Transformações nas rotinas
produtivas na televisão pública:
o trabalho dos jornalistas da TVE-RS durante
a pandemia de Covid-19
Lírian Sifuentes1, João Vicente
Ribas2, Charles F.
Almeida3 e Lívia
Guilhermano4
1 Doutora em Comunicação
(PUCRS), pesquisadora de pós-doutorado (PPGCOM/UFRGS), jornalista da TVE-RS.
E-mail: lisifuentes@yahoo.com.br.
2 Doutor em Comunicação
(PUCRS), professor da Universidade de Passo Fundo (UPF). E-mail:
jvribas@upf.br.
3 Mestre em Comunicação
(Unisinos), doutorando (PPGCOM/UFRGS), jornalista da UFRGS. E-mail: charlesf.almeida@gmail.com.
4 Mestre em Comunicação
(UFRGS), repórter da TVE-RS. E-mail: liviaguilhermano@gmail.com.
Resumo
A pandemia de Covid-19 impactou diretamente nas rotinas dos jornalistas, tanto acentuando processos que já vinham ocorrendo quanto apresentando condições completamente novas, num contexto de difusão de notícias falsas, precarização do trabalho, digitalização das funções e de transformações nas relações com as fontes e com o público. Com esse cenário em vista, este artigo tem como objetivo analisar e registrar as mudanças ocasionadas pela pandemia de Covid-19 nas rotinas produtivas vivenciadas pelos profissionais do telejornal Redação TVE. O texto situa o fazer da TVE-RS na dimensão da comunicação pública, acionando a noção da complementaridade na comunicação, e mostra a relevância do contexto político e de extinção da Fundação Piratini no fazer jornalístico dos trabalhadores da emissora. Entrevistas com jornalistas que realizam diferentes funções no Redação TVE embasam a análise. Observamos que a necessidade de isolamento social provocou profundas transformações nos processos de construção de reportagens e de organização da equipe. A adoção do home office exigiu adaptações dos profissionais, que viram o trabalho invadir o espaço da vida pessoal. Destacamos, por fim, que numa realidade de crescentes incertezas, os entrevistados buscam manter a qualidade e a diversidade nos materiais que produzem, além de terem presente uma preocupação com o interesse público e com a função pública da emissora.
Palavras-chave
Telejornalismo; Covid-19; Rotinas Produtivas; TVE-RS; TV Pública.
Transformations
in productive routines of the public tv:
the work of TVE-RS’ journalists
in Covid-19 pandemic
Lírian Sifuentes1, João Vicente Ribas2, Charles F. Almeida3 e Lívia
Guilhermano4
1 Doutora em Comunicação
(PUCRS), pesquisadora de pós-doutorado (PPGCOM/UFRGS), jornalista da TVE-RS.
E-mail: lisifuentes@yahoo.com.br.
2 Doutor em Comunicação
(PUCRS), professor da Universidade de Passo Fundo (UPF). E-mail:
jvribas@upf.br.
3 Mestre em Comunicação
(Unisinos), doutorando (PPGCOM/UFRGS), jornalista da UFRGS. E-mail: charlesf.almeida@gmail.com.
4 Mestre em Comunicação
(UFRGS), repórter da TVE-RS. E-mail: liviaguilhermano@gmail.com.
Abstract
The
Covid-19 pandemic has impacted directly on journalists’ routines, first
accentuating processes that were already taking place and, then, presenting
completely new conditions, in a context of fake news dissemination, poor work
conditions, digitization of functions and transformations in the relationship
between journalists, sources and the public. Having this scenario in mind, this
article aims to analyze and register the changes motivated by the Covid-19
pandemic in production routines experienced by Redação
TVE’s journalists. The text places TVE-RS’s work in the dimension of public
communication, considering the notion of communication complementarity, and
shows the relevance of the political context, and the Fundação
Piratini extinction, in the journalistic work.
Interviews with professionals who perform different functions in Redação TVE support the analysis. We observed
that the need of social isolation has brought profound transformations in the
processes of reporting and the staff organization. The establishment of home
office has forced professionals to adapt, since their work has invaded on their
personal lives. We highlighted that, in a reality of growing uncertainty, the
interviewees seek to maintain the quality and diversity of their product. At
the same time, they are concerned with the public interest and with the
broadcaster’s public mission.
Keywords
TV Journalism; Covid-19; Productive Routines; TVE-RS;
Public TV.
Introdução
Desde março de 2020, as
pessoas ao redor do globo foram impactadas de diferentes formas e precisaram se
adequar à nova realidade trazida pela pandemia de Covid-19. Para os jornalistas
não foi diferente. Os profissionais adaptaram suas rotinas de trabalho e o
produto final também se transformou. Devido à urgência de informações
qualificadas sobre uma doença desconhecida que se alastrou pelo mundo em pouco
tempo, o jornalismo não paralisou suas atividades, mesmo em meio a medidas de
emergência que exigiram quarentena e isolamento social. As tecnologias digitais
e o trabalho remoto logo se estabeleceram como uma maneira viável de fazer e
imprescindível, acentuando um processo que já vinha acontecendo desde o início
do século XXI.
O período de pandemia e de
disseminação de fake news (LOU, 2020) pode ter contribuído para um
resgate da importância do jornalismo, com “grandes portais, jornais, rádios e
emissoras de televisão bate[ndo] recordes de público” (AMARAL, 2020, p. 13).
Porém, é preciso pontuar que há uma desigualdade das notícias no país,
apresentando dificuldades em certas regiões. Além disso, e de modo especial
relacionado ao tema deste artigo, também existem disparidades sobre algumas
perspectivas de terem acesso e visibilidade nos meios de comunicação. Nesse
sentido, há um espaço importante para o desenvolvimento da atividade
jornalística em emissoras públicas. “Cabe também lembrar do desmonte da
comunicação pública no Brasil, e a necessidade de ela ser reestruturada em
outras bases para que seja acionada em momentos importantes como este” (AMARAL,
2020, p. 14).
Após quase dois anos sem
telejornal diário[1], a TVE-RS estreou o Redação TVE, no dia 16 de março
de 2020, em dois horários: 13h45min, com duração de 15 minutos; e 18h30min, com
duração de 30 minutos. Com dois dias de exibição do novo telejornal, devido a
um caso suspeito de Covid-19 entre os funcionários, as atividades foram
suspensas e o jornal ficou fora do ar por três dias. Abriu-se um momento de
debates entre trabalhadores e gestores sobre como viabilizar o trabalho e as
exibições do telejornal com segurança para os funcionários. Logo depois as duas
edições acabaram voltando ao ar, em seus respectivos horários e cada uma com a
mesma duração anterior[2], em 23 de março. A maior parte da equipe passou a
trabalhar de casa. Essas mudanças e tensionamentos decorrentes da pandemia, em
um contexto de retomada do telejornalismo diário na TVE-RS, motivam este
estudo.
Dessa forma, o objetivo
desta pesquisa é registrar e analisar a) como os profissionais do Redação
TVE se adequaram às mudanças trazidas pela pandemia para manter o
telejornal no ar diariamente; b) quais os impactos da nova rotina no produto
que foi ao ar na perspectiva dos jornalistas entrevistados; e c) como o caráter
público da emissora esteve presente no trabalho jornalístico durante a pandemia
de Covid-19. Para esse propósito, realizamos entrevistas com jornalistas de
diferentes funções, buscando coletar informações e conhecer as percepções sobre
a experiência de trabalho nesse período.
Pensamos os processos no
telejornalismo como uma prática contextual e situada. Seguimos a abordagem
proposta por Escosteguy (2012, p. 26), que visa “detectar valores e normas que
regem uma prática jornalística que está sujeita a variações que decorrem de um
determinado contexto sociocultural, político e econômico, das possibilidades
tecnológicas vigentes, de seu reconhecimento social”. Entendemos que estudar as
práticas jornalísticas implica investigar os modos como os processos sociais se
transformam em formas culturais pela atividade prática (ESCOSTEGUY, 2012). Esse
fazer envolve condições de trabalho, divisão de tarefas, comprometimentos,
enfim, uma gama de aspectos relativos ao jornalista enquanto trabalhador da
mídia. Nesse sentido, Figaro (2020) alerta para a precarização da atividade
jornalística, processo possivelmente acentuado com a pandemia.
Considerando os objetivos
deste estudo e o embasamento que adotamos, o artigo traz a seguir duas seções
teóricas. Discutimos, primeiramente, a inserção das TVs públicas no Brasil e o
contexto em que a TVE-RS se situa. Na sequência, abordamos as rotinas
produtivas do telejornalismo, em processo permanente de transformações, e que
foram aprofundadas em tempos de Covid-19. Após, apresentamos a análise das
entrevistas realizadas com jornalistas do Redação TVE, relatando suas
práticas diárias, as adaptações experienciadas ao longo de 18 meses e suas
opiniões sobre o telejornal que produzem. Por fim, tecemos considerações finais
sobre a importância do telejornalismo na TVE-RS, sua relação com o caráter
público da emissora e as contribuições dos trabalhadores na manutenção do
telejornal em tela.
TVE-RS e o princípio de
complementaridade da comunicação pública
As emissoras públicas
atuam com foco no interesse público, articulado à participação democrática da
audiência, acionada pelo viés da cidadania, muitas vezes ausente das emissoras
comerciais e do discurso estatal. De tal modo,
Os meios públicos de comunicação, como rádios e
televisões públicas e as próprias redes sociais e sites, são lugares de
circulação de dois discursos. De um lado, o discurso publicitário e estratégico
dos governantes e, por outro, o registro do fazer política e governar ordenados
por valores da comunicação pública (WEBER et al., 2019, p. 40).
A comunicação pública no
Brasil está embasada na garantia que lhe confere o Art. 223 da Constituição
Federal (BRASIL, 1988), que trata da complementaridade entre os sistemas
privado, público e estatal. De acordo com Santos (2016, p. 37), no Brasil
prevaleceu o convívio de um sistema de emissoras comerciais “de modo geral com
frágeis compromissos com o interesse público e grande apelo comercial; e
emissoras públicas altamente comprometidas com valores culturais e com o accountability
midiático”. Outra legislação que reforça o caráter público das emissoras com
essa outorga é a Lei 11.652, de 7 de abril de 2008 que, além de criar a Empresa
Brasileira de Comunicação, institui os princípios e objetivos dos serviços de
radiodifusão pública. O inciso VIII do Art. 2º, por exemplo, trata da autonomia
do sistema público de radiodifusão em relação ao Governo Federal para definir
produção, programação e distribuição de conteúdo.
Se a lei for tomada
literalmente, o sistema público constitui-se como espaço livre da pressão
estatal, por um lado, e econômica, por outro. A garantia constitucional,
contudo, não significa o reconhecimento imediato e destituído de tensões. A
radiodifusão pública brasileira, historicamente, tem sido objeto de disputas,
sendo constantes as pressões governamentais e de grupos econômicos que se
organizam politicamente para interferir na programação.
A importância das
emissoras públicas, previstas na Constituição Federal de 1988, a partir da
noção de complementariedade, remete à democratização da mídia no país (BORTOLI,
2017), haja vista a presença de oligopólios midiáticos, no serviço de
radiodifusão de sons e imagens. É uma situação em que poucas organizações
controlam, direta ou indiretamente, quase a totalidade dos grupos de
comunicação existentes no Brasil. Nesse quadro, não é demais afirmar que as
emissoras públicas contribuem para a democracia no país (WEBER et al.,
2019).
No que diz respeito
especificamente ao jornalismo, Garcia (2011, p. 112) afirma que “as TVs
públicas possivelmente tenham mais condições de atenderem ao que é proposto na
formulação do civic journalism, ou jornalismo público”. Isso porque já
buscam mais a qualidade na programação do que quantidade de telespectadores, em
comparação ao setor comercial. O jornalismo público, de acordo com a autora,
tem premissas que o norteiam, que incluem o uso da informação como instrumento
de cidadania e formação de espírito crítico. No entanto, Garcia (2011) entende
que no Brasil os jornalistas ainda precisam enraizar estes conceitos e que, nas
emissoras públicas, é preciso suporte financeiro e independência editorial para
praticá-los.
A TVE-RS foi criada como
emissora pública do Rio Grande do Sul em 1974 (SANTOS, 2016). Em 1980, a
Assembleia Legislativa autoriza a criação da Fundação Televisão Educativa,
primeiramente como autarquia vinculada à Secretaria Estadual de Educação e, a
partir de 1982, como fundação pública de direito privado. Em 1985, é alterada a
denominação, passando a ser chamada de Fundação Televisão Educativa Piratini.
Nos seus mais de 45 anos, a TVE-RS passou por várias transformações tecnológicas
e de estrutura administrativa. Finger et al. (2016) observam que
mudanças constantes na diretoria executiva da emissora, assim como cortes no
financiamento, trouxeram consequências para a programação e um ambiente de
descontinuidade no trabalho realizado[3].
No final de 2016, contudo,
ocorreu o processo mais dramático da história da TV pública, quando o
governador José Ivo Sartori aprovou, junto à Assembleia Legislativa, o projeto
de lei que autorizava a extinção, entre outras estruturas públicas, da Fundação
Piratini. A possibilidade de demissão de servidores concursados era um dos
motivadores para a proposta de extinção das fundações (DIAS, 2020). No entanto,
a mobilização dos funcionários e de apoiadores logrou vitórias jurídicas,
suspendendo a dispensa em massa dos trabalhadores. Desse modo, a emissora
permaneceu funcionando, mas vinculada, desde 2018, diretamente à Secretaria de
Comunicação. Dias (2020) avalia que o governo pretendia entregar a gestão da
emissora para uma organização privada, em modelo de prestação de serviço.
Fonseca (2019) aponta que,
após a migração da TVE para o controle da Secretaria de Comunicação, vários
programas importantes deixaram de ser produzidos e que a mudança impossibilitou
a captação de recursos por meio de apoios e patrocínios. O servidor destaca,
ainda, a desconstituição do Conselho Deliberativo, que retirou o controle
social sobre a programação. Ressalta, todavia, que: “Hoje, mesmo com todos os
reveses, as emissoras seguem elaborando e veiculando conteúdos qualificados,
ainda que em menor quantidade” (FONSECA, 2019, p. 245).
Nesse contexto, de quase
extinção e de constante incerteza sobre o futuro da emissora, os profissionais
formaram um movimento de resistência, a fim de manter as atividades da
emissora, sem perder de vista o foco no interesse público. Trata-se de um
esforço coletivo para entregar produtos de qualidade, apesar da falta de
financiamento e da vinculação direta da emissora com o governo do estado, o que
prejudica a liberdade editorial. Nesse processo, os funcionários lidam, ainda,
com as demandas próprias do fazer jornalístico e, particularmente, com as
modificações motivadas pela pandemia de Covid-19.
Rotinas produtivas em
transformação
Com a passagem do século
XX para o XXI e a difusão da internet, mesmo antes da pandemia, o jornalismo já
vinha sofrendo profundas mudanças, seja no mercado de trabalho, no consumo ou
na produção de conteúdo. São transformações ainda em curso, que se intensificam
e exigem um esforço para dimensioná-las, uma vez que se trata de um processo em
andamento.
Pereira e Adghirni (2011)
acreditam que as alterações socioeconômicas e as inovações tecnológicas
vivenciadas até aqui configuram, no jornalismo, mudanças estruturais. Eles
dividem essas transformações em três eixos: 1) mudanças estruturais na produção
da notícia — com a aceleração dos fluxos de produção e disponibilização da
notícia, a proliferação de plataformas para conteúdo multimídia e alterações no
processo de coleta de informação e da relação com as fontes; 2) mudanças
estruturais no perfil do jornalista — com o aumento da precarização do trabalho
e a consequente ocupação de outros espaços, que não os veículos tradicionais; e
3) novas relações com os públicos, que passam a produzir conteúdo e colaborar,
impondo suas próprias normas e valores. Tais transformações, que já vinham
sendo observadas pelos pesquisadores, foram aceleradas e aprofundadas com o
surgimento da pandemia, em 2020.
Entre tantas mudanças,
destacamos algumas. Testemunhamos uma emergente “cultura da participação”
segundo Shirky (2011, p. 25). “As pessoas gostam de consumir, mas também gostam
de produzir e de compartilhar. Nós sempre gostamos dessas três atividades, mas
a mídia tradicional premiava apenas uma delas”. A internet possibilitou que o
jornalismo concedesse maior protagonismo ao público, aspecto quase
indispensável em tempos de pandemia. “A audiência passou a ser convocada [...]
para mostrar seu cotidiano e as atividades que estava desempenhando em um
momento tão incomum para todos” (OLIVEIRA, 2021).
Ferraretto e Morgado
(2020) ressaltam que, em 2020, ampliou-se uma tendência que já vinha se
fortalecendo: materiais em áudio, fotografia e vídeo fornecidos por assessorias
de comunicação tornaram-se fundamentais para quem trabalha com jornalismo em
veículos, uma vez que a crise sanitária levou a uma diminuição de circulação de
pessoas nas ruas e à adoção do home office na rotina produtiva.
É importante observar que
esse cenário de maior liberdade e participação, propiciada pela internet, também
favorece a difusão de notícias falsas. Por isso, ao mesmo tempo em que existe
uma compreensão de que todos são produtores de conteúdo na sociedade
contemporânea, para Ferraretto e Morgado (2020, p. 9), “coloca-se o
profissional em um patamar mais relevante que o ocupado pelo leigo. É curador
de conteúdo, mediador/fomentador de interlocução e certificador de
acontecimentos e de posicionamentos”.
A relevância do jornalista
nesse contexto é reforçada por Kovach e Rosenstiel (2014). Os autores
argumentam que o profissional faz mais do que simplesmente “dar sentido ao
fluxo produzido pelo público” e que, uma vez que muitas das decisões que
importam para a sociedade são tomadas longe da grande maioria das pessoas,
saber a verdade sobre algum acontecimento exige o esforço de questionar,
reagir, observar e fazer novas perguntas.
Oliveira (2021) ressalta o
reconhecimento por parte do público da relevância dos veículos de comunicação
no momento atual:
As pessoas estavam buscando naquele momento,
mais do que nunca, informação de confiança, afinal, em um momento em que a
informação é questão de sobrevivência, os meios de comunicação exerciam ali um
papel fundamental (OLIVEIRA, 2021, p. 25-26).
Outro aspecto apontado por
Pereira e Adghirni (2011), que ganhou novos contornos com a emergência da
pandemia, é o da mudança na rotina dos jornalistas, com a flexibilização das
funções por eles desempenhadas e o aumento do ritmo de trabalho. Os gestores
esperam que os jornalistas sejam capazes de atuar em todas as etapas do processo
– como produção, redação, edição e publicação. Para os autores, o resultado
disso é a sobrecarga de trabalho.
Tais consequências parecem
ter sido ampliadas a partir da adoção do home office como forma de
manter o distanciamento social. Em abril de 2020, com uma pesquisa que aplicou
questionários entre comunicadores, Figaro (2020, p. 75) observou que o trabalho
remoto, que já vinha crescendo desde os anos 1990, foi ampliado “de forma
desorganizada, sem o planejamento e a infraestrutura necessária para o
trabalhador”. A maioria dos participantes informou utilizar seus próprios
equipamentos e recursos para a realização do trabalho em home office.
Além disso, o estudo verificou uma intensificação do ritmo de trabalho, com o
acúmulo de funções e irregularidade nos horários.
Na falta de condições
adequadas à realização do trabalho, cada vez mais recai sobre os jornalistas a
pressão por adaptações à precariedade, processo que impacta na qualidade do
trabalho. De acordo com Ferraretto e Morgado (2020, p. 15-16), “a possibilidade
de contaminação e a necessidade de confinamento impõem uma nova atitude no caso
de reportagens”. A casa e, por vezes, aspectos da vida pessoal dos jornalistas
passam a ser incluídos no conteúdo entregue.
Assim, observa-se que o
trabalho remoto tem sido importante em um cenário marcado por uma doença
contagiosa como a Covid-19. Não se pode negar, no entanto, que a falta de
recursos adequados e o apagamento dos limites que separam a vida profissional e
a pessoal são algumas das consequências negativas trazidas por essa nova
configuração.
O trabalho dos
jornalistas do Redação TVE na pandemia de Covid-19
Tendo em vista que nosso
foco nesta investigação é conhecer rotinas e opiniões dos profissionais que
trabalham no telejornal Redação TVE, optamos por realizar entrevistas
estruturadas por escrito[4]. “A entrevista estruturada desenvolve-se a partir
de uma relação fixa de perguntas, cuja ordem e redação permanece invariável
para todos os entrevistados” (GIL, 2008, p. 113). Essa técnica de coleta de
dados permitiu realizar uma aproximação empírica e qualitativa, com o intuito
de apresentar um panorama e refletir sobre as práticas profissionais. Desse
modo, os principais temas abordados nas entrevistas se referiam às rotinas de
trabalho, aos desafios e transformações ocasionados pela pandemia e às opiniões
dos jornalistas sobre o trabalho realizado e a relevância do telejornal que
produzem em uma emissora pública.
Foram realizadas
entrevistas com sete profissionais[5] envolvidos no telejornal, escolhidos por
terem permanecido por mais tempo, durante o período estudado, em suas funções,
quais sejam: apresentadora; repórter de geral; repórter de cultura[6];
produtor; editor de texto; editor-chefe; e coordenadora do telejornalismo, esta
última, a única não concursada, exercendo cargo em comissão. Todos são
jornalistas diplomados.
Fica explícito em todas as
entrevistas que a pandemia alterou de maneira muito significativa as rotinas
profissionais. Na redação, apenas quatro pessoas exercem suas funções
presencialmente: editor-chefe, editor de texto, produtor e apresentadora. Há um
revezamento entre os trabalhadores para ocuparem essas funções. Assim, o
profissional comparece uma ou duas semanas por mês ao trabalho presencial[7].
Parte da equipe, por compor algum grupo de risco, esteve, no período abrangido
neste estudo, exclusivamente em home office.
Uma novidade implementada
quando iniciou a produção remota do telejornal foi a reunião de pauta por Zoom
com todos os profissionais da redação, marcada para às 13h no caso da edição da
noite[8]. Antes da pandemia, não havia este momento, cabendo ao chefe de
produção encaminhar pautas e ao editor-chefe definir os temas que seriam
apresentados na edição. Tal espaço permite a participação mais efetiva dos profissionais
nas decisões editoriais do jornal.
Outra diferença que
impactou o telejornal e seus profissionais foi a falta de externa para
reportagem. Antes de a equipe ir para a rua, a produção preparava a pauta,
marcando entrevistas. No retorno à emissora, o roteiro do repórter passava pelo
editor de texto e, após, pelo editor de imagens. Com frequência, todas essas
funções passaram a ser exercidas por uma só pessoa, a repórter, que produz a
matéria, realiza as entrevistas, escreve e grava o off, e faz a edição
de som e imagem. Além disso, os elementos audiovisuais para as reportagens
precisam ser feitas pelas fontes, o que envolve orientação e espera por parte
dos profissionais. Lançar mão do material produzido pelo público, fontes e
assessorias de imprensa é uma das transformações que já vinham ocorrendo no
cenário de mídia (SHIRKY, 2011). Com a pandemia e a necessidade de reduzir a
circulação das equipes nas ruas, essa colaboração tornou-se indispensável para
a construção das matérias (FERRARETTO; MORGADO, 2020).
Observa-se, no entanto,
que há perdas nesse processo de construção da reportagem. A repórter de cultura
expressa que “a natureza do trabalho de um repórter é estar na rua, portanto,
fazer a reportagem de dentro de casa não é o ideal” (REPÓRTERC, 2021, informação
verbal). O mesmo é dito pelo editor-chefe (2021, informação verbal): “nada
substitui a checagem e a apuração in loco no jornalismo”.
A pressão sobre os
profissionais para que se adaptem ao cenário, muitas vezes precarizado, é uma
das exigências acentuadas durante a crise sanitária (FERRARETTO; MORGADO,
2020). A repórter de geral (2021, informação verbal) relata que, “como o modo
de fazer reportagem mudou, precisamos passar por adaptações, o que envolveu
maior colaboração na produção e até na edição de vídeo, fazendo o trabalho
diário ganhar mais horas”. As funções de produtor, editor de texto e editor de
imagens seguem existindo, mas a relação entre elas ficou mais complexa. O
caminho encontrado pela profissional foi concentrar o trabalho, especialmente
de edição de texto e de imagens: “por envolver uma quantidade grande de
material (muitos gigas e roteiros detalhados), desde o início, optei por editar
as matérias para que o fluxo fosse mais fácil e ágil” (REPÓRTERG, 2021,
informação verbal). Esse acúmulo de funções é fenômeno identificado por Pereira
e Adghirni (2011), acelerado pela pandemia, e representa uma sobrecarga de
trabalho. Mesmo a coordenadora do jornalismo, que seguiu sempre exercendo seu
trabalho presencialmente, acredita que suas tarefas aumentaram com a pandemia:
“São mais reuniões on-line, mais processos para se ver com um grupo
maior de pessoas em casa do que presenciais” (COORD. TELEJORNALISMO, 2021,
informação verbal).
A grande dependência da
internet para a efetivação do telejornal também caracterizou o trabalho dos
jornalistas nesse período. Por um lado, há aumento do estresse causado pela
instabilidade da rede, seja na hora de baixar o material enviado pelos
profissionais que estão produzindo de casa ou pelas assessorias de imprensa,
seja no momento da transmissão do programa, que conta com entrevistas ao vivo
por Skype ou Zoom, quando há risco da rede trancar ou cair.
Por outro lado, o uso
ampliado dos recursos on-line também permitiu que as fontes, sejam as
assessorias de imprensa ou as pessoas comuns, estejam mais presentes no
programa. E, ainda, ampliou o alcance das entrevistas realizadas, já que o
Skype e o Zoom permitiram a participação de pesquisadores
geograficamente distantes — Fiocruz, USP, UFPel, etc., que se tornaram fontes
frequentes em entrevistas ao vivo.
A presença na Web
motivou o crescimento do feedback da audiência, especialmente porque o
material passou a estar mais acessível, por meio da transmissão ao vivo[9] pelo
Facebook da emissora ou pela postagem de reportagens especiais nesta rede. “O
alcance aumentou e recebemos um número maior de respostas e mensagens”
(REPÓRTERG, 2021, informação verbal).
A apresentação do
telejornal, por sua vez, foi feita remotamente durante sete meses, com a
montagem, pela emissora, de um “estúdio” na casa da apresentadora. Isso
interferiu na dinâmica familiar, uma vez que o local escolhido precisou ser a
sala/sala de jantar do apartamento: “sem teleprompter, e inclusive [com] laudas
redigidas à mão por falta de impressora” (APRESENTADORA, 2021, informação
verbal). A volta aos estúdios, no final de 2020, representou, segundo a
apresentadora (2021, informação verbal), “ganho de qualidade técnica e maior
profissionalismo”.
No que diz respeito à
infraestrutura necessária para trabalhar em casa, não há um suporte por parte
da emissora para ajudar os profissionais. A repórter de geral (2021, informação
verbal) expõe que foi preciso investir em equipamentos: luz, microfone e
câmera. Já a apresentadora lamenta a falta de espaço físico adequado no
ambiente doméstico: “não tenho escritório, improvisei mesinha no quarto do
filho” (APRESENTADORA, 2021, informação verbal). Conforme Figaro (2020), poucas
empresas supriram o home office com ferramentas adequadas para a
continuidade do trabalho. Jornalistas passaram a usar equipamentos e recursos
próprios para a realização de suas atividades.
As reflexões sobre as
dificuldades de separar a vida pessoal da esfera profissional foram
recorrentes. “Meus compromissos do dia a dia ficam diluídos com os meus compromissos
profissionais [...] temos que nos policiar em dedicar um tempo específico para
cada uma dessas tarefas. E isso é muito difícil” (EDITOR-CHEFE, 2021,
informação verbal). O problema fica ainda mais acentuado quando envolve
maternidade e home office. A apresentadora, única mãe do grupo, menciona
a dificuldade de conciliar as duas esferas: “Apesar do apoio da babá, meu filho
de dois anos e meio exige bastante atenção” (APRESENTADORA, 2021, informação
verbal). O relato condiz com a análise de Figaro (2020, p. 74) sobre as
jornalistas mulheres, especialmente as mães: “[...] parece que para as mulheres
a situação retrocede no tempo, visto que as tarefas do lar, os filhos e outros
elementos da gestão doméstica acumulam-se com o trabalho remoto”.
Mas há comentários
positivos sobre o home office, como no caso do editor de texto (2021,
informação verbal), que acredita que “podemos, dentro do possível, gerir melhor
o nosso tempo, escolher o período mais produtivo para realizar as tarefas
demandadas”. O entrevistado destaca o fato de não precisar gastar tempo no
trânsito e a vantagem de não ser necessário “bater o ponto”.
As adaptações exigidas dos
profissionais, que costumavam realizar quase estritamente as funções para as
quais foram aprovados em concurso e passaram a exercer multitarefas, é vista
como um ganho para alguns.
Alguns profissionais tiveram que se inovar, e
não raro editores de texto se descobriram bons
editores de vídeo, produtores se descobriram bons editores (EDITOR-CHEFE, 2021,
informação verbal).
[Foi muito positiva] A adoção de novas funções
entre os profissionais da redação, pessoas que não fechavam telejornal e passaram
a assumir essa tarefa [por exemplo] (COORD. TELEJORNALISMO, 2021, informação
verbal).
Todavia, alguns avaliam
essa questão de modo diverso. A repórter de geral, que acumula tarefas de
editora de texto e de imagens, avalia que a rotina “ficou mais pesada”.
Uma grande desvantagem
trazida pela Covid-19, apontada por todos os entrevistados, é a falta de
convívio com colegas e fontes.
O trabalho em casa é solitário, faz a gente
perder uma troca importante (REPÓRTERG, 2021, informação verbal).
Tem uma diferença gritante de ver eles
[colegas] todo dia numa redação e de vê-los numa tela de computador ou celular
(EDITOR-CHEFE, 2021, informação verbal).
Pessoalmente essa interação social me faz falta
(APRESENTADORA, 2021, informação verbal).
Cabe observar que as rotinas
foram mudando ao longo da pandemia. O produtor entrevistado conta que, enquanto
a edição das 13h45min ainda era exibida, ocupou algumas vezes a função de
editor-chefe, período em que sua dedicação ao trabalho era mais intensa.
“Ficava mais tempo assistindo noticiários televisivos e conectado em sites e
aplicativos de jornalismo. Em 2020, essa rotina ocupava a maior parte do meu
dia. Já em 2021, mudei esse processo, organizando melhor os horários”
(PRODUTOR, 2021, informação verbal).
Assim como o trabalho se
alterou ao longo da pandemia, também o medo em relação ao vírus. De modo geral,
o maior conhecimento sobre a doença permitiu que o temor diminuísse. Conforme o
editor-chefe, que faz parte do revezamento presencial de trabalhadores desde o
início do período: “De início sentia um incômodo maior, porque a gente se sente
exposto a uma doença que o mundo todo está conhecendo e enfrentando com
dificuldades” (EDITOR-CHEFE, 2021, informação verbal). Passado mais de um ano,
o editor-chefe se considera habituado e aponta que trabalhar presencialmente
tem “seu lado bom”, por ter uma “desculpa” para sair de casa. Segundo a
repórter de geral, com a chegada da vacina no primeiro trimestre de 2021, o
sentimento que predomina é o de esperança, “na medida em que os colegas e as
pessoas que a gente quer bem estão sendo vacinadas” (REPÓRTERG, 2021,
informação verbal).
Outra apreensão constante
para os entrevistados deste estudo se refere à manutenção de seus trabalhos.
Como reflete o editor-chefe, o medo de perder o emprego, que ronda esses
trabalhadores há quase cinco anos, foi acentuado no momento de crise ocasionada
pela Covid-19.
Desde a decretação da extinção da Fundação
Piratini pairam dois medos não só sobre mim mas sobre
todos os profissionais da TVE: a garantia do emprego e a garantia da forma como
trabalhamos. [...] a cada dia que passa essa cruz parece mais pesada de
carregar. E acho que o peso dela dobrou durante a pandemia [...]. Imagina
perder o emprego numa situação como essa (EDITOR-CHEFE, 2021, informação
verbal).
Finalmente, sobre a
qualidade do telejornal exibido e a satisfação com o trabalho realizado, apesar
de algumas autocríticas pontuais, os jornalistas são unânimes em exaltar as
qualidades do Redação TVE, especialmente ressaltando as singularidades
do telejornal que produzem.
Acredito que entregamos diariamente um jornal
com conteúdo diversificado e extremamente singular. A divulgação da produção
cultural do RS, por exemplo, só tem espaço na TVE (COORD. TELEJORNALISMO, 2021,
informação verbal).
Diariamente, há entrevistas ao vivo com
especialistas das mais diversas áreas, matérias com aprofundamento sobre
diferentes temas e ainda dedicamos um bloco à cultura, um dos setores mais
impactados pela pandemia (REPÓRTERG, 2021, informação verbal).
Tem pautas ali que seriam impossíveis na TV
comercial. Pode melhorar, mas dentro dos recursos que nos são disponibilizados,
fizemos o melhor possível (EDITOR DE TEXTO, 2021, informação verbal).
O papel do jornalismo
profissional como fonte de informação confiável e de combate à fake news
foi destacado no relato da repórter de cultura, que ressalta a importância de a
emissora ter mantido uma programação jornalística durante a pandemia. “Informar
os fatos que envolvem a pandemia e o pior colapso social da contemporaneidade
através de um espaço aberto também auxilia no combate às fake news
ativadas por outras vias” (REPÓRTERC, 2021, informação verbal). Segundo a
jornalista, “a correta divulgação da informação auxilia na elaboração da
credibilidade da emissora” (REPÓRTERC, 2021, informação verbal). Essa
preocupação dialoga com o que Oliveira (2021) aponta sobre a busca dos veículos
pelo reconhecimento de sua relevância por parte do público.
O contexto de extinção
ajuda a entender diversas das limitações impostas ao telejornal e a esses
jornalistas, conforme relatam os entrevistados. O editor de texto cita algumas
dessas dificuldades: a rede de computadores sem manutenção, os softwares
sem atualização, a não reposição de colegas que saem da emissora, todas
consequências da falta de investimentos na TVE desde o governo anterior. O
editor-chefe (2021, informação verbal) diz que, mesmo antes da pandemia, havia
falta, especialmente, de motoristas e de carros, o que já dificultava a
realização de reportagens externas. Isso permite entender, mesmo que em parte,
porque, no início do mês de setembro de 2021, quando o número de vacinados com
a primeira dose em Porto Alegre superava os 90%, o Redação TVE seguia
não contando com reportagens realizadas na rua.
Apesar dos obstáculos
impostos por todo esse cenário, fica clara a satisfação dos jornalistas com o
telejornal que exibem:
Na minha avaliação, o Redação TVE é o melhor
jornal que nós já colocamos no ar. [...] O jornal é muito bom e é um orgulho
vê-lo no ar (REPÓRTERG, 2021, informação verbal).
Dadas as limitações do momento, acredito que
fazemos pequenos milagres. É uma superação diária (APRESENTADORA, 2021,
informação verbal).
Para esses profissionais,
fazer e ver diariamente no ar o Redação TVE representa a sobrevivência
da emissora pública e de seus empregos:
Tive um desânimo muito grande quando do
processo de extinção da Fundação Piratini [...]. Tenho recobrado o ânimo neste
período da pandemia. Voltei a ver na TVE possibilidades de evolução/aprendizado
profissional (EDITOR DE TEXTO, 2021, informação verbal).
É a manutenção do jornalismo da nossa emissora
pública apesar das dificuldades da pandemia e da quase extinção (APRESENTADORA,
2021, informação verbal).
As características do
telejornal, relatadas pelos profissionais, são marcadas por uma perspectiva de
comunicação pública (LOCATELLI, 2017; DUARTE, 2011; WEBER, 2017): compromisso
com a educação, a cidadania e a diversidade, denúncia da violência de gênero,
do racismo e da desigualdade social, valorização da cultura do estado e da
informação com credibilidade, e visibilização daqueles que costumam ser
silenciados.
Considerações Finais
Em um ano e meio de
pandemia, muita coisa mudou para os jornalistas que trabalham no Redação
TVE, tanto se considerarmos a realidade pré-pandemia, quanto dentro desse
período. Antes da declaração de calamidade pública causada pela Covid-19 — que,
no Rio Grande do Sul, ocorreu em 19 de março de 2020 —, esses profissionais já
viviam as adaptações necessárias para retomar o telejornalismo diário, depois
de quase dois anos sem um jornal no ar. Praticamente junto a isso, iniciam as
transformações causadas pela pandemia, tão significativas no fazer
telejornalístico, e que extrapolam o âmbito profissional da vida de todos. Além
disso, nos 18 meses de telejornalismo em tempos de Covid-19, os trabalhadores
se adaptaram à medida que as dificuldades foram se apresentando e a realidade
se alterando.
A luta pela manutenção do
local de trabalho é um diferencial na vivência diária do jornalismo por esses
profissionais. Desde novembro de 2016, eles vivem as consequências e as
incertezas relacionadas ao processo de extinção da Fundação Piratini. A
dedicação é coletiva na busca pela continuidade da emissora e do telejornal,
por si só, uma conquista. Segundo o editor de texto (2021, informação verbal),
“a avalanche de notícias ruins nos deprime. Mas também temos coisas boas: a TVE
não está parada, tem coisas acontecendo, e isso é muito bom, principalmente
para quem vem de todo aquele processo de ‘quase morte’ da TVE”. Além disso,
sentem-se imbuídos da missão de fazer comunicação pública, preocupados em
realizar um produto “diferenciado” em relação ao que os veículos comerciais
produzem.
Com isto, à guisa de
conclusão, podemos afirmar que a extinção da Fundação Piratini buscou encerrar
em definitivo a experiência de comunicação pública na TVE-RS e, com ela, o
princípio da complementaridade na comunicação. A continuidade da emissora no ar
e o recomeço do telejornalismo se deram graças à atuação dos seus trabalhadores,
antes e durante a pandemia. Se dependesse exclusivamente do processo
político-institucional, a emissora talvez não tivesse hoje um telejornal diário
no ar. Em tempos de exceção, em que as condições postas para o desenvolvimento
de uma televisão pública foram profundamente precarizadas — pela pandemia e
pela ação sucessiva de governos —, os ideais que regem o trabalho jornalístico
de finalidade pública permanecem vivos na rotina produtiva desses
profissionais.
Notas
[1] O fim do telejornal diário Panorama
ocorreu poucos dias após a publicação do Decreto 54.089 de fim das atividades
da Fundação Piratini, então mantenedora da TVE-RS – DOE RS 30/05/2018.
[2] Em 1º de julho de 2020, com a confirmação
de um caso positivo de Covid-19 de um diretor de imagens, a edição vespertina
do telejornal saiu do ar, uma vez que não havia funcionário para substituição.
Dali em diante, e assim permanece, a equipe e o conteúdo foram concentrados na
edição das 18h30min.
[3] O corte no orçamento da Fundação Piratini
na transição do governo Tarso Genro (PT) para o de José Ivo Sartori (PMDB) foi
da ordem de 47%. A programação foi impactada com a retirada de programas da
grade (FINGER et al, 2016).
[4] As entrevistas foram realizadas em julho de
2021.
[5] Identificamos somente a função dos
entrevistados, preservando, assim, suas identidades:
REPÓRTERG [repórter de geral]. Entrevista.
[28 jul. 2021]. Entrevistadora: SIFUENTES, L. Porto Alegre, 2021.
REPÓRTERC [repórter de cultura]. Entrevista.
[22 jul. 2021]. Entrevistadora: SIFUENTES, L. Porto Alegre, 2021.
PRODUTOR. Entrevista. [29 jul. 2021].
Entrevistadora: SIFUENTES, L. Porto Alegre, 2021.
EDITOR DE TEXTO. Entrevista. [23 jul.
2021]. Entrevistadora: SIFUENTES, L. Porto Alegre, 2021.
EDITOR-CHEFE. Entrevista. [27 jul. 2021].
Entrevistadora: SIFUENTES, L. Porto Alegre, 2021.
APRESENTADORA. Entrevista. [26 jul.
2021]. Entrevistadora: SIFUENTES, L. Porto Alegre, 2021.
COORD. TELEJORNALISMO [coordenadora de
telejornalismo]. Entrevista. [21 jul. 2021]. Entrevistadora: SIFUENTES, L.,
2021.
[6] Decidimos incluir duas repórteres entre os
entrevistados devido às especificidades da área da cultura na emissora. Havia
dois programas culturais diários, que foram suspensos no início da pandemia. A
repórter de cultura, que antes trabalhava no programa Radar, foi deslocada para
o Redação TVE e continuou dedicando-se, principalmente, a levar para o
telejornal os temas que apareceriam no programa cultural.
[7] Essa dinâmica inclui também o editor-chefe,
posição ocupada por três diferentes profissionais. A função de apresentadora
foi a exceção, em alguns momentos havendo revezamento, mas na maior parte do
tempo sendo ocupada por uma mesma jornalista.
[8] Será o foco aqui, uma vez que foi a edição
que se manteve em todo o período.
[9] O telejornal também é transmitido ao vivo
pelo site da TVE e disponibilizado no canal do Youtube — recursos presentes já
antes da pandemia.
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