).
No contexto brasileiro, a politização ocorreu desde os primeiros casos da doença, quando governadores resolveram aderir às recomendações da OMS, quanto às medidas restritivas relativas às atividades econômicas e sociais, e foram criticados pelo presidente Jair Bolsonaro e seus seguidores, em pronunciamentos na mídia tradicional e nas redes sociais (MONARI; SANTOS; SACRAMENTO, 2020). Bolsonaro chegou a comparar a Covid-19 a uma “gripezinha”, afirmou que a crise sanitária provocada pelo coronavírus era “fantasia” propagada pela mídia e que havia “histeria” nas ações de combate à pandemia (SOARES et al., 2021).
Divergindo do posicionamento adotado por Bolsonaro, o então ministro da saúde, Henrique Mandetta, endossou as medidas sugeridas pela OMS e se recusou a recomendar o uso da hidroxicloroquina no combate ao coronavírus – o que, junto a outros fatores, acabou provocando sua demissão do cargo em abril de 2020 (MONARI; SANTOS; SACRAMENTO, 2020). Assim como ele, seu sucessor, Nelson Teich, também foi pressionado pelo presidente para recomendar medicamentos sem comprovação científica no enfrentamento da pandemia, o que resultou em um pedido de afastamento, após menos de um mês no cargo (MONARI; SANTOS; SACRAMENTO, 2020).
Em busca de um ministro que se alinhasse à sua condução política da crise pandêmica, Bolsonaro nomeou ao cargo Eduardo Pazuello, um general do exército. Pazuello foi o que mais tempo ficou no cargo durante a pandemia, seguindo ordens de Bolsonaro à risca e fazendo coro aos seus discursos. Em uma das exibições mais emblemáticas de submissão ao presidente, o ministro afirmou: “É simples assim: um manda e o outro obedece” [3], referindo-se ao cancelamento do protocolo para a compra de 46 milhões de doses da CoronaVac, realizado a pedido de Jair Bolsonaro (MONARI et al., 2021).
Assim, em um ato político-ideológico, de ataque à China e ao governador João Dória (que liderou as negociações para a parceria entre o laboratório Sinovac e o Instituto Butantan), o presidente desautorizou o então ministro da saúde e disse que não compraria a “vacina da China” [4] (MONARI et al., 2021). No segundo semestre de 2020, o presidente também interferiu na Anvisa, indicando militares para cargos de diretoria no órgão (LELLES, 2021).
Essas disputas políticas podem ter interferido nas percepções criadas pela população em torno dos imunizantes, como mostram os resultados obtidos por Gramacho e Turgeon (2021), por meio de um questionário aplicado junto a 2.771 brasileiros para medir o nível de aceitação das vacinas contra a Covid-19 considerando-se o país de origem delas. Nessa pesquisa, os autores observaram que, embora houvesse, no geral, uma predisposição dos respondentes em aderir à vacinação contra a Covid-19, havia, especialmente entre os apoiadores do presidente Bolsonaro, um sentimento de rejeição à vacina de origem chinesa. O estudo foi ao encontro do que havia sido apresentado por Recuero e Soares (2022), que apontaram que o enquadramento político da pandemia e das vacinas foi decisivo para a formação de uma campanha de desinformação contra a CoronaVac nas redes sociais, especialmente no Facebook e Twitter.
A circulação de conteúdos sobre saúde no Facebook
Atualmente, mesmo após quedas recentes no número de inscritos, o Facebook é a rede social mais acessada no mundo, com mais de 2 bilhões de usuários ativos mensais (STATISTA, 2022b). Trata-se, portanto, de uma rede social que apresenta considerável relevância no cenário comunicativo global e que tem sido frequentemente empregada no desenvolvimento de estratégias de promoção da saúde pública em diferentes contextos (HUDNUT-BEUMLER; PO'E; BARKIN, 2016; WELCH et al., 2016; GABARRON; WYNN, 2016; CADAXA; SOUSA; MENDONÇA, 2015; MIRANDA; ROCHA, 2018).
Durante a pandemia de Covid-19, essa rede social foi utilizada por instituições e atores políticos e de saúde, em diversos países, para a disseminação de informações sobre o vírus, incluindo orientações quanto à prevenção e controle da doença (RAAMKUMAR; GUAN TAN; LIN WEE, 2020). Para além de páginas institucionais que possuem milhares de seguidores, estudos recentes mostraram que houve aumento na eficácia dos microinfluenciadores e influenciadores domésticos, com um baixo número de seguidores, mas alto alcance junto a um público fidelizado, que durante a pandemia se tornaram atores centrais para alcançar os destinatários no Facebook (TRZISZKA, 2021).
No contexto brasileiro, Silva, Pires e Paiva (2022) observaram que a página do Ministério da Saúde no Facebook se tornou um espaço importante para que fossem ofertadas informações aos cidadãos quanto aos imunizantes contra a Covid-19 e para que esses últimos pudessem expressar suas dúvidas sobre a vacina, compartilhar notícias com amigos e familiares e mostrar suas percepções quanto às ações tomadas pelo Ministério frente à imunização. Em estudo sobre o debate em torno das vacinas no Instagram e Facebook, durante a pandemia, especificamente entre 1 de janeiro de 2020 e 31 de dezembro de 2021, localizamos quase 3 milhões de publicações sobre o assunto somente nessa última rede mencionada (CARVALHO et al., 2022). Esse resultado aponta para a relevância do Facebook no ecossistema informacional sobre as vacinas no contexto pandêmico brasileiro.
Importa ressaltar, porém, que, nesse mesmo período, essa rede social também foi um dos canais mais utilizados no Brasil, para a circulação de desinformação a respeito do novo coronavírus e das vacinas contra a doença por ele causada (GALHARDI et al., 2020). Em análise sobre a circulação da desinformação quanto à Covid-19 no Facebook, Recuero et al. (2022) observaram que contas de políticos e atores hiperpartidários foram chave nessa disseminação de conteúdos falsos sobre a pandemia. Em outro estudo, com foco no Twitter e Facebook, Recuero e Soares (2022) observaram que as discussões sobre as vacinas no Brasil foram polarizadas e reduzidas a questões de filiação política. Esse fenômeno, de tratamento do problema de saúde pública como questão política, repetiu-se em outros países do mundo, desencadeando debates públicos polarizados em redes sociais (CALVILLO et al., 2020; CLARKE; KLAS; DYOS, 2021; BOLSEN; PALM, 2022).
Procedimentos metodológicos
Com o intuito de entender as principais temáticas, posicionamentos e argumentos que emergiram nas publicações sobre vacinas contra a Covid-19 no Facebook, no contexto da aprovação e início da imunização no Brasil, realizamos uma busca nessa rede por descritores associados à questão vacinal, a saber: vacina, vacinas, vacinar, vacinei, vacinou, vachina, vacinação, vacinal, vacinada, vacinadas, vacinados, vacinado, v4c1n4, coronavac, pfizer, janssen e astrazeneca.
Foram coletadas as postagens realizadas nos dias 16 e 17 de janeiro de 2021, dias que representam o pico de postagens sobre o assunto num período de dois anos, referente ao intervalo de 1 de janeiro de 2020 a 31 de dezembro de 2021 (CARVALHO et al., 2022). As postagens foram coletadas no dia 3 de janeiro de 2022, por meio da interface gráfica do Crowdtangle. A extração considerou posts em páginas públicas no Facebook indexados pelo sistema.
Durante o processo de extração, foram coletadas 18.417 publicações no Facebook, que somaram 15.671.490 interações. Optamos pela seleção do corpus de forma randômica, levando-se em consideração a tipologia de perfis dos usuários da plataforma, sendo estes classificados a partir do número de seguidores (BITENCOURT; CASTELHANO; LOPES, 2021).
Para o estudo, foram sorteadas, de maneira aleatória, 100 publicações de cada perfil de usuário, de acordo com os sete intervalos de seguidores a seguir: Mega - acima de 1 milhão de seguidores; Macro - entre 100 mil e 1 milhão; Micro - entre de 20 mil e 100 mil; Nano A - entre 5 mil e 20 mil; Nano B - entre 1 mil e 5 mil; Domestic - entre 500 e 1 mil; e Seasonal [5] - abaixo de 500 (BITENCOURT; CASTELHANO; LOPES, 2021). Foram excluídas do corpus as publicações duplicadas, textos em outros idiomas, diferentes do português brasileiro, e posts cujos textos já não estavam mais disponíveis na plataforma. O corpus final da pesquisa foi de 671 publicações.
Para o desenvolvimento do estudo, foram coletadas as seguintes informações: nome dos usuários/autores das postagens, mensagens, total de interações e links dos posts. Os processos seguintes foram: a) classificação dos perfis e b) criação de categorias de análise. Como mencionado anteriormente, os perfis foram classificados a partir do número de seguidores (BITENCOURT; CASTELHANO; LOPES, 2021).
Para a análise dos posts, foram propostas duas categorias: temas e posicionamentos. As variáveis temáticas foram definidas a partir de uma primeira análise qualitativa temática (NEUENDORF, 2019) das publicações, o que nos permitiu agrupá-las conforme os temas presentes nos posts a respeito da vacina contra a Covid-19. Já os posicionamentos, foram classificados a partir da Análise de Conteúdo, entendida como um conjunto de técnicas que visa obter indícios, por meio de procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, para a produção de inferências sobre essas mensagens.
A Análise de Conteúdo permite a associação da análise qualitativa dos elementos do corpus, de forma individualizada, com uma sistematização de dados quantitativos, por meio da categorização do conteúdo previamente definido que é compatível com o volume de dados do estudo (FRAGOSO; RECUERO; AMARAL, 2011). Já na Análise Temática, as categorias emergem a partir do próprio corpus de maneira indutiva (NEUENDORF, 2019).
Optamos, assim, por uma metodologia mista, em que a análise qualitativa de cada publicação coletada foi combinada a uma quantificação das regularidades temáticas emergentes nesses posts. Posteriormente as publicações foram classificadas a partir dos posicionamentos presentes nos textos em relação à vacina. Foram criadas 12 variáveis de análise que levaram em consideração as características do corpus selecionado para o estudo e os assuntos abordados junto à questão vacinal. Cada post foi codificado com apenas uma variável. No Quadro 1, descrevemos as temáticas identificadas a partir da análise do corpus.
Quadro 1 - Variáveis Temáticas
Variáveis | Descrição |
1 - Regulamentação da vacina | Posts com informações sobre o processo de aprovação das vacinas por órgãos governamentais (Anvisa, Comissão Técnica Nacional de Biossegurança - CTNBio, Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação – MCTI, entre outros). |
2 - Politização das vacinas | Posts que abordam temáticas políticas, disputa de narrativas políticas sobre a vacina, disputa entre os Estados e o Governo Federal pelo pioneirismo na vacinação, fraude na compra das vacinas, campanhas políticas e a vacinação. |
3 - Vacina no braço | Posts com informações/manifestações sobre a primeira pessoa vacinada em âmbito Federal, Estadual ou Municipal. |
4 - Comemoração | Posts com mensagens de comemoração pela chegada da vacina e pela vacinação. |
5 - Expectativa | Posts que tratam da expectativa da população pela chegada da vacina e pela vacinação. |
6 - Implementação da vacinação | Anúncios institucionais/governamentais do início da vacinação e calendário da vacinação nos âmbitos Federal, Estadual e Municipal. |
7 - Logística | O trânsito/transporte da vacina, cadeia de distribuição até a chegada nos postos de saúde (Unidade Básica de Saúde – UBS)/vacinação. |
8 - Efetividade da vacina | Posts que tratam sobre a efetividade/eficácia da vacina. Informações sobre a eficácia e o nível de eficácia da vacina ou questionamentos sobre a eficácia das vacinas. A vacina funciona? A vacina não funciona? Qual a sua eficácia? |
9 - Desdobramento pós-vacina | Publicações que apontam desdobramentos da vacina, tais como: combate à comercialização de vacinas falsificadas e o retorno à normalidade. |
10 - Marketing | Posts comerciais e de venda de artigos diversos com menções à vacina. |
11 - Vacina sem ser Covid-19 | Mensagens que tratam sobre outras vacinas que não são contra a Covid-19. |
12 - Outros | Posts de assuntos diversos que não são necessariamente relacionados à vacina, mas que fazem menções aos imunizantes, como por exemplo: #vacina. |
Fonte: Elaborado pelos autores (2022).
Na categoria posicionamento, classificamos a posição dos usuários, quanto à vacina, em três variáveis: “a favor” para as postagens com valência positiva; “contra”, para as publicações com valência negativa, e “neutro” para as publicações em que não se emitiu juízo de valor sobre a vacina.
Resultados
Os resultados evidenciam que a discussão sobre o início da vacinação contra a Covid-19 no Facebook girou em torno da questão da regulação dos imunizantes e foi tratada como um assunto político. Assim, os principais temas abordados nas postagens foram a "regulamentação" (25,9%) e a "politização das vacinas" (24,3%): juntas, as duas variáveis reuniram 50,2% dos posts. Em terceiro lugar, apareceu a variável “vacina no braço”, representando 13,7% das publicações. Na sequência, “implementação da vacinação” com 11,6% dos posts analisados. A Tabela 1 apresenta em detalhes a distribuição das postagens por variáveis temáticas.
Tabela 1 - Distribuição das postagens por variáveis temáticas
Variáveis Temáticas | Número de publicações | Percentual |
1 Regulamentação da vacina | 174 | 25,9% |
2 Politização das vacinas | 163 | 24,3% |
3 Vacina no braço | 132 | 13,7% |
4 Implementação da vacinação | 78 | 11,6% |
5 Logística | 47 | 7,0% |
6 Comemoração | 45 | 6,7% |
7 Desdobramentos pós-vacina | 13 | 1,9% |
8 Vacina sem ser Covid-19 | 8 | 1,2% |
9 Efetividade da vacina | 8 | 1,2% |
10 Marketing | 7 | 1,0% |
11 Expectativa | 6 | 0,9% |
12 Outros | 30 | 4,5% |
Fonte: Elaborado pelos autores (2022).
As publicações em torno da “regulamentação da vacina” (variável 1) destacaram o papel da Anvisa como principal responsável pelo processo de avaliação da qualidade, eficácia e segurança dos imunizantes – CoronaVac (produzido pelo Butantan) e AstraZeneza / Oxford (produzida pela Fiocruz) – que foram avaliados no dia 17 de janeiro de 2021. Já a temática “vacina no braço” (variável 3) circulou logo após a enfermeira Mônica Calazans ser vacinada em São Paulo. Muitas dessas postagens estavam alinhadas à temática “comemoração” (variável 6) em relação à aprovação das vacinas e à vacinação da primeira brasileira.
O acontecimento teve como desdobramento a “politização das vacinas” (variável 2), marcada por uma disputa de protagonismo entre João Dória e Eduardo Pazuello, que afirmou que o governo federal financiou integralmente a vacina produzida pelo Butantan e que, portanto, seria o principal responsável pelo imunizante. Tais disputas reverberaram no Facebook, como mostra a publicação a seguir: “[...] Pazuello critica Doria e chama vacinação de ‘jogada de marketing’” [6] (METRÓPOLES BRASIL, 2021). João Dória, por sua vez, despontou nas capas de jornais e revistas e na timeline das redes sociais ao lado de Mônica Calazans (Figura 1), conquistando, assim, o crédito pelo feito.
Figura 1 - Imagem da primeira brasileira vacinada contra Covid-19
Fonte: Captura de tela do Facebook (2022).
Em “politização das vacinas”, apareceram ainda críticas à inércia do governo na compra/aquisição dos imunizantes, à falta de um plano de vacinação e à falta de planejamento para a distribuição das vacinas nos estados e municípios. Importa ressaltar que perfis menores se destacaram nesse tratamento politizado do assunto, enquanto perfis maiores se debruçaram na questão da “regulamentação da vacina”.
Assim, 54,7% das publicações realizadas pelos perfis Seasonal e 47,4% das compartilhadas por perfis domestic abordaram o assunto pelo viés político (Tabela 2). Esses dois tipos de perfis são caracterizados pelo baixo número de seguidores e de interações.
Tabela 2 - Principais variáveis temáticas por perfis de usuários
Intervalo de Seguidores | Regulamentação da vacina | Politização das vacinas | Vacina no braço | Implementação da vacinação | Logística | Total |
Mega | 31,8% (27) | 22,4% (19) | 18,8% (16) | 16,5% (14) | 10,6% (9) | 100% (85) |
Macro | 30,1% (25) | 21,7% (18) | 14,5% (12) | 20,5% (17) | 13,3% (11) | 100% (83) |
Micro | 34,2% (27) | 22,8% (18) | 17,7% (14) | 15,2% (12) | 10,1% (8) | 100% (79) |
Nano A | 34,6% (28) | 14,8% (12) | 19,8% (16) | 19,8% (16) | 11,1% (9) | 100% (81) |
Nano B | 38,4% (28) | 24,7% (18) | 17,8% (13) | 11,0% (8) | 8,2% (6) | 100% (73) |
Domestic | 25,6% (20) | 47,4% (37) | 12,8% (10) | 10,3% (8) | 3,8% (3) | 100% (78) |
Seasonal | 25,3% (19) | 54,7% (41) | 14,7% (11) | 4,0% (3) | 1,3% (1) | 100% (75) |
Fonte: Elaborado pelos autores (2022).
Alguns usuários utilizaram a aprovação e implementação da vacina também para a promoção da imagem de lideranças estaduais e municipais, mas sem necessariamente tratar o tema por um viés político. Nesses perfis, foram publicadas informações sobre a “implementação da vacinação” e “logística” (variáveis 4 e 5), sobre a atuação de lideranças, organizações, órgãos de governo, prefeitos, deputados e vereadores no combate à pandemia, em busca de vacinas, na gestão e implementação de programas de imunização.
No que se refere ao posicionamento, a ampla maioria dos posts analisados era favorável à vacina (87,5%), enquanto 10,7% neutros e 1,8% contra a vacinação (Figura 2).
Figura 2 - Posicionamento quanto às vacinas
Fonte: Elaborado pelos autores (2022).
Conforme observamos no diagrama a seguir (Figura 3), as mensagens favoráveis à vacina defenderam a eficácia dos imunizantes, usando argumentos como: “aprovado pela Anvisa”, “comprovado cientificamente” e “eficácia comprovada”. Os textos destacaram a atuação da Anvisa, do Instituto Butantan e da Fiocruz, instituições cuja credibilidade foi defendida quase que unanimemente (exceto pelas postagens contrárias) nas mensagens sobre os processos de regulamentação, desenvolvimento e produção dos imunizantes.
Assim, as mensagens favoráveis apresentaram as temáticas de “comemoração” pela “vacina no braço” e pela “regulamentação” dos imunizantes, além de discorrerem sobre a “implementação da vacinação”, “logística”, “efetividade” e “desdobramentos pós-vacina”. Já as mensagens neutras, por sua vez, destacaram, sobretudo, informações sobre a “regulamentação das vacinas”, assumindo um tom informativo, como exemplificou a seguinte mensagem: “Anvisa decide hoje sobre uso emergencial das vacinas de Oxford e CoronaVac” (Mandato Coletivo Ativista, 17-01-2021). Enquanto isso, as mensagens contrárias exploraram o assunto principalmente pelo viés da “politização das vacinas”.
Figura 3 - Diagrama de relação entre temáticas e posicionamentos
Fonte: Elaborada pelos autores com base nos dados coletados no Facebook [7] (2022).
Não obstante, é válido ressaltar que a variável “politização das vacinas” apareceu nos três tipos de posicionamento quanto à vacinação (a favor, contra e neutro), como exemplificam as mensagens abaixo:
Quadro 2 - Tipos de posicionamento quanto à vacinação
Mensagem a favor: "O Governador de São Paulo, João Doria, que desempenha brilhantemente o papel de PRESIDENTE DA REPÚBLICA, acaba de vacinar a primeira brasileira com a #VacinaDoBrasil a coronavac foi aprovada a pouco pela ANVISA, e já começou a vacinação em SP. [...]." (Vitinho, 17-01-2021). |
Mensagem neutra: "Alguns internautas estão questionando se o choro do político Doria no momento da vacina foi verdadeiro. Dê a sua opinião." (A Voz do Porto da Pedra, 17-01-2021). |
Mensagem contrária: "Sabe a mulher que foi vacinada hoje? Ela já tinha tomado a vacina antes. Doria fez teatro? Como mentira é seu sobrenome, eu continuo a não acreditar nessa vachina 50%." (Mobilização Direita Ceará, 17-01-2021). |
Fonte: Elaborada pelos autores.
A primeira mensagem desse conjunto de posts apresentou posicionamento favorável à vacina. Além disso, exaltou a atuação do então governador João Dória na pandemia, trazendo uma expressão (“desempenha brilhantemente o papel de PRESIDENTE DA REPÚBLICA") que demonstrava o antagonismo protagonizado por ele e Jair Bolsonaro naquele período, e uma hashtag (#VacinaDoBrasil), que apontava para a disputa de narrativas sobre a origem da CoronaVac. Já a segunda mensagem, abordava a vacina de modo neutro, mas colocava em dúvida o choro de Dória no ato simbólico da vacinação. Por último, a terceira mensagem atacava o então governador e demonstrava posicionamento contrário à CoronaVac, enquadrada como “vachina”.
Assim, entre os argumentos mais utilizados nas mensagens contrárias à CoronaVac estava a associação com a China que, de acordo com os discursos, seria a responsável pela pandemia. Entre as menções encontradas nesses posts estavam expressões como “vírus chinês”, “vacina da china” e “vachina”, que refletem a xenofobia demonstrada pelo presidente brasileiro em relação a esse país.
Além da politização, algumas postagens contrárias à vacina apresentaram a desinformação como estratégia narrativa, com informações falsas, distorcidas ou fora de contexto. Houve mensagens que questionavam a eficácia dos imunizantes e defendiam medicamentos não cientificamente comprovados para o tratamento da Covid-19, que supostamente seriam mais eficazes do que a vacina, como demonstra o post a seguir: “Vc conhece alguém que fez uso do tratamento preventivo contra o vírus chinês e veio falecer? Quer tomar a vacina? Eu dou meu lugar para vc, mas não critique aqueles que estão fazendo uso do tratamento preventivo pois está dando certo” (Jefferson Almeida, 17-01-2021).
Por outro lado, importa destacar também que o posicionamento favorável ou neutro em relação às vacinas estava presente mesmo entre aqueles que apoiam o governo Bolsonaro, como exemplifica a mensagem a seguir, postada em página de apoio à primeira-dama: “Ministério da Saúde mostra documentos, que comprovam pagamentos do estudo da Coronavac com recursos Federais - Imprensa Brasil” (Apoio a Michele Bolsonaro, 17-01-2021). Assim, o ajustamento discursivo do Governo Federal em relação à CoronaVac também se deu nas redes sociais, em diferentes tipologias de perfis de usuários, que seguiram a mesma linha de atribuir a paternidade do imunizante à gestão de Jair Bolsonaro.
Discussão
A ampla maioria das mensagens analisadas apresentou posição favorável às vacinas. As publicações mostraram que houve comemoração pelo início da vacinação e que o Facebook foi usado, por diversos perfis de usuários, para o compartilhamento de informações sobre a regulamentação, a implementação e a logística da vacinação. Esse resultado corrobora o estudo de Silva, Pires e Paiva (2022), que observaram o uso dessa rede social como uma ferramenta importante para a obtenção e compartilhamento de informações relacionadas à vacinação contra Covid-19 no país.
Ainda assim, mesmo entre mensagens favoráveis e neutras, a politização das vacinas estava presente, em posts que questionavam a atuação do Governo Federal durante a pandemia ou buscavam discutir o mérito do Ministério da Saúde no início da vacinação no Brasil. Tais publicações refletem as disputas políticas que envolveram o então governador João Dória e o presidente Jair Bolsonaro (RECUERO; SOARES, 2022; MONARI; SANTOS; SACRAMENTO, 2020). Se, ao longo de 2020, o presidente assumia uma postura de rejeição à CoronaVac (MONARI et al., 2021), a partir da regulação e início da vacinação, houve uma transformação no discurso oficial e a paternidade da vacina passou a ser contestada por ele e seu ministro da saúde (MONARI; SACRAMENTO, 2021), o que reverberou nas mensagens de seus apoiadores no Facebook.
Importa ressaltar que a politização da vacina foi pulverizada nas redes sociais a partir de perfis pequenos e locais, com baixo número de seguidores, enquanto nos perfis maiores a predominância temática era em relação ao debate sobre a regulamentação da vacina. Esse resultado se contrapõe ao estudo de Recuero e Soares (2022), que apontava uma tendência de politização em perfis maiores de políticos, atores hiperpartidários e celebridades. Esse resultado diferenciado pode estar relacionado aos dois dias específicos analisados neste estudo. Por outro lado, nosso estudo ratifica os achados desses autores no que se refere ao antagonismo Bolsonaro versus Dória e China. Assim, argumentos partidários foram utilizados na discussão pública sobre a regulação e início da vacinação no país, interferindo no modo como alguns usuários trataram o assunto no Facebook.
Fowler e Gollus (2015) comentam que tal processo pode diminuir o apoio dos cidadãos quanto às decisões institucionais relacionadas à saúde individual e coletiva. Assim, observamos em nosso estudo que a discriminação de vacinas com base em questões político-ideológicas, por parte do Governo Federal (GALHARDI et al., 2022), resultou em resistência de alguns usuários quanto à CoronaVac. Esse resultado corrobora o estudo de Gramacho e Turgeon (2021), que observaram, entre os apoiadores de Jair Bolsonaro, sentimentos de rejeição quanto às vacinas desenvolvidas em parceria com a China. O fato de que tais mensagens tenham apresentado desinformação reforça os achados de Recuero et al. (2022), que observaram, nos discursos desinformativos, a tendência de enquadramento da pandemia por um viés político.
Considerações Finais
A análise das publicações compartilhadas no Facebook nos dias 16 e 17 de janeiro de 2021 possibilitou a identificação dos principais temas e posicionamentos que emergiram no debate público on-line a respeito da vacina contra a Covid-19, em diferentes tipologias de perfis de usuários. Verificou-se que predominou um posicionamento positivo a respeito das vacinas nas datas analisadas. Já em relação às temáticas, destacaram-se sobretudo mensagens sobre a regulamentação dos imunizantes (25,93%) e publicações que abordaram o assunto por um viés político (24,29%) - as primeiras estavam presentes especialmente em perfis maiores e as segundas puderam ser constatadas principalmente em perfis menores. O Facebook foi utilizado também para a disseminação de informações sobre o acontecimento histórico da primeira pessoa a ser vacinada (13,71%), sobre a implementação (11,62%) e logística da vacinação (7,0%).
Nossos resultados reforçam a importância que os microinfluenciadores possuem no debate público contemporâneo (TRZISZKA, 2021), refletem o contexto de politização da pandemia e das vacinas no Brasil e reiteram o papel desempenhado pelo Facebook na circulação de informações sobre questões de saúde pública, especialmente em tempos de pandemia. Tais achados apontam para a necessidade de não restringir o debate sobre as vacinas a alguns poucos perfis institucionais ou de maior engajamento.
Notas
[1] Dados disponíveis em World Health Organization (2022).
[2] Embora o Brasil tenha alcançado alto percentual de vacinação contra a Covid-19 em comparação com outros países (cerca de 80% da população), segundo dados do consórcio de veículos de imprensa, apenas 47,79% da população brasileira tomou a dose de reforço contra a Covid-19 (CONSÓRCIO DE VEÍCULOS DE IMPRENSA, 2021).
[3] Vídeo com trecho da fala do ministro, disponível em: <https://bit.ly/3ZP1DTu>. Acesso em: 07 out. 2022.
[4] Uma cronologia da disputa entre Bolsonaro e Dória, em torno da vacina contra a Covid-19. Disponível em: <https://glo.bo/3w99CwG>. Acesso em: 26 set. 2022.
[5] O perfil de tipo Seasonal tinha um total de 95 publicações nas datas selecionadas para a pesquisa, todas as quais foram incluídas na amostra, que não atingiu 100 unidades de análise neste recorte. Por isso, iniciamos a análise do material com um total de 695 posts e não 700. Destes 695, 24 foram excluídos em função dos critérios apontados no texto.
[6] A grafia de todas as mensagens, utilizadas como exemplo para este artigo, foi mantida tal qual publicada no site consultado, incluindo erros gramaticais.
[7] Após a classificação de Análise de Conteúdo e Análise Temática, os dados foram importados para o site Flourish, para a geração da visualização do diagrama 3.
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Financiamento
Este artigo foi realizado no escopo do Instituto Nacional de Comunicação Pública da Ciência e Tecnologia, com apoio da Faperj e do CNPq. Conta com apoio do edital CNPq - PROEP - COC, PPSUS e ARC. Massarani e Oliveira agradecem ao CNPq respectivamente pela Produtividade em Pesquisa 1B e 2; Maia e Fernandes, pela DTI-A. Massarani, Oliveira e Soares agradecem à Faperj pelo Cientista do Nosso Estado, Jovem Cientista do Nosso Estado e TCT5.