A pandemia do Coronavírus:

narrativas presidenciais e negacionismo científico

Carla Montuori Fernandes1

Resumo

Este artigo tem por objetivo analisar as narrativas, que circularam no perfil do Twitter do presidente Jair Bolsonaro (PL), descredibilizando as principais orientações para prevenção, riscos de contaminação e disseminação durante a pandemia da Covid-19 no Brasil. O estudo parte do argumento hipotético que a narrativa se estruturou na lógica do populismo em oposição à ciência, que, com a expansão das redes sociais, oferece um ambiente propício para as rupturas institucionais, sobretudo quando são cooptadas por grupos políticos. No populismo anticiência, o binarismo tradicional se desloca das elites políticas e se concentra nas elites científicas, retratando-as como antagonistas das pessoas comuns. Essas elites acadêmicas são um subconjunto de uma elite geral — aqueles que têm autoridade epistêmica e podem tomar decisões relacionadas à ciência, ou seja, organizações como universidades ou institutos de pesquisa, bem como estudiosos individuais e especialistas. A pesquisa oferece um olhar para a narrativa governamental, constituída em torno da pandemia, a partir da análise das publicações de Bolsonaro no Twitter, empregando como método a Análise de Conteúdo Automatizada.

Palavras-chave

Negacionismo Científico; Populismo; Redes Sociais; Twitter; Covid-19.

1 Doutora em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Pós-doutora em Comunicação Política pela Universidad de Valladolid. Docente titular do Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Paulista (UNIP). E-mail: carla.montuori@docente.unip.br.

A Coronavirus pandemic:

presidential narratives and science denialism

Carla Montuori Fernandes1

Abstract

The objective of this article is to analyze the narratives that circulate in the online social network of President Jair Bolsonaro (PL) in his Twitter profile, discrediting the main guidelines for prevention, risks of contamination and dissemination during the Covid-19 pandemic in Brazil. The study starts from the hypothetical argument that the narrative was structured in the logic of populism as opposed to science, which with the expansion of social networks offers an environment conducive to institutional ruptures, especially when they are co-opted by political groups. In anti-science populism, traditional binarism shifts away from political elites and focuses on scientific elites, portraying them as antagonists to ordinary people. These academic elites are a subset of a general elite – those who have epistemic authority and can make decisions related to science, that is, organizations such as universities or research institutes, as well as individual scholars and specialists. The research offers an insight into the government narrative built around the pandemic, based on the analysis of Bolsonaro’s Twitter posts, using Automated Content Analysis as a method.

Keywords

Scientific Negationism; Populism; Social Media; Twitter; Covid-19.

1 Doutora em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Pós-doutora em Comunicação Política pela Universidad de Valladolid. Docente titular do Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Paulista (UNIP). E-mail: carla.montuori@docente.unip.br.

Introdução

O negacionismo é uma prática que se encontra imbricada aos movimentos da extrema-direita e se expandiu pela Europa e por inúmeros países da América Latina. Dibai (2018) aponta que a última década registrou um crescimento no número de partidos políticos que atuam no espectro da direita radical e que a adesão às propostas tem se tornando cada vez mais normalizada na percepção popular e partidária, ocupando espaço no cenário político-eleitoral, nas ruas e na internet. Há, pois, inúmeros exemplos do ressurgimento dos representantes da extrema-direita na atualidade. A conjuntura pós-globalização contribuiu, segundo explicita Dibai (2018), com a alteração do perfil, dos discursos e das formas como a direita radical se manifesta (MUDDE, 1996; MINKENBERG, 1998). Sua escalada não se efetiva de maneira isolada e pontual, sendo possível identificar convergências, regularidades e similaridades entre as diversas ocorrências, ainda que em contextos e culturas distintos (NORRIS, 2005; TOSTES, 2009).

Com matrizes ideológicas, os discursos dos líderes se apoiam em narrativas messiânicas e salvacionistas que, apesar de seguirem especificidades dos contextos locais, se unificam em torno das pautas relativas à imigração, corrupção, segurança pública, anticomunismo, políticas internacionais e negacionismo científico. Na vertente específica do negacionismo científico nas redes sociais on-line, o historiador Marcos Napolitano (CAFARDO, 2019) tece, em entrevista, a hipótese de que o movimento se sustenta na ascensão da extrema-direita, a qual se empenha em ocupar o cenário político do mundo ocidental e influenciar a opinião pública. É possível destacar alguns países que elegeram presidentes, os quais seguem a linha do radicalismo de direita e encabeçam o discurso anticientificista.

O ex-presidente estadunidense Donald Trump, por exemplo, eleito em 2016, propôs, como forma de barrar o ingresso de imigrantes ilegais no país, a construção de um muro na fronteira com o México. No plano ambiental, mostrou-se favorável à energia nuclear e recusou as políticas de energia limpa. Na escolha dos ministérios, Trump elegeu Scott Pruitt, reconhecido negacionista ambiental, para dirigir a agência do meio ambiente nos Estados Unidos (EUA). Adepto da teoria de que as ações humanas não interferem nas mudanças climáticas, uma das atuações mais conhecidas de Pruitt se refere aos esforços para vetar na justiça as regulamentações propostas pelo ex-presidente americano Barack Obama na batalha contra o aquecimento global [1].

Como defensor de uma política contrária à imigração dos muçulmanos, o primeiro-ministro da Hungria, Vitkor Órban, reeleito para o terceiro mandato em 2018, integra a lista dos revisionistas da história, que se empenham em atentar contra a liberdade de imprensa, a divisão de poderes e os crimes cometidos pelo nazismo. A admiração pelo almirante e ex-presidente Mikklós Horthy, que atuou como aliado de Adolph Hitler durante a Segunda Guerra Mundial, é publicizada nas ações de Órban, que se estendem a homenagens públicas ao líder fascista, como a inauguração de um monumento em memória de Horthy, até a propagação de uma política que flerta com movimentos antissemitistas [2].

A Espanha também assistiu à ascensão do partido de extrema-direita Vox nas eleições de 2019, que se tornou a terceira maior força no Parlamento, conseguindo eleger 52 deputados dos 350 assentos. Com uma agenda populista, o Vox une força com os partidos que negam a importância de uma política climática em contraponto às discussões científicas em torno do aquecimento global. O Vox defende a matriz neoliberal para a esfera econômica, a redução e a eliminação de impostos e a aprovação de um sistema misto de previdência com a presença do setor privado. Nessa corrente, o partido espanhol Vox se aproxima das ideologias defendidas pelo presidente brasileiro Jair Bolsonaro (PL) [3].

O presidente Bolsonaro é uma antiga personalidade no cenário político brasileiro, já que exerce cargos públicos desde 1989. Nos governos Dilma e Temer, ganhou notoriedade e passou a ocupar um espaço frequente em programas de entretenimento, sobretudo em função dos discursos moralistas e, por vezes, xenófobos contra as minorias. Durante o período de campanha eleitoral em 2018, Bolsonaro disputou o segundo turno com Fernando Haddad (PT). A vitoriosa campanha do presidente eleito, empreendida por um partido pouco representativo, ganhou destaque diante da ausência de uma coligação forte, sem apoio de políticos tradicionais, e se constituiu com forte presença nas redes sociais, marcadamente baseada no discurso do militarismo, antipetismo e antissistema.

Fargoni e Silva Junior (2020) identificam semelhanças entre os valores clássicos do fascismo e as marcas narrativas do bolsonarismo, com preceitos que se apoiam na disciplina, conservadorismo e religiosidade, enquanto agem com base no militarismo, anti-intelectualismo e negacionismo científico. Em um comparativo entre os movimentos extremistas em ascensão na Europa e no Brasil, Löwy (2015) aponta para o fato de ambos projetarem no conservadorismo cristão e na violência policial a solução para conflitos sociais. A esse despeito, é possível estabelecer outras similitudes, quais sejam: intolerância às minorias, ódio aos direitos humanos e negação das instituições democráticas, como a ciência e o jornalismo.

Diante desse quadro e considerando as especificidades conjunturais que se associam ao tema, esta pesquisa pretende estudar aspectos do populismo em oposição à ciência, a partir da análise das publicações do Twitter de Jair Bolsonaro, no contexto da pandemia da Covid-19. O primeiro caso da pandemia pelo novo Coronavírus, Sars-CoV-2, foi identificado em Wuhan, na China, no dia 17 de novembro de 2019. O vírus foi detectado oficialmente no Brasil em 26 de fevereiro de 2020, sendo que, em julho do mesmo ano, o país passou a ocupar o segundo lugar no número de mortos e contaminados.

O presidente brasileiro assumiu uma postura negacionista da pandemia diante da retórica que a economia não poderia sucumbir às orientações das autoridades científicas no sentido de retardar a onda de contaminações. Em um discurso contrário aos especialistas e à própria Organização das Nações Unidas (ONU), que alertavam que as ações de isolamento social seriam as melhores medidas para conter a propagação do vírus, Bolsonaro fez uso das redes sociais para incentivar manifestações contra governadores e prefeitos como também realizou pronunciamentos em redes nacionais de televisão e rádio para minimizar os riscos e impactos da doença na população mais jovem e saudável.

Com base no desdobramento do discurso presidencial na sociedade brasileira e na proporção que a pandemia assumiu no contexto nacional, a análise buscará identificar como se constituiu a narrativa anticientificista de Bolsonaro no Twitter empregando como método a Análise de Conteúdo Automatizado (CERVI, 2018).

O movimento negacionista e a aliança com a extrema-direita

Após o fim da Segunda Guerra Mundial, os movimentos de extrema-direita se articulavam em torno da negação do Holocausto, sendo que os partidos, por vezes, se organizavam de maneira ilegal. Nessa primeira etapa, os partidos eram representados por veteranos dos regimes derrotados de 1945, sendo, por isso, caracterizados como neofascistas ou neonazistas (MARCHI; BRUNO, 2016). A segunda onda, que surgiu entre os anos de 1950 e 1960, se caracteriza por críticas ao Estado de bem-estar social como também pelo intervencionismo econômico estatal. Nessa fase, os partidos, segundo alerta Loff (2008), já tinham os mais pobres e imigrantes como alvo sob a prerrogativa de que tais indivíduos eram subsidiados pelo Estado. É na terceira fase, a partir dos anos 1970, que os partidos de extrema-direita incorporam agendas políticas anti-imigração, com discursos xenófobos e altamente conservadores.

Embora elaborada quase ao final do século passado, Marchi e Bruno (2016) apontam que a validade dos ideários políticos do antimigracionismo dos partidos de extrema-direita também se manteve na virada do milênio, com pautas que se intensificaram após a queda do comunismo e o atentado terrorista aos Estados Unidos da América em 11 de setembro de 2001. O alvo passou a ser a imigração, em especial a muçulmana.

Assim, a extrema-direita europeia abandonou a dimensão do discurso negacionista do Holocausto para concentrar-se no Islã como seu novo inimigo. Para Loff (2008), trata-se de uma evolução à medida que o novo discurso atrai muitos indivíduos que não partilhavam dos ideários neofascistas do movimento anterior.  Na perspectiva do autor, a extrema-direita se apoia no discurso da intolerância contra a ideologia de gênero, a imigração e o marxismo cultural. Ainda que com distinções conjunturais, o anticomunismo e a defesa do Estado mínimo se apresentam como força matriz da narrativa dos líderes políticos. Morais (2019, p. 157) atenta para o fato de que o discurso dos intolerantes se constitui como modus operandi do movimento que “mobiliza as emoções dos seus interlocutores em prol da afirmação do seu grupo e da negação do outro, aquele que simbolizaria a ameaça, a corrupção dos valores, a degeneração, o parasitismo etc”.

No Brasil, a cultura da negação histórica se tornou mais frequente nos últimos anos, com narrativas que relativizam a origem da escravidão, exaltam a ditadura militar, negam os efeitos do aquecimento global etc. O pesquisador Luiz Marques (2018) aponta que o negacionismo climático assim como o movimento terraplanista são alguns pontos do repertório dessa “onda”, que, ao questionar um consenso científico, enfraquece a ciência na busca de uma visão racional do mundo e turbina a virulência das redes sociais na atual era da pós-verdade.

No cerne da discussão sobre a negação da ciência, reside a ideia de que a última década está marcada pela era da pós-verdade, verbete que ficou conhecido após as eleições norte-americanas — as quais culminaram com a vitória de Donald Trump — e o conturbado referendo sobre a saída do Reino Unido da União Europeia (BREXIT), ambos em 2016. O conceito que melhor define o fenômeno da pós-verdade pode ser retratado a partir da consolidação de uma época, na qual as evidências científicas e conhecimentos estão sendo substituídos por fatos alternativos (FARKAS; SCHOU, 2019).

Ciente da amplitude filosófica que envolve o conceito de verdade, a nova preposição está alinhada à explosão de conteúdos falsos, em inglês, fake news, que são disseminados em ambientes digitais e que provocam profundos impactos nas dinâmicas políticas e sociais contemporâneas. Para Santaella (2019), a negação da ciência tem se mostrado como o caráter mais nefasto da era da desinformação. Na mesma corrente, Amadeu (2019) parte da premissa de que os discursos que inventam, distorcem ou negam fatos e acontecimentos estão a serviço de interesses econômicos, religiosos e políticos.

Populismo anticiência nas redes sociais on-line

A crise democrática de escala global se traduz, segundo Albuquerque e Quinan (2019), em uma crise epistemológica, que resulta na descrença às instituições fundamentais, entre as quais a ciência. Em contextos de insatisfação generalizada, o mecanismo populista assume o protagonismo ao se colocar como defensor das rupturas e mudanças.

No que se refere ao estudo do populismo, distintas correntes abordam o conceito a partir do caráter ideológico, estratégico e discursivo, de cunho radical, antissistêmico, generalista e antagonista, contra a corrupção e a favor da justiça social.  O consenso em torno de distintas abordagens se estabelece a partir do entendimento de que o populismo é um conjunto de práticas políticas, que descrevem a sociedade como um conflito entre dois polos rivais (o povo e a elite).

Laclau (2005) ressalta que, no populismo, a dicotomia amigo-inimigo é substituída pela divisão elite-povo, em que o líder político passa a representar os interesses da maioria em confronto com uma elite corrupta e privilegiada. Geralmente, surge com a promessa de conceder voz aos excluídos do sistema e antagoniza com as instituições existentes, afastando-as ou tornando-as rivais do povo. Em determinados contextos, esse inimigo é representado na figura de distintas instituições. Mede e Schäfer (2020) destacam que os populistas não têm como alvo apenas as elites políticas, mas outras instituições, como a mídia tradicional, o campo jurídico, as grandes empresas, os acadêmicos e os especialistas. Os autores nomeiam de populismo anticiência, o binarismo que se desloca das elites políticas e se concentra nas elites científicas, retratando-as como antagonistas das pessoas comuns.

Ao lado do populismo anticiência, recrudesce um processo de fortalecimento das experiências e opiniões individuais em detrimento da epistemologia científica.  Van Zoonen (2012) nomeou de “eu-pistemologia” o processo segundo o qual os indivíduos rejeitam a epistemologia científica como tal e tentam substituí-la pelo bom senso das pessoas, suas experiências pessoais e sentimentos emocionais. O autor explica o fenômeno a partir da dicotomia entre a epistemologia, que se preocupa com a natureza, métodos e fontes de conhecimento, e a “eu-pistemologia”, que responde às perguntas com base no self (eu mesmo), no julgamento subjetivo e na memória individual, e tem a internet como grande facilitador do processo.

Ainda, deve-se considerar que as novas ambiências midiáticas alteraram a maneira como o conhecimento é construído, como nos conectamos uns aos outros e a relação que estabelecemos com as estruturas sociais. Silveirinha (2018) argumenta que as pessoas vivem nas próprias bolhas criadas pela personalização dos algoritmos, as quais são alimentadas por conteúdos, que geram aceitação entre os membros. As redes sociais permitem a circulação e o compartilhamento de informações em grupos ancorados em um circuito fechado de confiança e crédito, sejam amigos, colegas, familiares ou mesmo pessoas, que pertencem ao mesmo círculo social.

Normalmente, nas redes, esses grupos são caracterizados por possuírem muitas conexões internas e poucas conexões externas, reforçando o caráter homofílico das redes (SANTAELLA, 2019) e, por vezes, a radicalização de indivíduos. Vale ressaltar que, nesse cenário, os indivíduos mais radicalizados são os mais participativos e que a circulação de informação nas redes depende dos usuários e dos algoritmos dos sites de redes sociais.

Maynard (2013, p. 71) afirma que, entre os ciberativistas, aqueles de extrema-direita ganharam destaque, em primeiro lugar, pelo uso pioneiro que fizeram do ciberespaço. Percebendo a economia e a agilidade das redes, os extremistas logo puseram as mãos nos teclados. Nesse contexto, a atual crise sanitária causada pela pandemia de Covid-19 reconfigura uma nova fase da atuação da extrema-direita, que, em várias partes do mundo, convocaram atos negacionistas contrários às principais orientações dos especialistas e pesquisadores.

Metodologia e análise de dados

Como metodologia de pesquisa, será utilizada a análise de conteúdo, já que se trata de um método com grande aderência aos estudos dos discursos on-line (LINDGREN; LUNDSTROM, 2011). Diante das diversas formas de análise, Bardin (2011) assegura que a análise de conteúdo permite o estudo do espaço digital a partir das abordagens quantitativa e qualitativa. A análise de conteúdo se baseia em três etapas: codificação de dados, categorização e inferências.

Nas fases de codificação e categorização, a pesquisa mapeou toda a rede de publicações do presidente Bolsonaro durante o início da pandemia no país, marcado pela divulgação do primeiro caso da doença em 26 de fevereiro até 31 de agosto de 2020, data do encerramento do texto.

Para a coleta de dados, foi utilizado o Twitonomy, ferramenta analítica paga, com potencial de analisar perfis, palavras-chave e hashtags no Twitter, permitindo buscas com recorte temporal customizado pelo período de um ano. Foi realizada uma busca no perfil @jairbolsonaro e o software coletou 1.637 tweets, sendo que o corpus inicial passou por um tratamento para construção do banco de dados. Foram selecionados apenas os tweets que possuíam os termos Covid-19, Coronavírus, Coronavirus (sem acento) e pandemia, constituindo um corpus final de 216 tweets.

Com base no método de Análise de Conteúdo Automatizada (CERVI, 2018), o corpus textual foi submetido ao software Iramuteq, que compreende um pacote de tratamento de dados estatísticos do R, o qual permitiu a construção da nuvem de palavras (wordcloud) e um dendograma, que será apresentado ao longo do texto. Assim, a primeira análise do corpus textual indicou a presença de um texto, 167 segmentos de texto (ST), com 5.951 ocorrências. Na sequência, a classificação da matriz textual abarcou as palavras que mais se destacaram no texto, representada pela wordcloud (Figura 1). As palavras mais ativas na formação da wordcloud foram Covid-19 (121 ocorrências), combate (52 ocorrências), Coronavírus (51), Governo Federal (35), ação (29 ocorrências), sendo que os termos governo, milhão e teste tiveram 27 ocorrências, ao lado de Brasil (25) e Saúde (24).

Figura 1 - Wordcloud dos tweets do perfil @jairbolsonaro.

        https://bit.ly/3PUJJv1         

Fonte: Elaborada pela autora (2020)

Para compreender a ocorrência das palavras, segundo Cervi (2018), o corpus do texto foi classificado pelo algoritmo de Reinert, também conhecido por Classificação Hierárquica Descendente (CHD). O método Reinert produz clusters (agrupamentos) a partir da proximidade entre os termos. O autor explica que “a fundamentação teórica do algoritmo de Reinert é inspirada nas propostas de Benzécri (1992) para análise léxica” (CERVI, 2018, p. 8) e consiste em apresentar as leis de distribuição de vocábulos em um corpus textual qualquer. Incorporado pela interface do pacote estatístico R para análise textual, o Iramuteq absorveu o algoritmo de análise por CHD e manteve o nome do autor da teoria.

O método, segundo esclarece Cervi (2018), é eficaz, porque exclui a subjetividade da técnica de análise de conteúdo, já que prevê a menor interferência possível do pesquisador na categorização textual, uma vez que os livros de códigos que guiam os investigadores na busca de termos nem sempre capturam todas as especificidades do texto analisado. A proposta do algoritmo de Reinert inverte o processo, porque

[...] busca-se de saída, no próprio corpus empírico, através do uso do algoritmo de Reinert, a identificação dos termos que mais aparecem e que se aproximam entre si nos textos e, portanto, formam classes de termos com homogeneidade interna (CERVI, 2018, p. 8).

Isso posto, procedeu-se à análise automatizada com o objetivo de identificar a quantidade de clusters para o conjunto total de textos. Como resultado, o dendograma 1 (Figura 2) mostra a formação de quatro categorias no conjunto de 216 postagens de Bolsonaro no Twitter.

Figura 2 - Dendograma 1 – número de classe do total de textos.

https://bit.ly/3YThDEf 

Fonte: Elaborada pela autora (2020)

A participação percentual de cada classe no total de textos indica que a classe 3 é a maior, com 30,2% dos termos válidos, sendo seguida pela classe 1, com 27,1%; na sequência, a classe 2, com 25%, e a classe 4, com 17,7%. A classe 3 apresenta maior frequência das palavras vírus, teste, produção, vacina, aquisição, medicamento etc., e evoca termos que se associam aos medicamentos para combate ao vírus. De maneira próxima, a classe 2 mostra termos ligados às ações do Governo Federal na pandemia e às medidas para combate e atendimento da Covid-19, com palavras como atendimento, leito, paciente, hospital, reforçar, milhão e Unidade Terapia Intensiva.

A classe 1 está relacionada às medidas e recursos financeiros do governo para reduzir os danos causados pela pandemia, com termos como auxílio, investimento, fiscal, trabalhar, econômico e combate. Já a classe 4 traz palavras que apontam para os impactos do isolamento causado pelas medidas adotadas por governadores e prefeitos, sendo que os termos mais frequentes são governador, prefeito, Supremo Tribunal Federal, decreto, isolamento, comércio, desemprego, fechamento etc.

Vale destacar que o método Reinert indica as classes e as palavras que mais aparecem em um cluster, exibindo quais termos são específicos de cada grupo a partir da estatística de X2 de Pearson, método que mensura se a presença de um termo em um cluster é estatisticamente diferente da presença do mesmo termo em outros clusters (CERVI, 2018). Assim, as construções de categorias analíticas construídas pelo Reinert foram classificadas conforme o Quadro 1, em que se consideraram as estatísticas de X2 de Pearson, o número de ocorrência dos termos e a nomeação de cada categoria. Os nomes das categorias foram definidos a partir da análise do conjunto de termos representados em cada classe.

Quadro 1 - Nomeação das categorias por termos.

CLASSE 1

CLASSE 2

CLASSE 3

CLASSE 4

Termos com X2 de Pearson (termos significativos por classes)

Covid-19, pandemia, auxílio, fiscal, trabalhar, governo federal, investimento, combate, ação, emergencial, econômico, apoio, obra.

Coronavírus, receber, milhão, médico, reforço, respirador, posto, ampliar, saúde, portaria, construção, contratar, indígena.

Vírus, anunciar, medicamento, aprovar, aquisição, parceria, laboratório, ministério da saúde, empresa, pesquisa, combate, máscara, kit.

Governador, Prefeito, Supremo Tribunal Federal, decreto, isolamento, rede, comércio, desemprego, responsabilidade, fechamento, social, Brasil.

% de ocorrência

27,1%

25%

30,2%

17,1%

Nome concedido às categorias

Medidas e Recursos Financeiros

Ações do Governo Federal na pandemia

Medicamentos para combate ao vírus

Impactos do isolamento

Fonte: Elaborado pela autora (2020)

As categorias “Medidas e Recursos Financeiros” abarcam os tweets que mencionavam as ações do Governo Federal, em uma espécie de accountability no plano de enfrentamento da doença, com investimentos em diversas áreas, como saúde, infraestrutura e economia. Nessa categoria, destacam-se ações que ultrapassam a dimensão do combate à doença, sendo que o governo parece divulgar obras e investimentos na área de infraestrutura do país como parte das medidas para o combate à pandemia, conforme sugerem os seguintes tweets do presidente: “mesmo com a crise ocasionada pelo Covid-19, o Governo Federal continua trabalhando desde o início da pandemia e o Ministério de Infraestrutura já entregou 12 obras para melhorar rodovias, portos e aeroportos nos estados” (BOLSONARO, 2020).

Há uma recorrência de tweets que mencionam o auxílio emergencial concedido aos trabalhadores informais no valor de R$ 600 como também medidas adotadas para minimizar o impacto da pandemia para a população mais carente, conforme segue: “concederemos por três meses isenção de pagamento de energia para mais de 9 milhões de famílias humildes” (BOLSONARO, 2020). Também se constatou que Bolsonaro retuitava o conteúdo publicado nas páginas dos seus ministros, enaltecendo as ações empreendidas por cada Ministério: “para sustentar a continuidade de projetos de saneamento o Ministério de Desenvolvimento Regional liberou recursos que vão atender mais 15 estados” (BOLSONARO, 2020). Em matéria sobre sua pesquisa desenvolvida na Universidade Federal de Minas Gerais, Eduardo Tamaki comenta que o auxílio emergencial ajudou o presidente a enfrentar a crise política que se esperava e foi utilizado para fomentar o discurso de salvar as pessoas, tornando-o um super-herói populista (MILITÃO, 2020) [4].

Os tweets de Bolsonaro também abarcam inúmeras ações empreendidas no contexto da pandemia, com projetos para diversos setores e distintas classes sociais. Nota-se que as narrativas se concentram em dados numéricos, indicando, em sua maioria, o volume de investimento e o elevado número de indivíduos atendidos, como também enaltecem as iniciativas do Governo Federal, em grande medida centralizadas na figura do presidente, que se apodera do discurso de articulador de todas as ações durante o período.

A categoria “Ações do Governo Federal na pandemia” aponta para o volume de investimento, aquisição de equipamentos de proteção e insumos, construção de hospitais, contratação de médicos e outros recursos destinados ao combate da pandemia. No âmbito da construção de hospitais, destacam-se os tweets: “o governo habilitou 3,8 mil leitos de Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) para tratamento exclusivo de pacientes com a Covid-19” (BOLSONARO, 2020); “761 leitos de UTIs recebem recursos exclusivos para a assistência a doença. O Ministério da Saúde anunciou mais 3300 respiradores nacionais e multiplicação dos testes da Covid-19” (BOLSONARO, 2020). Existe uma recorrência de tweets sobre ações destinadas às regiões Norte e Nordeste do país, com destaque para os estados de Roraima, Amazonas e Amapá, conforme segue:

mais de um milhão de profissionais de saúde estão cadastrados no programa nacional para atuar no combate à Covid-19, destes centenas foram contratados diretamente pelo Governo Federal e reforçam o atendimento dos serviços de saúde no Amazonas, Amapá e em Roraima (BOLSONARO, 2020).

Deve se atentar que tais estados também lideravam a incidência de casos de Covid-19 no país, com sistema de saúde em colapso, o que obrigava o destino de maiores investimentos às regiões.

Os tweets também retratam iniciativas adotadas para as comunidades indígenas, como a construção de hospitais e a aquisição de insumos para o combate à doença, que foram veiculadas como medidas de proteção e apoio do governo à população. Todavia, só foram implementadas após decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que, por unanimidade, obrigou Bolsonaro a criar mecanismos para conter o avanço do Coronavírus entre a população indígena. Assim, é possível constatar que as classes 1 e 2, que tratam de ações destinadas ao combate da Covid-19, seja no plano econômico ou preventivo, são apresentadas por Bolsonaro como medidas do Governo Federal em prol do país e/ou da população; ou seja, investimentos que, por vezes, aparecem desassociados da obrigatoriedade causada pelo cenário turbulento da pandemia.

Na categoria nomeada de “Medicamentos para o combate ao vírus”, as palavras se relacionam às iniciativas na produção da vacina, à aquisição de testes e à defesa da hidroxicloroquina, fármaco que é comprovadamente ineficaz e inseguro no tratamento de pacientes com Coronavírus, mas é fortemente defendido por Bolsonaro desde a fase inicial da doença no país.

Bolsonaro interpela seu caráter populista ao confrontar o posicionamento da Academia Brasileira de Ciências (ABC) e da Academia Nacional de Medicina (ANM), que afirmam a não eficácia da hidroxicloroquina para cura e tratamento da Covid-19. Não obstante, acredita-se que a defesa do medicamento mantém alta taxa de adesão no ambiente das redes sociais e de grupos alinhados aos movimentos de extrema-direita, os quais mantêm o apoio ao presidente.

A partir da definição de Lasco e Curato (2018), na qual o populismo médico remete a um estilo político performático que surge durante crises de saúde pública e se pauta no binarismo povo contra sistema, Casarões e Magalhães (2021) analisam os casos brasileiro e estadunidense da defesa da hidroxicloroquina como uma droga milagrosa. Segundo os autores, a promoção do fármaco possibilitou que os populistas não ficassem completamente desacreditados em sua resposta à pandemia, mantendo a popularidade em alta, como também permitiu a constituição de uma rede de ciência alternativa, que serve como plataforma para médicos, lobistas, empresários e líderes religiosos que estão — ou se tornaram — ligados a movimentos de extrema-direita pelo mundo. Desse modo, as narrativas do presidente buscam o caráter milagroso em torno do medicamento.

Os tweets que mais se destacam nessa categoria se dividem entre os investimentos para a produção da vacina ao lado da defesa da hidroxicloroquina, com indicação de iniciativas e parcerias nacionais e internacionais para a disponibilização do medicamento à população. Assim, a pesquisa contabilizou dez tweets que defendiam o uso do medicamento e faziam referências constantes à palavra eficácia ao se referirem ao fármaco, conforme segue: “Chegaram hoje ao Brasil dois milhões de doses de hidroxicloroquina, cada vez mais o uso da cloroquina se apresenta como algo eficaz” (BOLSONARO, 2020); “A hidroxicloroquina demonstra cada vez mais sua eficácia em portadores do Covid-19” (BOLSONARO, 2020); “Tenho recebido relatos de todo o Brasil nesse sentido” (BOLSONARO, 2020); “O tratamento da Covid-19 a base de hidroxicloroquina e azitromicina tem se mostrado eficaz nos pacientes” (BOLSONARO, 2020).

Bolsonaro também se apoia nas menções de médicos e agências de notícias, para reafirmar os efeitos do medicamento, conforme aponta os tweets coletados na página do presidente: “Fox News mostra estudos sobre a eficácia da hidroxicloroquina no combate ao Coronavírus” (BOLSONARO, 2020); “O médico Dr. Zelenko já tratou cerca de 500 pacientes com Covid-19” (BOLSONARO, 2020); “Imunologista e oncologista Nise Yamaguchi e o uso da hidroxicloroquina no tratamento do Covid-19” (BOLSONARO, 2020).

Há também tweets que apontam os investimentos do Governo Federal para facilitar o acesso da população ao medicamento, com destaque para a redução de impostos, o aumento na produção, seguido do incentivo concedido pela indústria farmacêutica Apsen: “com o objetivo de facilitar o combate ao coronavírus, zeramos o imposto de importação da cloroquina e da azitromicina” (BOLSONARO, 2020); “A Apsen Farmacêutica anuncia a produção gratuita de milhões de unidades dos medicamentos no combate ao coronavírus” (BOLSONARO, 2020); “Por determinação do presidente os laboratórios aumentam sua produção dos medicamentos promissores ao enfrentamento do coronavírus” (BOLSONARO, 2020). Ao promover e instruir o consumo de um medicamento não legitimado pelos especialistas e que pode ocasionar efeitos colaterais aos pacientes, Bolsonaro exerce a performance do populismo anticiência pautando-se no antagonismo do povo contra a elite; nesse caso, a comunidade científica que se contrapõe a fala do presidente.

Importante destacar, segundo aponta Gomes (2021), que a conveniência da submissão aos órgãos de controle e saúde do governo também se dá a partir do compromisso neoliberal. Remédios que sejam garantidores da não preocupação com os riscos da Covid-19 são valorizados mesmo sem a aprovação da Anvisa. No que se refere à ciência, Bolsonaro adota uma comprometida relativização e instrumentalização. Desde que submetida à razão neoliberal de sua estrutura política, a ciência é enaltecida, conforme mencionado nos tweets que retratam o uso da hidroxicloroquina por médicos.

Por fim, a categoria “Impactos do isolamento” se constituiu a partir de uma narrativa, que critica as restrições do comércio e a circulação de pessoas, atribuindo todas as responsabilidades pelo desemprego e crise econômica aos governadores e prefeitos, os quais o presidente nomeia de tiranos por cercearem a liberdade da população. Autores como Ajzenman, Cavalcanti e Da Mata (2020) afirmam que, no contexto da pandemia da Covid-19, os líderes populistas atuam na contramão das orientações da OMS e de especialistas no que tange ao isolamento social como medida de minimizar o contágio e agem para endossar a narrativa de suspeição das elites tidas como corruptas, culpando a imprensa e demais instituições, que buscam medidas para deter a disseminação do Coronavírus.

Os tweets de Bolsonaro reforçam a proposição de Ajzenman, Cavalcanti e Da Mata (2020), à medida que buscam o antagonismo do povo versus a elite política tradicional, conforme se observa nas postagens: “povo quer trabalhar e passa fome: decretos de governadores e prefeitos governador decidindo sobre sua liberdade” (BOLSONARO, 2020); “O desemprego, a fome e a miséria será o futuro daqueles que apoiam a tirania do isolamento” (BOLSONARO, 2020); “As ações de combate à pandemia, fechamento do comércio e quarentena, por exemplo, ficaram sob total responsabilidade dos governadores e dos prefeitos” (BOLSONARO, 2020). A palavra “governador” tem amplo destaque em função do embate que se estabeleceu entre Bolsonaro e o governador de São Paulo, João Doria (PSBD). Na postagem “dois renomados médicos no Brasil se recusaram a divulgar o que os curou da Covid-19. Seriam questões políticas, já que um pertence a equipe do Governador de São Paulo?” (BOLSONARO, 2020), o presidente insinua que existe uma aliança entre médicos e o governador de São Paulo na recusa ao uso da cloroquina com o intuito de favorecer Doria politicamente.

No tweet a seguir, Bolsonaro aponta as ações adotadas pelo seu governo no plano jurídico para tentar impedir as medidas de isolamento: “Governo Federal aciona a justiça para ampliar serviços essenciais para a população hoje impedidos por alguns governadores e prefeitos” (BOLSONARO, 2020). Além de demarcar a postura negacionista ao ignorar as medidas de isolamento preconizadas por especialistas e pela OMS, há, na narrativa empreendida pelo presidente, uma tentativa de se desvincular da responsabilidade pela herança econômica que a pandemia da Covid-19 inevitavelmente trará aos países mais atingidos pela doença. A narrativa de Bolsonaro tem preocupações de origem econômica, salvaguardando a defesa do governo junto aos setores que temiam os efeitos negativos dos fechamentos, como os setores industriais, do agronegócio e do comércio.

Por fim, é possível constatar que, enquanto o governo ataca as ações dos governadores e prefeitos de maneira generalizada, responsabilizando-os pelo aumento do desemprego e da fome, enaltece as medidas do seu governo no combate à crise.

Considerações Finais

Entendido como um fenômeno mundial, os negacionistas atualmente se articulam em torno de distintas narrativas, com destaque para os que negam o Holocausto, os crimes cometidos durante ditaduras militares, os que contestam os efeitos do aquecimento global, os terraplanistas e os que aderem ao movimento antivacinação, entre outros. As narrativas em torno da pandemia do Coronavírus também se constituem objeto de interesse dos negacionistas.

Outro aspecto que merece atenção está relacionado ao fato de que a circularidade de informações, intensificada pelo avanço tecnológico de novas plataformas midiáticas, favorece o maior alcance dos boatos, das teorias conspiratórias e das informações falsas, que circulam na contemporaneidade. No contexto da desinformação, é de fundamental importância considerar o papel das instituições, já que fatores políticos e conjunturais se associam às novas arquiteturas da rede.

No cenário brasileiro, o uso político da negação da gravidade da Covid-19 merece destaque, uma vez que as medidas adotadas para combater a pandemia foram marcadas pelo desencontro do discurso empreendido por autoridades municipais e estaduais e a narrativa do presidente Jair Bolsonaro. Ao mapear e analisar o perfil de Bolsonaro no Twitter, constatou-se que as estratégias apontadas pelo presidente brasileiro se dividiram entre enaltecer as ações e medidas do Governo Federal no combate à pandemia, apresentando-as, por vezes, como investimentos da sua gestão, desvinculadas da emergência da saúde pública, e as narrativas, que, na contramão da ciência, descredibilizava e atacava os prefeitos e governadores por implementarem políticas de isolamento para prevenção, riscos de contaminação e disseminação da Covid-19 no Brasil.

Ao aproximar a conduta de Bolsonaro ao conceito de populismo, observa-se que o presidente busca a retórica binarista do povo em contraposição às instituições, sobretudo às que afrontam seu discurso e preposições políticas. Na pandemia da Covid-19, para reafirmar a prerrogativa neoliberal do seu governo — salvaguardar a economia e o mercado em detrimento da saúde pública — Bolsonaro reproduz as marcas discursivas do movimento populista anticiência.

Mede e Schäfer (2020) pontuam que o populismo anticiência pode também se apoiar em ideologias hospedeiras, como o liberalismo econômico, levando à busca de soluções de mercado em vez de soluções prescritas por especialistas. Nesse sentido, ainda que Bolsonaro tenha estabelecido o auxílio emergencial, a exemplo de várias nações do mundo, a perspectiva neoliberal sempre se colocou na narrativa do presidente, sendo que, para ajudar o trabalhador, o governo deveria permitir que este trabalhasse e não dependesse de um suporte econômico para que cumprisse medidas de distanciamento social. Enfim, o negacionismo também se estabelece na defesa as ações terapêuticas sem eficácia comprovada ou na proposição de um isolamento vertical na contramão das orientações da OMS.

Notas

[1] O negacionismo no poder. Disponível em: <https://bit.ly/3zG3MpO>. Acesso em: 20 dez. 2020.

[2] O negacionismo no poder. Disponível em: <https://bit.ly/3zG3MpO>. Acesso em: 20 dez. 2020.

[3] O negacionismo no poder. Disponível em: <https://bit.ly/3zG3MpO>. Acesso em: 20 dez. 2020.

[4] Bolsonaro virou super-herói populista, diz pesquisa da UFMG. Disponível em: <https://bit.ly/3DC44iG>. Acesso em: 17 out. 2020.

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