A ficção seriada televisiva estadunidense durante a Peak TV:

hibridismo, serialização e fidelização

Melina Meimaridis1 e Rodrigo Quinan2

Resumo

A indústria televisiva estadunidense tem vivenciado um momento de intensa competição, caracterizado pela expressão Peak TV. Neste cenário, contudo, um grupo restrito de produções tem recebido a maioria da atenção acadêmica. De modo a elucidar melhor o atual contexto de uma das maiores indústrias de TV do mundo, aqui nos propomos a explorar o estado da arte da serialização nas produções contemporâneas. Utilizando de análises da crítica estadunidense e de exemplos pontuais de produções, defendemos que o modelo episódico de séries encontra-se ainda muito proeminente, principalmente na TV aberta. Identificamos, também, que os serviços de streaming têm se utilizado do modelo seriado como forma de distinção e legitimação dos mesmos. Por fim, o processo de hibridização das lógicas episódicas e seriadas, iniciado na década de 1990, ainda é uma característica marcante das produções da Peak TV, sendo utilizado, em alguns casos, como uma estratégia de fidelização. Buscamos aqui apontar as zonas cinzentas entre ambos os modelos em um cenário televisivo de intensa competição, em que cada produção faz sua própria negociação com as lógicas do episódico e do seriado.

Palavras-chave

Ficção Seriada Televisiva; Série; Seriado; Peak TV; Streaming.

1 Doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal Fluminense. Coordenadora do grupo de pesquisa TeleVisões (UFF) e pesquisadora associada ao Série Clube (UFF). E-mail: melinam@id.uff.br.

2 Doutorando e mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal Fluminense. Pesquisador associado aos grupos de pesquisa TeleVisões (UFF), Lamide (UFF), CiteLab (UFF) e Rede Conecta (UFF). E-mail: rodrigoquinan@id.uff.br.

Television fictional series in the United States

during Peak TV:

hybridity, serialization and loyalty

Melina Meimaridis1 and Rodrigo Quinan2

Abstract

The television industry in the United States is experiencing a moment of intense competition, characterized by the expression Peak TV. In this scenario, however, a restricted group of productions has received the bulk of academic attention. In order to better elucidate the current context of one of the largest TV industries in the world, here we propose to explore the state of the art of serialization in contemporary productions. Using analyzes from TV critics in the U.S. and specific examples of productions, we defend that the series’ episodic model is still very prominent, mainly on broadcast networks. We also identified that streaming services are using the serial format as a way of distinguishing and legitimizing themselves. Finally, the hybridization process of episodic and serial logics, initiated in the 1990s, is still a striking feature of Peak TV’s productions, in some cases being used as strategy to foster loyalty. We seek to point out the gray areas between both models in a television landscape of great competition in which each production negotiates with the episodic and serial logic.

Keywords

Serial Television Fiction; Serie; Serial; Peak TV; Streaming.

1 Doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal Fluminense. Coordenadora do grupo de pesquisa TeleVisões (UFF) e pesquisadora associada ao Série Clube (UFF). E-mail: melinam@id.uff.br.

2 Doutorando e mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal Fluminense. Pesquisador associado aos grupos de pesquisa TeleVisões (UFF), Lamide (UFF), CiteLab (UFF) e Rede Conecta (UFF). E-mail: rodrigoquinan@id.uff.br.

Introdução

A indústria de ficção seriada televisiva estadunidense transformou-se em um fenômeno global, cativando a atenção de telespectadores e pesquisadores ao redor do mundo. Com a proliferação de serviços de streaming, o cenário já competitivo desta indústria se tornou ainda mais intenso. Só em 2019 foram lançadas 532 produções roteirizadas originais[1]. Trata-se de um aumento de 152% em comparação com as 211 exibidas em 2009. John Landgraf, CEO do canal FX, ficou conhecido por apontar essa tendência em 2015 durante a sua fala no Television Critics Association Press Tour, em que ele afirmou que a TV estadunidense estava adentrando a Peak TV[2]. Do ponto de vista do empresário, a Peak TV representava um problema tanto para a indústria que não conseguiria manter essa quantidade de produções, quanto para os consumidores que não dariam conta de consumir tudo o que desejassem. No contexto da pandemia da COVID-19, observa-se que em 2020 o número de produções caiu pela primeira vez na década. No entanto, foram produzidas 493 obras ficcionais seriadas, número ainda bastante expressivo[3].

Durante a Peak TV, foram evidenciados discursos de qualidade, sofisticação e hibridismo narrativo, maior representatividade racial e de gênero, e promessas de mais liberdade autoral. Todavia, é interessante observar que as séries mais assistidas da TV estadunidense continuam sendo, majoritariamente, produções da televisão aberta que reproduzem fórmulas consagradas. Das 20 séries mais assistidas nos Estados Unidos na temporada 2019-2020, 18 são procedurais (em que a história se resolve no próprio episódio) centrados em instituições ficcionais, uma é sitcom e uma é drama familiar[4]. Isso posto, neste artigo buscamos analisar as formas em que as lógicas seriadas e episódicas são acionadas pela ficção seriada durante a Peak TV. Trata-se, portanto, de uma atualização de uma longa discussão para se entender o estado da arte da serialização nas produções ficcionais televisivas contemporâneas nos Estados Unidos.

Historicamente, as produções foram divididas em dois grupos: as séries e os seriados. As séries contemplam as narrativas episódicas, em que os mesmos personagens aparecem a cada episódio, porém as histórias são independentes. Assim, “os problemas levantados no início de um episódio são resolvidos ao término do mesmo”[5] (NEWMAN, 2006, p. 18) (tradução nossa). Já no formato seriado, as tramas resistem ao fechamento. Dessa maneira, os mesmos personagens possuem tramas que continuam a cada episódio. Apesar dessas categorias ainda serem utilizadas, esse binarismo não dá mais conta da quantidade de produções em exibição.

À medida que a ficção seriada foi mesclando as lógicas da série e do seriado, a atenção destinada a estes produtos foi sendo majoritariamente direcionada a um conjunto limitado de produções mais masculinas, serializadas e pertencentes aos canais da TV fechada, como The Sopranos (HBO, 1999-2007), Mad Men (AMC, 2007-2015) e Breaking Bad (AMC, 2008-2013) (CASTELLANO; MEIMARIDIS; FERREIRINHO, 2019). Estas séries, juntamente de outras produções consideradas de “prestígio”, têm se tornado objetos de análise pela crítica especializada e pela Academia. No entanto, essa atenção é redundante, enviesada e reforça a controversa noção de que a televisão se tornou boa conforme foi se tornando mais masculina (NEWMAN, 2016) e serializada. Durante a Peak TV, outros discursos se tornaram recorrentes, alguns aproximando os seriados do streaming da legitimidade do cinema. Para isso, criadores e atores recorrentemente descrevem a totalidade dos episódios de uma temporada como um filme. Essa aproximação com o cinema é notável na fala de Joe Lewis, responsável pelo conteúdo original de 30 minutos do Amazon Prime Video, quando ele diz: “Não fazemos televisão episódica. Nós nem fazemos televisão. Eu, brincando, chamo de film-o-vision”[6] (LEWIS, 2016 apud ADALIAN, 2016) (tradução nossa). O neologismo risível e a comparação com o cinema, de maneira geral, são estratégias de distinção em um cenário extremamente competitivo.

Contudo, devemos problematizar essas questões, a começar pela atenção direcionada a um grupo restrito de obras como representantes do estado da arte tendo em vista a multiplicidade de produções existentes na Peak TV. Interessantemente, muitas das obras exaltadas pela crítica e pela literatura apenas incorporam e reproduzem lógicas de serialização já consolidadas na TV linear[7].

Metodologicamente, aqui nos apoiaremos na revisão da literatura e em análises das estruturas de serialização de exemplos pontuais que marcaram a história do meio nos Estados Unidos e de produções significativas da Peak TV. Defendemos que o modelo episódico e os episódios contidos (chamados de standalone) ainda são muito populares, principalmente na TV linear, ao passo que as plataformas de streaming têm se apoiado mais no modelo seriado. O hibridismo de ambos os modelos ainda está presente nas obras contemporâneas e é estrategicamente acionado para fidelizar o público.

Destacamos que, nas últimas décadas, a ficção seriada televisiva estadunidense se consolidou como uma das maiores indústrias de entretenimento do mundo, especialmente com os serviços de streaming facilitando sua distribuição e acessibilidade. Nesse cenário, o Brasil se mostrou um grande consumidor dessas produções. De acordo com relatório do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), em janeiro de 2021 a Netflix tinha 19 milhões de assinantes no país, seu segundo maior mercado em quantidade de assinantes[8]. Esse interesse pelas séries e seriados estadunidenses também se refletiu no relevante aumento de pesquisas sobre essa indústria televisiva na Academia brasileira — por exemplo, no GT de Televisão da Compós em 2021, 30% dos trabalhos apresentados tratavam da ficção seriada estadunidense, analisando tópicos como narrativa, autoria, circulação e indústria. Já no GT de Ficção Seriada do Intercom de 2021, dos 40 trabalhos apresentados, 15 (aproximadamente 37,5%) se debruçavam nessas obras ou abordavam questões referentes a essa indústria cultural.

Apesar do recente interesse, pesquisadores brasileiros ainda enfrentam dificuldades para estudar séries e seriados estadunidenses, especialmente devido à falta de literatura atualizada em português. Portanto, neste trabalho nos esforçamos em contribuir com uma revisão da discussão e do estado da arte da ficção seriada estadunidense contemporânea. Reiteramos que uma bibliografia nacional estendida sobre o tema é essencial para atualizar e dar autenticidade a pesquisa brasileira. Esta que muitas das vezes é relegada a usar como base um grupo seleto de autores estadunidenses ou análises oriundas de estudos audiovisuais incapazes de compreender as peculiaridades da mídia televisiva, o que resulta em comparações excessivas com o cinema e na incapacidade de analisar nuances, como as zonas cinzentas entre o serializado e o episódico.

A Série e o Seriado

No decorrer da história contemporânea da televisão estadunidense, negociações entre obras episódicas e serializadas tornaram-se o grande dilema estrutural das produções ficcionais. Séries com episódios contidos e desfechos semanais tornaram-se padrão na grade da televisão aberta, graças ao modelo benéfico às audiências casuais e reprises, dispensando a importância da ordem dos episódios ou mesmo do consumo da obra na íntegra para a compreensão episódica. Este modelo dominou a grade entre as décadas de 1950 e 1970 em produções como o drama policial Dragnet (NBC, 1951-1959) e a comédia I Love Lucy (CBS, 1951-1957). Dentre as razões para sua predominância, destacamos a inexistência das tecnologias de timeshifting[9] e a crença das emissoras de que os telespectadores não conseguiriam acompanhar tramas divididas em múltiplos episódios.

Alternativamente, no início da década de 1980, se popularizaram os seriados, produções em que as histórias se estendem e que requerem a familiarização dos telespectadores. Embora Dallas (CBS, 1978-1991) e Dynasty (ABC, 1981-1989) tenham inaugurado esse modelo ao se aproximarem das lógicas das soap operas, a produção apontada como o grande marco da serialização é o drama policial Hill Street Blues (NBC, 1981-1987) (THOMPSON, 1997). Criada por Steven Bochco e Michael Kozoll, o drama se aproximou das soap operas incorporando a estrutura de múltiplas tramas abertas que se entrelaçavam ao decorrer da temporada. Inicialmente, o drama foi criticado pelo público e pela emissora por ter muitas subtramas (THOMPSON, 1997). Contudo, atraiu a adulação da crítica e uma audiência jovem, elitizada, urbana e com renda disponível. Apesar de não ter obtido elevados índices de audiência durante sua primeira temporada, o apelo demográfico da produção garantiu sua renovação (STARK, 1997).

O modelo seriado funciona bem em um consumo contínuo — que tem sua forma mais intensa representada pela prática do binge-watching (“maratonar” séries) —, no qual se utilizam de recursos como cliffhangers (em que acontecem situações de tensão na trama) para prender a atenção do telespectador e para que os personagens possam se desenvolver. Por mais que a distinção entre os modelos da série e do seriado seja útil em nível fundamental, uma análise próxima revela que muitas das produções apontadas como inovadoras estão apenas desenvolvendo seu próprio hibridismo entre os dois modelos.

Considerando a variedade de produções existentes, outros modelos de serialização foram propostos. Um dos principais foi elaborado por Omar Calabrese (1987). O autor propõe cinco protótipos e se utiliza de obras estadunidenses para exemplificar seus modelos: 1) The Adventures of Rin-Tin-Tin (ABC, 1954-1959): modelo marcado pela repetição, sem uma história contínua, com episódios independentes e que podem ser consumidos fora da ordem sem prejuízos para a compreensão da trama; 2) Zorro (ABC, 1957-1959): semelhante ao anterior, este modelo possui episódios independentes, mas com um objetivo maior a ser alcançado no decorrer da história; 3) Bonanza (NBC, 1959-1973): este modelo entrelaça lógicas seriadas e episódicas, possuindo tramas resolvidas tanto ao final de cada episódio quanto tramas abertas desenvolvidas no decorrer de vários episódios, temporadas e/ou da própria produção; 4) Columbo (NBC, 1968-1978): neste modelo um personagem principal se mantém constante e os episódios são variações em cima de um mesmo tema; 5) Dallas: mistura elementos do terceiro e quarto modelos, unindo o uso de arcos com a técnica da variável regulável apresentada em Columbo.

Embora apresente uma das poucas tipologias existentes, a análise do autor peca por sua especificidade e por ser naturalmente datada, uma vez que ele considera cada novo modelo o substituto do anterior, sendo, portanto, cada um a evolução do que o antecedeu. Por mais que o Calabrese considere a existência de um período de transição em que mais de um modelo possa coexistir, Angela Ndalianis (2005) propõe que atualmente na televisão estadunidense os cinco modelos coexistem. Além disso, a autora ainda indica que uma mesma produção pode oscilar entre os modelos dependendo da temporada. Ndalianis tenta, dessa maneira, tornar os modelos de Calabrese mais flexíveis, porém a análise da autora ainda peca por sua especificidade e por não dar conta das formas híbridas mais recentes.

O hibridismo das lógicas episódicas e seriadas

Com o sucesso de Hill Street Blues e a possibilidade de criar produções com apelo demográfico, a década de 1990 foi marcada pela proliferação de dramas serializados que testaram os limites do modelo. Twin Peaks (ABC, 1990-1991) teve uma relação mais turbulenta com a serialização, indicando que grandes audiências, em um mundo precedente a Internet e DVDs, ainda não estavam preparadas para um consumo tão dedicado. Similar ao modelo que viraria popular na era do streaming décadas depois, a obra era estruturada com cada episódio sendo uma completa continuação do anterior, nomeados por números, sem qualquer tipo de trama semanal. Os mistérios de Twin Peaks foram grande sucesso na ABC em 1990, mas o drama foi rapidamente cancelado em 1991 graças ao abandono de grande parte dos telespectadores após a resolução do arco principal (MOLDOVAN, 2015).

Buscando replicar a complexa mitologia que tornou Twin Peaks um favorito cult, mas sem sacrificar sua viabilidade comercial, The X-Files (Fox, 1993-2002/2016-2018) adotou um modelo híbrido em que um longo arco narrativo principal coexistia com histórias semanais contidas. A maior parte da produção ainda seria episódica, com investigações similares a procedurais policiais, mas em momentos pontuais das temporadas o drama se tornava serializado. Assim, duas classes de episódios ficariam definidas pela obra: os mythology (episódios de mitologia) apresentavam o enredo serializado sobre a conspiração governamental para esconder a existência de extraterrestres e os monster of the week (episódios do monstro da semana) apresentavam semanalmente casos policiais não explicados envolvendo paranormalidade e elementos fantásticos.

Produções da década de 1990 reproduziram esse modelo de intercalar episódios contidos com outros que desenvolviam uma trama maior ao longo da temporada. Esse hibridismo das formas episódicas e seriadas já foi apontado por Mittell (2006; 2015) como uma das características emblemáticas das chamadas narrativas complexas. A narrativa dessas produções envolve mais do que apenas uma trama serializada, mas a “redefinição de formas episódicas sob a influência da narração seriada — não necessariamente uma fusão da forma episódica com a seriada, mas, sim, um equilíbrio inconstante”[10] (MITTELL, 2006, p. 32) (tradução nossa). Mittell argumenta que esse processo só foi possível devido aos inúmeros avanços nas tecnologias de timeshifting, que permitiram aos espectadores assistir os episódios com mais atenção, pausando e revendo-os múltiplas vezes para compreender melhor a riqueza do roteiro.

Recentemente, críticas direcionadas ao conceito de complexidade narrativa têm problematizado sua qualidade generalista e redundante, especificamente a noção de que:

Ao congregar numa mesma terminologia diversas tendências narrativas distintas da televisão contemporânea, o autor [Mittell] permite chamar de “narrativamente complexos” seriados que só incorporam uma ou duas destas características [...], tornando-o ao mesmo tempo maleável, redutor, e mesmo cego a certas especificidades (ARAÚJO, 2015, p. 45).

A despeito de entendermos que estas questões precisam ser aprofundadas em outros trabalhos, para nós, o hibridismo das lógicas de serialização se torna um elemento de análise interessante na medida em que possibilitou uma gama de construções e variações nas produções televisivas.

A ascensão da televisão fechada também permitiu grande experimentação de hibridismo das lógicas de serialização. As produções para esse ramo de TV apresentavam temporadas mais curtas, diminuindo o risco de dispersão, compensadas com episódios individuais mais longos (MITTELL, 2015). A primeira obra ficcional seriada da HBO, Oz (HBO, 1997-2003), seguia um modelo completamente serializado em que a história era contínua entre longos episódios de uma hora que integravam uma curta temporada com o total de oito partes. Porém, o exemplo mais recorrente da suposta complexidade narrativa foi o drama The Sopranos. A produção, embora frequentemente episódica, marcou a instauração de um novo modelo valorativo de ficção televisiva em que as obras se utilizavam de extensa serialização. Os “dramas de prestígio”[11] foram reiteradamente associados, pela crítica especializada e literatura acadêmica, com uma linguagem (supostamente) “cinematográfica” e/ou com uma estrutura mais densa que se aproximava dos romances literários (LAVERY; THOMPSON, 2002; NANNICELLI, 2009). Ambas as estratégias são problemáticas e serviriam como um selo distintivo atrelado a uma “não-televisão” (NEWMAN, 2016).

Para a crítica televisiva na virada do século, o botão de “ligar/desligar” da serialização de The X-Files através dos mythology/monster of the week parecia agora uma relíquia de outro momento televisivo, com subsequentes dramas de prestígio apresentando uma hibridização serializada/episódica ainda mais elaborada (alguns seriam completamente serializados), com o episódio contido sendo cada vez mais relegado aos procedurais da TV aberta. The X-Files, entretanto, permanecia no ar com boas audiências, sobrevivendo até sua nona temporada. Outros exemplos relevantes desse período foram The Wire (HBO, 2002-2008) e Lost (ABC, 2004-2010). Os dramas apresentaram formas opostas de lidar com a mesma demasia informacional: ambas dispunham de dezenas de personagens envolvidos em enredos que ficaram conhecidos como excessivamente complicados, pegando mínimos detalhes de seus episódios e os tornando essenciais para a compreensão da trama.

The Wire desfrutou de liberdades concedidas por ser exibido por um canal premium. A densa narrativa criminal utilizava um modelo serializado, em que cada episódio fornecia continuidade ao anterior, com enredos semanais fazendo pouco ou nenhum sentido para audiências que não acompanhavam desde o piloto. Contudo, o drama foi um grande fracasso de audiência durante sua exibição. Já Lost, produção da televisão aberta, fez exatamente o contrário. Longas recapitulações, intituladas Previously on Lost (anteriormente em Lost), abriam os episódios repassando as cenas mais essenciais das semanas anteriores. No início e no meio das temporadas, o drama ocasionalmente utilizava de um episódio dedicado a relembrar acontecimentos importantes. Ao introduzir enredos contidos e sendo didática e paciente ao explicar a história maior para as novas audiências, Lost desfrutou de excelentes índices mesmo com suas primeiras temporadas tendo de 22 a 25 episódios [12].

A serialização na Peak TV

O termo “Peak TV” começou a ser utilizado em 2013. A expressão foi inicialmente empregada por Landgraf para nomear um problema: atingindo seu pico, a indústria não conseguiria manter o ritmo acelerado de novas produções e em algum momento tenderia a cair. Porém esse pico ainda não foi atingido, em grande parte devido a proliferação de serviços de SVOD (streaming video-on-demand) que investem massivamente em conteúdo original. De fato, em 2018, as produções desses serviços superaram pela primeira vez a quantidade de séries e seriados da TV aberta e do basic cable[13]. Ao cair no gosto da crítica, a expressão começou a denotar um aspecto mais descritivo do que um problema da indústria. Atualmente seu uso apresenta um momento de grande competitividade, marcado por um boom na quantidade de obras disponíveis[14].

Aqui, compreendemos que o atual cenário da televisão estadunidense tem sido marcado pela competição e por uma grande pressão por produções de sucesso. Durante a Peak TV encontramos uma pluralidade de obras e de modos de acionamento da serialização. Contudo, três estratégias se destacam: 1) popularidade do modelo episódico; 2) seriado como estratégia de fidelização e distinção; 3) hibridismo dos dramas contemporâneos.

1) Popularidade dos modelos episódicos

Pouco lembrado em um cenário televisivo em que longos arcos serializados recebem a maior parte da atenção crítica e acadêmica, o modelo episódico segue popular durante a Peak TV, aparecendo de forma destacada em produções que destoam do arquétipo do “drama de prestígio”. Esse modelo aparece principalmente em dois formatos: os procedurais e as comédias. Enquanto nossa análise busca ressaltar a forma como episódios contidos se readaptaram às lógicas narrativas da TV estadunidense contemporânea, reforçamos que é improvável haver exemplos de produções puramente episódicas ou serializadas atualmente com um hibridismo tão abrangente que mesmo completas antologias, como Black Mirror (Channel 4, 2014-2016/Netflix, 2016-2019), ou produções de streaming extremamente serializadas, como The Man In The High Castle (Amazon Prime Video, 2015-2019), aplicam práticas dos dois modelos, como veremos mais à frente. Nosso ponto aqui, todavia, é destacar a proeminência do modelo episódico.

Lucrativos desde os anos 1950, procedurais se tornaram nos anos 1990 e 2000 o gênero televisivo mais popular dos Estados Unidos. Especialmente na televisão aberta, dramas policiais, médicos e jurídicos de produções como Law & Order (NBC, 1990-2010), House (Fox, 2004-2012) e JAG (NBC, 1995-1996/CBS, 1996-2005) obtiveram elevadas audiências e foram abraçadas pelas premiações da indústria. Com casos resolvidos semanalmente e um elenco de personagens que poderia ser modificado de uma temporada para outra sem grandes impactos para a compreensão da audiência, procedurais são extensamente reprisados. A didática capaz de situar sem problemas mesmo o telespectador que os assiste pela primeira vez e o modelo que não compromete o consumo fora de ordem torna esse modelo essencial na Peak TV.

A popularidade do procedural contribui para a longevidade de produções como Law & Order SVU (NBC, 1999-), atualmente em sua 23ª temporada. Outras produções como Chicago Fire (NBC, 2012-) e Grey’s Anatomy (ABC, 2005-) também mesclam muitas lógicas desse modelo com arcos longos no decorrer das temporadas. Mantendo o formato de temporadas de 22-24 episódios, as séries procedurais contemporâneas estrategicamente optam por intensificar seus arcos serializados nos períodos de transição entre uma temporada e outra, reestabelecendo o status quo assim que solucionados, como em Scorpion (CBS, 2014-2018) e Bull (CBS, 2016-).

As comédias igualmente enfrentaram uma transformação com a incorporação de elementos da serialidade. Para Picado e Neri:

Serializar narrativas do gênero cômico pressupõe a adoção de uma gama de estratégias que garantam não apenas a manutenção da estrutura continuada das histórias em série, mas também a preservação das particularidades da estrutura episódica elementar do gênero (PICADO; NERI, 2014, p. 21).

As produções da década de 1990, como Friends (NBC, 1994-2004) e Fresh Prince of Bel-Air (NBC, 1990-1996), mantiveram episódios contidos que poderiam ser consumidos fora da ordem, mas também mesclavam elementos da lógica seriada com arcos ao longo da temporada, principalmente os desenvolvimentos amorosos dos personagens. Alternativamente, o início dos anos 2000 foi marcado pelo surgimento de Arrested Development (Fox, 2003-2006/Netflix, 2016-2019), uma comédia quase completamente serializada, em que cada episódio é continuação direta do anterior.

Já as comédias da Peak TV reproduzem uma maior serialização, contudo as produções da TV aberta ainda mantêm a convenção de episódios destacados, como em Superstore (NBC, 2015-2021). O modelo episódico da comédia se tornou espaço para maiores experimentações, com produções se aproveitando da serialidade mais afrouxada do modelo para inovações estéticas com elementos intertextuais, paratextuais e metanarrativos, como em Community (NBC, 2009-2015) e The Good Place (NBC, 2016-2020) (INNOCENTI; PESCADORI, 2015; RUSTAD; SCHWIND, 2017).

A despeito da popularidade do modelo episódico na TV aberta, o sucesso do modelo também está presente na TV fechada em séries como Curb Your Enthusiasm (HBO, 2000-) e It’s Always Sunny In Philadelphia (FX, 2005-2012/FXX, 2013-). Enquanto que a primeira apresenta quase uma ausência de roteiro, com atores improvisando cenas e episódios contidos sobre a vida mundana, a segunda se caracteriza pela recusa em incorporar qualquer continuidade comprometedora, não hesitando em “resetar” acontecimentos no episódio seguinte. Batendo o recorde de permanência no ar ao ser renovada recentemente até sua 18ª temporada[15], It’s Always Sunny In Philadelphia funciona exatamente como uma sitcom da década de 1990, chegando a ser promovida como “Seinfeld on crack” pela emissora[16].

Os serviços de streaming também têm se aproveitado do modelo episódico em suas comédias, como no caso de Fuller House (Netflix, 2016-2020) e Alexa and Katie (Netflix, 2018-2020). Esses serviços desfrutam das liberdades da TV não linear para inserirem maiores experimentações com o modelo. Um exemplo singular é Master of None (Netflix, 2015-). A produção se destaca por apresentar episódios conceituais, como um que não segue nenhum dos personagens já conhecidos pelo telespectador — “New York, I Love You”, sexto episódio da segunda temporada (S2E6) — e uma narrativa contida que mescla um arco contínuo referente a vida amorosa do protagonista com histórias episódicas isoladas.

2) O seriado como estratégia de distinção

A despeito da popularidade do modelo episódico, o seriado tem conquistado grande espaço na Peak TV, principalmente devido aos avanços tecnológicos para o surgimento do streaming, que trouxeram a possibilidade de o telespectador ditar a experiência de fruição. Embora este modelo de serialização já tenha sido utilizado para promover produções consideradas “distintas” nas décadas de 1980 e 1990, na Peak TV, uma leva de obras seriadas tem sido promovida como “inovadoras” ao apresentarem estruturas majoritariamente ou completamente seriadas, tanto em gêneros dramáticos, como Bloodline (Netflix, 2015-2017) e The Handmaid’s Tale (Hulu, 2017-), quanto em cômicos, como Marvelous Mrs. Maisel (Amazon Prime Video, 2017-presente) e Fleabag (Amazon Prime Video, 2017-2019).

Entendemos que o modelo seriado se beneficia do consumo contínuo. A capacidade de eliminar a semana de intervalo entre um episódio e outro favorece o enredo barroco dessas séries e ajuda produções oriundas da TV linear a encontrarem audiência no streaming. Um exemplo é Breaking Bad, que fracassou inicialmente na audiência e, de acordo com seu criador, só se manteve no ar após a segunda temporada devido à compra dos direitos de exibição pela Netflix, o que possibilitou um maior alcance de público[17].

Enquanto que obras da TV aberta e fechada ainda são muito vinculadas às questões relativas ao tempo/duração de um programa com exibições semanais, as produções do streaming não possuem essa especificidade temporal, com alguns serviços disponibilizando todos os episódios de uma temporada de uma só vez (modelo one-drop). Defendemos que, da mesma forma como no passado a necessidade por intervalos comerciais influenciou a estrutura narrativa da ficção seriada televisiva (LEVINSON, 2002), o modelo one-drop também pode influenciar nessa estrutura.

A limitação temporal da TV linear e o seu modelo de distribuição fazem com que os episódios das produções seriadas sejam pensados como pequenas unidades que devem ser satisfatórias tanto independentemente quanto quando consumidas em conjunto. Alternativamente, muitas produções do streaming têm suas temporadas pensadas como um todo, não sendo limitadas por questões de audiência ou recepção. Porém, ao produzirem obras dessa maneira, as plataformas de streaming pressupõem que os telespectadores irão assistir uma produção do início ao fim, para assim compreender todos os desenlaces da trama, o que pode vir a frustrar expectativas por experiências mais prolongadas ou espectadores casuais que buscam um entretenimento sem um grande comprometimento de tempo (VANARENDONK, 2019). Por outro lado, destacamos que algumas plataformas de streaming têm optado pelo modelo de distribuição semanal da TV linear, como é o caso de Loki (Disney+, 2021-) e de Gossip Girl (HBO Max, 2021-).

Observa-se que críticos de TV, criadores de conteúdo e os próprios executivos de SVOD defendem que as produções originais do streaming são distintas daquelas da TV linear e se utilizam de expressões como “a primeira temporada é o piloto”[18] para enfatizar essa suposta singularidade. A falácia do discurso de distinção da Netflix já foi apontada por Castellano e Meimaridis (2016, p. 196) quando as autoras indicaram que a empresa, ao promover suas produções ficcionais seriadas como “filmes”, como no caso de House of Cards e Sense8 (Netflix, 2015-2018), reivindica para si um “prestígio vicário” de outras formas de arte mais legitimadas.

Do ponto de vista da serialização, observamos que muitas produções dramáticas do streaming reproduzem o modelo do seriado ao apresentarem um conjunto de histórias contínuas em episódios que se encerram com cliffhangers ou que acionam outros mecanismos de gancho para incentivarem o telespectador a ver “só mais um episódio”, como em Jessica Jones (Netflix, 2015-2019) e The Man in the High Castle. Aliado a essa estrutura, a função “post play” da empresa, que automaticamente inicia o próximo episódio, também promove a prática do binge-watching.

Embora as produções do streaming sejam marcadamente mais serializadas, isso não as impede de usarem episódios de tramas contidas como forma de aprofundarem um personagem, como o episódio de Stranger Things (Netflix, 2017-) que interrompe a tensão da trama para acompanhar Eleven (Millie Bobby Brown) na busca por sua irmã (Chapter Seven: The Lost Sister, S2E7) ou o episódio Ballad of the Lonesome Loser (S1E8) do drama High Fidelity (Hulu, 2020-) que abandona a protagonista e dá destaque ao personagem Simon (David H. Holmes), até então irrelevante na história.

3) O hibridismo e a fidelização na Peak TV

Enquanto produções de serviços de streaming têm apresentado temporadas quase completamente serializadas, as obras da televisão linear mantiveram raízes mais firmes da hibridização dos dois modelos, aderindo à extensa serialização que tem dominado as produções da Peak TV, mas sem o abandono das resoluções semanais. Como exemplo, a persistência de antigas táticas televisivas como fillers (episódios contidos de pouco ou nenhum desenvolvimento nos arcos narrativos, geralmente criados para ocupar espaço nas temporadas) e bottle episodes (episódios contidos em apenas uma locação, a fim de reduzir custos da produção) mesmo em aclamados dramas serializados como Breaking Bad (Fly, S3E10) e Mad Men (The Suitcase, S4E7).

A HBO, apontada como pioneira da serialização, seguiu obtendo atenção na Peak TV com dramas como Game of Thrones (HBO, 2011-2019) e The Leftovers (HBO, 2014-2017). Enquanto ambas são apoiadas em grandes arcos narrativos, alguns dos seus momentos mais marcantes são episódios com uma narrativa bem destacada, como o episódio Blackwater (S2E9) de Game of Thones. Não exatamente um standalone, visto que o episódio encerra o arco da guerra dos cinco reis, a narrativa, em vez de ficar pulando de local para local em Westeros, se difere dos outros episódios da produção ao se centrar apenas em uma batalha. Nesse sentido, o drama consolida longos arcos em grandes acontecimentos resolvidos em um único episódio. Já The Leftovers repete a fórmula usada pelo criador Damon Lindelof em Lost ao dedicar episódios inteiros às histórias contidas de personagens específicos, efetivamente construindo uma narrativa serializada montada a partir de fragmentos semanais, com o uso de cliffhangers sendo relegados a momentos específicos de clímax.

Alternativamente, observamos o uso da lógica episódica por dramas serializados como uma estratégia de fidelização em um contexto de intensa competição por audiência. Em alguns casos, dramas que apresentam a lógica do “caso da semana” na(s) primeira(s) temporada(s) acabam abandonando essa lógica após terem uma audiência consolidada, como em Justified (FX, 2010-2015) e Scandal (ABC, 2009-2015). Estas produções desenvolvem longos arcos sem abrirem mão de casos que se assemelham a estrutura do procedural, contudo se tornaram mais serializadas em algum momento (GARCÍA, 2016). Justified optou por dividir seus arcos em três níveis: os dos episódios (casos semanais), o das temporadas (um vilão destacado dominava cada ano do drama) e o da produção — seguindo o confronto entre o policial Raylan Givens (Timothy Olyphant) e o criminoso Boyd Crowder (Walton Goggins). Já Scandal abandonou a estrutura episódica, estabelecida na primeira temporada e a partir da seguinte, passou a utilizar episódios contidos apenas como um “respiro” entre a abertura e o fechamento de arcos longos.

Na Peak TV as produções se encontram mais confortáveis para flexibilizar completamente suas regras narrativas entrando e saindo de modelos de serialização. Um dos experimentos de destaque no que se refere à serialidade na Peak TV é a reinvenção das antologias. Como são séries em que cada episódio conta com uma história completamente contida (repetindo temas e estéticas, mas não personagens ou enredos), as antologias foram populares na década de 1960 com séries como The Outer Limits (ABC, 1963-1965) e The Twilight Zone (CBS, 1959-1964). Embora ainda encontremos exemplos de antologias que reproduzem o modelo contido a cada episódio — Black Mirror (BBC, 2011-2014/ Netflix, 2016-) e The Twilight Zone (CBS All Access, 2019-) —, novas produções têm reformulado o modelo: ao invés de episódios completamente standalone, agora são as temporadas que assumem essa característica, com a produção reiniciando sua narrativa do zero no ano seguinte. Antologias como True Detective (HBO, 2014-), Fargo (FX, 2014-) e American Horror Story (FX, 2011-) foram capazes de manter o interesse da audiência temporada após temporada (INNOCENTI; PESCADORI, 2015) mesmo sob mudanças completas de enredo e elenco.

Considerações finais

Com centenas de ficções seriadas sendo produzidas anualmente, as produções estadunidenses são exportadas e comercializadas ao redor do mundo. Esses produtos televisivos preenchem as grades de programação de canais da TV aberta, da fechada e também são acessíveis via plataformas de streaming, como Globoplay, Amazon Prime Video e Netflix. Neste artigo entendemos que, apesar do foco nas séries e seriados estadunidenses, as contribuições do presente trabalho não se limitam apenas a essas produções, pois são obras que conquistaram certo status de referência globalmente. Um exemplo que podemos citar é a influência das sitcoms estadunidenses na TV espanhola, como na comédia 7 Vidas (Telecinco, 1999-2006). A produção se assemelhava tematicamente com Friends, centrando-se em um grupo de amigos de 30 anos em uma grande cidade. Para Grandío e González (2009), a influência dos modelos televisivos dos Estados Unidos impacta tanto na estrutura narrativa quanto na padronização dos processos de produção televisiva espanhola.

Ademais, com a chegada de empresas estrangeiras de SVOD em diversos países, como no Brasil, por exemplo, essas plataformas têm impactado diretamente as indústrias locais ao investir na produção de ficções seriadas nacionais. Esse processo é, no mínimo, controverso, visto que essas empresas, majoritariamente estadunidenses, impõem seus modelos como “universais” e que devem ser reproduzidos pelos profissionais locais. Tomemos como exemplo a produção Coisa Mais Linda (Netflix, 2019-): a Netflix exigiu que o drama fosse roteirizado primeiramente em inglês e somente após a aprovação dos executivos da empresa, os roteiros foram traduzidos para o português[19].

No decorrer desta pesquisa, observamos como críticos televisivos têm se apressado para declarar a “morte do episódio” em produções da Peak TV. Entretanto, a televisão linear, seja aberta ou fechada, segue explorando possibilidades oferecidas por narrativas contadas semanalmente, fazendo um contraponto aos dramas seriados do streaming. É uma discussão que tem fomentado a equivocada impressão de que a unidade episódica tem se tornado menos essencial (VANARENDONK, 2019), todavia, o que observamos é a popularidade do modelo episódico, principalmente, mas não exclusivamente, na TV aberta. São obras que atendem uma demanda por um entretenimento casual em um contexto em que os telespectadores estão inseridos em um mar de produções disputando por atenção. Gostaríamos, também, de desencorajar análises entusiásticas sobre a “inovação” dos “dramas de prestígio” no que tange questões relativas à serialização, visto que essas produções estão reproduzindo um modelo seriado que não se distancia tanto daquelas criadas no passado.

Reconhecemos que a popularidade dos modelos episódico, seriado e o hibridismo de ambos não são as únicas estratégias de serialização em voga na televisão estadunidense e que mais estudos sobre o tema são necessários para dar conta da grande quantidade de produções exibidas anualmente. Futuros trabalhos devem explorar cada estratégia individualmente, de modo a contribuir com o debate sobre a ficção seriada televisiva durante a Peak TV. Além disso, tendo em vista a discussão apresentada aqui, pesquisadores brasileiros devem explorar as produções nacionais sendo produzidas por serviços de SVOD estrangeiros, como Cidade Invisível (Netflix, 2021-) e Sentença (Amazon Prime Video, 2021-), afim de problematizar como as lógicas da indústria televisiva estadunidense têm sido incorporadas à ficção nacional.

Notas

[1] Disponível em: <https://bit.ly/3r1J7ZQ>. Acesso em: 18 set. 2020.

[2] Disponível em: <https://bit.ly/30TMdnD>. Acesso em: 22 set. 2020.

[3] Disponível em: <https://bit.ly/3oSVJjm>.  Acesso em: 10 mai. 2021.

[4] Disponível em: <https://bit.ly/3xi75RR>. Acesso em: 18 mai. 2020.

[5] “[...] the problems raised in the beginning of an episode are solved by the end.”

[6] “[...] We don’t make episodic television. We don’t even make television. I jokingly call if film-o-vision.”

[7] Por televisão linear estamos nos referindo àquela distribuída pela radiodifusão ou sistema de cabo, ou seja, canais de TV aberta e fechada.

[8] Disponível em: <https://bit.ly/3nMm03s>. Acesso em: 24 nov. 2021.

[9] Tecnologias que permitem o consumo fora do fluxo linear, como o videocassete.

[10] “[...] a redefinition of episodic forms under the influence of serial narration — not necessarily a complete merger of episodic and serial forms but a shifting balance.”

[11] Disponível em: <https://bit.ly/30NYzhg>. Acesso em: 22 set. 2020.

[12] Disponível em: <https://bit.ly/3HNhKZK>. Acesso em: 22 set. 2020.

[13] Disponível em: <https://bit.ly/3DQIPIX>. Acesso em: 22 set. 2020.

[14] Alguns exemplos de matérias jornalísticas que usam o termo Peak TV para descrever um momento de intensa produção televisiva são: <https://nyti.ms/3FGsFCC>; <https://bit.ly/3l5nzYu>; <https://on.wsj.com/3nLxwMy>. Acesso em: 22 set. 2020.

[15] Disponível em: <https://bit.ly/3cETuL1>. Acesso em: 10 mai. 2021.

[16] Disponível em: <https://bbc.in/3xgxoaV>. Acesso em: 22 set. 2020.

[17] Disponível em: <https://bit.ly/3cLR9xy>. Acesso em: 22 set. 2020.

[18] Disponível em: <https://nyti.ms/3nGjeg9>. Acesso em: 22 set. 2020.

[19] Disponível em: <https://bit.ly/3oVhD5B>. Acesso em: 10 mai. 2021.

Referências

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Financiamento

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001.