As transformações nas campanhas eleitorais:

Uma reflexão sobe o papel dos partidos políticos e do impacto das novas ferramentas de comunicação

                                                                           

Daniela Paiva de Almeida Pacheco[1]

Wallace Faustino da Rocha Rodrigues[2]

 

Resumo: O objetivo do texto é o de promover uma reflexão sobre a forma como a campanha eleitoral é organizada na atualidade, levando em conta a existência do que é conhecido como campanha permanente. Para tanto, apresenta-se um debate estruturado em dois eixos. O primeiro aborda o papel dos partidos políticos na produção das campanhas. Eles são resgatados em seu potencial de organizadores do processo eleitoral e atores responsáveis pela veiculação da informação política, principalmente em virtude de seu monopólio de representação. O segundo eixo trata da disputa em torno da construção e desconstrução das imagens dos partidos e candidatos e da definição dos issues de campanha, redimensionada pela utilização das redes sociais, ainda que não descartada a importância dos meios de comunicação de massas como arena de visibilidade privilegiada. Assim sendo, a questão recai sobre a centralidade e o controle da informação por parte dos atores políticos tradicionais frente à produção e disseminação de conteúdo nas redes sociais. Desse modo, evidencia-se que o controle quanto à difusão das informações torna-se um desafio e o impacto na campanha eleitoral é evidente.

Palavras-chave: Campanha Eleitoral; Partidos Políticos; Redes Sociais; Campanha Permanente.

 

The changes in election campaigns:

A reflection on the role of political parties and the impact of new communication tools

Daniela Paiva de Almeida Pacheco[3]

Wallace Faustino da Rocha Rodrigues[4]

 

Abstract: The objective of the text is to promote a reflection on how the electoral campaign is organized today, taking into account the existence of what is known as a permanent campaign. To this end, a debate it was structured in two axes is presented. The first addresses the role of political parties in producing campaigns. They are rescued in their potential as organizers of the electoral process and actors responsible for the transmission of political information, mainly due to their monopoly of representation. The second axis deals with the dispute over the construction and the deconstruction of the images of parties and candidates and the definition of campaign issues, resized by the use of social networks, although the importance of mass media as an arena of privileged visibility has not been ruled out. Therefore, the question falls on the centrality and control of information by traditional political actors regarding the production and dissemination of content on social networks. Thus, it is evident that control over the dissemination of information becomes a challenge and the impact on the electoral campaign is evident.

Keywords: Election Campaign, Voting Campaign, Social Networks, Permanent Campaign.

 


Introdução

 

As transformações nas campanhas eleitorais suscitaram a produção de uma série de estudos na comunicação política a partir da década de 1980. Isso resultou em melhor compreensão do impacto provocado pela introdução de novas ferramentas de marketing, pela contratação de assessores externos ao partido e pela centralidade da televisão no processo eleitoral. Nos últimos anos, acrescenta-se a tais mudanças o aumento do uso da internet e redes sociais que permitem ao candidato se comunicar diretamente com o eleitor.

O desenvolvimento de novas formas e técnicas de campanha, entretanto, não alterou seu objetivo, de conquistar votos, nem tampouco sua essência de assegurar (1) o estabelecimento e manutenção de determinada imagem pública[1]; e (2) a definição da agenda de campanha (agenda setting), com imposição de um tema ou conflito político por meio do qual o candidato/partido consiga se sobressair aos demais (MARAVALL, 2008, p.38).

O êxito em ambos casos, definições de imagem e issue (temas que dominam o debate durante a campanha eleitoral), depende da capacidade de o ator político se manter conectado ao (possível) eleitor por meio da campanha permanente entendida como ações exercidas durante os interstícios eleitorais pelos sujeitos a ocuparem cargos eletivos objetivando sua permanência no poder. 

O termo campanha permanente (CP) foi cunhado por Sidney Blumenthal ao se referir à campanha constante para o impeachment de Ronald Reagan. Ele descreveu a CP como a combinação do esforço para a construção/manutenção da imagem pública e emprego do cálculo estratégico que transformam o governo em instrumento dirigido à campanha ininterrupta para sustentar a popularidade do ator político eleito (HECLO, 2000).

Ao tratar da CP, Heclo (2000) afirma que a novidade desse conceito não se encontra apenas no fato de o governo depender da construção e manutenção de uma imagem positiva frente aos cidadãos. Afinal, em distintos períodos da história constata-se a presença dessa preocupação em relação à imagem do governante. A questão é que, nas últimas décadas do século XX, percebe-se que valores e características da campanha têm se “infiltrado” nos governos como resultado, especialmente, de seis fenômenos: (i) as alterações no papel dos partidos ao longo das últimas décadas; (ii) a crescente abertura do sistema político a distintos grupos de interesse; (iii) o surgimento de novas tecnologias da comunicação; (iv) o emprego e intensificação de pesquisas de opinião e técnicas de relações públicas pelos políticos; (v) o aumento do custo financeiro das campanhas; (vi) os recursos de pressão dos distintos segmentos sociais sobre tomadores de decisão, resultando na entrada de múltiplos assuntos na agenda política.

Conforme dito por Heclo (2000), os seis fenômenos alteraram a maneira de se “fazer política”, aproximando práticas ocorridas durante mandatos das características de uma CP. Nesse sentido, ao longo dos mandatos a persuasão prepondera em detrimento da deliberação, a competição ao invés da cooperação, havendo a ampliação da escala temporal da campanha, tendo em vista a intensificação da necessidade de manter uma imagem pública positiva, objetivando a manutenção no cargo.

Pensando nesse debate, as páginas seguintes refletem sobre: (i) o papel dos partidos políticos na produção das campanhas, incluindo o uso que fazem de recursos técnicos; e (ii) a construção de imagens e temas de campanha atualmente redimensionadas pela utilização das redes sociais, ainda que não descartada a importância dos meios de comunicação de massas. A hipótese é que os partidos seguem como atores estruturantes do processo político, porém, perdem protagonismo no momento de estabelecerem os temas de campanha e a nova configuração assumida pelo eleitor. Agora, o próprio sujeito político, por meio das redes sociais, é capaz de se comunicar diretamente com o eleitor — exigindo um novo posicionamento institucional dos partidos na arena eleitoral. 

Há diversas consequências desse processo de descentralização da emissão do discurso. Entre elas, notam-se as fake news em seu contexto de uma campanha negativa. Detratar a imagem do adversário torna-se algo comum e de difícil regulamentação e controle.

Como sinaliza Maravall (2008), a disputa política passa pela capacidade de impor um discurso a favorecer um candidato/partido em relação aos demais. Acredita-se que entender como as distintas ferramentas abrem novas possibilidades de fazer campanha tem muito a acrescentar ao debate acadêmico sobre a temática, bem como jogar luz ao lugar assumido, agora, pelos partidos.

 

O papel dos partidos políticos na produção das campanhas

 

 

Frente ao novo cenário eleitoral, emerge na literatura uma série de publicações focadas no debate sobre o papel dos partidos. Essas investigações se dividem em dois eixos. O primeiro trata da crise de representação política, a partir da ideia do abandono de funções tradicionalmente exercidas pelas instituições partidárias, entre as quais destacam-se o deslocamento da intermediação entre cidadãos e seus representantes para os meios de comunicação de massas. Aqui, caberá comentar aquelas que impactariam a disputa eleitoral. O segundo se refere à relação entre técnicos (e técnicas) e o campo político, colocando em pauta a polêmica sobre a autonomia dos partidos como organizadores de campanha.

A necessidade de se repensar a representação político-partidária não está restrita ao surgimento e desenvolvimento dos meios de comunicação. Desde finais do século XIX, com o estabelecimento do sufrágio e do direito das pessoas comuns (sem propriedades e riquezas) participarem da vida política, as elites se viram obrigadas a considerar a existência de um novo público ao tomar suas decisões. Abria-se caminho para a política de massas, nova franquia eleitoral. E é exatamente a incorporação desse público ampliado que coincide com o estabelecimento de técnicas diferenciadas para a ação política.

A modernização e complexificação social darão prosseguimento à incorporação de novos segmentos de eleitores que reconfiguram estruturalmente a disputa política e o papel dos partidos. Neste ponto, destacam-se dois processos interconectados. O primeiro trata da mudança na estrutura social, em especial, estrutura de classe, entrelaçada ao desenvolvimento econômico e político, resultando na modificação da representação política de grupos sociais. Esses agrupamentos, até então, apresentavam padrão de votação associado a um partido específico. Católicos, por exemplo, se identificavam e votavam em partidos democratas cristãos, assim como trabalhadores eram leais aos categorizados como social-democratas ou comunistas (MAIR et al., 2004, p.4). Logo, os partidos assumiam o papel de agente agregador de interesses. A reconfiguração desses grupos desfaz esse papel exclusivo. Atualmente, muitos movimentos sociais e organizações da sociedade civil cumprem essa tarefa, e os partidos, em geral, passaram a representar apenas uma parte da sociedade (DALTON; WATTENBERG, 2000). Por conseguinte, o aumento no número de organizações intermediárias entre os cidadãos e o campo político deslocaria para outro campo, o dos meios de comunicação, a função socializante antes ocupada pelas instituições partidárias.

O segundo processo, conectado ao anterior, refere-se à resposta partidária às alterações sofridas pela consolidação da democracia representativa e das instituições político-capitalistas — burocracia, exército, parlamento — e pelo estabelecimento do sufrágio eleitoral. É notável o impacto do novo desenho da competição eleitoral na reconfiguração dos objetivos finais almejados por esses partidos. A necessidade de ampliar bases e tornar possível a formação de um governo de maioria socialista, progressivamente abriu espaço para a defesa de interesses de outros grupos que não somente os da classe operária, ainda no século XIX. De partidos socialistas, muitos se tornaram partidos de massas, abandonando o conflito de classes (PRZEWORSKI, 1989).

A procura pelo sucesso eleitoral imediato levaria essas organizações, após a Segunda Guerra, a ampliar cada vez mais seu discurso com vistas a atingir maior parcela de cidadãos ou, como diz Kirchheimer (1966, p.185), a alcançar “segmentos da potencial clientela de âmbito nacional”. Ainda que os estudos concentrem sua análise nas transformações sofridas pelos partidos da Europa Ocidental, eles ilustram o movimento anteriormente descrito, no qual os eleitores não se identificavam exclusivamente como classe, passando a votar segundo identidades coletivas compartilhadas com os mais diferentes grupos — comumente representados por organizações intermediárias, não mais pelos partidos. Isso possibilitaria o surgimento de uma “democracia de público” em substituição a outra de partidos (MANIN, 1995).

Manin (1995), por meio do modelo “democracia de público”, explica, à luz das transformações sociais, o deslocamento do debate político. Segundo o autor, nas sociedades contemporâneas a mídia assume um caráter neutral, dando visibilidade a uma gama de opiniões divergentes que, expostas ao eleitor bem-informado, gera um ambiente propício ao debate. Esse eleitorado volátil impulsionaria os atores políticos a defender suas ideias, através da mídia, diretamente ao público.

A existência de um novo fórum de debates, a mídia, que permite ao candidato se comunicar diretamente com seus eleitores, afetaria a esfera política. Para Manin (1995), essas transformações levaram à personalização da política, baseada, hoje, principalmente na tentativa de construir imagens que “projetam a personalidade dos líderes”.

Em teoria, esse deslocamento promoveria o enfraquecimento da instituição partidária, pois incentivaria a produção de campanhas focadas na imagem do candidato (personalistas) e dirigidas ao cidadão através dos meios de comunicação de massa — ficando em segundo plano a divulgação de plataformas e projetos políticos dos partidos. Todavia, estudos demonstram a relativização dessa hipótese ao se observar, por exemplo, o contexto brasileiro (PAIVA; NOVAIS, 2008; ALBUQUERQUE et al., 2006; DIAS, 2005).

 

Especificamente no que diz respeito ao caso brasileiro, parece plausível que, pelo menos sob alguns aspectos, o uso dos meios de comunicação eletrônicos se converta em um fator de fortalecimento dos partidos políticos, e não o contrário. Isto é particularmente verdadeiro em relação à propaganda política na televisão. Afinal, é aos partidos, e não aos candidatos tomados individualmente, que a legislação eleitoral brasileira atribui tempo gratuito na televisão. Deste modo, os partidos se convertem em mediadores indispensáveis do acesso dos candidatos à televisão (ALBUQUERQUE et al., 2006, p.07).

 

Além das variações nos contextos nacionais, ressalta-se a necessidade de analisar eventuais diferenças entre os partidos. Competindo em um mesmo sistema eleitoral, eles podem adotar estratégias comunicacionais distintas, mais individualistas ou coletivistas, variando conforme o posicionamento no espectro ideológico, os recursos financeiros, as alianças e a estrutura organizacional (SAMUELS, 1997).

A título de ilustração, em uma análise do Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral (HGPE) transmitido durante as eleições de 2002, no Rio Grande do Sul (Brasil), Dias (2005, p.177) conclui que o Partido dos Trabalhadores (PT) explorou estratégias coletivistas na comunicação televisiva com os votantes, enquanto o Partido Popular Socialista (PPS) optou por estratégias mais individualistas, focadas nos candidatos. A partir disso, indaga:

 

Apesar da excepcionalidade do caso do PT, não se pode descartar a possibilidade de que outros partidos façam movimentos semelhantes, ou seja, venham a investir em estratégias coletivistas para a promoção de suas candidaturas. Nesse sentido, a tese de um franco e irreversível declínio dos partidos políticos pode, ao menos, ser problematizada. (DIAS, 2005, p.161).

 

Embora a questão seja passível de problematização, é perceptível no Brasil que os critérios adotados pelo eleitor ao fazer sua escolha nas urnas passam mais pelo voto nos atributos do candidato do que nas características do partido. Parte da explicação se encontra no próprio sistema eleitoral adotado no país, que possibilita aos eleitores o voto no candidato e não em uma lista fechada. Segundo Nicolau (2002), o sistema eleitoral brasileiro favorece o voto personalizado ao não apresentar informações suficientes seja sobre os partidos a comporem as coligações seja a respeito dos candidatos integrantes da lista — sem poder identificar, portanto, a distribuição de cadeiras. Na realidade, como sinaliza o autor, a falta de informação é ainda mais complexa, visto que o eleitor não tem clareza nem mesmo a respeito do funcionamento do sistema proporcional. Em pesquisa de Jairo Nicolau, feita ainda em 1994, com os eleitores do Rio de Janeiro, 74% dos entrevistados declararam fazer sua escolha por um candidato independentemente do partido que integram.

A modificação constatada na relação entre os partidos e o eleitorado não permite sustentar a tese do declínio partidário. Nas democracias contemporâneas, eles seguem como atores centrais da política, ao menos em três funções: (1) na tarefa de governar e estruturar as atividades no parlamento; (2) no papel de organizações que agregam interesses, recrutam e socializam lideranças; (3) na atuação junto ao eleitorado (DALTON; WATTENBERG, 2000, p.05). Entretanto, para se manterem visíveis na disputa pelo voto, os partidos tiveram que se adaptar ao novo cenário eleitoral, buscando formas inovadoras e agentes para auxiliar na construção de suas campanhas.

Parte dessas mudanças se relaciona a movimentos capazes de afetar a estrutura partidária, que se assemelharia a máquinas de organização de campanhas com objetivo de auxiliar seus principais candidatos (FARRELL; WEBB, 2004, p.98). Autores como Kirchheimer (1966), Katz; Mair (1995) e Panebianco (2005) tratam dessas transformações internas, a partir de uma abordagem a englobar tipos ideais de partidos: o partido catch-all, o partido cartel e o partido profissional-eleitoral. Entre as modificações, cabe destacar a entrada e a proeminência de especialistas, técnicos, nas organizações partidárias que, desse modo, passam a ser compostas de forma plural, agregando atores movidos por tipos distintos de incentivos e dotados de diferenciados graus de comprometimento ideológico. As novas características incrementariam a importância de lideranças políticas com potencial de agregar esses variados segmentos internos (SWANSON; MANCINI, 1996, p.09), o que, na produção das campanhas, incentivaria a personalização.

Com essa discussão, pretende-se salientar que o movimento em direção a maior eficácia na arena eleitoral, embora seja uma tendência global percebida pela literatura, não é homogêneo e varia conforme o partido e o contexto no qual está inserido. O debate sinaliza para perspectivas distintas. Entretanto, é possível apreender pontos ou tendências em comum quando se trata do papel dos partidos na produção das campanhas eleitorais.

A primeira diz respeito à origem do fenômeno: transformações na estrutura social e desenvolvimento tecnológico, com ênfase na consolidação e proeminência dos meios de comunicação de massa alterando a comunicação política. A segunda trata da necessidade de contratação de especialistas externos e a profissionalização dos próprios membros do partido. Todo esse conjunto aponta para a terceira tendência: a personalização das campanhas. Resumindo:

 

Mudam-se as técnicas de propaganda e isso leva a um terremoto organizativo: os antigos papéis burocráticos perdem terreno como instrumentos de organização do consenso; novas figuras profissionais adquirem um peso crescente. Alterando as modalidades da comunicação política diante de um público mais heterogêneo e medianamente mais instruído, os meios de comunicação de massa conduzem os partidos a campanhas personalizadas, centradas nos candidatos, e issue-oriented, centradas em temas específicos, com alto conteúdo técnico, que precisam ser elaboradas pelos especialistas dos vários setores (PANEBIANCO, 2005, p. 518).

 

             O desafio atual é o de agregar outro elemento ao debate: as redes sociais. Em primeiro lugar, elas interferem no custo e nas possibilidades de visibilidade durante a campanha. Boa parte dos candidatos, especialmente aqueles que disputam cargos no legislativo, não apresenta abundantes recursos financeiros para impulsionar sua imagem, muitos nem sequer tem assegurado um espaço no HGPE ou nos spots — inserções usualmente de 15 segundos realizadas ao longo da programação normal da emissora — no rádio e na televisão. Isso porque o partido continua como responsável por definir os candidatos com maior destaque na propaganda gratuita. A pergunta de fundo é se essa forma segue como principal arena de visibilidade do ator político.

Em relação aos custos, as redes sociais barateiam as campanhas eleitorais por abrirem a possibilidade de comunicação direta dos candidatos com os eleitores, em especial por meio de postagens em seus perfis digitais — novamente não dependendo da organização partidária para os atos de campanha e tampouco do seu staff. Não se defende que isso elimina o papel dos partidos e nem dos especialistas — os primeiros seguem com o monopólio da representação no país e há partidos/candidatos que contam com especialistas para potencializar o uso das redes sociais. Porém, salienta-se que ambos não são mais “obrigatórios” na construção e na divulgação da imagem pública do candidato.

 

A construção da imagem e a definição do tema de campanha

 

Os partidos/candidatos disputam entre si a capacidade de enfatizar um tema sobre os demais (priming) e o enquadramento dado ao mesmo (framing). A definição do tema e da imagem pública a ser veiculada (ou desconstruída, no caso das propagandas negativas) não é aleatória. Requer a elaboração e a implementação de uma estratégia de campanha específica. Até determinado momento, as organizações partidárias eram centrais para isso.

Nas propagandas eleitorais televisivas, esse processo se traduz na apresentação de narrativas cujas funções centrais consistem em definir ou redefinir a imagem do candidato, assim como expor e desenvolver assuntos de campanha (JOHNSTON; KAID, 2002). Essa lógica também se aplica à campanha desenvolvida em redes sociais, ainda que se deva salientar que, aqui, o elemento da participação do eleitor pode influenciar a campanha.

O cidadão pode participar na construção e divulgação do discurso. Para muitos analistas, isso inauguraria uma nova fase das campanhas, qual seja, a “campanha iniciada pelos cidadãos” (GIBSON, 2013). Sua característica é a da proliferação de oportunidades participativas a englobarem desde a simples leitura e compartilhamento de informações até o possível engajamento como apoiadores — a exemplo do ocorrido nos Estados Unidos durante a campanha de Barack Obama, nas eleições de 2008 (SHMIT, 2008, GOMES et al., 2009).

Dados do Pew Research Center (SHMIT, 2008) evidenciam que 46% dos adultos nas eleições norte-americanas de 2008 utilizaram internet, e-mail ou mensagens de texto por telefone para fins políticos. A frequência e o tipo de participação variavam, sendo que 19% dos americanos acessavam a rede pelo menos uma vez por semana para realizarem alguma atividade associada à campanha e 6% se engajavam diariamente na campanha.

Dados do Relatório da Reuters Digital de 2019, produzido pelo Reuters Institute for the Study of Jornalism, indicam crescimento do uso de ferramentas como Instagram e WhatsApp no mundo, convertendo a comunicação de notícias em algo cada vez mais privado. O “WhatsApp se tornou a principal rede de discussão e compartilhamento de notícias em países como Brasil (53%), Malásia (50%) e África do Sul (49%)”[2] (NEWMAN et al., 2020, p. 9, tradução nossa). 

No Brasil, a pesquisa TIC Domicílios 2019, do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br), aponta que o país conta com 134 milhões de usuários de Internet (74% da população com 10 anos ou mais), revelando aumento no uso da rede nas áreas rurais e entre os cidadãos economicamente vulneráveis (classes D, E). O celular é o dispositivo de acesso mais utilizado (99%) e entre as atividades realizadas se destacam o envio de mensagens instantâneas por WhatsApp, Skype ou Facebook (92% dos usuários) e a utilização de redes sociais, com 76% (CETIC, 2018).

Estudos recentes (MACHADO et al., 2018; VASKO;, TRILLING, 2019) se debruçam sobre o uso e potencialidades dessas ferramentas. Machado et al. (2018) debatem a crescente utilização da propaganda computacional e seu possível efeito sobre a polarização política no Brasil, em específico no primeiro turno das eleições de 2018, focando no Twitter. Para tanto, apresentam dados da utilização dessa ferramenta no país.

Machado et al. (2018) reuniram 1.432.000 tweets publicados por 204.097 usuários da ferramenta, entre 19 e 28 de agosto de 2018, empregando uma combinação de hashtags de partidos políticos, hashtags específicas das eleições e contas de partidos e candidatos. Os tweets foram divididos em quatro categorias: (i) conteúdo de fontes profissionais de notícias, (ii) conteúdo político profissional, (iii) conteúdo polarizante e conspiratório, (iv) outros conteúdos. A pesquisa averiguou o número de tweets, grau de frequência com que eram repassados e tipos de conteúdo de cada. Os tweets de maior frequência foram dos candidatos Jair Bolsonaro, Lula/Haddad (agrupados) e Ciro Gomes, sendo que o primeiro “dominou a conversa no Twitter, respondendo por 56% do tráfego total baseado em hashtag” (MACHADO et al., 2018, p. 05).

Em relação ao conteúdo transmitido na rede, chama a atenção o fato de que, aproximadamente, 50% foi produzido por fontes profissionais — de mídia ou de políticos. O tipo “polarizante conspiratório” representou cerca de 2%. A pesquisa demonstrou que o compartilhamento de informações e conversas políticas, no Brasil, tende a transcender as plataformas públicas, como o Twitter, dirigindo-se a espaços de discussão mais privados como WhatsApp e Facebook Messenger, tendo como hipótese que as fake news se propagam nesses espaços mais privados.

No Brasil, as eleições de 2010 foram as primeiras em que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) permitiu a utilização de sites relacionados a campanhas eleitorais.  O Capítulo IV – “Da propaganda eleitoral na internet”, presente na Resolução Nº23.551, de 18 de dezembro de 2017, dispõe sobre a propaganda eleitoral e as condutas ilícitas em campanha. O parágrafo 1º do artigo 22[3] impõe limite à manifestação pessoal na internet a partir do momento em que haja ofensa a terceiros ou a divulgação de fatos inverídicos. Isso não impossibilitou a proliferação de fake news nas eleições 2018, assim como uma série de outros delitos eleitorais. A impossibilidade de controlar tudo o que é divulgado na rede social precisa ser pensada ao se tratar das campanhas. A hipótese aqui, no que se refere a tais campanhas nas redes sociais, é que elas reforçam (1) a desconstrução da imagem do adversário — por vezes, não apoiada em fontes e argumentos verificáveis; (2) a construção da imagem do candidato calcada especialmente em atributos personalistas; e (3) a propagação de “notícias” espetaculosas — verdadeiras ou falsas.

Apoiados na pesquisa de opinião pública “WhatsApp como fonte de engajamento político e (des)informação no Brasil”, conduzida pelo IBOPE, Baptista et al. (2019) avaliaram a circulação de informação política falsa no WhatsApp e no Facebook durante as eleições brasileiras de 2018. Entre os achados do estudo, encontram-se dados sobre a propagação acidental ou proposital de fake news, por meio de ambas as ferramentas. Dos entrevistados, 29,2% “admitiram ter compartilhado acidentalmente uma notícia falsa no Facebook e 28,7% o fizeram no WhatsApp, enquanto 18,8% e 14,4% admitiram terem compartilhado notícias falsas sabendo que eram falsas no Facebook e no WhatsApp, respectivamente” (BAPTISTA et al., 2019, p. 40).

Bastos Santos et al. (2019) investigaram o comportamento coletivo de 90 grupos de WhatsApp de apoio aos seis principais presidenciáveis, no Brasil, ao longo do ano de 2018. Ficou evidente a facilidade de transmissão de falsas informações entre eleitores via aplicativo de mensagem instantânea. Um dos exemplos do estudo refere-se à propagação de uma notícia falsa de que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) teria anulado 7,2 milhões de votos, sendo que 2 milhões desses teriam sido necessários para a vitória de Bolsonaro no primeiro turno. Essa fake new alcançou 6.935 dos 9.812 perfis do WhatsApp em poucas horas (BASTOS SANTOS, 2019, p. 323). Ao final, pode-se inferir como que essa facilidade de circulação de informações, incluindo as que são falsas, tem impacto na construção da imagem do candidato, inclusive em seu posicionamento frente à campanha eleitoral propriamente dita.

Outra pesquisa, de 2019, divulgada em conferência na London School of Economics (Inglaterra), pela Idea Big Data revela que, durante as eleições de 2018 no Brasil, a principal fonte de notícias para 32% do eleitorado entrevistado foi a internet via celular.  Ademais, para 12% dos entrevistados, amigos e familiares são a origem mais confiável de informação.

Segundo relatório da Missão de Observação Eleitoral das eleições de 2018, da Organização dos Estados Americanos (MOE-Brasil, OEA, 2018), o uso das fake news tem se tornado uma constante em diversas eleições ao redor do mundo. Entretanto, nas últimas disputas eleitorais foram apresentados novos desafios, como sua propagação por sistema de mensagens privadas[4], resultando um ambiente de desinformação.

 

O fenômeno das fake news ocorreu no contexto do crescimento contínuo do uso da Internet, que em 2016 atingiu quase 60% da população brasileira. Segundo relatório da Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getúlio Vargas, a etapa final do primeiro turno gerou um debate sobre as redes sociais que produziram 14,3 milhões de tweets e 16 milhões de interações nas páginas de Facebook dos candidatos (MOE-Brasil, OEA, 2019, p. 93).

 

O relatório da MOE-Brasil chama atenção para o crescente processo de desinformação gerado a partir do disparo de fake news. O documento atesta que “a disseminação de notícias falsas e seus efeitos sobre o eleitorado tem sido de particular preocupação para todos os atores e especialistas durante as eleições de 2018” (MOE-Brasil, OEA, 2019, p. 96).

Reconhecendo os possíveis impactos das redes sociais nas eleições, o TSE, em dezembro de 2017, criou o Conselho Consultivo sobre Internet e Eleições (CCITE). Em sua composição estão representantes da Justiça Eleitoral, Ministério Público, Ministério da Defesa, Ministério de Ciência e Tecnologia, Polícia Federal, entre outros órgãos públicos e da sociedade civil. Como algumas de suas atribuições, estão

 

[...] desenvolver pesquisas e estudos sobre as regras eleitorais e a influência da internet nas eleições, em especial o risco das fake news e o uso de robôs na disseminação das informações; opinar sobre as matérias que lhe sejam submetidas pela Presidência do TSE; e propor ações e metas voltadas ao aperfeiçoamento das normas[5].

 

Após as eleições, foi constituída no Senado Federal uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPI das fake news) com o objetivo de investigar notícias falsas nas redes sociais e o assédio virtual[6]. A iniciativa demonstra como há, da parte das próprias instituições políticas, uma preocupação com o tema e seu impacto no processo político.

Em resumo, para além de evidenciarem a existência de fake news, as iniciativas do TSE e Congresso Nacional reforçam a preocupação de instituições oficiais quanto à temática, desnudando também a dificuldade no controle e normatização quanto ao uso inadequado das redes e seus efeitos no processo de desinformação.

Acredita-se que a descentralização do discurso evidenciada pela manipulação das redes sociais através dos eleitores incide em potencialização da projeção personalista dos candidatos. Isso incentiva a valorização de atributos pessoais nas candidaturas, ressaltando a criação de supostas qualidades e, igualmente, defeitos — ambos definidos subjetivamente. Consequentemente, a disseminação de informações, dada aleatoriamente, obedeceria a tais princípios, sem critérios consolidados quanto à checagem de fatos, à consolidação de compromisso imediato com pautas políticas construídas no interior do partido, entre outros.

Diante de tudo isso, a forma como será conduzido o tema da campanha, suas pautas, passam diretamente pela capacidade de produção e articulação dos fatos entre os eleitores. E, mais do que nunca, independe da sua veracidade, mas tão somente no que o eleitor acredita.

Assim sendo, qualquer debate em torno da construção de imagem e pautas para o discurso político-eleitoral deve, obrigatoriamente, levar em consideração a especificidade do cenário político atual com as redes sociais. Sem sombra de dúvidas, a constituição de uma fake news presume esses elementos: a produção descentralizada de informação e a personalização da política, independentemente da instância em que ela seja construída.

 

Considerações Finais

 

A contribuição do presente texto consistiu em apresentar caminhos teóricos para responder a pergunta: como pensar a campanha eleitoral na atualidade? Partindo do pressuposto da existência da CP, identificou-se novos desafios para a (des)construção e manutenção da imagem pública do partido/candidato oriundos das mudanças nas ferramentas de comunicação, em especial o fortalecimento das redes sociais.  Se, por um lado, as redes representam novas potencialidades de participação política, englobando um suposto diálogo entre candidato e eleitor, por outro, dificultam a tarefa do ator político em estabelecer e manter uma imagem pública positiva, uma vez que o eleitor adquire um caráter ativo de difusor de informações.

A existência das redes sociais não eliminou o papel dos meios de comunicação de massas como arenas privilegiadas de visibilidade. Atualmente eles apenas não se mantêm como protagonistas isolados no estabelecimento da agenda pública e da divulgação de informações políticas.  Em resumo, as alterações nas ferramentas de comunicação afetam a forma de se fazer campanha eleitoral, atribuindo novos contornos aos meios até então existentes.  

Apesar das mudanças nas formas de fazer campanha, é notável que os partidos políticos se mantenham importantes como organizadores do processo eleitoral, especialmente em contextos nos quais detém o monopólio da representação. O que ocorreu é que eles precisam se adaptar — incluindo sua forma de comunicação com o eleitor — às novas ferramentas se desejarem sua manutenção no poder, não apenas em termos normativos, mas, fundamentalmente, no que toca à projeção e organização do discurso e, por sua vez, da campanha política.

A ideia do artigo não é a de dizer que a retomada do modelo exclusivamente partidário de representação política — como se isso fosse possível — tenderia a robustecer as instituições políticas tradicionais. Em sentido contrário, tentou-se demonstrar como o novo ambiente eleitoral exige uma consideração quanto à dinâmica partidos-eleitores-meios de comunicação-redes sociais, admitindo a nova e inevitável configuração assumida nos últimos tempos.

 

Notas

[1] “A imagem pública de um sujeito qualquer é, pois, um complexo de informações, noções, conceitos, partilhado por uma coletividade qualquer, e que o caracterizam” (GOMES, 2004, p.254).

[2] “WhatsApp has become a primary network for discussing and sharing news in non-Western countries like Brazil (53%), Malaysia (50%), and South Africa (49%)”.

[3] Disponível em: http://www.tse.jus.br/legislacao-tse/res/2017/RES235512017.html. Acesso em: 29 set.  2019.

[4] Segundo matéria do jornal Folha de São Paulo, dois terços dos brasileiros receberam fake news nas últimas eleições. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2019/05/2-em-cada-3-receberam-fake-news-nas-ultimas-eleicoes-aponta-pesquisa.shtml. Acesso em: 29 set. 2019.

[5] Disponível em: http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2018/Outubro/conselho-consultivo-sobre-internet-e-eleicoes-discute-impacto-das-fake-news. Acesso em: 29 set. 2019.

[6] Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2019/09/25/cpi-das-fake-news-aprova-plano-de-trabalho-e-convocacao-de-empresas?utm_medium=share-button&utm_source=whatsapp.  Acesso em: 29 set. 2019.

 

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[1] Jornalista, doutora em Ciência Política pela UFMG. Professora da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG). E-mail: daniela.paiva@uemg.br 

[2] Jornalista, cientista social, doutor em Ciências Sociais pela UFJF. Professor da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG). E-mail: wallace.rodrigues@uemg.br

[3] Jornalista, doutora em Ciência Política pela UFMG. Professora da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG). E-mail: daniela.paiva@uemg.br 

[4] Jornalista, cientista social, doutor em Ciências Sociais pela UFJF. Professor da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG). E-mail: wallace.rodrigues@uemg.br