O “lambadão” como pauta do jornalismo cultural em Cuiabá:

uma análise do site Olhar Conceito

Jociene Carla Bianchini Ferreira Pedrini1 e Maria Clara de Oliveira Mendes Cabral2

Resumo

Este artigo tem o objetivo de traçar perspectivas sobre o jornalismo cultural presente no site Olhar Conceito, uma página segmentada de Olhar Direto, um dos principais portais de notícias de Cuiabá, Mato Grosso. Desta forma, optamos por fazer um recorte temático a respeito da cobertura sobre o lambadão, ritmo musical que expressa um movimento representativo da cultura popular de Cuiabá e do estado de Mato Grosso, localizado na Região Centro-Oeste do Brasil. Portanto, a partir da investigação dos conteúdos produzidos pelo site em análise, buscamos identificar qual é o espaço dado ao lambadão no veículo, bem como verificar quais são os fatos que o insere nas pautas elaboradas pelo site. Além disso, nos propomos a discutir a importância das mídias digitais e da globalização do acesso à internet, como possíveis responsáveis pelo maior conhecimento do ritmo lambadão nos dias atuais, em que seus produtores, ao utilizarem as ferramentas tecnológicas disponíveis, se mostram atentos às transformações. Nesse sentido, localizamos o tema desta pesquisa no contexto dos estudos culturais latino-americanos, tendo como base a contribuição do pensamento teórico-metodológico de Jesús Martín-Barbero, filósofo e reconhecido pesquisador espanhol radicado na Colômbia.

Palavras-chave

Jornalismo Cultural; Lambadão; Ritmo; Site; Olhar Conceito.

1 Doutora em Educação pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Professora do programa de Pós-Graduação em Comunicação e Poder (UFMT/Cuiabá) e do curso de Jornalismo da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT/Araguaia). E-mail: jocienebf@gmail.com.

2 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). E-mail: deoliveiramclara@gmail.com.

The “lambadão” as a cultural journalism agenda in Cuiabá:

an analysis of the website Olhar Conceito

Jociene Carla Bianchini Ferreira Pedrini1 and Maria Clara de Oliveira Mendes Cabral2

Abstract

This article aims to outline perspectives on cultural journalism on the website Olhar Conceito, a segmented page of Olhar Direto, one of the main news portals in Cuiabá, of Mato Grosso. In this way, we chose to make a thematic cut about the coverage of lambadão, a musical rhythm that expresses a movement representative of the popular culture of Cuiabá and the state of Mato Grosso, located in the central-west region of Brazil. Therefore, based on the investigation of the content produced by the website under analysis, we seek to identify what is the space given to the lambadão in the site, as well as to verify the facts that insert it in the guidelines prepared by the website. Also, we propose to discuss the importance of digital media and the globalization of internet access, being able to be responsible for the greater knowledge of the lambadão rhythm nowadays, in which its producers, when using the available technological tools, are attentive to the transformations. In this sense, we located the theme of this research in the context of Latin American cultural studies, based on the contribution of the theoretical and methodological thought of Jesús Martín-Barbero, philosopher and renowned Spanish researcher based in Colombia.

Keywords

Cultural Journalism; Lambadão; Rhythm; Site; Olhar Conceito.

1 Doutora em Educação pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Professora do programa de Pós-Graduação em Comunicação e Poder (UFMT/Cuiabá) e do curso de Jornalismo da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT/Araguaia). E-mail: jocienebf@gmail.com.

2 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). E-mail: deoliveiramclara@gmail.com.

Introdução

Para traçar algumas perspectivas sobre o jornalismo cultural em Cuiabá, escolhemos como objeto de análise o site Olhar Conceito, segmento do popular portal de notícias Olhar Direto, um dos principais veículos jornalísticos de Mato Grosso. Como recorte, optamos pela cobertura temática do ritmo lambadão, por ser a expressão de um movimento cultural representativo no estado, seja enquanto arte, entretenimento ou identidade de um povo.

Nascido na década de 1980, o lambadão é uma manifestação da cultura popular regional que surge no município de Poconé, Mato Grosso, a partir de processos migratórios de garimpeiros oriundos do Pará. Um grande nome do gênero foi Chico Gil, conhecido como o “Rei do Lambadão”. Musicalmente, o ritmo incorpora influências da lambada e do carimbó com o rasqueado, resultando em uma fusão acelerada. O movimento, projetado na Baixada Cuiabana como um fenômeno musical e também com forte presença no interior do estado, foi ganhando força na cidade de Cáceres, fronteira com a Bolívia.

A partir do país vizinho, o lambadão alcança outros mercados da América Latina, como o Paraguai. Ainda no Mato Grosso, o ritmo também se tornou presente em territórios indígenas e em assentamentos rurais a partir de subcircuitos, como identificou a jornalista e pesquisadora Lidiane Barros (2013). Em sua dissertação de mestrado sobre a cadeia produtiva do lambadão, a autora compõe um panorama ao revisitar estudos anteriores sobre o tema e entrevistar seus agentes culturais.

Barros (2013) constata que, assim como o funk no Rio de Janeiro e o tecnobrega no Pará, o ritmo mato-grossense vinha expandindo as fronteiras da periferia, onde é produzido e consumido, traçando assim, um sistema não hegemônico. Difundido pelo boca a boca, em shows e pela venda de discos em camelôs, o lambadão consolidou um circuito independente. Nas últimas décadas, seu consumo apropria-se das tecnologias digitais e passa a se dar também em sites especializados em downloads de músicas e de divulgação de vídeos, como o YouTube, e nas redes sociais como Facebook e Twitter. Este panorama foi localizado por Barros (2013) junto ao conceito de globalização popular, definido por Gustavo Ribeiro (2010).

Desde seu surgimento, o lambadão se propagou no âmbito das mídias por emissoras de rádios comunitárias e populares. Como exemplos, podemos citar os programas radiofônicos Bailão 102, da Rádio Difusora de Cáceres, e os da Serra FM, de Cuiabá. Já em 2013, conseguiu, através de agentes da cadeia produtiva do próprio estilo, a entrada em canais de televisão aberta, como a conquista de um programa exclusivo na TBO (Canal 8, em Cuiabá): o Lambadão Show, apresentado por Eliciane Lopes — que atuava anteriormente como dançarina do ritmo musical — e mantido financeiramente através de anúncios de casas populares.  

Em 2013, mesmo ano de conclusão do estudo de Lidiane Barros sobre o ritmo, mas desta vez no contexto do jornalismo on-line dos portais de notícias regionais surge uma novidade: o site Olhar Conceito, que é um segmento do portal Olhar Direto e foi lançado no dia do aniversário de 294 anos de Cuiabá. Trata-se de um “site dedicado à cultura”, como foi definido em seu ato de criação, do qual Barros fez parte atuando como editora. Sete anos depois, no âmbito do que se considera o jornalismo cultural em Cuiabá — uma mescla de entretenimento, divulgação artística, serviço e comportamento — o Olhar Conceito se consolidou como um dos principais veículos regionais dedicados à cobertura cultural e o mais longevo no cenário digital mato-grossense.

Ao revisitar a trajetória do estilo musical, bem como o surgimento do site Olhar Conceito — tendo como foco o registro jornalístico de sua criação —, nosso objetivo parte do interesse em entender como o jornalismo regional on-line feito pelo veículo reporta o lambadão enquanto ritmo musical e/ou movimento cultural de Mato Grosso, através da análise de conteúdo do que foi produzido pelo portal. A partir disso, nos questionamos: que espaço é dado ao lambadão no Olhar Conceito e/ou que fatos o insere no veículo? Como esse jornalismo que se propõe à cobertura cultural acompanha os movimentos regionais e periféricos? De que maneira esse jornalismo adentra no desenvolvimento de uma globalização popular?

É válido ressaltar que nos anos seguintes, mais especificamente a partir de 2017, ocorrem episódios relevantes no que diz respeito às políticas públicas voltadas a este segmento da cultura popular, destinando ao gênero lambadão certa visibilidade. Trata-se do Festival de Lambadão da Secretaria do Estado de Cultura (SEC) e as leis municipal n° 23, de 2017 e estadual n° 10.809, de 2019, das quais trataremos mais adiante.

Diante do percurso do ritmo musical e de sua inserção no veículo analisado, encontramos evidências que podem localizar a prática do jornalismo cultural no processo de legitimação de sua “institucionalidade” dos meios — e do próprio lambadão — e, consequentemente, do Olhar Conceito enquanto ferramenta de mediação. Desse modo, este trabalho encontra elementos dos estudos culturais latino-americanos a partir das perspectivas de Martín-Barbero (2009). Além disso, também nos amparamos em estudos sobre jornalismo cultural e reflexões sobre o jornalismo regional e on-line, campos que mostram “brechas”, conceito este também estudado pelo pesquisador.

Fundamentação teórico-metodológica

De acordo com Barros (2013), a cadeia produtiva do lambadão se constitui de forma essencialmente caseira, formada por familiares e materializada nos shows de bandas em bares, residências e comércios que adaptam suas estruturas para as festas. Inseridos em um processo de comunicação comunitária e familiar, pouco dinheiro é investido em publicidade e a divulgação dos eventos e festas não são feitas “pela mídia dita tradicional, mas pautada pelo boca a boca e pela agenda fixa que algumas casas dedicadas ao ritmo já possuem e mais recentemente via propaganda gratuita pela internet, apostando nas redes sociais” (BARROS, 2013, p. 20).

Um ponto central para entender a difusão e o consumo do gênero é a pirataria e autopirataria, sendo estas as formas principais de divulgação do trabalho das bandas, que se aliam aos camelôs para chegarem ao público. Conforme levantou Barros (2013), uma boa gravação de estúdio não é garantia de execuções do lambadão em rádios comerciais, por isso, os artistas preferem gravar os shows de forma amadora e disponibilizar informalmente o material. Dessa maneira, a intenção dos lambadeiros é que o circuito se amplie cada vez mais, sem controle, pois com o aumento de consumidores há mais oportunidades para apresentações em shows que dão sustento às famílias.

A partir de seus modos de produção, difusão e consumo, Barros (2013) traz o pensamento de Néstor García Canclini (1998) para poder definir o lambadão:

O lambadão é tratado a partir do conceito de hibridismo proposto pelo estudioso argentino por configurar-se como um laboratório de experimentações. Não só do viés da fusão dos estilos, como também por ousar no desenvolvimento de um mercado próprio que interage e mantém uma sólida comunicação com a classe popular. (BARROS, 2013, p. 27)

No cenário em que Barros insere o movimento cultural, as transformações tecnológicas e globais já estudadas por Martín-Barbero (2009) são eixos importantes para definir o campo da comunicação na contemporaneidade, a partir da vida social e cultural. Aqui nos atentamos, especificamente, à globalização, atrelada à cadeia produtiva do lambadão e ao contexto em que está o Olhar Conceito na internet. Para além da dominação de um novo capitalismo, a globalização está relacionada por alguns autores ao conceito de mundialização, que é marcado por fortes interações entre culturas, o que exige “políticas para defender a diversidade, e também de como guiar as trocas, as interações, para potencializá-las” (MARTÍN-BARBERO, 2009, p. 149).

Martín-Barbero (2009), que contribui para a inauguração de um pensamento comunicacional voltado às mediações, se interessou pelas dinâmicas sociais, culturais e políticas da vida cotidiana que resultam em movimentos culturais. No entanto, a partir de 1990, o pesquisador começa a se dar conta de um novo lugar dos meios nos processos de interações sociais. Naquele momento, seu objeto é a televisão norte-americana que, segundo ele, “mundializou as pessoas”, inserindo na América Latina questões sociais como, por exemplo, o direito ao divórcio. Nesse movimento, o autor expressa o que chama de uma questão decisiva: “a presença dos meios na vida social, não em termos puramente ideológicos, mas como uma capacidade de ver além dos costumes, ajudando o país a se movimentar” (MARTÍN-BARBERO, 2009, p. 151).

O que Martín-Barbero define como “ver além dos costumes” é relevante para se pensar o papel da mídia na cobertura do lambadão, que se consolida no cotidiano da cidade, independente das mídias consideradas oficiais. Com isso, surge a possibilidade de pensar a cobertura jornalística sobre o ritmo popular em um processo de legitimação do movimento cultural, ligada a institucionalidade crescente dos meios, entendidos “como instituições sociais e não apenas aparatos, instituições de peso econômico, político, cultural” (MARTÍN-BARBERO, 2009, p. 151). O pesquisador fala sobre noção de comunicação:

A mudança foi esta: reconhecer que a comunicação estava mediando todos os lados e as formas da vida cultural e social dos povos. Portanto, o olhar não se invertia no sentido de ir das mediações aos meios, senão da cultura à comunicação. Foi aí que comecei a repensar a noção de comunicação. Então, a noção de comunicação sai do paradigma da engenharia e se liga com as «interfaces», com os «nós» das interações, com a comunicação-interação, com a comunicação intermediada. (MARTÍN-BARBERO, 2009, p.153) (grifos do autor)

Nessa perspectiva, o conceito de institucionalidade trazido por Martín-Barbero (2009) em seu mais recente mapa, que propõe “as mediações comunicativas da cultura”, evidencia a necessidade de se assumir não a prioridade dos meios, mas o comunicativo enquanto protagonista. Esse protagonismo se reforça em contextos nos quais o isolamento e a solidão, antes identificados em países da Europa, passam a marcar o cotidiano também dos países latinos. Locais em que os meios começam a ter uma importância enorme em termos do que Martín-Barbero chama de “cultura a domicílio” (2009, p. 152).

As mudanças culturais podem ser vinculadas à maior presença das redes sociais e tecnologias digitais no cotidiano das pessoas. Com o mais recente fator de transformação radical dos modos de convívio, no contexto de pandemia de Covid-19, por exemplo, podemos observar como se dá (e se há) o aparecimento do lambadão no portal Olhar Conceito. Evidentemente, nessa conjuntura, as mídias digitais e as tecnologias streaming assumem um lugar central na cadeia produtiva, inclusive nos segmentos musicais e, consequentemente, o lambadão pode se beneficiar disso.

Com o objetivo de investigar o quanto e como aparece o lambadão no Olhar Conceito, optamos, neste estudo, por uma análise de conteúdo do site. Visto que o método aceita uma combinação de compreensão crítica, com a contribuição estatística e a abordagem irá mesclar análises quantitativas e qualitativas na seguinte perspectiva:

Na análise quantitativa o que serve de informação é a frequência com que surgem certas características do conteúdo. Na análise qualitativa é a presença ou a ausência de uma característica ou de um conjunto de características num determinado fragmento de mensagem que é tomada em consideração. (BARDIN, 2011, p. 21) (grifos do autor)

Em suas adaptações para os estudos comunicacionais, a análise de conteúdo já não possui função exclusivamente descritiva e assume um objetivo de inferência; ou seja, por meio dos resultados obtidos na análise, é possível regressar às causas ou mesmo chegar aos efeitos das características das comunicações. Nos anos 1960 e início dos anos 1970, o advento do computador, além de permitir testes estatísticos muito variáveis, exigiu, justamente por isso, uma definição mais precisa das unidades de codificação.

Deste modo, o analista é obrigado a apelar para os progressos da linguística. [...] Uma parte desses esforços é consagrada a atualizar ‘dicionários’, isto é, índices capazes de referenciar e avaliar as unidades do texto em categorias ou subcategorias. (BARDIN, 2011, p. 23)

Portanto, conforme Bardin (2011), a análise de conteúdo se consolida como um conjunto de técnicas de análise das comunicações. Para a autora, não se trata de um instrumento, “mas de um leque de apetrechos; ou, com maior rigor, será um único instrumento, mas marcado por uma grande disparidade de formas e adaptável a um campo de aplicação muito vasto: as comunicações” (BARDIN, 2011, p. 31).

Considerações sobre o Olhar Conceito e o jornalismo cultural regional

O Grupo Olhar está no mercado mato-grossense desde 2002 e hoje possui um dos sites mais acessados do estado, o Olhar Direto. Segmentado em editorias, o portal afirma, em sua linha editorial, considerar relevante qualificar as discussões nas suas áreas de maior abrangência, sendo nos segmentos de política, economia, agronegócios, assuntos de relevância social etc.

Já o Olhar Conceito, site especializado em jornalismo cultural criado pelo Grupo Olhar, surge somente em 2013, a partir da ideia de Matheus Coutinho, herdeiro dos proprietários da empresa, Izabel Coutinho e Marcos Coutinho. Na matéria feita por Arruda (2013) sobre a criação do projeto, publicada no dia 8 de abril daquele ano, Matheus Coutinho relata que o idealizou para cobrir uma lacuna no jornalismo em Cuiabá a respeito de pautas aprofundadas e especializadas sobre a cidade:

‘Eu sentia falta de matérias diferentes. Estava enjoado de matérias sobre política ou assassinatos, mas eu queria ler sobre Cuiabá. Foi então que li uma matéria sobre segmentar públicos e pensei em um site para um segmento mais exigente com os textos’, disse em um tom de voz tranquilo, como quem sabe que tudo está prestes a dar certo, durante uma pequena pausa no trabalho daquela noite. (ARRUDA, 2013, On-line)

Pesquisadores do jornalismo enxergam nessas janelas de conteúdo uma demanda de mercado, sendo fator importante para impulsionar produções regionais e locais. Peruzzo (2005), por exemplo, identifica que o jornalismo regional foi redescoberto no Brasil no final dos anos 1990, em meio às dificuldades de mercado das grandes empresas de comunicação, principalmente das redes de televisão, em que os conteúdos locais estiveram ausentes ou limitados a horários menos nobres, enquadramentos e inibição de sotaques.

Barbosa (2002), por sua vez, identifica essa tendência de regionalização em um terceiro momento de diferenciação do jornalismo on-line no Brasil: a fase em que os portais regionais se dividem em editorias e mesclam jornalismo diário (últimas notícias) com o semanal (reportagens especiais), convivendo “sem concorrer com os mega portais ou portais genéricos” (BARBOSA, 2002, p. 56). Para ela, os portais locais ou regionais:

[...] são uma nova categoria para o jornalismo on-line, pois cumprem a função de usar a informação segundo os critérios de proximidade, veiculando-a em consonância com as características do jornalismo on-line: interatividade, hipertextualidade, multimidialidade, personalização e memória. (BARBOSA, 2002, p. 53)

A jornalista e pesquisadora Lidiane Barros foi a escolhida naquela época, por Izabel Coutinho, proprietária do Grupo Olhar, para dar início à empreitada como editora do Olhar Conceito. Em seu relato, Barros traz uma empolgação com as possibilidades de inserção do jornalismo, especialmente o cultural, no ambiente digital. Em reportagem publicada pelo site Olhar Direto, feita por Arruda, em 2013, ela afirma: “estou super na expectativa. Acredito que esse site pode se tornar uma referência quando falarmos em cultura. Estou muito empolgada com o ambiente virtual, com a convergência de mídias. Temos muitos planos” (ARRUDA, 2013, On-line).

Marcos Coutinho, acionista da empresa, na mesma reportagem citada acima fala sobre a intenção de criar o Olhar Conceito:

Vamos apoiar todas as iniciativas de arte, sejam elas visuais, cênicas, plásticas, literatura, história. Também as iniciativas em turismo, gastronomia, metalurgia em termos de arte. E também queremos em um futuro próximo fomentar festivais de blues e jazz, festivais de cinema independente, de dança, de MPB e bossa, de música clássica. (ARRUDA, 2013, On-line)

No entanto, Izabel Coutinho, que dentre as personagens dessa história parecia ser a mais resistente à ideia, deu algumas pistas sobre a dificuldade de inserção do tema Cultura no jornalismo comercial, apontando algumas razões para os obstáculos da inclusão de manifestações independentes na mídia e carentes de capital financeiro, como o lambadão:

‘A gente sabe da importância desse segmento, mas no dia a dia nós víamos que quando colocávamos uma matéria de cultura quase não tinha acessos. Dava um trabalhão danado fazer uma matéria complicada, muito mais difícil, mais complexa do que uma notícia de cidades, e então vinha a frustração com tão poucos acessos [...]. Mas depois me convenci que a ideia tinha um potencial estrondoso e fiquei muito orgulhosa do meu filho. Aí tínhamos um problema ainda. Encontrar a pessoa certa. [...] Foi aí que apareceu a Lidi e enfim passamos do estágio embrionário’. (ARRUDA, 2013, On-line)

Retornando à fala de Marcos Coutinho sobre a amplitude de manifestações culturais que a empresa pretendia contemplar, é valido destacar o processo de diversificação das linguagens e produções artísticas diante dos avanços tecnológicos. Estudiosos do jornalismo cultural apontam que, nesse novo contexto, torna-se cada vez mais difícil aos jornalistas deste setor definirem quem ganha espaço na cobertura. Portanto, a tendência é que as produções mais influentes e estruturadas de assessorias ganhem mais “páginas” nos veículos jornalísticos, sejam impressos ou digitais. Dessa forma, a visão do leitor-cidadão

[...] é sobrepujada pela imagem do leitor-consumidor, a tendência é que determinados objetos do jornalismo cultural ganhem destaque no caderno porque são capazes de satisfazer determinadas tendências de mercado e comportamento. (CUNHA; FERREIRA; MAGALHÃES, 2002, p. 11)

O lambadão no Olhar Conceito

Neste tópico, faremos a análise de conteúdo do jornalismo cultural do Olhar Conceito sobre o tema lambadão, importante ritmo musical que expressa um movimento representativo da cultura de Mato Grosso e especificamente da Baixada Cuiabana. Primeiramente, estabelecemos um corpus a partir da busca no site pelo prefixo lamba, já que ele pode designar derivações do movimento musical, inclusive em suas denominações como as que são mencionadas nessa pesquisa: lambafunk, lambagode e o lambatrans. Com isso, encontramos 32 matérias em “notícias”. Desse modo, nota-se a frequência de aparecimento do lambadão no veículo midiático usado nesta investigação. Portanto, diante de uma quantidade relativamente pequena de notícias, foi possível analisar toda a produção do site sobre o tema, no período que compreende os anos de 2013 a 2020.

Na sequência, a partir dos resultados encontrados e de uma leitura flutuante das matérias, definimos categorias de análise para entender como o lambadão aparece no veículo. Portanto, temos a seguinte tabela:

Tabela 1 - Dados sobre os conteúdos no site Olhar Conceito

Categorias

Descrição/Subcategorias

Quantidade total

Roteiro Cultural

Periferia (8)

Estabelecimentos comerciais (1)

9

Festival de Lambadão

Governo do Estado (5)

Governo + associação (2)

7

Eventos

Circuito no mainstream (3)

Festa popular (2)

Evento institucional (2)

7

Lei

Patrimônio cultural do estado e município

2

Aparecimento

Visibilidade e estranhamento

3

Circuito

Movimento cultural na periferia

2

Arte

Hibridações

2

Fonte: Elaborada pelas autoras (2020)

Primeiramente, é importante salientar como o lambadão aparece nos roteiros culturais do site, ou seja, as matérias que noticiam a programação cultural do fim de semana e são publicadas com frequência semanal. Também há shows do ritmo, semanalmente, em casas de festas de bairros periféricos da capital e em Várzea Grande, onde ocorrem espetáculos no estabelecimento “O Galpão”, que é uma referência em eventos do gênero musical na região metropolitana do estado. Das 32 publicações que compõem o corpus deste estudo, nove são roteiros culturais, que incluem os eventos de lambadão no texto e nos títulos das matérias do Olhar Conceito, verificados em todo volume de produção do site.

O assunto mais frequente quando se busca o termo em questão na página é “Festival de Lambadão” que, em sete matérias, se refere a iniciativas do governo e seus desdobramentos e da Associação Mato-Grossense de Lambadão, também em parceria com o estado. As notícias sobre o festival, publicadas em 2017, relatam desde a discussão sobre a criação do evento naquele ano, até a sua realização, datas e etapas do acontecimento, além de concurso de bandas da primeira edição. Possivelmente, a maioria das matérias conseguiu tal entrada no site através de releases — considerando a estrutura de comunicação da Secretaria Estadual de Cultura, que conta com assessoria de imprensa e site próprios, assim como as demais pastas estaduais.

No corpus analisado, o lambadão também aparece enquanto atração de eventos diversos em sete matérias. Como é de se esperar, por seu caráter popular, o ritmo protagoniza festas religiosas e folclóricas, além de estar em uma notícia sobre a programação oficial do aniversário de 295 anos da cidade de Cuiabá. Em dois conteúdos, o termo de busca surge em eventos comerciais, como a Copa Itaipava e a Expoagro — ainda que nesta última ocorrência, a matéria tenha sido intitulada como Festival de Lambadão arrecada alimentos para Hospital de Câncer e Abrigo Bom Jesus.

O ritmo gerou duas notícias quando foi definido como patrimônio cultural imaterial de Cuiabá pela Lei Municipal n° 23, de 2017, e como movimento cultural de Mato Grosso pela Lei Estadual n° 10.809, de 2019, em que também proíbe sua discriminação. É notável ainda o “aparecimento” — como nomeamos tal categoria — do lambadão em contextos não muito comuns ao movimento. Por exemplo, nas matérias: Lambadão ‘Gol do Gabigol’ chega ao Rio e banda de Poconé deve abrir jogo do Flamengo, diz empresário; Studio de dança dentro de shopping tem aulas de tango a lambadão e promete maior interação além do aprendizado; Grupos de lambadão entram na onda e anunciam datas de ‘lives’ — esta última publicada durante a pandemia da Covid-19.

Apesar dos agentes culturais do lambadão já utilizarem a internet como meio de dar visibilidade às suas produções e às agendas de shows, por outro lado, a inserção do ritmo “na onda” de transmissões de shows ao vivo — formato que se tornou uma alternativa rentável para músicos no cenário mainstream — ainda é visto como novidade em 2020. Isso é algo que provoca certo estranhamento e merece atenção dentro dos critérios de noticiabilidade adotados pelo site, bem como de outros veículos locais, como é possível observar em uma breve busca on-line sobre o tema.

Apenas duas matérias tratam do lambadão enquanto circuito que é. Na matéria 4° Circuito de Lambadão acontece em Cuiabá e terá sete bandas e 200 litros de cerveja de graça, o ritmo pode ser considerado um movimento cultural presente na periferia de Cuiabá. No entanto, o conteúdo trata de um evento e não da cadeia produtiva que pode se destacar por seu sucesso e independência. Já no texto ‘Legião, batidão e lambadão: não somos tão jovens’ (Confira crítica), de 2013, definido no próprio título como “crítica”, traz, na verdade, uma análise sobre a descentralização dos modos de produção musical no contexto das tecnologias digitais. Com o mote sobre a narrativa ficcionalizada da banda Legião Urbana no longa-metragem Somos Tão Jovens, o texto foi escrito pelo jornalista e editor-chefe do Grupo Olhar, Lucas Bólico, que o assina como pesquisador de música marginal e autor do livro-reportagem A desforra da periferia, sobre o lambadão cuiabano.

Abaixo, um trecho:

O olhar de Hermano Vianna ainda continua por movimentos musicais que nasceram depois do advento do punk brasiliense e do funk carioca, como o lambadão cuiabano. ‘Assistimos ao nascimento de indústrias de entretenimento popular que já produzem os maiores sucessos musicais das ruas de todo o país sem mais depender de grandes gravadoras e grandes mídias para construir sua rede de difusão nacional. É o caso do funk carioca, do forró eletrônico cearense, do tecnobrega paraense, do arrocha baiano, do lambadão cuiabano, da tchê gaúcha. Todas essas músicas são produzidas na periferia para a periferia, sem passar pelo centro’, declarou em entrevista concedida antes da recente explosão do arrocha. Em outras palavras, as bandas não precisam mais ir ao ‘eixo’ para existirem de fato, caminho feito pela Legião Urbana e que encerra o filme. (BÓLICO, 2013, On-line)

Outras duas matérias publicadas no Olhar Conceito, categorizada aqui como “arte”, tratam do lambadão em meio a hibridações, como em Após unir lambadão e eletrônico, músico participa de concurso para gravar álbum pela Sony em Portugal ou como instrumento de manifestação artística em Transexual cuiabana une música e ativismo: conheça o ‘lambatrans’.

Considerações Finais

A saber, o site Olhar Conceito produziu uma quantidade relativamente pequena de matérias a respeito do lambadão. Ao longo do período analisado foram 32 conteúdos (entre 2013 e 2020). É possível afirmar que, apesar desse ritmo ser entendido como uma manifestação cultural popular e de massa, ele ainda não é um assunto que desfrute de destacada notoriedade no veículo, mesmo com o enorme sucesso conquistado junto aos cidadãos cuiabanos, muito em razão de estratégias de comunicação próprias utilizadas pelos artistas e entusiastas do movimento, inclusive com o uso da internet, além de contar com o apoio de outros veículos de imprensa locais. Portanto, em razão dessas iniciativas de divulgação, o lambadão tem tido visibilidade e regionalmente não é ignorado.

Em boa parte das publicações, o ritmo aparece como opção de entretenimento na cidade, em atrações de festas institucionais, eventos comerciais patrocinados por grandes marcas e, principalmente, em festas nos bairros, portanto, é reconhecido enquanto uma expressão da cultura popular e de periferia. Além disso, o lambadão surge também como instrumento de ativismo e ritmo passível de reinvenção, como ocorre na reportagem sobre o lambatrans, uma derivação do estilo com enfoque em letras que tratam da vida de mulheres transexuais. No entanto, a sua cadeia produtiva, isto é, de que maneira o movimento musical se organiza, agentes e consumidores acabam sendo negligenciados da cobertura midiática no veículo.    

A partir da análise feita neste trabalho, podemos refletir sobre o percurso entre a concepção de uma pauta cultural e sua efetiva veiculação no Olhar Conceito. Vale ressaltar que estes conteúdos estão inseridos em um site vinculado a um prestigiado portal de notícias (Olhar Direto) e possui uma demanda popular em decorrência do grande número de acessos. O Olhar Conceito nasce, ao menos em uma intenção reportada inicialmente ao público por Arruda (2013), para “apoiar todas as iniciativas de arte” e escrever para quem “queria ler sobre Cuiabá”. Porém, em relação ao lambadão, constatou-se ao longo do período investigado, pouco empenho em contribuir para a ampliação da popularidade do gênero.

A falta de conteúdos culturais sobre Cuiabá é apontada no próprio registro da criação do veículo por Izabel Coutinho, que ressalta a existência de demanda por materiais diferenciados, distante de editorias policiais e políticas (ARRUDA, 2013). Por esta razão surgiu o Olhar Conceito. Ainda assim, o veículo preza pela quantidade de acessos e, como se pôde notar nesta pesquisa, o ritmo lambadão acabou restrito a notícias específicas que não valorizam a sua abrangência.

Por fim, observamos que o movimento musical, quando aparece nas matérias do site, na maioria das vezes é através de conteúdos associados a políticas de incentivo do setor, a exemplo do Festival de Lambadão, sendo pauta de grande parte das matérias sobre a manifestação popular. Somam-se a essa institucionalização, as notícias que tratam sobre o título de patrimônio cultural imaterial, recebido pelo estilo em 2017. Desta forma, é possível entender que há a necessidade de o veículo dissociar o lambadão de pautas institucionais e enxergar no gênero um movimento cultural de massa relevante em Cuiabá.

Referências

ARRUDA, J. P. Grupo Olhar presenteia Cuiabá: nasce site dedicado à cultura. Olhar Direto, Cuiabá, On-line, 2013. Disponível em: <https://www.olhardireto.com.br/noticias/exibir.asp?id=315102&noticia=grupo-olhar-presenteia-cuiaba-nasce-site-dedicado-a-cultura>. Acesso em: 30 nov. 2020.

BARBOSA, S. A informação de proximidade no jornalismo on-line. Revista Contracampo, n. 7, p. 47-64, 2002. DOI: <https://doi.org/10.22409/contracampo.v0i07.475>.

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