Ucronias, utopias e heterotopias nos assentamentos do MST
Mônica
Rebecca Ferrari Nunes[1]
Marco
Antônio Bin [2]
Resumo: Este artigo é resultado parcial de pesquisa em curso no CNPq sobre memória do futuro e seus códigos. Problematizam-se as ocorrências de ucronias, utopias e heterotopias no espaço sociopolítico e cultural brasileiro. A pesquisa, como um todo, tem como objetivo investigar se tais construções podem funcionar como códigos para configurar e conceituar memória do futuro. No presente trabalho, parte-se da leitura do semioticista de Tártu-Moscou, Iuri Lotman, sobre Clio, a musa da história, para relacioná-la à memória. Entende-se a memória em seus aspectos comunicativos e culturais, isto é, como propriedade da semiosfera — espaço dos signos culturais — assim como dos textos gerados neste continuum semiótico. Como objeto empírico, apresentam-se alguns aspectos e exemplos de assentamentos do MST. Especificamente neste trabalho, tem-se como objetivo verificar como ucronias, utopias e heterotopias tomam parte do histórico e de ações do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. A fundamentação teórico-metodológica se vale da Teoria Semiótica de Tártu-Moscou para explicitar os conceitos de semiosfera, memória, texto, assim como de autores das Ciências Sociais e Humanas, tais quais Celso Furtado, Lúcio Kovarick, Darcy Ribeiro, entre outras pesquisas na área, como a discussão sobre rurbanidade com Beatris Duqueviz. O trabalho apresenta igualmente o conceito de retrofuturismo com base nas reflexões do filósofo Elie During e do artista plástico Alain Bublex, para tratar de um modo de configuração temporal que dialoga com a existência das ucronias. Espera-se demonstrar que nos assentamentos do MST ucronias, utopias e heterotopias podem funcionar como códigos para a memória do futuro ao encontro de Clio.
Palavras-chave:
Memória Do Futuro; Ucronia;
Utopia; Rurbano; MST
Clio
and the memory of the future:
Uchronias,
utopias and heterotopias in MST settlements
Mônica
Rebecca Ferrari Nunes[3]
Marco
Antônio Bin [4]
Abstract:
This article is a partial
result of the ongoing research study supported by CNPq about memory of the
future and its codes. Uchronia, utopia and heteropia occurrences are here
problematized in the Brazilian cultural and sociopolitical space. This study
aims to investigate whether such constructions can act like codes to
configurate and conceptualize the memory of the future. It is based on articles
of the Tartu-Moscow semioticist, Iuri Lotman, about Clio, the muse of history,
to relate her to memory. Memory is understood in its communicative and cultural
aspects, that is, as semiosphere possessions — space of cultural signs — as well as of texts that have been
generated in this semiotic continuum. As empirical object, some aspects and MST
settlement examples are presented here. Specifically, this study has the
objective to verify how uchronias, utopias and heterotopias take part in the
history and actions of the Landless Worker’s Movement. The
theoretical-methodological rationale is based on the Tartu-Moscow Semiotics
Theory to explain the concepts of semiosphere, memory, text, as well as on
authors of studies on Social and Human Sciences like Celso Furtado, Lúcio
Kovarick, Darcy Ribeiro, among other researches on this field of work, such as
the discussion on rurbanity with Beatris Duqueviz. This study also presents the
concept of retrofuturism grounded in the reflections of the philosopher Elie
During and the artist Alain Bublex, to approach a timing configuration that communicates
with the existence of uchronias. This study hopes to demonstrate that
uchronias, utopias and heterotopias at the MST settlements can work as codes
for the memory of the future toward Clio.
Keywords: Memory Of The
Future; Uchronia; Utopia; Rurban; MST.
Introdução
Quando
Iuri Lotman, historiador cultural e fundador da Escola de Semiótica de
Tártu-Moscou, escreve Clio na
encruzilhada, na década de 1990, afirma
que “o tempo que estamos vivendo é um tempo de balanço, um tempo de ‘finais’:
finaliza o século XX, o milênio transcorrido depois do batismo de Rússia [...],
finaliza o segundo milênio de existência da nova cultura europeia” [1]
(LOTMAN, 1998, p. 244, tradução nossa)
. Partindo daquela realidade, o autor avisa que não se trata de
datas, mas que a razão do balanço histórico diz respeito à pergunta: para onde
vai? Considera a necessidade de pensar a história de um modo não unilinear,
visão talhada na regularidade dos acontecimentos e na certeza de um futuro
previsível a partir do precedente. Explica que não se deve entendê-la como um
“novelo desfiado em um fio infinito, mas como uma avalanche de matéria viva que
se autodesenvolve.”[2] (LOTMAN, 1998, p. 252, tradução nossa).
Lotman
dialoga com os trabalhos do cientista e Nobel de química em 1977, Ilya
Prigogine, de quem faz paráfrase para discutir a causalidade, criticar a
regularidade dominante e pensar questões referentes aos sistemas vivos também
no âmbito da história. O autor cita Prigogine para explicar os conceitos de
pontos de bifurcação e flutuação presentes nos sistemas químicos de soluções
estáveis. No momento em que o sistema alcança o ponto de bifurcação, a
flutuação o obriga a escolher um lado para o qual se efetuará seu
desenvolvimento futuro; elegendo-se um caminho à despeito de outro que poderia
ter sido escolhido com a mesma probabilidade. Essa conceituação permite ao
cientista enunciar que a irreversibilidade e a inconstância estão estreitamente
ligadas e que o tempo irreversível, orientado, pode aparecer só porque o futuro
não está contido no presente, mas exatamente está contido nele como uma de suas
possibilidades.
A
partir daí, Lotman discorre sobre os efeitos dessa virada do pensamento
científico atuando sobre a compreensão da história. Ao historiador não
interessa avaliar os acontecimentos por si mesmos, mas em relação a um campo de
possibilidades não realizadas e, dessa forma, os caminhos percorridos têm tanta
importância e são tão reais quanto os que não foram, conclui. O autor deixa claro que na esfera histórica,
o momento da flutuação é realizado pelo homem capaz de realizar escolhas
segundo sua visão de mundo, inserido na cultura, na complexidade de uma
semiótica social e política.
As
reflexões do pensador de Tártu podem igualmente falar à nossa atualidade
brasileira, pandêmica, crísica, desafiadora, isto é: momento de passagem. Afinal, a conjuntura deste incerto e doloroso
2021 convida a balanços e à revisão de caminhos, ou melhor, encruzilhadas,
bifurcações por onde trafega Clio, musa que representa a História, uma das nove
filhas de Mnemosyne — personificação da Memória no panteão grego.
Em
suas tantas representações mitológicas e artísticas, a musa pode aparecer
frequentemente coroada de louros, portando uma trombeta e um livro, atribuído a
Tucídides, um dos primeiros historiadores do Ocidente, como na tela do barroco
Pierre Mignard, Clio (1685); na obra de Eustache Le Sueur, As musas
Clio, Euterpe e Thalia; ou ainda na escultura de Carlo Franzoni, A
carruagem da História (1819), onde Clio conduz um carro alado sobre um imenso
relógio.
Nessas
iconografias, o sentido de Clio se trama à sacralidade que Mnemosyne dispõe na
Grécia arcaica, ao tempo e às Musas já descritas na Teogonia, de Hesíodo
(BRANDÃO, 1986). O poeta, vivido entre os séculos VIII-VII a.C., anterior ao
alfabeto, à moeda e à constituição da pólis, é o aedo, isto é,
poeta-cantor que graças à palavra conhece o passado, as genealogias e também
adivinha o futuro. Supera as distâncias físicas e temporais de seu mundo
pastoril graças ao poder que lhe concede a Memória (Mnemosyne) por meio das
Palavras Cantadas, que em Hesíodo querem dizer Musas (TORRANO, 1995). Nascidas
da Memória, as Musas mantêm o domínio sobre o ser porque permitem a revelação (alethéa)
ou impõem o esquecimento (lesmoyne), pois estão igualmente imantadas ao
poder da Memória materializado na linguagem, na força da palavra. Torrano
(1995) aponta que o poder de decidir entre revelar e esquecer é a raiz de todo
o poder que configura as possibilidades do homem no mundo grego.
Se a
Clio de Lotman é menos a Musa coroada de louros vagando de um ponto a outro em
um trilho retilíneo e mais “uma peregrina que vai de encruzilhada em
encruzilhada e escolhe um caminho” (LOTMAN, 1998, p. 254, grifo do
autor), pensamos que a força da palavra, mesmo que de maneira diversa do mundo
grego, permanece como matéria para a memória. E, então, o que é revelado pela
palavra estará disposto na escolha de um caminho, ou esquecido — silenciado,
talvez, ao se abandonar outro, ainda que momentaneamente. Ao comentar o texto
lotmaniano, Pires Ferreira (2007) nos
fala sobre as imposições, impasses e os dilemas nas construções dessas escolhas
que têm na cultura as possibilidades de múltiplos fatos previsíveis ou
imprevisíveis. Ressalta a inquietude de Clio versus a visão triunfalista das
representações tradicionais.
É
sobre a Clio inquieta e peregrina de Lotman e sua relação com a memória que o
presente artigo se detém. Não retomamos
a sacralidade de Mnemosyne, mas sim destacamos o fato dela ser a mãe das musas,
metaforicamente, matriz inventiva para as artes e para o fazer humano, como
reconhece a historiadora Mary Carruthers (2011) ao estudar a arte da memória e
discorrer sobre a importância da invenção e da imaginação, próxima do que
queremos conceituar como memória do futuro.
Este
artigo é resultado parcial de pesquisa em curso junto ao CNPq que busca
compreender como é produzida e codificada a memória do futuro em suas múltiplas
ocorrências na cultura[3]. Neste trabalho, objetivamos definir
conceitualmente memória do futuro e verificar sua construção em um objeto
empírico em face a crises sociais, tais quais as relacionadas com a ocupação do
espaço rurbano, especialmente
tratando das ações do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, MST. Os
fundamentos teóricos-metodológicos se valem dos conceitos de cultura,
comunicação e memória tomados da semiótica da cultura de Tártu-Moscou assim
como, para a memória, utilizamos conceitos históricos que discutem seu
potencial inventivo e projetivo (CARRUTHERS, 2011); o conceito de rurbanidade
(DUQUEVIZ, 2006) para abordar o MST. Tentando entender os códigos espaçotemporais
que em nossas hipóteses respondem pela construção da memória do futuro,
trazemos o conceito de retrofuturismo (DURING; BUBLEX, 2014), ucronia, a partir
de Pelegrín Campo (2010); utopia, de Morus (1979) e heterotopias, de Foucault (2013).
Espera-se demonstrar que ucronias, utopias e heterotopias, nos assentamentos do
MST, podem funcionar como códigos da memória do futuro ao encontro de
Clio.
Memória-gênese: a memória do futuro em Iuri Lotman
A
memória, como matéria plástica, pode também ser propriedade da cultura, e, por
outro lado, a cultura também é memória, tendo em vista os conceitos de Iuri
Lotman (1996, 1998). Para o semioticista de Tártu, a cultura pode ser lida como
sistemas de signos que formam textos, textos culturais, lidos por conjuntos de
códigos. Os textos de cultura são assim gerados no tecido comunicativo que
Lotman conceituou como semiosfera, continuum
semiótico. O entendimento da semiosfera como espaço fora do qual é
impossível a produção de comunicação e geração de sentidos, que possui traços
distintivos tais quais dinamismo, irregularidade, heterogeneidade, fronteiras —
mecanismos tradutórios entre sistemas sígnicos diversos — permite compreender a
movência dos textos, e, dessa forma, a dimensão temporal que têm. Textos
produzidos em tempos diferentes podem ser comparados, tornando-se
contemporâneos; também se modificam e ou se atualizam. Como argumenta o
pensador, o caráter textual, temporal e espacial da semiosfera atesta sua
historicidade.
Lotman
explica que o texto pode ter muitos extratos e ser semioticamente heterogêneo, a exemplo dos textos artísticos.
Entrando em contato com o contexto circundante, como seu público, deixa de ser
uma mensagem dirigida de um destinador a um destinatário. Mostrando capacidade
de condensar informação, adquire memória. Pode crescer por si mesmo e, dessa
forma, funcionar como dispositivo intelectual: não só transmite informação
depositada nele a partir de fora, mas também transforma mensagens e produz
novas. Esta capacidade geradora dos textos enfatiza também uma memória-gênese
na cultura necessária para produzi-los, pois como afirma: “a memória não é para
a cultura um depósito passivo, mas constitui uma parte de seu mecanismo
formador de textos” (LOTMAN, 1996, p. 161). Para que isso aconteça, entendemos
a memória da cultura e dos textos também construída por meio de códigos que
operam e organizam sua orientação.
A
memória-gênese, projetiva, que enxergamos na semiótica de Lotman, ajuda a
pensá-la não apenas como “memória do passado”, como traz Paul Ricoeur (2007) ao
explicar a conceituação de memória em Aristóteles, mas também como memória do
futuro NUNES, 2019). Futuro não necessariamente como o que se coloca adiante,
mas paralelo ao presente, tal qual entendido na teoria retrofuturista,
explicada abaixo — ou ainda, como já dito sobre a figuração de Clio, no que
está contido no caminho não percorrido. Sigamos por partes.
Retrofuturismo, invenção e a recordação do futuro
O
filósofo Elie During e o artista plástico Alain Bublex (2014), em Le futur n´existe pas, escrevem sobre
modos de pensar futuros em face de várias produções da cultura. Defendem a
hipótese de que o futuro não existe, é preciso fazê-lo. O futuro processado por
outros tempos que não o nosso inscreve-se como futuros do passado e de lá
muitas linhas de futuração atingem o presente.
Trazidos
de outras épocas, futuros do passado anunciam-se como rascunhos, sem garantia
de realização. Os autores insistem que há muitas maneiras de existência além da
ocorrência de fato; são futuros virtuais; retomam a palavra-valise
retrofuturismo para explicá-los. O termo surge nos anos de 1980, na revista
experimental estadunidense Retrofuturism,
cuja tônica era a apropriação dos códigos gráficos dos anos de 1950 imiscuídos
às inovações tecnológicas. A ideia redundou em uma montagem temporal entre
passado, presente e futuro, expandindo-se para as artes plásticas, design,
cinema e literatura, como a steampunk,
já estudada ( (NUNES;BIN, 2018).
During
e Bublex (2014) demonstram dois modos de configuração para o conceito:
retrofuturismo como uma fascinação pelo futurismo retrô, pela imagem atrelada
às visões de um futuro datado, obsoleto, e a criação de um imaginário ucrônico.
A ucronia é um movimento que vai não do passado para o futuro, mas do futuro
para o passado. Reconstrói o passado à luz do futuro. Daí o passado ser
alternativo, interpolado e interpelado pelo futuro, que, por sua vez, poderia
igualmente ter sido diferente.
Para
nossa pesquisa, o retrofuturismo, além de perturbar a ordem temporal
linearmente pensada, denota um modo de codificar o tempo que ajuda a entender
não apenas movimentos estéticos, mas também a compreensão da memória daquilo
que não se realizou de fato, a memória do futuro, a memória-gênese que atua na
formação de novos textos culturais, memória que é também invenção. Os autores garantem
que a força do retrofuturismo está em considerar o próprio presente como futuro
sonhado em um tempo paralelo ou perpendicular ao nosso.
Retrofuturos
são, sobretudo, projéteis nascidos de reservas de imaginação, donde o
parentesco com a memória pensada projetivamente, de modo inventivo, como a
descrita por Marry Carruthers (2011) ao falar sobre a arte da memória ou mnemotécnica.
Para a historiadora, se memória, invenção e o que hoje se denomina por
criatividade não são uma mesma coisa, são muito próximas. Carruthers extrai seus argumentos do que
pesquisa sobre a arte da memória, procedimento cognitivo de constituição da lembrança
para os oradores romanos. A arte da memória não era uma arte da recitação ou
reprodução, mas uma arte da invenção, tornando possível aos oradores não
decorarem palavra a palavra de um discurso, mas, sim, a recordação de grandes
temas como uma cena narrativa reconstrutiva por figuras e imagens relacionadas
aptas a ajudar os oradores a comporem seus longos discursos, a inventarem seu
material comunicativo. Nesse contexto, para a autora, a memória “[...] é
pensada da maneira mais útil possível como uma arte composicional. As artes da
memória estão entre as artes do pensar, envolvidas especialmente na promoção
das qualidades que hoje reverenciamos sob o nome de ‘imaginação’ e
‘criatividade’” (CARRUTHERS, 2011, p. 34). A arte da memória atravessou a Antiguidade
latina e também alcançou a Idade Média. Segundo a historiadora, a fronteira
entre memória e imaginação continuou permeável e movente, e, para a memória
medieval, “recordar era recordar o futuro” (CARRUTHERS, 2011, p. 109).
Entendemos
que é sob o signo da memória inventiva, projetiva, menos afeita ao que de fato
se passou, e mais como memória que recorda o futuro que os projéteis
retrofuturistas podem ser compreendidos. Outros elementos ajudam a adensar
estas ideias. Ao retornarmos aos conceitos de pontos de bifurcações de sistemas
estáveis, em Prigogine, ou àqueles enfrentados pela Clio lotmaniana, entendemos
que os caminhos não escolhidos, igualmente possíveis, mas desprezados pelas
decisões propalam futuros virtuais, não realizados. Projéteis e trajetos que
seriam vivenciados e nos instigam com a pergunta: se tivéssemos ido por ele, o
que teria acontecido? O que haveria sido recordado?
Ucronias ou trajetos contrafactuais de Clio
Há muito tempo a pergunta o que teria se
passado se...? inquieta cientistas e alguns trabalhos deram início a estas
respostas em investigações mais sistemáticas sobre o que tem sido chamado de
pensamento contrafactual. O interesse
acadêmico por estas reflexões, explica o professor da Universidade de Zaragoza
e estudioso do tema, Pelegrín Campo (2010), teve início nos anos de 1940 no
âmbito da psicologia, mas alcança, agora, áreas tão diversas quanto a economia,
a astronomia, a geografia, os estudos de marketing, a história. O pesquisador
ensina que as colocações contrafactuais relativas a episódios e processos
históricos específicos do passado se propõem a estudar até que ponto uma
mudança na sucessão dos acontecimentos conhecidos poderia ter modificado o
futuro histórico em uma direção diferente.
A
reflexão contrafactual se destina tanto às investigações históricas quanto às
criações artísticas, como poderíamos citar mais uma vez, a literatura e a
teatralidade steampunk, que imagina e
elabora um mundo alternativo concebendo o desenvolvimento das sociedades a
partir da era do vapor. Os termos história virtual, história contrafáctica,
história alternativa e o neologismo ucronia (não tempo) têm sido valorizados
inclusive como recurso didático, mas nem sempre foi assim.
É ainda Pelegrín Campo quem confirma que
graças à ascensão da historiografia científica, o raciocínio contrafáctico foi
estigmatizado por ser empiricamente indemonstrável frente à concepção da
história como uma progressão inevitável e que, consequentemente, rechaça todo
pensamento que propõe qualquer outra possibilidade. Justamente o contrário da
leitura que Iuri Lotman propõe para entender Clio, a história na encruzilhada
dos caminhos, como vimos.
As
primeiras histórias alternativas depois de publicações como a de Isaac
D´Israeli, Of a History of Events wich Have
Not Happened (1824), citada em Pelegrín Campo (2010), contam como a
história haveria de ter sido diferente a partir de uma mudança específica
ocorrida no desenvolvimento dos acontecimentos conhecidos. São as ucronias
historiográficas cujos autores veiculam a versão alternativa dos
acontecimentos. Porém, durante muito tempo, as críticas a estas histórias
alternativas, ucrônicas, se deram graças à compreensão de que a história ao
versar sobre fatos reais, tudo o que não é, ou não aconteceu, é insignificante
e não vale a tarefa do historiador voltado a compreender o passado.
Pelegrín
Campo identifica que nos anos de 1980, com os trabalhos do historiador
britânico, Hugh Trevor-Roper, destacam-se a importância do acidental e da
decisão individual na história e a necessidade de considerar as possibilidades
alternativas. “A história não é meramente o que sucedeu: é o que ocorreu no
contexto do que poderia ter ocorrido. Consequentemente, deve incorporar, como
elemento necessário, as alternativas, o que poderia-ter-sido” (Trevor-Roper
apud PELEGRÍN CAMPO, 2010, p.18). Diante do exposto, faremos, a seguir, uma
abordagem da importância do episódio de Canudos no contexto político e social
brasileiro.
Canudos: o passado como símbolo de um futuro não
alcançado
No último
capítulo de seu livro Em busca de novo
modelo, Celso Furtado faz uma justa reverência a Euclides da Cunha e sua
obra magna, Os Sertões. Retoma o
olhar visionário do escritor, quando descreve o sertanejo de Canudos, essa
"gente indomável" que diante de toda sorte de privações e
infortúnios, teima em lutar por sua causa. A resistência sem trégua necessitou
de quatro expedições para ser derrotada, e o foi de maneira completa, brutal,
impiedosa. Segundo Furtado, o engenheiro e naquela ocasião cronista a serviço
do Estado de São Paulo, Euclides da Cunha, "percebeu com lucidez a
gravidade das contradições inerentes à nossa formação histórica, as quais se
manifestam nas profundas desigualdades sociais que tanto demoramos a
reconhecer". (FURTADO, 2002, p. 97)
Para
além das equivocadas doutrinas raciais que moldavam a antropologia da época,
Furtado destaca a percepção intuitiva que Euclides demonstrava com os
sertanejos, aludindo à importância de incorporá-los à nossa vida política. Essa
intuição considerava o processo de formação de nossa cultura, e a indispensável
inclusão daquela gente rústica e combativa, para a garantia de nossa evolução
social. Furtado nos mostra que o episódio de Canudos, salvo do esquecimento
pela narrativa de Euclides da Cunha, se inscreve como um acontecimento
simbólico para compreendermos um país em construção, onde emergem problemas
estruturais como a fome, o analfabetismo, o latifundismo. Ao final de seu belo
ensaio, destaca que "o mitológico sertanejo euclidiano deve ser visto como
a prefiguração do cidadão consciente que hoje se afirma"(FURTADO, 202, p.
101).
Quando
teve a oportunidade de atuar como ministro do planejamento do governo João
Goulart, Furtado procurou sanar os problemas crônicos e seculares da região
nordeste. Procurando articular planejamento e política de longo prazo
juntamente com os governadores da região, considerava inadiável a ênfase em
obras de infraestrutura (estradas e eletrificação) para a industrialização. A
história comprova que, com o golpe cívico-militar de 1964, todas essas
propostas seriam descartadas, eliminando a possibilidade do pequeno agricultor
fixar-se à terra, levando-o a migrar massivamente para as regiões mais
industrializadas do centro-sul. Mais adiante veremos o quanto esse amalgama
urbano-rural irá influenciar na formação e estruturação do MST, e desse
movimento, a possibilidade da escolha utópica como realização de um sonho
sempre postergado.
Afora
economistas como Celso Furtado, artistas e intelectuais brasileiros se
envolveram com a realidade social do Nordeste brasileiro, produzindo inúmeros
trabalhos sobre o tema. Na literatura, tivemos obras de escritores como
Graciliano Ramos (Vidas Secas, 1938),
Raquel de Queiróz (O Quinze, 1930),
José Lins do Rego (Menino de engenho,
1932), que aguçam o olhar para o drama da seca e da decadência econômica; na
pintura, Cândido Portinari registra o flagelo do migrante sertanejo na série Os Retirantes (1944), onde figuras
famélicas, sem recursos para trabalhar a terra ou expulsas pelo latifúndio, são
expostas ao sol inclemente e à morte. Suas silhuetas delgadas e os pés
descalços, superdimensionados, expressam as agruras da miséria, resultante do
cruel sistema agrário existente.
Nos
anos 1960, retomando a influência de Canudos, o Cinema Novo aportava em imagens
a estética da fome glauberiana, sintetizada na denúncia social da
miserabilidade. Glauber Rocha, no manifesto escrito em 1965, conclui afirmando
que "o Cinema Novo é um projeto que se realiza na política da fome, e
sofre, por isto mesmo, todas as fraquezas consequentes de sua existência"
(ROCHA, 1995, p. 145). A força do processo histórico recupera os referentes
simbólicos do passado e, dessa maneira, Glauber em seu Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964) incorpora Conselheiro na
figura de Sebastião, que percorre o sertão arrebanhando almas a partir de suas
promessas idílicas, e retrata a violência sertaneja compondo personagens como
Antonio das Mortes, o matador de aluguel a serviço da igreja e dos
latifundiários, e Corisco, como representante do cangaço. Naquele momento, o
cinema brasileiro renovado, que prenunciava um futuro em suas formas estéticas
e temáticas, passa necessariamente pela recuperação da história social,
recriando o espaço-tempo de uma região simbólica onde as narrativas se inserem
em uma interpretação crítica do passado, e nada mais pedagógico do que a
construção de personagens alegóricos a representar o poder e a pobreza crônica.
Uma vez mais Canudos surge como referencial para a ruptura de nosso arcaísmo
social, marcado por profunda desigualdade estrutural, e subjaz como memória de
um futuro de novas esperanças.
O
golpe cívico-militar de abril de 1964 interrompe de um modo abrangente os
projetos culturais que denunciavam nossa desigualdade social, atingindo não só
o Cinema Novo e anulando completamente os planos de desenvolvimento da região
Nordeste, definidos pela Sudene[4]
sob a orientação de Celso Furtado. A sedição, de um modo geral, impediu
que o processo de industrialização e de reforma agrária previstos
originalmente, não avançassem. De acordo com Darcy Ribeiro, por mais que o povo
brasileiro sofresse o impacto das revoluções tecnológicas, tanto agrária como
industrial, que contribuíram para sua configuração, "todas as suas forças
transformativas foram contidas pelas classes dominantes, dentro de limites que
não ameaçavam sua hegemonia" (RIBEIRO, 2005, p. 257). Visto de outra
maneira, Ribeiro retoma o olhar inquieto de Conselheiro e o otimista de
Furtado, no que diz respeito à construção de uma cidadania mais consciente,
"a cultura popular brasileira tradicional, tornada arcaica, se vai
transfigurando em novos moldes" (RIBEIRO, 2005, p. 265). Uma vez mais essa
"gente indomável", como definido por Euclides, em meio às
dificuldades estruturais da vida cotidiana, em meio ao medo construído pelos de
cima “com o propósito de enfraquecer e mesmo aniquilar as forças adversárias”
(SAMPAIO, 2001, p. 32), projeta novas formas organizadas de luta e propõe uma
transfiguração social sob novas perspectivas, da qual trataremos a seguir.
O MST: formas rurbanas
de ocupação e produção de utopia
Como
observado anteriormente, a secular desigualdade produzida no campo,
concomitante à omissão dos governos federais em oferecer respostas de
reestruturação da terra (e, consequentemente, criar possibilidades de fixação
do trabalhador rural), levou com que significativos contingentes migratórios,
oriundos das áreas menos desenvolvidas do país, sobretudo o Nordeste, migrassem
para os grandes centros urbanos do centro-sul, São Paulo, Belo Horizonte, Rio
de Janeiro, a partir de meados do século passado, em busca de melhores
condições de vida. As dificuldades de adaptação à realidade urbana, para a
maioria dos que chegavam, espoliados em seus direitos de moradia, vivendo em
áreas precárias, desatendidas nos serviços públicos, submetidos ao trabalho
informal e intermitente, produziram o que Lucio Kowarick denomina de condição
de subcidadania urbana, onde, submetido a toda sorte de preconceitos e
condenado pelo imaginário social que o traveste como uma espécie de pária, o
morador das áreas de vulnerabilidade social é percebido como vagabundo e,
consequentemente, ligado à criminalidade e à violência (KOWARICK, 2009).
O MST,
Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra, surge em 1984 no vácuo desses
problemas históricos e estruturais da sociedade brasileira. Tem na reforma
agrária seu principal objeto de ação, ao realizar a ocupação de terras ociosas
ou devolutas, onde “os latifúndios desapropriados para assentamentos
normalmente possuem poucas benfeitorias e infraestrutura, como saneamento,
energia elétrica, acesso à cultura e lazer. Por isso, as famílias assentadas
seguem organizadas e realizam novas lutas para conquistarem estes direitos
básicos”[5]. Muitos dos trabalhadores assentados
“desterritorializados duplamente”, ao abandonar suas origens no campo e,
posteriormente, a vida nos centros urbanos, encontram nos acampamentos do MST
uma chance de reterritorialização, e nesse sentido, realizam “a fuga da pobreza
urbana e a busca de uma melhor qualidade de vida no campo, por intermédio da
luta pelo acesso à terra” (LINDNER; MEDEIROS, 2012, p. 11). Reorganizados em
torno de objetivos coletivos bem definidos, o subcidadão urbano reencontra a
chance de trabalhar com vistas a um futuro como cidadão de direito.Para
analisarmos um exemplo bem-sucedido, o historiador João Krüger, pesquisador do
assentamento de Itapeva, organizado em seis agrovilas onde se concentravam 362
famílias (2005) [6], sintetiza como se dá o dia-a-dia nessas
localidades,
Trata-se,
na verdade, de uma comunidade híbrida, mista, não só no que se refere às
atividades de trabalho, de sobrevivência, de organização social delimitando os
espaços públicos e privados, mas também, no que se refere aos valores
culturais. Ocorre entre eles um entrelaçamento de valores tradicionais,
tipicamente rurais, e valores urbanos. (KRÜGER, 2005, p. 30)
Krüger
aponta para um conceito importante, o rurbano,
que rege a organização do MST e se apresenta nas formas de desenvolvimento de
cada assentamento. Como destaca a pesquisadora Beatris Duqueviz, o rurbano envolve “um processo de
desenvolvimento socioeconômico que combina, como formas e conteúdos de uma só
vivência regional [...], valores e estilos de vida rurais, valores e estilos de
vidas urbanos”. (DUQUEVIZ, 2006, p. 83). Constituem-se formas heterotópicas
específicas de organização social, onde se produz uma forte identificação com
projetos coletivos que oferecem a concretização de esperanças de bem-viver. O
exemplo do assentamento de Itapeva, com suas seis Agrovilas devidamente
estabelecidas do ponto de vista jurídico, efetiva na prática o sentido do rurbano, pois tem na atividade agrícola
sua principal fonte de renda, sem abandonar as características urbanas, onde as
Agrovilas “se estruturam com suas habitações umas próximas às outras, com
planejamento de ruas, calçadas e iluminação” (KRÜGER, 2005 p. 141). Em uma
palavra, laboram dispondo de ferramentas rurais e urbanas para o
desenvolvimento do bem-estar coletivo. Considerando o mesmo assentamento nos
dias de hoje, é curioso observar o quanto o recorte rurbano afeta, sobretudo, os jovens, quando Camila Maciel, quinze
anos depois da pesquisa de Krüger no assentamento de Itapeva, constata que
as
novas dinâmicas socioespaciais no meio rural permitem que o campo seja tomado
como um local de moradia e valorizado pelos jovens por benefícios como o
convívio com a natureza e a tranquilidade, mas eles não abrem mão do acesso à
educação e aos serviços disponíveis no meio urbano (MACIEL, 2019, p. 134).
O
compromisso com a resistência e a esperança por um futuro mais digno, ou como
diz Darcy Ribeiro, transfigurado em novos moldes, se expressa na força das
transformações e na beleza das preservações, como se vê no manifesto do MST em
comemoração ao dia da Caatinga, em abril de 2012:
É
cultura caatingueira de muita poética a mulher mãe, batalhadora, guerreira
“puxando cobra aos pés” [...] liderando a comunidade nas lutas por cisternas,
direitos e num “samba” puxando um “cavaleiro” pra dançar um forró a noite toda.
Se há pouco o que comemorar no Dia Nacional da Caatinga, há muito que defender
e o que aprender com essa mata, essa fauna, esse povo. A resiliência da
Caatinga é poesia e ensinamento (DUARTE, 2021). [7].
A
agroecologia é sem dúvida uma prática incorporada nos assentamentos e acampamentos
do MST como uma escolha transformadora e inclusiva. Os exemplos se sucedem em
mobilizações regulares, como o Dia do Meio Ambiente (5 de junho) com a campanha
Floresta de Pé, em defesa da Amazônia, realizada neste ano de 2021. No
acampamento Padre Roque Zimmermann, de Castro (PR), ocorreu o plantio de 400
mudas de árvores nativas e frutíferas nos lotes e nas áreas coletivas da
comunidade. A exemplo das Agrovilas de Itapeva, prevalece o cuidado com a
biodiversidade, sendo que toda a produção do acampamento é agroecológica. E
nesse período de pandemia da Covid-19, comunidades do MST participaram
ativamente em diversas ações solidárias, como, por exemplo, a distribuição de
alimentos para famílias cadastradas de áreas vulneráveis, com cestas contendo
alimentos agroecológicos de sua produção, como ocorreu nas vilas Pantanal e
Chacrinha, em Curitiba, com 500 cestas de alimentos não perecíveis e itens
frescos; a “Marmita Solidária” com doações de marmitas para trabalhadores
informais, no Rio de Janeiro[8].
Por
toda essa efetivação de um mundo plural, pensado de modo mais crítico e
inclusivo, o educador Paulo Freire desempenha um papel fundamental no processo
de alfabetização e consciência de mundo nas escolas do MST, com o legado de sua
Pedagogia da Libertação. O desejo utópico sempre presente nessa maneira de
conceber um outro mundo possível, mais justo, mais inclusivo, mais
participativo, aponta para uma esperança aprimorada, e se tomamos os princípios
definidos por Morus, essa busca é contemplada não apenas pelo predomínio do
bem-estar material e social, mas igualmente pelo espírito inquieto, com o fim
de melhorar o mundo em que se vive (MORUS, 1979).
Esse
espaço em que os trabalhadores propõem iniciativas que visam solucionar os
graves problemas estruturais do nosso país se converte também em uma
heterotopia, um lugar diverso, com características que o diferem dos demais, ao
realizar uma utopia localizada, enriquecedora à sua maneira. A heterotopia do
MST, ao contrário das missões jesuíticas do século XVIII, como descreve
Foucault (2013), se destina a criar uma reserva de imaginação.
Esse
caminho sempre de uma vida mais salutar e pensada coletivamente no desvelar de
um novo horizonte, também supõe a possibilidade de uma mudança radical da
história, em que uma vez na encruzilhada das decisões, pode-se optar por um
rumo distinto e inovador em relação ao que sempre se escolheu. Em outras
palavras, dar ao processo histórico a possibilidade de uma compreensão
ucrônica, vista de um ponto de vista perspectivo, em que acontecimentos jamais
sucedidos possam ser recuperados em uma nova chance. Dessa maneira, o projeto
do MST realizaria em alguma medida os sonhos dos projetos comunais abortados em
nossa história, pelo preconceito e pela violência. Nunca é demais lembrar o
medo das nossas classes dominantes em relação a Canudos, um medo que por não
saberem lidar com as demandas de uma gente indomável, passou a ser um “medo construído”
progressivamente, para contaminar todo o tecido social (SAMPAIO, 2001).
Superando
os impasses do passado, a ucronia do MST poderia desarmar os medos construídos
para torná-los caminhos de transformação social. O sucesso do movimento dos Sem
Terra poderia ser uma resposta concreta à pergunta “e se Canudos tivesse
sobrevivido?” Toda a desilusão e violência acumuladas ao longo de décadas não
seriam apagadas, mas os novos sertanejos haveriam de incorporar o espírito de
luta de seus ancestrais, para serem interpretados por novos Euclides da Cunha e
finalmente incorporados por uma sociedade menos fatalista e criminosa. Como
teria escrito Renouvier ao final de seu livro Uchronie
(L’utopie dans l’histoire): “Terá forçado o espírito a parar por um momento no
pensamento das coisas possíveis que não foram realizadas, e a se elevar mais
decididamente ao pensamento das possibilidades que ainda estão suspensas no
mundo”. (PELEGRÍN CAMPO, 2010, p. 11)
Seria enfim, a possibilidade de, o que permanece suspenso
no mundo, pudesse por fim realizar-se, para além de um firme desejo meramente
utópico.
Considerações Finais
Este artigo traz resultados parciais de pesquisa
desenvolvida junto ao CNPq que investiga quais os códigos que constroem a
memória do futuro; pergunta também sobre suas manifestações como textos de
cultura gerados na semiosfera. Para Lotman (1996, 1998), a memória é
propriedade da semiosfera e é também um mecanismo gerador dos textos dos quais
nascem novos textos. A memória, então, não é apenas marca temporal da coisa
lembrada, da experiência passada, mas igualmente é expectação, possibilidade,
memória-gênese, futuro do texto em véspera de ser inscrito no continuum
semiótico.
Quando pensamos na semiosfera e em seu processo dinâmico,
as dimensões temporais e históricas se codificam, organizam-se em sistemas
sígnicos que se traduzem em textos. Assim, textos produzidos em épocas
diferentes podem ser comparados, relacionados, postos em diálogo. Não à toa,
Canudos e MST, textos da cultura que vivem na semiosfera política e social
brasileira em momentos diferentes, podem ser compreendidos em suas conexões e
em suas movências. Isso explicaria a permanente ação das elites na preservação
do medo construído, tornado texto, que seria responsável tanto pela
impossibilidade da consecução de um projeto voltado para os interesses do
sertanejo como pela marginalização do MST.
Por outro lado, Lotman, como historiador cultural que
compreende a cultura semiótica e comunicativamente, percebe a história aberta
às possibilidades, às ucronias. No âmbito da memória, seja como memória-gênese,
isto é, do futuro, seja como Mnemosyne, mãe das musas, ela preside a invenção.
Reservas de imaginação capazes de criar futuros sonhados em projéteis. Nesse
sentido, percebemos a presença do MST como texto cultural utópico/heterotópico
nascido no sonho de Canudos.
Pelos caminhos cruzados, Clio encontra Conselheiro.
Notas
[1] “El tempo que estamos viviendo es um tempo de balance, um tempo de
‘finale’: finaliza el siglo XX, finaliza el milenio transcurrido después del
bautismo de Russia [...] finaliza el segundo milenio de existência de la nueva
cultura europea” (LOTMAN, 1998, p.244).
[2] “[...] no como um ovillo
desovillado en um hilo infinito, sino como uma avalancha de materia viva que se
autodesarrolla.” (LOTMAN, 1998, p. 252).
[3] Bolsa de Produtividade em Pesquisa- PQ, nível 2. Pesquisa: Memórias do futuro, códigos e consumos:
teatralidades steams, textos e espaços.
[4] A
SUDENE (Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste), criada pela Lei no 3.692,
de 15 de dezembro de 1959, foi uma forma de intervenção do Estado no Nordeste,
com o objetivo de promover e coordenar o desenvolvimento da região. Disponível
em: <https://bit.ly/3yjID26>.
Acesso em 08 jun. 2021.
[5] Disponível em: <https://bit.ly/3A8fOq2>.
Acesso em 08 jun. 2021.
[6] Em 2019, a pesquisa de Camila de Araújo Maciel
(Unicamp), em sua dissertação de mestrado, registrou a presença de 426 famílias
nos 8.000 ha do assentamento da Fazenda Pirituba, em Itapeva/Itaberá. Disponível
em: <https://bit.ly/3ypPIOz>.
Acesso em 08 jun. 2021.
[7] DUARTE, J. A
poesia da Caatinga é sua resiliência. In: Página do Movimento dos
Trabalhadores Rurais sem Terra. 28 abr. 2021 Disponível em: <https://bit.ly/3ftm6so>. Acesso em: 08 jun. 2021.
[8] Disponível em: <https://bit.ly/2Vk9KMh>. Acesso em: 08 jun. 2021.
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[1] Bolsista de
Produtividade em Pesquisa- nível 2 (CNPq). Doutora em Comunicação e Semiótica.
Docente e pesquisadora do PPGCOM-ESPM.
E-mail: monicarfnunes@espm.br
[2]
Doutor em
Ciências Sociais pela PUC-SP. Escritor, Integrante do Grupo de Pesquisa em
Memória, Comunicação e Consumo (MNEMON) do Programa de Pós-Graduação em
Comunicação e Práticas de Consumo da ESPM. E-mail: marcobin@gmail.com.
[3] Bolsista de
Produtividade em Pesquisa- nível 2 (CNPq). Doutora em Comunicação e Semiótica.
Docente e pesquisadora do PPGCOM-ESPM.
E-mail: monicarfnunes@espm.br
[4]
Doutor em
Ciências Sociais pela PUC-SP. Escritor, Integrante do Grupo de Pesquisa em
Memória, Comunicação e Consumo (MNEMON) do Programa de Pós-Graduação em
Comunicação e Práticas de Consumo da ESPM. E-mail: marcobin@gmail.com.