Memória Amordaçada:
o massacre do Caldeirão
da Santa Cruz do Deserto
Kelsma Maria Silva Gomes[1]
João
Batista Freitas Cardoso[2]
Priscila
Ferreira Perazzo[3]
Barbara Heller[4]
Resumo: O artigo visa discutir a produção da memória
amordaçada a partir das discussões da memória, da história e do silenciamento
sobre o massacre do Caldeirão da Santa Cruz do Deserto, episódio da história do
Ceará, estado do Nordeste brasileiro, ocorrido há menos de um século em uma
comunidade sociorreligiosa liderada pelo beato José Lourenço, na região do
Cariri, em 1937. A pesquisa se sustenta na categoria de memórias subterrâneas
de Michel Pollak, para entender como a história do
massacre ficou silenciada, mas não esquecida. O corpus de análise é composto
por relatos
de três remanescentes que guardaram o acontecimento na memória, mesmo não tendo
tido ação direta no episódio. As narrativas orais dos episódios permitiram
entender os processos pelos quais a memória social é amordaçada e como vem à
superfície.
Entende-se que o massacre do Caldeirão da Santa Cruz do Deserto pode ser
considerado como uma dessas histórias do tempo presente, porque conta com as
lembranças de personagens, daqueles que atuaram, viveram ou mesmo testemunharam
os acontecimentos. No entanto, é uma memória amordaçada, visto que foi
silenciada de modo violento.
Palavras-chave: História;
Memória; Silêncio; Caldeirão da Santa Cruz do Deserto.
Muzzled Memory:
the massacre of the Caldeirão da Santa Cruz do
Deserto
Kelsma Maria Silva Gomes[5]
João
Batista Freitas Cardoso[6]
Priscila
Ferreira Perazzo[7]
Barbara Heller[8]
Abstract: This article aims at
discussing the production of muzzled memory from the discussions regarding
memory, history and the silencing of the 1937 massacre at the Caldeirão da Santa Cruz do Deserto,
episode in the history of Ceará, a state in
northeastern Brazil, which took place less than a century ago in a
socio-religious community led by the pious José Lourenço,
in the Cariri region. The research is based on Michel
Pollak's category of subterranean memories in order to understand how the
history of the massacre was silenced, but not forgotten. The corpus of analysis
is composed of reports by three remnants of the massacre who kept said event in
their memory, even though they had no direct action in the episode. The spoken
narratives of the episodes allowed us to understand the processes by which
social memory is sometimes muzzled but other times come up again. It is
understood that this event can be considered as one of those present time
stories, because it has the characters’ memories, either those who acted, lived
or even witnessed the massacre. However, it is a muzzled memory, as it was
violently silenced.
Keywords: History; Memory; Silence; Caldeirão da Santa Cruz do Deserto.
Introdução
Os
debates sobre memória e história, suas aproximações e seus distanciamentos, são
sempre recorrentes. História e memória
são processos narrativos que nos levam à reflexão, seja quando queremos lidar
com as lembranças das pessoas ou quando queremos conhecer a história de um
acontecimento vivido direta ou indiretamente. Representam uma espécie de “presentificação intuitiva que tem a ver com o tempo”
(RICOEUR, 2007, p. 62). Assim, como sugeriu Santo Agostinho, a lembrança vem da
capacidade de reconhecer algo que se perdeu, ou seja, ela “acontece quando nos
esquecemos e procuramos recordar” algo. Voltamos a procurar na nossa própria
memória:
E se aí, casualmente, se nos oferece uma coisa por outra, rejeitamo-la até que nos ocorra aquela que procuramos. E, logo que nos ocorre, dizemos: ‘É isto’; o que não diríamos, se não a reconhecêssemos, e não a reconheceríamos, se não nos lembrássemos (SANTO AGOSTINHO, 2008, p. 66).
A partir dessas reflexões filosóficas,
analisaremos um episódio da história do Ceará, estado do Nordeste brasileiro,
ocorrido há menos de um século. Estamos vivendo uma nova modalidade de tempo
histórico, a partir das atuais preocupações que temos da História. Temos a
possibilidade de pensarmos a história recente como àquela que ainda arde,
porque é muito próxima temporalmente, do mesmo modo que é muito próxima como
memória e como vivido.
A
história do massacre do Caldeirão da Santa Cruz
do Deserto, comunidade sociorreligiosa liderada pelo beato José Lourenço, na
região do Cariri cearense, em terras no município do Crato, ocorrida em 1937, pode ser considerada como uma dessas histórias
do tempo presente, porque conta com as lembranças de personagens, daqueles que
atuaram, viveram ou mesmo testemunharam os acontecimentos e são os atores vivos
da contemporaneidade. No entanto, é uma história amordaçada, visto que foi
silenciada de modo mais violento. Todavia, ainda permanece na memória das
pessoas, mas não emergiu à história como um episódio de massacre e de violência
do Estado.
Para o historiador Jacques Le Goff (2003), as memórias sociais ganharam maior destaque a
partir do século XX, quando vistas como lembranças que
permanecem no imaginário de uma comunidade. O processo de lembrar e esquecer
atinge os envolvidos no contexto histórico e varia de acordo com o envolvimento
de cada um com o contexto social. Para esse autor, a memória sobrevive ao
desgaste do tempo porque está atrelada à identidade do sujeito. Mesmo sendo
passível de interpretações, serve para que o
passado seja uma forma de servir ao futuro, em busca de uma libertação
individual e coletiva e não como algo que aprisione o ser humano ao que foi
vivido, tornando-o servo de suas experiências.
Desse
modo, este texto analisa questões que permitem recolocarmos histórias —
entendidas como passadas — em nossas perspectivas do presente e futuro, pois
lembrar libera mordaças, e permite (re)interpretar nosso presente.
Trazemos a ideia da
memória amordaçada a partir das discussões da memória, da história e do
silenciamento sobre o massacre do Caldeirão da Santa Cruz do Deserto, no Ceará.
Para construir essa ideia, sustentamo-nos na categoria de memórias subterrâneas
de Michel Pollak
(1989). São elas que realizam um “trabalho de subversão no silêncio e de
maneira quase imperceptível afloram em momentos de crise e sobressaltos [...]”
(POLLAK, 1989, p. 4). A história do
massacre ficou silenciada, mas não esquecida. Como sugere Pollak
(1989), o não-dito protege as vítimas de desconforto, de desconfiança e da dor,
pois suas versões diferem das oficiais, que desfrutam
de credibilidade e aceitação. Embora amordacem as demais, não impedem que sejam
ativadas a qualquer estímulo, como tem ocorrido no tempo presente, em que
experimentamos novas formas de violência, de crise e de recrudescimento do autoritarismo
de Estado, como o que vigorava em 1937[1].
Essa história emerge dos relatos de pessoas que
guardaram o acontecimento na memória, mesmo não tendo tido ação direta nos
episódios. Com base em Narrativas Orais de Histórias de Vida (PERAZZO,
2015), consideramos essas narrativas como relatos orais, constituídos ao longo
do tempo e obtidos a partir do método que considera os sujeitos artífices da
história e narradores de suas próprias experiências ou impressões. As
narrativas “possibilitam a compreensão de processos comunicacionais e sua
intersecção com a cultura”. Por fim, a pessoa narradora é “recolocada em cena”
por meio de sua subjetividade expressa nas narrativas das suas experiências,
visões de mundo e sentido das coisas (PERAZZO, 2015, p. 123-124).
Ecléa Bosi (2003) também reconhece a riqueza da
memória oral, formada pela junção de pontos distintos associados com a emissão
de valores e culturas, além dos afetos inseridos naturalmente que constroem uma
memória rica em detalhes, ainda que passível de desvios, preconceitos e mais
sensibilidade. A autora preza a valorização das memórias orais advindas de
pessoas experientes, pois considera que os “velhos” dispõem de uma riqueza
ímpar de memória, pois viveram muito e sempre têm algo novo para compartilhar
(BOSI, 1979).
O presente artigo visa discutir a produção da
memória amordaçada em suas relações com a história do massacre do Caldeirão.
Desamarrar a mordaça e permitir que a narrativa rompa o silêncio exige que se
escolha entre narrar ou continuar a silenciar, que se distinga o que se viveu
daquilo que permaneceu na memória local e, assim, voltar a lidar com uma crise
que volta a nos assombrar.
O massacre do Caldeirão
da Santa Cruz do Deserto
A história da
localidade do Caldeirão da Santa Cruz do Deserto, no Cariri, estado do Ceará,
remonta ao final do século XIX e está interligada às secas da região e à
presença da religião. Essas terras estão localizadas no município de Crato,
numa área de 880 hectares, na encosta da Chapada do Araripe. No século XIX,
pertenceram ao Padre Cícero até a sua morte, quando então foram herdadas pelos
padres Salesianos. Em 1926, o beato José Lourenço recebeu parte destas terras
em doação, em uma tentativa do Padre Cícero de acomodar as famílias que haviam
sido despejadas do Sítio Baixa d’Anta, primeira comunidade organizada pelo
beato. Ocupadas pelas famílias de camponeses até 1926, quando o arrendatário
solicitou as terras de volta, as famílias foram obrigadas a desocupá-las, sem
direito algum (FARIAS, 2015).
Entre 1926 e 1936, o
beato José Lourenço montou a segunda comunidade nas terras doadas pelo Padre
Cícero, onde antes havia a comunidade denominada Caldeirão dos Jesuítas.
Recebiam a denominação de “caldeirão” em virtude da existência, naquela
localidade, de um reservatório de água que, segundo relatos, nunca secava,
apesar das secas daquela área.
A quantidade de pessoas que se dirigiam à comunidade
pode ser explicada pelo contexto de migração e religiosidade da época. Enquanto
a seca castigava a região, a comunidade do beato vivia em fartura pela
abundância de sua produção:
Enquanto na seca de
1932 milhares morriam de fome e doenças por todo o Nordeste, o Caldeirão foi
uma exceção. A comunidade abriu os depósitos de víveres, acolhendo e dando
alimentos e trabalho a centenas de retirantes. Durante os 23 meses da estiagem,
o Caldeirão sustentou todos os retirantes (cerca de 500 pessoas), que, na
maioria, decidiu depois se fixar na fazenda (FARIAS, 2015, n.p.).
Padre Cícero, ao ter as
ordens suspensas e se mudar de Crato para emancipar Juazeiro do Norte, atraiu a
atenção das oligarquias e a confiança dos romeiros, que já o santificavam após
o suposto milagre da hóstia santa envolvendo a beata Maria de Araújo. Esse fato
culminou na suspensão de suas ordens no final do século XIX, mas fez com que
atraísse, para onde quer que estivesse, romeiros e romarias de todas as regiões
circunvizinhas a Juazeiro do Norte (FARIAS, 2015).
Devido às
características da comunidade, à religiosidade, à divisão do trabalho e à
prosperidade, o Caldeirão da Santa Cruz do Deserto é comparado à experiência
de Canudos e o beato José Lourenço a Antônio Conselheiro (LOPES, 2011). Muitas
notícias da época faziam referência a um movimento messiânico, a um fanatismo
religioso e a uma comunidade sociorreligiosa (ALMEIDA, 2011).
Discursos como os de
Severino Tavares, missionário que pregava sobre a bem-aventurança da comunidade
cearense, contribuíram para atrair as pessoas, principalmente do Rio Grande do
Norte, que buscavam viver de modo semelhante ao evangelho. Em 1936, 75% da
comunidade do Caldeirão era composta por norte-rio-grandenses (SILVA, 2009).
A verdade é que,
inicialmente, o misticismo uniu-os, a todos eles, tanto em Canudos como em
Juazeiro, no Contestado como no Caldeirão. Mas o ‘fanatismo’ era o elemento
necessário da solidariedade grupal, a reação contra a ordem dominante (FACÓ,
1980, p. 55).
A comunidade do Caldeirão também fora vista pelo
governo de Getúlio Vargas como ameaça comunista, porque provocava desconforto
nas oligarquias em relação às atividades sobre a terra. Com a morte de Padre
Cícero em 1934, a diocese passou a demandar pelas terras administradas por ele
e, amparada por forças policiais, expulsou as famílias da região.
As romarias, o
crescimento da comunidade e a grande influência de José Lourenço começaram a
chamar a atenção sobre o núcleo de fanáticos. Assim, a Igreja, os coronéis e o
Estado, do mesmo modo como em Canudos, articularam-se e destruíram o Caldeirão
(FARIAS, 2015, n.p.).
Para alguns estudiosos,
a experiência do Caldeirão foi superior à de Canudos, graças à organização e
religiosidade do beato José Lourenço, que motivava os camponeses a viverem uma
vida de trabalho, partilha e fé. É considerado um dos mais interessantes
episódios locais, resultante dos acontecimentos de Juazeiro ao tempo do Padre
Cícero e também após sua morte, como fruto da “hégira
sertaneja”. Isso confirma a tendência de as massas rurais, sem terra, em certa
fase da História do Brasil, ao encontrarem um pedaço de terra para cultivar,
mesmo sem recursos, sem meios técnicos e sem ferramentas, rasgarem a terra com
as próprias mãos e, assim operarem o milagre (FACÓ, 1980).
Foram essas as
condições que provocaram o massacre do Caldeirão. De início, os moradores foram
retirados e internados em estabelecimentos prisionais organizados pelo estado
do Ceará, os chamados currais. Contudo, os moradores resistiram em abandonar o
sítio e por isso tiveram suas casas incendiadas e os armazéns saqueados. Camponeses com ferramentas de trabalho rústicas e
sem armas não puderam confrontar as forças policiais do Estado. Por isso,
fugiram e procuraram abrigo na Mata dos Cavalos, local onde se encontrava o
beato Zé Lourenço. Avisado de que estavam à sua procura, já havia fugido, mas
antes recomendou aos moradores que não reagissem. As forças policiais
sobrevoaram o local e atiraram granadas na comunidade. Nesse ataque não houve
mortos, contudo, a lembrança das bombas jogadas dos aviões foi o que mais
ouvimos nos relatos das remanescentes[2]. O massacre da população ocorreu quando duzentos
militares atacaram os camponeses por terra.
Aconteceu
ali uma das maiores chacinas da história cearense. Não se faziam prisioneiros.
A debandada era geral. Adultos, crianças, velhos, eram atingidos com tiros e
baionetadas. Os soldados fincavam as baionetas com tanta força que tinham de
usar o pé para retirá-las. Lourenço e algumas famílias conseguiram escapar,
sorte que não tiveram outros. Muitos clamavam, em lágrimas, o nome de Deus para
não serem mortos, mas acabavam fuzilados sumariamente pelos atacantes. A pele
de alguns chegou a ser arrancada a golpe de faca (FARIAS, 2015, n.p.).
A história da
comunidade do Caldeirão da Santa Cruz do Deserto não foi acolhida pela História
do estado do Ceará, pelos livros didáticos e muito menos pela História do
Brasil. Não foi contada em outros estados da Federação. A formação da
comunidade, a reclusão nos currais, o extermínio e a figura do beato foram
amordaçadas, silenciadas nos discursos oficiais e, até mesmo, na memória das
pessoas da localidade.
A violência sofrida em
Caldeirão da Santa Cruz do Deserto seguiu silenciada pelos veículos oficiais
por, pelo menos, três décadas, mas resistiu na memória das pessoas. Por meio da
prática popular de contar histórias, seguiu subterraneamente seu trabalho de subversão
contra as mordaças. As fontes oficiais e os jornais da época construíram a
versão heroica da atuação do Estado. E os remanescentes têm sua versão
silenciada e amordaçada.
A memória amordaçada
As
narrativas que ficaram contidas nas memórias — amordaçadas – são de três
mulheres, as três com o mesmo nome: Maria. São identificadas como MFerreira, MSales e MJosé[3],
remanescentes do Caldeirão da Santa Cruz do Deserto, no Ceará.
MFerreira tinha 90 anos quando aconteceu
esta conversa. Ela inicia sua narrativa
sobre Severino Tavares, o pregador do discurso da Salvação, no Rio Grande do
Norte, local em que sua família morava na década de 1930. Tavares era o
missionário que, após a morte do Padre Cícero, propagou a vida no Caldeirão e
atraiu famílias. Essas deveriam vender suas terras, doarem o dinheiro ao beato
e se mudarem para a comunidade do Caldeirão.
MFerreira tinha em torno de oito anos quando se deu a fuga de
seus familiares em meio ao sobrevoo dos aviões e granadas que atacaram o
Caldeirão e provocaram o massacre. Menina fugida, ela se recorda do medo de ter
sua origem de remanescente identificada e, por isso, passou muitos anos sem
reconhecer a própria identidade. Durante 17 anos acreditou que o pai havia
morrido no combate, mas soube, ao reencontrá-lo, que durante todo esse tempo
ele tinha sido o guardião do túmulo do beato.
Em trechos de seus
relatos, MFerreira conta como se deu o massacre:
[...]
de manhã papai desceu pra ir lá no meu padrim José [beato José Lourenço], aí quando papai voltou
ele disse: “Joana [mãe deMFerreira] tá uma revolução
lá embaixo, estão queimando o que tinha de barraca, Joana! Já correu todo
mundo, fulano de tal já correu, fulano de tal já correu, fulano de tal já
correu. As barracas deles tão tudo queimada, a barraca de fulano de tal e de
fulano de tal. Vambora, vambora,
vambora; se arruma Joana e vamos sembora”.
E aí a polícia chegou, e papai: “vem Joana, vem Joana!”
e eles [os policiais] “vem sembora
pra fora, mulher!” [voz ríspida] […] e ele [policial]
dizia: “sai para fora, mulher, senão eu queimo tudo com tu aí dentro” [voz
muito ríspida]. E papai dizia: “vem Joana, vem Joana!”
[agoniado], até que mamãe saiu [respiro]. Aí nós
descemos e ele [policial] foi lá tocar fogo [na barraca]. Descemos a ladeira,
chegamos lá embaixo e para nós andar [expressão de dificuldade] que era tudo
barraca perto, as cinzas e a fumaça [das barracas incendiadas] não tinha lugar
[para caminhar] a gente tinha que passar por cima de onde era queimado, e a
gente passava assim com medo de pisar [se encolhe] nas brasas. Aí quando a
gente chegou perto de um lugar próximo do Caldeirão, que eu não sei o nome, mas
nesse tempo eu sabia, tinha assim um barracão, como é que chama um lugar assim
bem grande? Era como um barracão, um galpão!
Eu não sei se é nesse dia, eu não lembro bem, não, mas disseram: “é pra ir todo mundo se apresentar lá no galpão, pra ir todo
mundo pra lá”. E aí eu ainda lembro que era um portão assim e tinha uma fila
assim de soldado e a gente tinha que passar assim: “com licença!”
[se encolhe] (MFERREIRA, 2019, informação verbal).
No trecho apresentado, MFerreira conta de forma detalhada o cenário da invasão e
da expulsão. Os camponeses retirados do Caldeirão, como a família de MFerreira, foram colocados em um lugar que chamavam de “curral”,
e não de “galpão”, como se refere a narradora. De sua fala podemos considerar
que as falhas da memória são inerentes à condição humana e à condição do velho
(BOSI, 1979) — MFerreira relembra essa história aos 90 anos — e que podemos esquecer
as palavras, por medo das represálias e da desconfiança (POLLAK, 1989).
Ouvir os relatos das
testemunhas, que à época do acontecimento eram crianças, traz uma carga de
significados mais dramáticos. Compreendemos o modo como narram as três Marias
do Crato como Pollak descreve o significado dos
relatos dos sobreviventes dos campos de concentração da Segunda Guerra Mundial:
Seu
silêncio sobre o passado está ligado em primeiro lugar à necessidade de
encontrar um modus vivendi com aqueles que, de perto ou de longe, ao
menos sob a forma de consentimento tácito, assistiram à sua deportação (POLLAK,
1989, p. 5).
Todavia, a irrupção da
memória subterrânea, segundo Pollak (1989), é favorecida “por uma política de
reformas que coloca em crise o aparelho […] do Estado”. Trocar o termo curral,
como os policiais se referiam à época, por galpão, mais atualizado ao presente
da narrativa, é um dos sintomas do silenciamento: “Essas lembranças proibidas
[…], indizíveis […] ou vergonhosas […] são zelosamente guardadas em estruturas de
comunicação informais e passam despercebidas pela sociedade englobante” (POLLAK,
1989, p. 8). Descobrimos que o “silêncio tem razões bastante complexas” e que
“para relatar seus sofrimentos uma pessoa precisa, antes de mais nada,
encontrar uma escuta” (POLLAK, 1989, p. 6). Foi o que umas das pesquisadoras
ofereceu para as Marias, para que pudessem retirar suas mordaças.
Aí
quando foi uma certa hora da tarde começou o tiroteio. Chegaram os tiros: pou! Pou! Pou! Pou! [...] e foi assim já de tardezinha que
meu padrinho [também tio] entrou, chegou onde a gente tava e disse assim: ‘comadre Joana [mãe de MFerreira], eu já venho da minha barraca’. Quando ele
apareceu mamãe disse logo: cadê seu Henrique [pai de MFerreira]?
e meu padrinho disse: ‘comadre Joana, compadre
Henrique não veio, não’. Mamãe disse: “Não
veio não?”, ele disse: “não, comadre Joana, compadre
Henrique levou um tiro e eu acho que ele já morreu, mas antes de eu sair de lá
ele falou comigo, ele disse: “compadre Chico vá para a barraca, pegue a sua
família e a minha e vai -se embora, não fique lá, vá ligeiro! Chegando lá pega
a minha e a sua família e vai-se embora e diga a Joana que não fique não, diga
a Joana que vá mais você com os meninos”. […] Meu padrinho disse: ‘pois vá para
a barraca, arruma as coisinhas que Dona [...] já ficou lá arrumando. Né coisa muita
não, é coisa pouca que a gente vai viajar agora’. Aí quando mamãe arrumou duas
redes... não, três redes, uma para cada um, os pratos, as colheres, assim umas
panelas, botou umas coisinhas, fez assim uma trouxinha, mas também não podia
carregar muita coisa não. Aí assim já de tardezinha, aí já no caminho, aí minha
madrinha disse: ‘seu Chico nós vamos subir pra o Rio
Grande [do Norte]’. E ele disse: ‘não. Nós não vamos pra
o Rio Grande não, nós vamos é subir’. [...] Aí chega a
chuva. Aí Deus é muito bom! Mais na frente tinha aquela quedinha d`água que é
como uma cachoeirinha, eu ia com tanta sede e aquela água fazendo chuáááááááá [...]. Aí, quando chegou mais na frente meu
padrinho disse assim: ‘vamos entrar aqui no mato que já tá
tarde’. Nem sei que hora era […]. Aí eu não sei se foi nesse mesmo dia ou se já
foi de outra vez, aí no outro dia aí a gente saiu e parou em outro canto ou se
foi assim nesse mesmo canto [organizando o pensamento] que eu regulo assim por
volta de umas oito ou nove horas do dia mais ou menos, aí lá vai os avião, aqueles aviões uhhh, uhhh, uhhh uhhh
os avião. [...] Aí
o avião passava tão baixo, tão perto da gente que pra gente ele passava batendo
nos galhos de pau de tão baixo que era, pelo menos na mente da gente passava,
né?! Sim, aí começou a soltar bomba. Pou! Pou! Pou! Pou! Aquelas bombas,
aquelas bombas. Aí a minha mãe e a minha madrinha diziam assim: ‘tampa o nariz
que é bomba envenenada’ e era mesmo [...]. Quando foi com dois ou três dias tava todo mundo doente da vista
que não podia mais nem andar direito no caminho, nem podia nem abrir os olhos
no sol. Os olhos pareciam que estavam cheios de areia (MFERREIRA, 2019,
informação verbal).
Os relatos sobre a fuga, o bombardeio, as
dificuldades na busca por um local seguro para sobreviver e a clandestinidade
reforçam o estado de vulnerabilidade a que estavam submetidos.
Legitimada
pela imprensa, segundo Almeida (2011), essa ação foi consentida pelas
autoridades da época. A vivacidade da narrativa é reforçada pelas onomatopeias,
pelas sinestesias, pelo medo e pelo cansaço rememorados. A tentativa de
conferir veracidade à narrativa pode ser observada quando uma das narradoras,
aos 90 anos, se autocorrige de duas para três redes constantes na bagagem que a
família levava. Não é o número de redes que importa, mas o cuidado da mãe para
que todos tivessem sua própria rede. Essa passagem demonstra como a memória é
viva e libertadora do passado (LE GOFF, 2003), uma espécie de bálsamo para
tanto sofrimento, ainda que se lembrasse também da violência vivida na
infância.
MSales, por sua vez, narrou suas
lembranças aos 65 anos, o que significa que não foi testemunha ocular do
massacre na década de 1930 e, por isso, tem outra apropriação dos fatos,
advinda da memória que permaneceu dessa história em sua família. Ela conta sobre a migração de 36 parentes do Rio Grande do Norte para o
Caldeirão da Santa Cruz do Deserto para fazerem parte da comunidade do beato
José Lourenço. A narradora destaca a resistência dos familiares que não estavam
de acordo em vender as propriedades e entregar todo o dinheiro arrecadado ao
beato; conta também sobre a fartura dos pomares e da lavoura, do arranjo de
irrigação, da organização da comunidade e da divisão do trabalho entre
tecedeiras, marceneiros e trabalhadores do engenho. Mas relembra também da fome
no entorno do Caldeirão que contrastava com a vida de dentro da comunidade.
Descreve as vestimentas como sendo roupas pretas e compridas “varrendo os pés”,
e sobre a perseguição e as mortes, os episódios em que se viam obrigados a
engolir as contas do rosário, a esconder esse objeto nos cueiros dos bebês e a
camuflar a roupa dobrando o cós para diminuir o tamanho, para não gerarem
suspeitas de serem remanescentes do Caldeirão. Salienta o medo que o tio tinha
de perder a aposentadoria se fosse identificado como sobrevivente do massacre e
de morrer incendiado pelos policiais, como os que haviam sido capturados em
fuga ou descobertos nas matas. E assim conta MSales:
Tinha
tanta perseguição que elas [remanescentes] não poderiam ser identificadas.
Tanto é que a minha avó ela dobrava a saia para ficar mais curta porque o
pessoal usava roupa bem comprida, né, varrendo o chão. Aí os que não estavam
ligados à religião popular usavam mais curtas. Aí ela enrolou, né, bem o cós da
saia para não ser identificada como do Caldeirão porque, durante muito tempo,
durante esses anos em torno do Caldeirão ficaram soldados vigiando as entradas
nos pontos mais altos. Eles ficaram vigiando se alguém voltava para o
Caldeirão. Então as filhas de tio Bernardino foram mortas, esquartejadas e
colocados os corpos nas estacas na entrada do Caldeirão para ninguém ir para
lá. Se tivesse com rosário tinha que esconder o rosário. A minha vó também
tirou o rosário, ela tinha um rosário que não era do Beato, era do Padre Cícero
que orientava todo romeiro a usar um rosário, principalmente do Caldeirão. Todo
mundo usava rosário, aí todo mundo tirava e escondia nos cueiros dos meninos.
Então, tinha que se esconder (MSALES, 2019, informação verbal).
As cenas de perseguição
ressaltam o desconforto que a comunidade causava às oligarquias, Estado e
Igreja (FARIAS, 2015). A história desse massacre foi silenciada pelas décadas
dentro da própria comunidade e entre seus remanescentes. Somente na década de
1980 alguns pesquisadores passaram a tratar disso (ALMEIDA, 2011).
Eliminar objetos
biográficos (BOSI, 2003), como rosário e vestes compridas que caracterizavam as
pessoas do Caldeirão, são indicações de como vai se dando o amordaçamento
destas lembranças. Objetos biográficos representam uma experiência vivida e,
por isso, precisavam ser apagados, juntamente com a história. O apagamento
daquilo que caracteriza a identidade da comunidade do Caldeirão é tão ou mais
impactante que o silenciamento da narrativa das lembranças.
MJosé, aos 83 anos, contou que somente tomou conhecimento sobre a relação
de sua família com o Caldeirão próximo ao falecimento de sua irmã que, em seu
leito de morte, chamou-a e revelou ter sido uma das camponesas levadas presas
para Fortaleza e que, decorrido algum tempo, fora retirada de lá por seu pai. MJosé faz questão de ressaltar que, apesar da idade, não
viveu na comunidade e que na época do massacre não era sequer nascida.
O pouco que MJosé diz
saber, ouviu de sua sogra: a religiosidade no sítio União, o clima de paz,
harmonia, trabalho e distribuição dos alimentos. Ela relatou que a comunidade
era menor porque o beato José Lourenço não aceitava mais moradores, além dos
remanescentes que o acompanharam, mas que recebia muitas visitas. Comentou que
as visitas vinham de muitos lugares e doavam suas posses por ele ser muito
amado e respeitado. Descreveu os eventos religiosos, contou que ganharam um
rádio e que o ouviam à noite, reunidos na sala. No dia do falecimento do beato,
MJosé estava no sítio União, junto com seus pais que,
como de costume, o visitavam. Nesse dia chovera muito enquanto preparavam o
corpo do beato em uma rede para transportá-lo por 75 km para ser sepultado em
Juazeiro. Ela ressalta que soube do massacre do Caldeirão muito
superficialmente, apenas por menção da sogra que falou ter avistado o sobrevoo
dos aviões da morada que a família possuía na época, vizinha ao sítio União.
Perguntada se havia ouvido falar do massacre do
Caldeirão quando criança, respondeu:
Não ouvia falar
não! Ouvi só a história de que tinha acontecido lá depois que eu casei. A minha
sogra que contou a história de lá, que ela morava na época na Boa Vista, perto
do Crato, e isso foi depois que eu me casei que ela contou para mim que nesse
dia passou o dia todinho os aviões bombardeando. [...] Ninguém nunca, nunca
tocou nessa história. Sabe por quê? Porque naquela época que eu vi essas coisas
todo o pessoal ficou amedrontado. Porque meu pai mesmo, ele foi lá, ele foi
buscar minhas irmãs e eu nunca soube dessa história, eu já soube quando ela [a
irmã] me contou. Quando já estava perto de morrer ela me contou aqui essa
história de que ela tinha sido levada para Fortaleza. Ela disse quem foi que
levou, que tinha gente demais de Fortaleza e o comandante quem era. Aí ela me
contou, eu só sei disso aí que ela me contou [conclui impaciente] (MJOSÉ, 2019,
informação verbal).
A relutância de MJosé
acerca das perguntas sobre as memórias do Caldeirão parece provocar um efeito
de sufocamento na narradora. Mesmo dizendo não ter vivido o acontecimento, MJosé é uma testemunha clara do processo de silenciamento
da comunidade que levou à memória amordaçada. Nesse movimento
há um esforço para eliminar as experiências desagradáveis da lembrança. As
memórias podem ser excluídas, ou esquecidas, por medo de represálias ou
reprovações sociais (POLLAK, 1989). Normalmente, as pessoas não querem
trazer à tona o sentimento de exclusão, de medo e de indignidade que paira
sobre os remanescentes do massacre, por entender que estão em desconformidade
com o que a sociedade dominante impõe. Por isso o silêncio também é modo de
preservação de sua permanência e de suas relações no meio em que vive (POLLAK,
1989).
Considerações finais
Nas
situações de conflito em que o opressor detém não apenas o poderio das armas,
mas também o simbólico, é frequente, como vimos, a construção de uma narrativa
hegemônica e singular, como se fosse possível eliminar a história dos que
testemunharam os fatos, seja direta ou indiretamente.
Visitar
as famílias dos remanescentes do Caldeirão da Santa Cruz do Deserto no Ceará,
em 2019, e recolher suas narrativas orais sobre os acontecimentos de violência
a que foram submetidas em 1937, permitiu preencher essa lacuna e entender os
processos pelos quais a memória social ora é amordaçada, ora vem à superfície.
Quando emergem, comparecem o medo, os cheiros, os sons, o frio, o calor, a seca
e a umidade com tanta força, que as remanescentes parecem reviver os fatos como
se os tivessem experimentado recentemente. Sabemos que muitos narram o que
ouviram de seus parentes mais velhos devido à pouca idade que tinham à época,
mas sentem que também fazem parte dessa história, pois o passado deles moldou o
seu tempo presente e, por isso, se reconhecem como partes integrantes dela.
Percebem-se, também, como descendentes de atores que ora optaram por narrar,
ora por silenciar, e que tais recordações herdadas ou vividas, quando
acionadas, não as colocam mais em condições de vulnerabilidade. São lembranças
de uma época permeada por personagens que lhes são tão familiares e caros, que
parecem ter sido seus contemporâneos. O tempo de suas narrativas não é o
cronológico, nem o da história, mas é o da memória, tão instável, rico e imprevisível
quanto suas próprias vidas.
A
potência dos estudos da memória e da história se mostra com toda sua beleza
quando isso ocorre, pois o que se quer descobrir não é a verdade, sequer a
verossimilhança, mas tão somente o que foi guardado e agora é revelado em suas
versões mais plurais. Por isso, nos importa valorizar, além do que é narrado, o
como é narrado, com todas as características da oralidade, pois se trata
de desconstruir uma versão que enxerga no Outro o inimigo da ordem.
Portanto, a discussão sobre como se produziu a
memória amordaçada em suas relações com a história do massacre do Caldeirão nos
leva a perceber as mordaças constituídas entre histórias e memórias.
Desamarrá-las significa permitir que a narrativa rompa o silêncio imposto pelas
relações que se estabeleceram ao longo do tempo. A escolha destas mulheres, com
idades e vivências tão distintas, para que narrassem suas memórias sobre um
mesmo evento, possibilitou a irrupção de lembranças que presentificam o próprio
tempo e também a própria existência. São histórias que não ficam sob a custódia
dos historiadores, muitas vezes incapazes de romper com o silêncio dos agentes
históricos e desamarrar as mordaças das memórias individuais.
As
três Marias, com seus silêncios, interrupções, ritmos de fala e escolha de
palavras aproximam a memória da história, o passado do presente e do futuro e
ainda ajudam a construir uma versão no contrapelo das narrativas oficiais sobre
situações de crise, como a do Caldeirão da Santa Cruz do Deserto.
Notas
[1] Em 1937
instalou-se no Brasil a Ditadura do Estado Novo, com o golpe de Getúlio Vargas,
que vinha desde 1930 organizando o Estado autoritário no Brasil. O Estado Novo
vigorou de 1937 a 1945.
[2] Entrevistadas
para esta pesquisa no período de 09 a 13 de abril de
2019.
[3]
Entrevistas realizadas, respectivamente, em 09/04/2019, 11/04/2019 e
13/04/2019, nas residências das remanescentes em Juazeiro do Norte (CE).
Íntegra da entrevista em GOMES, Kelsma M. S. Grafites
da Memória: vida e massacre do Caldeirão da Santa Cruz do Deserto
comunicados no concreto da Universidade Federal do Cariri – UFCA. (2019).
Dissertação. Mestrado Profissional em Inovação na Comunicação de Interesse
Público. Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS).
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GOMES, Kelsma M. S. Grafites
da Memória: vida e massacre do Caldeirão da Santa Cruz do Deserto
comunicados no concreto da Universidade Federal do Cariri – UFCA. (2019).
Dissertação. Mestrado Profissional em Inovação na Comunicação de Interesse
Público. Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS).
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[1] Mestre em Comunicação pelo Programa de Mestrado
Profissional Inovação na Comunicação de Interesse Público (USCS). Jornalista e Relações Públicas pela UESPI e Administradora
pela UFPI. E-mail: kelsma.gomes@ufca.edu.br
[2] Doutor em Comunicação e Semiótica (PUC). Docente do Programa de Mestrado Profissional Inovação
na Comunicação de Interesse Público da USCS e do Centro de Comunicação e Letras
da UPM. Orcid: E-mail: jbfcardoso@uol.com.br
[3] Doutora em História Social (USP). Docente do
Programa de Mestrado Profissional Inovação na Comunicação de Interesse Público
- USCS. E-mail: prisperazzo2@gmail.com
[4] Doutora em Teoria Literária (Unicamp). Docente do
Programa de Comunicação da Universidade Paulista – Unip.
Orcid: E-mail: b.heller.sp@gmail.com
[5] Mestre em Comunicação
pelo Programa de Mestrado Profissional Inovação na Comunicação de Interesse
Público (USCS). Jornalista
e Relações Públicas pela UESPI e Administradora pela UFPI. E-mail: kelsma.gomes@ufca.edu.br
[6] Doutor em Comunicação e Semiótica (PUC). Docente do Programa de Mestrado Profissional Inovação
na Comunicação de Interesse Público da USCS e do Centro de Comunicação e Letras
da UPM. E-mail: jbfcardoso@uol.com.br
[7] Doutora em História Social (USP). Docente do
Programa de Mestrado Profissional Inovação na Comunicação de Interesse Público
- USCS. E-mail: prisperazzo2@gmail.com
[8] Doutora em Teoria Literária (Unicamp). Docente do
Programa de Comunicação da Universidade Paulista – Unip.
E-mail: b.heller.sp@gmail.com