“A grande revista de Minas para todo o Brasil”:

o lançamento de Alterosa e a repercussão na imprensa belo-horizontina

Gelka Arruda de Barros1 e Rafael Fortes2

 

1 Doutora e mestra em Estudos do Lazer pela Universidade Federal de Minas Gerais. Professora substituta do Instituto Federal de Minas Gerais – campus Sabará. E-mail: gelkabarros@yahoo.com.br.

2 Doutor em Comunicação com pós-doutorado em História. Professor da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro e do Programa de Pós-Graduação Interdiscplinar em Estudos do Lazer da Universidade Federal de Minas Gerais. E-mail: rafael.soares@unirio.br.

 

Resumo

 

A partir de fontes impressas disponibilizadas em acervos físicos e digitais de instituições sediadas em Minas Gerais e no Rio de Janeiro, o artigo analisa o lançamento, em agosto de 1939, da revista mensal ilustrada Alterosa, explorando a imagem que a mesma procurou delinear para seu projeto editorial. O grupo diretor da revista era formado por figuras proeminentes da elite intelectual e econômica da capital mineira. Publicada em Belo Horizonte, planejava construir um lugar de destaque entre os periódicos e o público daquele estado e do país, como a principal representante da cultura mineira. O trabalho explora esta pretensão de grandiosidade, perceptível em vários elementos discursivos dos primeiros dois números, bem como a sua recepção e a sua divulgação em diários da capital mineira, que explicitaram expectativas otimistas quanto ao sucesso e longevidade do periódico. Para tanto, discorremos brevemente sobre o contexto da imprensa em Belo Horizonte no período, pois o cenário, até aquele momento, apresentava dificuldades para o estabelecimento de propostas editoriais independentes na capital. Discute-se ainda outras características iniciais do projeto editorial da publicação, contextualizando-a na conjuntura da imprensa da época.

 

Palavras-chave

 

História da Mídia; Revista; Alterosa; Imprensa; História da Comunicação.

 

“The great magazine from Minas for all of Brazil”:      
the launch of Alterosa and the follow-up in Belo Horizonte’s press

Gelka Arruda de Barros1 e Rafael Fortes2

 

1 Doutora e mestra em Estudos do Lazer pela Universidade Federal de Minas Gerais. Professora substituta do Instituto Federal de Minas Gerais – campus Sabará. E-mail: gelkabarros@yahoo.com.br.

2 Doutor em Comunicação com pós-doutorado em História. Professor da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro e do Programa de Pós-Graduação Interdiscplinar em Estudos do Lazer da Universidade Federal de Minas Gerais. E-mail: rafael.soares@unirio.br.

 

Abstract

 

Drawing from sources available in physical and digital collections of institutions based in Belo Horizonte and Rio de Janeiro, the article examines the release, in August 1939, of the illustrated weekly magazine Alterosa, exploring the image that it sought to outline for its editorial project. The maganize’s steering group was made up of prominent figures from the intellectual and economic elite of the capital of Minas Gerais. Published in Belo Horizonte, it planned to build a prominent place among the periodicals and the public of that state and of Brazil, as the main representative of Minas Gerais culture. The work explores this pretense of grandeur, noticeable in various discursive elements of the first two issues, as well as its reception and dissemination in newspapers of the capital of Minas Gerais, a sector in wich there was an expectation about its longevity. Therefore, we briefly discussed the context of the press in Belo Horizonte in the period, as this scenario, until that moment, presented difficulties for the establishment of independent editorial proposals in the capital. It also discusses other initial characteristics of the publication’s editorial project, contextualizing it within the press conjuncture of the time.

 

Keywords

 

Media History; Magazine; Alterosa; Press; History of Communication.

 

 

Introdução

 

Alterosa foi uma revista ilustrada lançada em 20 de agosto de 1939, em Belo Horizonte, pelo jornalista Olímpio de Miranda e Castro[1]. De caráter literário e noticioso e com frequência mensal, entre suas seções figuravam principalmente contos e crônicas, entremeados por reportagens econômicas, políticas e sociais sobre o estado de Minas Gerais, além de notas sociais, poesia, anúncios publicitários e outros. Intelectuais como Djalma Andrade, Henriqueta Lisboa e Olga Obry estavam entre os colaboradores da revista que contava com numerosas ilustrações e, ocasionalmente, publicava contos de literatos como Machado de Assis, Fernando Sabino e Rubem Braga. A publicação estava amparada pelo grupo diretor, constituído por figuras da elite intelectual e econômica da cidade, conforme discutimos adiante.

No período pós-guerra, mais precisamente após 1950, teve assinantes no exterior (Europa e Américas). Miranda e Castro recusou por duas vezes, em 1945, a venda da revista aos Diários Associados[2]. Contudo, já adoecido, vendeu-a a Magalhães Pinto[3], em 1962 (MAIA; SILVA, 2010). A partir de então, sob a direção de José Aparecido de Oliveira e Roberto Drummond, passou por uma ampla reforma editorial, mas o nome de Miranda e Castro constou no expediente como fundador até o seu encerramento, dois anos depois. Segundo Rodrigues (2011), o objetivo do novo proprietário era utilizar a publicação para fins de propaganda política, tendo em vista a meta de se eleger presidente da República. Como este propósito não foi alcançado, a revista encerrou suas atividades em 1964 e o maquinário importado e ainda novo foi vendido à Editora Abril. Entre os colaboradores desta época estiveram Jorge Amado, Otto Lara Resende, Fernando Gabeira e Henfil, que teria iniciado sua carreira de cartunista na revista (RODRIGUES, 2011).

Este artigo discute o lançamento da publicação, explorando a imagem que buscou projetar para si, bem como algumas opiniões a respeito veiculadas na imprensa belo-horizontina. Para tanto, discorremos brevemente sobre o contexto da imprensa em Belo Horizonte no período. Em seguida, descrevemos e analisamos aspectos da primeira edição de Alterosa e de sua repercussão em diários da capital mineira — assuntos, respectivamente, da segunda e terceira seções.

Antes de prosseguir, registramos que existem trabalhos que tomam Alterosa como fonte, dentre eles os de Oliveira Júnior (2011), Chaves (2010), Maia (2007) e Mayor (2017). Há ainda produções que tomam a publicação como objeto e fonte: Rodrigues (2011), Schetino (2012) e um conjunto de outros autores (REIS; TAVARES, 2013; COBRA; TAVARES, 2014; COSTA; TAVARES, 2015, 2016; TAVARES et al., 2015; ALVES; TAVARES, 2016). Esse último conjunto merece um comentário. Reconhecemos o esforço dos colegas ao abordar um veículo rico para a história de Minas Gerais e do país. Porém, os artigos em questão operam basicamente com as edições digitalizadas alocadas na página do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte (APCBH)[4], onde estão disponíveis digitalmente somente 11 exemplares do período inicial da revista (1939 a 1945), o que corresponde a 16% dos 68 publicados – disponíveis na Hemeroteca da Biblioteca Pública Estadual de Minas Gerais[5]. A nosso ver, um universo insuficiente para se compreender o projeto editorial, a trajetória, as estratégias discursivas e a identidade da publicação, principalmente por desconhecer os anos iniciais. A situação se assemelha àquela mencionada por Martins (2008), em seu estudo sobre a imprensa paulistana (1890-1922):

[...] o uso recente, frequente e indiscriminado de revistas em busca da reconstrução do passado, resultava em equívocos de interpretação, frutos do desconhecimento das condições de vigência daqueles periódicos, da falta de cotejo com seus parâmetros e da efetiva inserção em seu tempo (MARTINS, 2008, p. 17).

 

A dinâmica histórica abrange mudanças, não sendo possível tratar as décadas de 1940, 1950 e 1960 como um conjunto unívoco, equívoco presente na maioria dos trabalhos do conjunto citado, levando a afirmações apressadas que reduzem a complexidade de Alterosa como objeto cultural. Trata-se, aliás, de problemas apontados por autores que analisam os estudos do passado na Comunicação (RIBEIRO; HERSCHMANN, 2008).

 

O contexto da imprensa em Belo Horizonte

A principal característica das primeiras décadas da imprensa belo-horizontina era a efemeridade das publicações. Houve intensa atividade, marcada pelo associativismo e por práticas político partidárias, mas a maioria das iniciativas não passava do terceiro exemplar (CASTRO, 1995). De 1897 a 1954 existiram mais de 800 periódicos, entre jornais e revistas literários, noticiosos, religiosos, operários, políticos, humorísticos, carnavalescos, acadêmicos, esportivos, escolares etc. (CASTRO, 1995).  Em estudo crítico sobre a Coleção Linhares[6], Castro (1995) utiliza fontes literárias para apontar as causas de tal efemeridade. Em A menina do sobrado, Cyro dos Anjos[7] aborda as dificuldades para a imprensa independente se estabelecer na capital, em torno dos anos 1920. O memorialista indica o predomínio das “folhas do governo” e das “gazetas cariocas”, a “população rala” e de “reduzida massa leitora”, o “comércio pobre” e a “indústria quase nenhuma”. O cenário não apresentava condições para o estabelecimento de um mercado editorial pujante (CASTRO, 1995, p. 26). Houve escritores contemporâneos com visão semelhante. Para Carlos Drummond de Andrade[8], a cidade era “morta”, pois sua dinâmica social resultava de hábitos provincianos dos moradores (BARROS, 2018, p. 15).

Tais afirmações eram feitas em comparação com os grandes centros urbanos. Belo Horizonte foi uma cidade planejada, diferentemente do Rio de Janeiro, então Distrito Federal, e de São Paulo. Nas primeiras décadas, o espaço físico da nova capital era monumental para uma população pouco volumosa. No início da década de 1930, a impressão de uma cidade deserta e o comportamento conservador do belo-horizontino ainda eram fortes elementos de representação a questionar a modernidade da capital. Essa interpretação talvez resultasse do fenômeno de excitabilidade pública referente ao ideário moderno, caracterizado pela multidão e tráfego de pessoas e bens materiais. Em 1900, a população era de 13.472 habitantes; entre 1920 e 1940, ela aumentou de 55.563 para 211.377, respectivamente (IBGE, 1957, p. 27).

O cenário da imprensa local se modificou a partir da década de 1930, quando, segundo Castro (1995), aumentou o número de revistas com maior duração e qualidade gráfica (devido a equipamentos mais avançados tecnologicamente). Dando sequência ao movimento modernista mineiro iniciado por A Revista (1925) e por Verde (1928)[9], a revista Surto (1933) foi uma das publicações de maior projeção na cidade (Linhares, 1995, p. 310-311). Nela escreveram Abgar Renault[10], Cyro dos Anjos e Carlos Drummond de Andrade. A Bello Horizonte (1933-1953) foi das mais longevas (LINHARES, 1995, p. 307-309).

Sob a direção de Miranda e Castro, circulou a revista semanal ilustrada Montanheza (1935-1938). Entre contos e crônicas, notícias sobre esportes, notas sociais e caricaturas, ela manteve seções permanentes como “Marionetes”, que versava sobre o mundanismo, sob autoria de Guilherme Tell[11], que posteriormente colaborou com Alterosa (LINHARES, 1995, p. 330-331). Parece ter sido a primeira experiência de Miranda e Castro dirigindo um periódico ilustrado.

 

A primeira edição

Sobre a Alterosa, Linhares considerou que, “tanto pelo texto, quanto pela parte gráfica, deve ser incluída entre as que formam a primeira linha do País” (1995, p. 374)[12]. O texto sugere que o autor acompanhara parte da trajetória da revista, por apresentar informações referentes à periodicidade — por exemplo, que “em 1953 passou de mensal a quinzenal” —, além de assegurar que a publicação havia se estabelecido no mercado editorial de Belo Horizonte:

Alterosa é, sob todos os aspectos, uma revista vitoriosa. Já recebeu a consagração pública, e muito merecidamente. Sua vida tem sido das mais luminosas de nossa imprensa. Nada vemos que fique ela devendo às melhores dos grandes centros (LINHARES, 1995, p. 374).

 

Propriedade da Sociedade Editora Alterosa Ltda., Alterosa mencionou no expediente do primeiro exemplar, lançado em agosto de 1939, que as direções e chefias eram ocupadas por José Carlos Lisboa[13], Olímpio de Miranda e Castro, Theódulo Pereira[14] e Helio Vaz de Melo[15]. O termo “alterosa” significa o que é alto, majestoso ou de grande estatura. Minas Gerais, conhecida também como “terra das alterosas”, segundo Carvalho (2008) traz em seu imaginário as montanhas e entre seus mitos fundadores das tradições mineiras, um passado de riqueza (mineração) e de luta pela liberdade (Inconfidência Mineira). O expediente listava os inspetores-viajantes que estavam a seu serviço pelo interior do estado, “devidamente credenciados” (ALTEROSA, 1939a, p. 137). Ainda informava ter agentes correspondentes em todos os municípios mineiros e em todas as capitais dos estados brasileiros. Naquela época, Minas possuía 288 municípios (IBGE, s.d.) e a revista provavelmente não atingia essa cobertura em agentes correspondentes, no estado e nas demais capitais. Entendemos esse dado como uma estratégia de autopromoção, ao sugerir o potencial de alcance e uma estrutura comercial robusta. Nos anos subsequentes o periódico anunciou, em alguns jornais do interior de Minas, sua procura por agentes correspondentes, sob o título “Colocação para senhoras ou moças” (LAVOURA, 1943. p. 1)[16]. Isto pode indicar esforços para concretizar a pretensão apresentada no primeiro expediente, mas também é uma evidência de que não contava com correspondentes em todos os locais, ao contrário do publicado.

Havia vendas avulsas em Belo Horizonte, interior de Minas Gerais e Rio de Janeiro (DF) e assinaturas anuais nestas regiões e nos países da União Postal Pan-americana (s.d.)[17]. A tiragem de lançamento só foi informada na edição seguinte, devido à demissão de José Carlos Lisboa[18]. Trata-se de um incidente inesperado, que abriu espaço para a discussão de condições de produção do periódico, situação rara na imprensa do país. Segundo a revista, o intelectual enviou aos órgãos de imprensa da capital uma carta[19] justificando os motivos de sua saída. Porém, esqueceu-se de expor alguns detalhes que Alterosa apresentava “para um perfeito julgamento de nossos leitores” (ALTEROSA, 1939b, p. 109). Os motivos se relacionavam ao aumento do valor de capa e à presença de publicidade da Prefeitura de Belo Horizonte. Ao que tudo indica, o episódio foi superado, sem maiores consequências para as partes envolvidas.

A mesma edição incluiu uma matéria com a carta da distribuidora Sant’anna e a nota fiscal da gráfica Queiroz Breyner. Umberto Sant’anna, proprietário da única distribuidora de jornais e revistas da cidade, cumprimentava Miranda e Castro pelo sucesso: “é com praser que afirmamos nunca Belo Horizonte ter possuido uma revista ilustrada de tal aceitação por parte do publico” [sic] (ALTEROSA, 1939b, p. 88). Sant’anna reiterava o interesse em aumentar o reparte para 3.000 exemplares na edição seguinte e relatava que os 1.900 que couberam para a venda avulsa nos municípios de Belo Horizonte e Nova Lima esgotaram-se no dia seguinte ao lançamento. A publicação, por seu lado, mostrou esse pedido de modo a reforçar sua imagem positiva. A tiragem inicial, “julgada a principio muito elevada”, fora insuficiente: “das cidades do interior e, mesmo de outros pontos do país, chegam-nos a todo o momento inumeros pedidos de reparte, fato este que demonstra com eloquencia a grande aceitação que tivemos”[sic] (ALTEROSA, 1939b, p. 88). A nota fiscal da gráfica Queiroz Breyner discriminava o valor total dos 3.000 exemplares: 17:410$000 (dezessete contos e quatrocentos e dez mil réis) (ALTEROSA, 1939b, p. 90). Em uma conta simples, a impressão de cada exemplar custou 5$800 (cinco mil e oitocentos réis), quase o triplo do preço de capa (2$000 – dois mil réis), portanto, a receita deveria ser complementada com anúncios e assinaturas.

Considerando as tiragens de periódicos (jornais e revistas) nas resenhas de Linhares (1995) e o cenário editorial belo-horizontino, a tiragem inicial de Alterosa foi relativamente alta, sobretudo tendo em conta o total de páginas (em média, mais de cento e vinte, entre 1939 e 1945) e a quantidade de clichês. A dificuldade em estabelecer uma comparação com as revistas ilustradas locais se dá pela falta de dados precisos de tiragem, inclusive da própria Alterosa, que só voltou a informá-lo em setembro de 1948 (ALTEROSA, 1948, p. 1), quando já correspondia a 30.000 exemplares.

 

A repercussão do lançamento na imprensa belo-horizontina: “A grande revista de Minas para todo o Brasil”[20]

O lançamento da Alterosa repercutiu em pelo menos três diários da cidade[21]. O início dos textos era semelhante: apresentava os diretores e redatores da publicação. Resguardadas as singularidades de cada periódico, os textos sobre a revista foram publicados em páginas que continham notas sociais, notas de falecimento, anúncios publicitários, pequenas matérias, notas sobre acontecimentos locais etc.

A primeira página do jornal Estado de Minas[22], de 20 de agosto de 1939, estampou um anúncio pago relativo ao lançamento de Alterosa. A peça estava centralizada ao final da página, entre outros anúncios e a matéria principal (sobre eventos na Eslováquia e na Polônia relacionados ao início da Segunda Grande Guerra), e dizia: “A grande revista de Minas para todo o Brasil”. A frase traduz uma dupla pretensão de representar Minas Gerais no país e de ocupar lugar de destaque na imprensa mineira e nacional. Segundo o anúncio, era possível encontrá-la “em todas as bancas e com os jornaleiros”. A editora certamente teve custos com a distribuição e o lançamento, mas, como discutimos no caso do expediente, a pretensão de “estar em todos os lugares” sugere um uso da retórica persuasiva publicitária, não significando que ela, de fato, estaria em todas as bancas e com todos os jornaleiros, mas que utilizava o artifício de superestimar sua abrangência para fins de divulgação.

 

Imagem 1 – Chamada da revista Alterosa no jornal Estado de Minas.

 

https://bit.ly/3J6oAtG

Fonte: Estado de Minas (1939).

 

O Estado de Minas e o Minas Geraes foram os primeiros a noticiar o lançamento, em 20 de agosto de 1939. Os títulos das notas eram, respectivamente, “ALTEROSA - Posto á venda o primeiro numero desse mensário”[sic] (ALTEROSA: Posto, 1939, p. 12) e “O aparecimento, hoje, de Alterosa” (O APARECIMENTO, 1939, p. 16) indicando a colocação no mercado naquela data. O Minas Geraes explicitou a expectativa sobre o lançamento e seu prévio conhecimento: “será distribuído hoje o primeiro numero de ‘Alterosa’, a nova revista de Belo Horizonte, que vem sendo esperada, com justa ansiedade, desde que foi anunciada”[sic] (O APARECIMENTO, 1939. p. 16). Não encontramos dados anteriores a esta data, mas parece-nos evidente o conhecimento do projeto da revista por alguns círculos da imprensa. A própria dinâmica da produção jornalística requer tal antecipação. Para que o anúncio e as notas fossem veiculados, os jornais deveriam receber uma arte (no caso do anúncio) e informações (fossem por telefone, fossem impressas: um release, boneca ou exemplar).

A Folha de Minas[23] anunciou o lançamento em 22 de agosto, terça-feira, após receber um exemplar:

Temos em nossa mesa o exemplar do 1º numero de “ALTEROSA”, a nova revista que veio enriquecer o patrimônio cultural do Estado. Sob a direcção intellectual de J. Carlos Lisbôa, o conhecido escriptor e festejado jornalista conterraneo, administrada por Miranda e Castro, antigo batalhador de nossa imprensa (ESTA CIRCULANDO..., 1939, p. 4) [sic].

 

A primeira frase atribui à revista o papel de agregar valor à esfera cultural de Minas. A apresentação do corpo diretor foi elogiosa — J. Carlos Lisboa e Miranda e Castro haviam sido colaboradores do jornal, segundo Linhares (1995). O Minas Geraes utilizou a expressão “nossos confrades” ao referir-se à direção e à redação, seguida da afirmação de que Alterosa surgiu “armada de seguros elementos para tornar-se uma publicação vitoriosa” (O APARECIMENTO, 1939. p. 16). Interpretamos esses dados como um indício de que a efemeridade das publicações na imprensa mineira não havia sido totalmente superada (LINHARES, 1995; PEREIRA, 2009).

A colaboração literária e as ilustrações foram evidenciadas por todos os jornais, assim como o projeto gráfico:

ALTEROSA, em seu numero de apparecimento, apresenta um magnífico texto de 140 (...) paginas, repletas de collaborações firmadas por nomes dos mais conhecidos em nossas letras, ostentando illustrações da lavra dos festejados artistas Augusto e Rodolpho e contendo numerosas paginas de maravilhosa arte graphica (ESTA CIRCULANDO, 1939, p. 4) [sic].

O seu 1º numero está magnífico, não só pelo aspecto artístico, como pela opulência da colaboração. Alem de reportagens fotográficas dos mais recentes acontecimentos de vulto da capital e do Estado, “Alterosa” ilustra suas entrevistas com flagrantes sugestivos, o que dá ainda mais vivacidade ao texto (O APARECIMENTO, 1939, p. 16) [sic].

O primeiro exemplar foi muito elogiado por seu conteúdo e pela seleção dos colaboradores literatos, ilustradores e fotógrafos: “sua feição intellectual é primorosa e sua confecção graphica obedece a um criterio artístico impeccavel”[sic] (ALTEROSA: Posto, 1939, p. 12). O refinamento técnico parecia ser relacionado ao amplo uso imagens, em um momento em que a fotografia se estabelecia como uma poderosa forma de comunicação, por causa das reportagens fotográficas, “a cargo de (...), Bonfioli, Edmond e Miguel, está excellente”[sic] (ESTA CIRCULANDO, 1939, p. 4). Bonfioli e Edmond eram proprietários de estúdios fotográficos conhecidos em Belo Horizonte e retratavam a sociedade em um momento em que a capital desfrutava de uma cultura fotográfica que deixara de se restringir aos álbuns familiares (CAMPOS, 2008). A imagem trazia dinamismo e vida para as páginas da publicação, que exibia os personagens da sociedade mineira, possibilitando o ver e ser visto como forma de reconhecimento e pertencimento a um determinado estrato social. Sobre a imprensa do período, Barbosa (2007, p. 146) afirma que as “modernas técnicas de impressão” possibilitavam a publicação de imagens e/ou anúncios que chamavam a atenção dos leitores pela beleza.

 

Imagem 2 – Capa da primeira edição da revista Alterosa.

 

https://bit.ly/3FgyTJu

Fonte: Estado de Minas (1939).

 

Uma ocorrência diferente das demais foi a menção do Minas Geraes à capa (acima): “em seu numero de estréia, a nova revista presta especial homenagem á senhorinha[23] Lucia Valadares Ribeiro, filha do sr. Governador Benedito Valadares, publicando seu retrato em artística tricromia”[sic] (O APARECIMENTO, 1939, p. 16). A escolha de retratar, na capa de lançamento, a filha da maior autoridade política do estado, sinalizava deferência[24] ao interventor e indicava o direcionamento político da publicação, em convergência com o Estado Novo (BARROS, 2018). Na época, a imprensa era controlada e fiscalizada pelo Departamento de Imprensa e Propaganda, órgão instituído pelo governo Vargas. Contudo, houve também “o alinhamento dos dirigentes das principais publicações com o regime” (BARBOSA, 2007, p. 104). Quanto ao jornal, a “homenagem” reforçava a figura pública do interventor.

Em relação à parte textual, a imprensa destacou a variedade de assuntos, com “matérias para todos os paladares” (O APARECIMENTO, 1939, p. 12), indicando que o perfil editorial visava a um público diversificado:

Contos, chronicas deliciosas, poesias encantadoras, charadas, reportagens, completo serviço photographico dos acontecimentos sociaes da cidade, cinema, radio, esporte, bellas artes, modas, arte culinária, gurilandia, pilherias [...] (O APARECIMENTO, 1939, p. 12) [sic].

A materia de cinema, apresentada com muita arte graphica, agrada plenamente. A secção do radio muito desenvolvida e noticiosa, apresenta paginas de grande sucesso. A matéria esportiva, também muito desenvolvida [...] (ESTA CIRCULANDO, 1939, p. 4) [sic].

 

As pautas de rádio foram particularmente elogiadas. O veículo estava em vias de consolidação como meio de comunicação de massa. Segundo Azevedo (2002), ao longo das décadas de 1930 e 1940 criou-se uma cultura familiar radiofônica no país, que passou a incluir programação infantil e masculina.

A utilização de uma agência de notícias era praxe naquela época para veículos de significativo aporte financeiro. Verificamos, nas pesquisas em arquivo, que muitos periódicos usavam o serviço para compor seu conteúdo. Alterosa utilizou a Pan-American Press para contos, crônicas, seção de cinema e, especialmente, para moda:

A secção de modas, serviço exclusivo da Pan-american Press para ALTEROSA, com photographias de modelos vivos, vão constituir um verdadeiro encantamento para o nosso mundo feminino, apresentando maravilhosos modelos de baile, passeio, esporte e noite, além de chapéus, penteados e accessorios, dos ultimos modelos de Hollywood e de Paris (O APARECIMENTO, 1939, p. 4) [sic].

 

Notamos em tais textos o estabelecimento de uma relação direta entre o corpo editorial, a qualidade técnica e a variedade de assuntos, os quais seriam a fórmula para a longevidade de Alterosa. Ao menos em setores da imprensa, havia uma expectativa sobre sua duração e futuro. O próprio editorial do primeiro número diz que “será a melhor revista de Minas Gerais” e que, para isso, “reuniu um corpo de relações capaz de levá-la à vitória” (ALTEROSA, 1939a, p. 33). Esse corpo de relações não se referia somente aos literatos renomados e aos colaboradores gráficos, mas, principalmente, ao corpo diretor, formado por membros da elite intelectual e econômica de Belo Horizonte.

 

Considerações Finais

A partir de fontes impressas disponibilizadas em acervos físicos e digitais de instituições sediadas em Belo Horizonte e Rio de Janeiro, este artigo analisou o lançamento de uma revista que buscava um lugar de destaque entre os periódicos e o público daquele estado e do país. Esta pretensão de grandiosidade esteve presente em vários elementos da primeira edição e do segundo número, bem como na divulgação e repercussão do lançamento em diários da capital mineira. Embora Alterosa tenha sido objeto de alguns trabalhos, conforme discutimos, estes assuntos careciam de exploração.

Entre as estratégias dos responsáveis por Alterosa, houve um forte investimento na qualidade gráfica e no conteúdo, de modo a torná-la atraente a um público diverso. Houve também divulgação em periódicos em nível estadual e nacional — inclusive em anos e décadas subsequentes, que extrapolam o foco deste artigo. Estes fatores, somados a um corpo intelectual renomado, parecem ter levado a revista a se destacar no cenário belo-horizontino. O projeto da revista não seria longevo sem o aporte financeiro da elite econômica que, inclusive, integrava seu corpo diretor. Este estrato social buscava legitimar-se no estado e no contexto nacional, apresentando por meio da Alterosa seus indicadores de civilidade (BARROS, 2018).

Tendo como foco o desenvolvimento de Belo Horizonte e de Minas Gerais, a revista criou condições de se estabelecer em um mercado que ele próprio ajudou a desenvolver na cidade e no estado. O aumento gradual de anunciantes (sobretudo de produtos norte-americanos), principalmente a partir da entrada do Brasil no conflito mundial, em 1942, e a propaganda política do Estado Novo deram o suporte para que ela se lançasse a outros potenciais mercados no país. A pretensão da revista Alterosa de tornar-se representante da cultura mineira no Brasil começou a ganhar contornos concretos por volta de 1944, quando Alterosa repercutiu fora de Minas Gerais em notas sociais, reportagens e alusões a suas matérias e/ou diretores e colaboradores, realizando, assim, o seu objetivo de tornar-se “a grande revista dos mineiros”. Mas estas são questões para outro artigo.

 

Notas

 

[1] Miranda e Castro atuou na imprensa mineira em vários veículos, como o Correio Mineiro, e empreendeu projetos editoriais como a revista ilustrada Montanheza, anterior à Alterosa (LINHARES, 1995).

[2] A breve apresentação de datas posteriores ao recorte proposto é importante para a caracterização da publicação.

[3] José de Magalhães Pinto (1909-1996) era proprietário do Banco Nacional. Foi signatário do Manifesto dos Mineiros (1943), deputado federal, ministro das Relações Exteriores (1967-1969) e governador de Minas (1961-1966) (RODRIGUES, 2011).

[4] Disponível em: <https://bit.ly/3wJdkhf>. Acesso em: 15 nov. 2021.

[5] Em virtude do conflito mundial que ocasionou a carência de papel importado no mercado brasileiro, não houve publicação em alguns meses entre 1940 e 1942. Seriam 77 números, no total, entre 1939 e 1945, caso não houvesse tais interrupções.

[6] A Coleção Linhares contém resenhas de publicações de 1895 a 1954. Até o momento, é o estudo mais detalhado dos anos iniciais da imprensa belo-horizontina (LINHARES, 1995).

[7] O escritor Cyro do Anjos (1906-1994) iniciou sua carreira profissional no serviço público e, ao ingressar na redação do Diário de Minas, passou a integrar o que é considerada a “segunda geração” do modernismo literário mineiro (GUIMARÃES, 2014).

[8] O poeta e escritor Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) foi um dos ícones do modernismo literário mineiro. Escreveu em diversos jornais da capital, além de ter trabalhado como funcionário público, algo comum à época (GUIMARÃES, 2014). Segundo Barbosa (2007, p. 140), “a profissionalização [da imprensa] só seria efetivada a partir da década de 1950”. Até então, a atuação nos jornais em geral se somava a “outra atividade, normalmente no serviço público”.

[9] De Cataguases (MG).

[10] O educador, poeta e político Abgar Renault (1901-1995) participou do movimento modernista literário mineiro (ACADEMIA, 2019).

[11] Guilherme Tell e Félix Arruda foram pseudônimos usados por Djalma Andrade. O literato atuou em diversos periódicos, incluindo os jornais Folha de Minas e o Estado de Minas (ACADEMIA, 2011).

[12] Joaquim Nabuco Linhares (1880-1956) nasceu em Ouro Preto, e quando se mudou para Belo Horizonte, iniciou a coleta de exemplares de periódicos da nascente capital, de 1895 a 1954. Dedicou-se a catalogar o material reunido, descrevendo natureza, formato, propriedade, periodicidade, expediente e duração das publicações. Em 1995, em meio às comemorações do centenário de Belo Horizonte, a Universidade Federal de Minas Gerais e a Fundação João Pinheiro publicaram uma coedição da monografia de Linhares. As resenhas de periódicos realizadas pelo autor não apresentam a data específica em que foram escritas, além de, por vezes, apresentarem comentários com teor ufanista. Portanto, não se trata de um estudo acadêmico, mas de fonte histórica.

[13] “José Carlos Lisboa foi professor, escritor, radialista, tradutor e literato. Formado em Farmácia, bacharel e doutor em Direito pela Faculdade Nacional de Direito da Universidade do Brasil, participou, no final da década de 1930, da fundação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, da então, Universidade de Minas Gerais (UMG), que daria origem à UFMG” (MAIA, 2002).

[14] Theódulo Pereira foi promotor de Justiça, professor, jornalista e empresário. Trabalhou em jornais como o Correio Mineiro, Estado de Minas, Diário Mercantil, O Globo, Diário da Manhã e na agência de notícias francesa Havas (FEDERAÇÃO, s.d.).

[15] Helio Vaz de Melo foi sócio-fundador do Banco de Crédito e Comércio de Minas Gerais (1942), juntamente com Otacílio Negrão de Lima, ex-prefeito de Belo Horizonte, e Oscar Negrão de Lima (DIÁRIO DA NOITE, 1942. p. 3). Disponível em: <https://bit.ly/3wI0UGg>. Acesso em: 15 nov. 2021.

[16] Possivelmente, tratava-se de representação comercial para estabelecer comunicação com regiões de interesse da publicação.

[17] Criada em 1911, reunindo o Brasil e outros países latino-americanos.

[18] A menção a dados da segunda edição é importante para a compreensão do processo de produção e distribuição da publicação, assim como da imagem que esta pretendia construir de si.

[19] A referida carta não foi encontrada nos jornais Estado de Minas, Minas Geraes e Folha de Minas, únicos exemplares disponíveis para a consulta na Hemeroteca da Biblioteca Pública Estadual Luiz de Bessa. Foi realizada uma pesquisa entre 20 de agosto de 1939 e 30 de setembro de 1939, período que abrangeu a produção do segundo número.

[20] Estado de Minas, 20 ago. 1939, p. 1.

[21] Os únicos exemplares disponíveis para a consulta, limitada a agosto de 1939, foram os dos jornais Estado de Minas, Minas Geraes e Folha de Minas, encontrados na Hemeroteca da Biblioteca Pública Estadual Luiz de Bessa. Os demais acervos existentes em Belo Horizonte, como os Arquivos Públicos Municipal e Estadual e a biblioteca do Museu Abílio Barreto não possuem exemplares de jornais de agosto de 1939. Realizamos ainda uma busca na Hemeroteca Brasileira Digital, sem resultados para agosto de 1939.

[22] Sobre o Estado de Minas, ver Arantes e Musse (2012).

[23] Para informações sobre o jornal, ver Linhares (1995, p. 319-320).

“Senhorinha” era um termo usado para designar uma mulher jovem solteira.

[24] Outro sinal de deferência era o tratamento dispensado ao administrador. Ao invés de denominá-lo interventor, como fazia com os demais administradores estaduais do país, a publicação o tratava como governador. Possivelmente por Valadares ter sido eleito, em 1935, como governador constitucional do estado (FUNDAÇÃO, s.d.).

 

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