Imagens em disputa:

A circulação de sentidos sobre o Exército Brasileiro no Complexo da Maré

 

Ana Paula da Rosa[1]

Bruno Garcia Vinhola[2]

 

Resumo: O artigo examina o fenômeno da midiatização com foco nos processos de circulação de sentidos. Em meio à profusão imagética da sociedade midiatizada, investiga-se a disputa pela construção da imagem do Exército Brasileiro durante a operação de pacificação do Complexo da Maré, ocorrida entre 2014 e 2015. Como referencial teórico, defende-se uma compreensão do fenômeno da midiatização baseada na abordagem mais recente de Verón (2014), que encaminha às noções de circulação a partir de Braga (2012) e Fausto Neto (2010) e de dispositivo midiático a partir de Ferreira (2013). Quanto aos aspectos metodológicos, parte-se do esquema prógono de Verón para análise da midiatização (1997) para a constituição de dois eixos de análise, organizados em três coleções de imagens referentes a acontecimentos da operação. Tensionadas quanto a aspectos sócio-semio-técnicos, as coleções revelam categorias de imagens produzidas sobre o Exército, posteriormente sistematizadas em diagramas inferenciais. Conclui-se que, na circulação midiática atual, cada vez mais heterogênea e transversal, além da disputa intermidiática que atravessa a construção da imagem do Exército na Maré, configura-se também uma coprodução da imagem institucional, potencializada pela processualidade simbólica que, paradoxalmente, fortalece determinadas imagens em detrimento de outras.

Palavras-chave: Midiatização; Circulação; Imagem; Simbólico; Exército.

 

Images in dispute:

The circulation of meanings about the Brazilian Army in Complexo da Maré

Ana Paula da Rosa[3]

Bruno Garcia Vinhola[4]

 

 

Abstract: The article examines the phenomenon of mediatization focusing on processes of circulation of meanings. In the midst of the imagery profusion of the mediatized society, we investigate the dispute for the construction of the image of the Brazilian Army during the pacification operation of the Maré Complex, which occurred between 2014 and 2015. As a theoretical source, we defend a perception of the phenomenon of mediatization based on the most recent Verón's approach (2014), which leads to the circulation concepts of Braga (2012) and Fausto Neto (2010), and Ferreira's media dispositif (2013). As for the methodological aspects, the article was based on Verón's precursor scheme for analysis of the mediatization (1997) for the constitution of two analysis axes and organized in three collections of images referring to events of the operation. Tensioned about socio /semiological/technical aspects, the collections reveal categories of images produced about the Army, and later systematized in inferential diagrams. We conclude that in the current media movement, more heterogeneous and transverse, apart from the inter-media dispute that intersects the construction of the image of the Army at Maré, there is a co-production of the institutional image, potentialized by the symbolic processuality, which, paradoxically,  strengthens defined images in detriment of others.

Keywords: Mediatization; Circulation; Image; Symbolic; Army.

 

Introdução

 

Entre abril de 2014 e junho de 2015, o Exército Brasileiro comandou uma força-tarefa no Complexo da Maré, um conjunto de favelas da cidade do Rio de Janeiro historicamente conhecido pelo domínio do narcotráfico. A missão, que tinha como objetivo restabelecer a paz social na região, foi batizada de Operação São Francisco.

Através dos contatos rotineiros na chamada “Área de Pacificação”, a imagem do Exército foi posta em jogo. A cada experiência vivida nesse(s) acontecimento(s), diferentes histórias foram contadas na comunidade. Logo, diferentes imagens do Exército passaram a ser (re)construídas. Por outro lado, a produção de sentidos sobre a operação, ou mesmo sobre a instituição, não iniciou no momento da chegada das tropas, pois já existiam elaborações em trânsito, presentes no imaginário coletivo.  O que se evidencia é que o embate de sentidos. Foi deslocado a outro plano, o intermidiático. E, nesse plano, outros narradores têm a prerrogativa de conduzir a história e, consequentemente, de (re)construir imagens.

Segundo Quéré (2005), todo acontecimento tem natureza dual. Por um lado, ele é fato, constituído de dados e que pode ser explicado de maneira causal, de acordo com o contexto em que se apresenta. Por outro, ele se constrói independente de expectativa e/ou previsão, abre possíveis cenários dos mais diversos e, dessa forma, reconfigura passado, presente e futuro. Levando em conta essas duas dimensões, contempla-se o poder hermenêutico do acontecimento, ligado não apenas ao factual, mas à experiência. Assim, só é acontecimento aquilo que afeta a alguém.

O mesmo autor defende a importância da consideração da passibilidade dos acontecimentos. Em uma espécie de travessia, na qual “[...] aquele a quem acontece o acontecimento [...] se expõe, corre riscos, perigos, põe em causa a sua identidade” (QUÉRÉ, 2005, p. 66), o acontecimento é individualizado. Sob diferentes percepções/significações, um mesmo acontecimento pode se desdobrar em outros diferentes, a depender do olhar. Dessa forma, ele se evidencia também como um “começo”, para além de significação pré-definida causal, mas como irrupção de novos sentidos projetados. Ao mesmo tempo em que o poder do indivíduo sobre o acontecimento é limitado, visto que depois de realizado não é possível modifica-lo, “[...] podemos compreendê-lo de outra maneira, fazer dele um outro acontecimento e reconfigurá-lo através da maneira como o apropriamos” (QUÉRÉ, 2005, p. 69).

A irrupção do acontecimento constitui imediatamente um campo problemático, que envolve a atuação de diferentes matrizes de interpretação. Alguns desses campos já são pré-existentes, enquanto outros se configuram em função do acontecimento. De qualquer forma, as diferentes instâncias envolvidas — sujeitos ou organizações — procuram impor suas lógicas de interpretação para resposta/ajuste ao que se apresenta. Nesse sentido, Quéré (2005) reconhece o papel das mídias tradicionais como fundamental na identificação e exploração dos acontecimentos, bem como no fomento do debate público. Contudo, ele lembra que nunca haverá uma coordenação perfeitamente organizada na narrativa de um acontecimento, tendo em vista as diferentes afetações e apropriações e, nesse sentido, aponta para as críticas feitas à produção do acontecimento midiático, especialmente em virtude do “presentismo” e regime de historicidade, que podem neutralizar o poder hermenêutico do acontecimento.

            Compreendemos que, tradicionalmente, caberia à instituição midiática de cunho jornalístico a tarefa de dar forma narrativa ao acontecimento e inseri-lo no plano intermidiático, em virtude de seu sistema produtivo e de lógicas de funcionamento. Entretanto, quando o poder da construção da realidade é creditado exclusivamente à essa mídia “canônica”, retorna-se a uma “sociedade dos meios”. No contexto atual, de uma sociedade aceleradamente midiatizada, Fausto Neto (2008) salienta que as tecnologias transformadas em meios conferiram condições de produção a todos indivíduos. Ao fazerem usos e apropriações das técnicas e lógicas midiáticas, atores e instituições, que originalmente não seriam classificados nesse grupo,  credenciam-se como novos produtores de sentido, participando ativamente da narrativa dos acontecimentos no plano intermidiático.

Neste sentido, Eskjaer, Hjavard e Mortensen (2015) discutem as dinâmicas de midiatização, isto é, relações que se estabelecem para a produção do sentido entre múltiplos agentes, dentre os quais os meios. Para os autores tais dinâmicas são construídas a partir de três movimentos: amplificação, enquadramento ou agenciamento de performance e coestruturação social da interação. Por amplificação entende-se tanto o potencial de prolongar um conflito ou uma temática social em dispositivos midiáticos (portanto, na circulação), como reduzir os embates sociais a partir da pressão por soluções. Já a noção de enquadramento, amplamente explorada nas discussões do jornalismo, trata dos modos de pôr em cena, midiaticamente, sujeitos e situações. Engloba, assim, a criação de modos de visão que muitas vezes passam pelo agenciamento da performance, isto é, como os modos de agir e se portar são pautados por lógicas de midiatização, por valores morais e pela visibilidade. Por fim, a coestruturação social indica exatamente que no cenário da midiatização já não é mais possível que os discursos e sentidos estejam localizados em um único campo, pois ascendem ao espaço discursivo inúmeros sujeitos, isso implica que tanto os meios como os atores sociais coestruturam a sociedade a partir de práticas interacionais.

            Frente a esse cenário, emerge o seguinte problema: de que maneira circula a imagem do Exército Brasileiro durante a pacificação do Complexo da Maré? Para contemplá-lo, define-se como objetivo examinar a heterogeneidade das produções midiáticas acerca da imagem institucional durante a operação, bem como analisar as relações transversais entre os atores envolvidos nesse processo. Tal abordagem tem potência para contribuir com os estudos de interface entre as (sub)áreas da midiatização e da comunicação institucional/organizacional. De um lado, os estudos dessa área, que costumam dar maior importância às afetações do fenômeno sobre os fazeres quando focados em objetos institucionais/ organizacionais, podem ser estimulados a atentarem para outras lógicas e dimensões, não apenas relacionadas à construção de imagem, mas a outras questões como a interdependência sistêmica e as relações de poder, que ultrapassam a fala autorizada e planejada. Do outro, as perspectivas da comunicação institucional/organizacional que, no geral, dão maior atenção às consequências dos usos e apropriações das técnicas midiáticas quando convocam os aportes da midiatização, podem ser incentivadas a atentarem para as complexas lógicas desse processo como elementos tensionadores (da imagem institucional, por exemplo).

Parte-se, então, em busca de indícios que nos permitam compreender de que forma a sociedade desenvolve processos tentativos de construção da imagem do Exército em operação na Maré. Para delimitar o corpus, procede-se com a organização de tais processos sob o critério da expressividade da produção, tomando como base o esquema para análise da midiatização de Verón (1997).

 

Figura 1 – Esquema prógono para análise da midiatização

 

https://bit.ly/3gEl7XL

 

Fonte: Verón (1997)

 

Nesse esquema, pioneiro na reflexão conceitual sobre o fenômeno da midiatização, Verón (1997) apresenta uma divisão em três polos, que não se relacionam apenas de forma linear, mas em uma mistura de circuitos. As instâncias representam, segundo o autor, as instituições não midiáticas, os meios e os atores individuais da sociedade. Ainda que o cenário desenhado pelo autor tenha evoluído e a representação seja relativamente simples para uma realidade comunicacional de extrema complexidade (atualmente é difícil falar em instituições não atravessadas pelas lógicas de mídia, por exemplo), o esquema de Verón possibilita perceber a ambiência de fluxos transversais, as relações com tendências simétricas e de constante inversão entre produção e recepção, além da mútua afetação entre mídia, atores individuais e instituições/organizações.

Portanto, na constituição do caso[1] que se evidencia, de disputa pela produção da imagem do Exército na Maré, consideram-se as três instâncias do esquema de Verón — devidamente adaptadas ao caso — e suas respectivas imagens produzidas acerca do acontecimento. A primeira é a institucional (originalmente não midiática): a imagem que próprio o Exército produz sobre sua presença nas favelas (em dispositivos por ele chancelados). A segunda está ligada à imagem produzida pela mídia tradicional/canônica (jornalismo), atravessada pelos critérios de noticiabilidade, dentro de um sistema produtivo específico a partir de um conjunto de regras que configuram seu fazer. Por último, as produções dos atores individuais, os amadores: a imagem do Exército percebida pelos cidadãos que convivem com a rotina da operação.

Dessa forma, procedeu-se com a coleta dos produtos circulantes em dispositivos midiáticos diversos, inscritos pelas instâncias supracitadas[2]. Formaram-se três coleções, constituídas por materiais que fazem referência a acontecimentos que marcaram a trajetória do Exército na Maré[3]. Tais episódios são: a entrada dos militares na comunidade (o início da operação), a morte do Cabo Mikami (único militar morto em serviço durante a missão) e a saída dos militares do Complexo da Maré (transição do comando da Área de Pacificação para a Polícia Militar do Rio de Janeiro). A organização das coleções se dá em dois níveis, em consequência do que o próprio objeto revela: o primeiro é a heterogeneidade das produções postas em jogo, com ênfase nas estratégias de cada subconjunto disputante; e o segundo diz respeito à transversalidade, em que são observadas as afetações mútuas decorrentes das estratégias anteriormente reveladas, ou seja, os encontros entre as produções na circulação. Como apoio ao processo de análise, procede-se com a construção de diagramas, agentes complementares na correlação de indícios, que redinamizam as lógicas do esquema de Verón. Ao final, faz-se necessária uma análise coletiva, que dê conta de toda a processualidade. Para isso, são postas em contato as três coleções, na tentativa de revelar a possibilidade de uma imagem-síntese da participação do Exército na Maré. Antes da apresentação das análises empíricas, haverá uma breve recuperação dos conceitos de midiatização, circulação e dispositivo midiático, basilares na construção do presente trabalho[4].

 

Midiatização, circulação, dispositivos midiáticos

 

São diversas as apropriações da palavra “midiatização”. Em que pese o fato de tratar-se de um importante conceito em elaboração e tensionamento contínuos, talvez seu uso mais corriqueiro, como nos lembra Braga (2018), esteja relacionado à simples presença de algo na mídia. Abordagem essa — muito utilizada no senso comum — que reduz a complexidade do fenômeno. Na academia, as heterogeneidades se evidenciam de forma mais intensa. Vejamos brevemente algumas das perspectivas mais trabalhadas pelos autores dedicados à temática.

A abordagem institucional, cujo maior expoente é Stig Hjardvard[5], enfatiza a influência generalizada das lógicas de mídia sobre as  das demais instituições (BRAGA, 2018). Dessa forma, regras, protocolos, técnicas e hábitos presentes nas instituições midiáticas afetam os modos de vida de quaisquer formas organizacionais. Hepp (2014) explica que a preocupação central dessa perspectiva é o relacionamento entre a mídia — como instituição autônoma — e as demais instituições sociais.

A tradição socioconstrutivista, de acordo com Hepp (2014), tem forte ligação com o interacionismo simbólico e a sociologia do conhecimento. A midiatização, entendida como (meta)processo de mudança social, implica um olhar que não a considere um fenômeno isolado, mas que conecte o desenvolvimento midiático à evolução das formas comunicativas. Um autor que representa tal perspectiva é Friederich Krotz.

Outro ângulo de entrada é o “[...] direcionamento de novas tecnologias digitais para ações que são de ordem comunicacional — tecnologias transformadas em meios e dispositivos de comunicação” (BRAGA, 2018, p. 302). As produções sob essa ênfase geralmente tendem a vincular o processo de midiatização à contemporaneidade ou valorizam esse recorte temporal em especial. Um aspecto importante dessas abordagens é o desenvolvimento tecnológico, que possibilita menos custo, mais acesso e, consequentemente, mais usos e apropriações pelos atores sociais. Podemos citar Andreas Hepp e Uwe Hasebrink como representantes dessa vertente, com seu conceito de midiatização profunda[6].

Há ainda a perspectiva que valoriza o fato de que a sociedade (re)constroi seus processos midiáticos próprios, adaptando-os de acordo com suas necessidades/interesses. José Luiz Braga[7] representa essa concepção e defende que as invenções sociais de cunho midiático/interacional nem sempre são originalmente voltadas para a comunicação, mas inclinam-se a tais objetivos em virtude das experimentações sociais (BRAGA, 2018). Assim, como Braga, o conjunto de trabalhos desenvolvidos na linha de Midiatização e Processos Sociais da Unisinos tenta problematizar o conceito tendo a circulação como elemento central, portanto, deslocando a ênfase dos meios para o espaço da produção de sentido em interação.

Além desses exemplos, existem abordagens ainda mais específicas, ou que se revelam transversais em relação ao que apresentamos. De qualquer modo, não é possível definir qualquer das correntes elencadas como a abordagem mais reconhecida da midiatização. Em meio à heterogeneidade de ângulos de entrada e a potência de exploração do conceito, partimos do pressuposto que a midiatização é fenômeno em processo, que impulsiona reconfigurações em uma sociedade atravessada por lógicas midiáticas de forma crescente, o que implica em novos modos de ser em sociedade e de vivenciar situações de conflito. Tais conflitos são, ao mesmo tempo, midiatizados pelas instâncias em jogo, mas também são frutos do próprio processo de midiatização (Eskjaer, Hjavard, Mortensen, 2015).

De forma ainda mais específica, a perspectiva que orienta o trabalho se inscreve na concepção histórica de longo prazo de Verón (2014, p.14), que considera a midiatização como “resultado operacional de uma dimensão nuclear de nossa espécie biológica, mais precisamente, sua capacidade de semiose”. Para o autor, as mídias, sob os mais diversos formatos, sempre estiveram presentes na sociedade. A midiatização é, dessa forma, uma sequência de momentos cruciais em que fenômenos midiáticos são institucionalizados na sociedade. O “momento crucial” para o qual atentaremos no presente trabalho é o da contemporaneidade, caracterizado pela institucionalização da mediação digital.

O momento atual revela que o processo de midiatização está ainda mais acelerado, devido ao aumento da conversão de fenômenos técnicos em meios (FAUSTO NETO, 2008). Essa reconfiguração das tecnologias em novas práticas midiáticas criou condições para que qualquer ator ou campo social faça uso e/ou se aproprie dessas  técnicas e lógicas. O campo midiático, que assumia a superintendência das relações societárias — pois era o tematizador público legitimado — até meados da década de 1990, na chamada “sociedade dos meios”, é deslocado de sua posição central nos dias atuais. Afinal, o acesso irrestrito às técnicas e lógicas nesse âmbito dissipa o elo organizador, quebrando o controle gerencial do campo dos media. Sabe-se que ainda há modos de expressão de poder dos meios, a partir das rearticulações que os mesmos elaboram em suas adaptações à nova ambiência, mas o fato é que o tecido social atravessado pela cultura de mídia (FAUSTO NETO, 2008) faz da midiatização uma processualidade que redinamiza a organização social e a produção de sentido.

Para Braga (2018), as alternativas oferecidas pelo digital oportunizam uma ambiência midiática de formatação menos rígida e mais aberta à experimentação. Dessa forma, não apenas as lógicas de mídia institucionalizadas se expandem, mas novas formas de encadeamento são criadas pelos atores sociais. Novos circuitos alternativos são constituídos, assim como atores “ilegítimos” passam a cruzar diferentes campos. Por outro lado, as interações escapam aos controles institucionais.

Esse acesso irrestrito à lógica midiática oferecido pela diversificação de alternativas significa ainda mais indeterminação, desvios e desajustes na produção de sentidos. A quebra da linearidade é característica da circulação midiática atual. Segundo Fausto Neto (2010), o conceito de circulação repousou por muito tempo, entendido como uma simples zona de passagem/transmissão. O autor explica que as mudanças nos regimes sócio-técnico-discursivos fizeram emergir uma lógica de interfaces, em que produtores e receptores convivem de maneira mais simétrica, o que impede a redução da circulação a uma simples zona. Nesse sentido, Braga (2012) propõe um pensamento para além das instâncias de produção e recepção, pois os sentidos circulantes ultrapassam tais esferas e seguem em um fluxo sempre adiante. Isso torna impossível a distinção de pontos de partida e chegada e, consequentemente, a visualização da produção e da recepção como polos separados. Algumas características da nova paisagem circulatória, segundo Fausto Neto (2010): 1) novas condições de produção; 2) quebra de contratos por parte da recepção; 3) interesse por várias mídias ao mesmo tempo; 4) (co)produção dos acontecimentos a partir das trocas de papéis entre produtores e receptores.

Para Ferreira (2013), a circulação se concretiza nos dispositivos midiáticos. Esses, segundo o autor (FERREIRA, 2006), podem ser abordados a partir de uma matriz triádica: sócio-antropológica, semio-linguística e técnico-tecnológica. Essa relação matricial faz do dispositivo midiático um espaço de acoplamentos, que contempla o atravessamento de diferentes circuitos, incentiva a inclusão de novos atores midiatizados (tanto na perspectiva da inscrição/acesso como da chancela/assinatura de dispositivos) e possibilita a criação de novos códigos. Dessa forma, os dispositivos articulam a circulação, revelando sua especificidade. O  autor os considera  centrais no estudo da midiatização e da circulação: “sugere-se que o objeto primeiro da circulação seja a interação entre dispositivos midiáticos” (FERREIRA, 2013, p.145). Essa interação pode ser explorada tanto no nível intermidiático (entre dispositivos) como intramidiático (no interior de um dispositivo).

Ante o exposto, é importante pensar como a circulação de imagens emerge neste cenário. Ao compreender esse processo como uma disputa de sentidos que se realiza em dispositivos midiáticos, é possível considerar que esse fluxo imagético passa por uma relação de atribuição de valor:  de exposição e  o moral. Dessa forma, a imagem integra a dinâmica da midiatização ao mesmo tempo em que a amplifica, visto que ela deixa de ser somente representação e adentra na esfera dos imaginários. Ou seja, aqui a dinâmica que nos interessa é a dos múltiplos acionamentos do imaginário social e coletivo por meio de imagens representativas ou exógenas (BELTING, 2004) e, vice-versa, as imagens representativas que carregam imaginários como uma espécie de aderência.  Sugere-se aqui que emerge uma dinâmica de midiatização específica, com lógicas próprias, centrada na imagem. Essa dinâmica se caracteriza, de um lado, pela produção cada vez mais intensa de imagens por atores e instituições variadas para agenciar a circulação e, de outro, pela recomposição ou reiteração de imaginários sociais. No caso a ser analisado neste trabalho, verifica-se como esta dinâmica adquire contornos claros, como uma imagem desaparecida do fluxo, pode retornar em outra, uma vez que a referência para a produção do sentido perdura mesmo quando invisível aos olhos.

 

A heterogeneidade das visões do acontecimento

 

Para a identificação e análise dos movimentos de circulação e das estratégias de produção acionados pelas três instâncias em jogo, são levadas em consideração as dimensões sócio-semio-técnicas dos materiais coletados. Abaixo, as imagens produzidas por ocasião da entrada dos militares na favela, a título de exemplificação desse processo inicial de classificação.

A figura 2 trata de uma ação cívico-social promovida pelo Exército na comunidade, divulgada no portal oficial da instituição. Observa-se a tentativa da valorização de uma boa relação entre Exército e comunidade. A figura 3 é uma produção jornalística, que opta por enunciar uma ocupação, o que tensiona a tentativa institucional de promover a “pacificação”. Nela, a imagem dos moradores em contato com o militar evidencia uma espécie de estranhamento para com a Força que adentra na favela. E, na figura 4, a produção dos atores individuais (de uma página colaborativa do Facebook), que faz uma campanha direta contra a ação dos militares na favela, convocando os moradores a resistirem à “ditadura dos territórios favelados”.

 

Figura 2 – Produção institucional sobre o início da operação

 

https://bit.ly/3xuln1u

 

Fonte: Exército Brasileiro (2014)

 

Figura 3 - Produção canônica sobre o início da operação

 

https://bit.ly/3vjCDVh

 

Fonte: G1 (2014)

Figura 4 - Produção amadora sobre o início da operação

 

https://bit.ly/3aItSw4

 

Fonte: Maré Vive (2014)

 

 

Percebe-se, nas figuras, a heterogeneidade produtiva que circula nos dispositivos. Matrizes de interpretação concorrentes emergem com a irrupção do acontecimento. Verifica-se, por exemplo, que as imagens produzidas pelo Exército apresentam um formato de registro documental, seu enquadramento é mais geral e tenta constituir, pelos elementos das fotografias, uma presença positiva que remeta à noção de pacificação. Tome-se aí o relacionamento com crianças, os ares de descontração e aparente segurança, além da presença do veículo militar não como sinônimo de força, mas de nacionalismo. Diferentemente, a matriz interpretativa propiciada pelas imagens fora do âmbito institucional dá conta de tensões que extrapolam a noção de uma pacificação prometida discursivamente. A imagem jornalística faz o recorte da cena a partir do olho de quem “ocupa” a favela, portanto, do olhar externo. A família não demonstra na imagem sensação de proteção mas, ao contrário, de medo e dúvida. Trata-se de uma imagem que sugere, inclusive, um apontar de armas (não perceptível na cena), mas que nosso olhar preenche. Assim, o título da manchete, que não menciona a pacificação, mas a ocupação, já coloca outras camadas de sentido em cena. Do mesmo modo, a imagem produzida por atores sociais e que reproduz a lógica de cartazes aponta, exatamente, para uma comunidade acuada, onde a luz da liberdade se manifesta para longe da presença do Exército enquanto poder e força. Assim, evidencia-se uma atmosfera tensional, um cenário de disputa intermidiática por conferência de sentido envolvendo diferentes discursos postos a circular sob a forma de imagens advindas de diferentes “agenciadores”.

Ante o exposto, procede-se então com a tentativa de identificar as imagens-síntese[8] de cada um dos três episódios eleitos, a partir das materialidades analisadas e das lógicas do esquema de Verón (1997) para análise da midiatização. Abaixo, o exemplo referente ao episódio da entrada dos militares na Maré.

 

Figura 5 - A heterogeneidade produtiva no episódio “Início da Operação”

 

https://bit.ly/3gMLv1x

 

Fonte: Elaborado pelos autores (2021)

 

Essa concorrência entre três processos de construção imagética indica que a mediação não é mais tarefa exclusiva das mídias tradicionais. As instâncias estão reconfiguradas na ambiência da circulação, respondendo ao mesmo tempo pelos papeis de produtor e consumidor. Uma ascensão de novos indivíduos no processo de construção de sentidos que permite não apenas a inscrição, mas também a assinatura de dispositivos midiáticos.

Na sociedade dos meios, apenas o campo das mídias tradicionais —sobretudo o jornalismo — teria autonomia para produzir e tematizar publicamente a imagem do Exército. Somente a sua produção poderia deslocar-se entre as fronteiras dos demais campos sociais (RODRIGUES, 2000), enquanto as imagens construídas pela instituição e pelos atores sociais permaneceriam enclausuradas em seus próprios domínios de experiência.

Portanto, quando a conflitualidade interacional existente nas ruas da Maré é deslocada para o plano intermidiático, ela se potencializa. Com mais disputantes em jogo, mais signos são construídos e as diferentes imagens do Exército reverberam em múltiplas construções de sentido que nem mesmo a organização consegue conter. Isto porque o ambiente de fluxos estimula os contatos entre produtores/consumidores, em um regime de interfaces. Por esse motivo, torna-se necessária uma analítica mais complexa.

 

A transversalidade das estratégias postas em circulação

Na tentativa de inscrever seus discursos, instituições e atores individuais começam a interagir com lógicas estranhas às suas, em virtude das trocas efetivadas nas interfaces. Em um contexto de contínua redefinição, fluem experimentações e indeterminações. Quando abandonam seus domínios, os disputantes podem concorrer, mas também se aproveitar dos movimentos alheios. A instituição jornalística pode, de um lado, se ver obrigada a seguir um registro amador. Já o Exército, pode questionar a credibilidade do discurso da mídia tradicional e, o amador, por sua vez, assumir para si a instantaneidade jornalística. Ou seja, estamos diante de um embate de sentidos ante as forças que entram em jogo e, logo, sobre novas operações e táticas de gestão de imagens.

As figuras 6 e 7 estão ligadas ao segundo episódio elencado para análise, a morte do Cabo Mikami. Na figura 6, tem-se uma produção amadora, de uma página colaborativa do Facebook. Trata-se de um vídeo que exibe o momento em que Mikami chega — ainda com vida — a uma Unidade de Pronto Atendimento. No pequeno texto que acompanha a postagem, a informação de que o militar foi atingido na cabeça por um tiro.

Esse material revela como o poder do registro dos fatos está em disputa na sociedade midiatizada, o que potencializa a criação de circuitos experimentais. Quando o amador é o responsável pelo primeiro registro, o equilíbrio das condições de produção é desvelado. O valor da instantaneidade, uma das marcas do jornalismo, está ao alcance de todos nessa nova ambiência, além das próprias regras jornalísticas que foram didatizadas pelos meios para a sociedade. A figura 7 mostra de fato a troca de papéis. A matéria da mídia canônica fica obrigada a seguir o registro amador, que se torna a imagem referência desse episódio, inclusive com um ângulo de proximidade que, certamente, não seria permitido para o fotojornalista.

 

Figura 6 - Produção amadora sobre a morte do Cabo Mikami

 

https://bit.ly/3aL5OJ3

 

Fonte: Fatos da Maré (2014)

 

Figura 7 - Produção canônica sobre a morte do Cabo Mikami

 

https://bit.ly/3xrotTO

 

Fonte: Portal G1 (2014)

 

Nas figuras 8 e 9, outros exemplos de circuitos que emergem das interfaces. Alguns mais estabelecidos, como na figura 8, uma reportagem padrão da mídia jornalística tradicional: instantaneidade, novidade, revelação pública, fontes claramente apresentadas. Em contrapartida, há os circuitos que se rompem, como na figura 9: a instituição Exército contraria a veracidade das informações da instituição jornalística. Chama atenção que tal iniciativa não ocorre mais apenas no exercício de um direito de resposta em um espaço destinado pelo dispositivo jornalístico. É a própria instituição que coloca seu direito de resposta para circular em seus próprios dispositivos. Afeta-se a mídia tradicional, estabelecem-se espaços interativos desviantes.

 

Figura 8 - Produção canônica sobre a morte do Cabo Mikami

 

https://bit.ly/3tZ6MsB

 

Fonte: Portal Veja (2014)

 

Figura 9 - Produção institucional sobre a morte do Cabo Mikami

 

https://bit.ly/3dTq6BS

 

Fonte: Exército Brasileiro (2014)

    

Na ambiência circulatória atual, as instâncias amadurecem em um jogo que, antes de ser midiático, é social. Esse é um regime de contatos, de interfaces produtivas, que faz necessária uma complexificação do esquema de Verón (1997), agora atualizando-o para um cenário onde acentuam-se as relações e apagam-se as linearidades. Na nova representação, as dimensões de cada esfera/instância respeitam as respectivas performances no episódio Mikami. O institucional e sua tentativa da criação da figura de um herói. A mídia canônica e a sugestão do insucesso da operação. E os atores individuais indicando a vulnerabilidade de todos frente ao poder do narcotráfico. Os amadores, por terem sido responsáveis pelo registro referencial do episódio Mikami, recebem maior destaque no diagrama. O jornalismo (mídia tradicional/canônica) segue a imagem amadora, mas rearticula-se e adiciona novas camadas de sentido; suas reinscrições e ressignificações são responsáveis pela chancela da imagem amadora, provocando reações por parte do Exército. Esse, por sua vez, manifestou-se por último, de modo que a imagem do herói Mikami não adquiriu valor na circulação, permanecendo restrita aos domínios institucionais.

 

Figura 10 - a transversalidade circulatória no episódio “Mikami”

 

https://bit.ly/3tXSRTM

 

Fonte: Elaborado pelos autores (2021)

 

As lógicas do esquema de Verón foram mobilizadas na tentativa de representação dessas áreas de sobreposição. As interfaces também respeitam o nível atingido nas relações entre as instâncias. O diagrama contempla duas interfaces maiores: canônico-institucional e canônico-atores. Entre a mídia canônica e o institucional, uma verdadeira concorrência entre o sucesso e o fracasso da operação. De um lado, a derrota. Do outro, o herói. Entre eles, a dúvida. Na interface canônico-atores, o registro amador que se torna referência e segue adiante, replicado e ressignificado por outra instância. Mesmo com as novas camadas de sentido, as estratégias se combinam, se encontrando em uma imagem de fragilidade. Por sua vez, a área de interface entre atores individuais e o institucional é representada pelo símbolo da nulidade, pois as interações são muito escassas nos dispositivos.

Para Fausto Neto (2010), essas interfaces são acoplamentos onde os discursos heterogêneos se encontram, após atravessarem fronteiras em movimentos pouco usuais antes da formação dessa nova arquitetura comunicacional. Nessa lógica impulsionada pela circulação intermidiática, a regulação do sentido é dificultada, pois as apropriações e os (re)direcionamentos são dos mais variados. Circuitos mais estabelecidos, circuitos mais tentativos e aqueles que podem romper. Desses encontros, outras imagens são construídas e as verdadeiras marcas da circulação podem ser apreendidas. Uma ambiência em que nenhum ator pode ficar alheio. Afinal, nenhum disputante produzirá sozinho, pois a mútua afetação é característica fundamental da circulação midiática no momento atual do processo de midiatização. Nos contatos de um regime de interfaces, algo sempre “sobra”. Algo que não é só disputa, mas que também é coprodução. Algo cujas pistas estão na transversalidade.

 

O jogo simbólico: sobre atribuição de valor na processualidade

 

As imagens e os discursos trazem à tona realidades que estão em coprodução, isto é, não são dadas a priori porque envolvem relações. O fato da imagem institucional do Exército figurar como algo impossível de ser controlado por qualquer ator ou instituição aponta para um cenário de aberturas e imprevisibilidade, o que não impede o exercício de intervenções sobre ela.

Nas materialidades a seguir, imagens produzidas pelas instâncias por ocasião da saída dos militares da favela, ao final da operação. Na figura 11, o sentido do dever cumprido acompanha a produção institucional a partir da insistência nas imagens de registro e da pose. A postagem do Twitter oficial do Exército exalta o sucesso do final da operação, uma transição saudável para a Polícia Militar do Rio de Janeiro.

 

Figura 11 - Produção institucional sobre o final da operação

 

https://bit.ly/2QzshBS

 

Fonte: Exército Brasileiro (2015)

 

            Nas figuras 12 e 13, novamente a força da interface mídia canônica (jornalismo) e amadores. O sucesso proposto pelo Exército passa longe das imagens de insuficiência e incapacidade construídas pelas instituições jornalísticas e pelos atores individuais que concebem perspectivas marcadas pela angulação da despedida. O policial militar que observa a saída das tropas do Exército metaforiza a derrota. Na transversalidade dos contatos entre as instâncias e suas produções durante o terceiro episódio escolhido para análise, “sobram” as imagens do desgaste e da incredulidade.

 

Figura 12 - Produção canônica sobre o final da operação

 

https://bit.ly/3tVPNrj

 

Fonte: G1 (2015)

 

Figura 13 - Produção amadora sobre o final da operação

 

https://bit.ly/3eArM2r

 

Fonte: Fatos da Maré (2015)

 

A produção institucional não adere ao constructo maior porque, em um contexto de final de operação, a imagem do Exército já foi atravessada por mais de um ano de tensionamentos. Qualquer elaboração sobre a presença dos militares na Maré estaria fadada à contaminação. Quando os disputantes inscrevem suas imagens sobre a saída dos militares, elas entram em contato com aquelas de tensão, medo, dúvida, fragilidade, entre outras que circularam anteriormente. O mesmo ocorreu com as imagens de força, heroísmo e outras inscrições institucionais que esbarraram em suas concorrentes e se apagaram no fluxo adiante. Assim, a imagem da pacificação da Maré não vingou. Em contrapartida, as estratégias da mídia canônica e dos atores sociais obtiveram valor nas interações e prevaleceram na disputa.           

Ao final da operação, tem-se um hexágono imagético que envolve a imagem institucional como uma nova camada de sentido. Esta é a imagem-síntese do Exército na Maré, construída entre a disputa e a coprodução. Isto é, não se trata de uma única imagem, mas de um conjunto que não permite um fechamento em si mesmo. As seis categorias que formam o hexágono estão relacionadas às imagens produzidas nas interfaces entre as instâncias.

 

Figura 14 – Hexágono-síntese da imagem institucional ao final do acontecimento Maré[9]

 

https://bit.ly/3dVlSK7

 

Fonte: Elaborado pelos autores (2021)

    

Todavia, por que em um contexto de profusão imagética e — aparente — equilíbrio discursivo, algumas imagens acabam ficando pelo caminho da circulação, ao passo que algumas produções se mostram inabaláveis, mesmo confrontadas por outras estratégias? As pistas para esse evento podem estar em outra processualidade que se revela na circulação, algo que é da ordem do simbólico.

A imagem institucional, exposta no terreno intermidiático, não é uma imagem pura. O contexto histórico/social que a envolve indica que este é um constructo complexo, atravessado por forças simbólicas. Quando resgatados pelas instâncias que disputam a elaboração imagética, os símbolos também abandonam domínios de experiências e cruzam fronteiras, ficando vulneráveis às interações. Na atividade circulatória, algumas forças simbólicas destacam-se, outras não, dependendo do contexto em que aparecem (MERLEAU-PONTY, 2004). Isto é, o acionamento de imagens e de símbolos arraigados na cultura não são garantia de valorização social, pois dependem das interações sociais e do potencial de circulação que desenvolvem.

Por esse motivo, muitas produções institucionais não adquiriram valor na circulação. No episódio Mikami, por exemplo, o Exército o compara a um herói da Segunda Guerra, o Sargento Max Wolf. Este é um símbolo que nunca se aventurou fora do seu domínio de experiência e, em um contexto de tensionamento intermidiático, estava fadado a ficar pelo caminho. Em contrapartida, a interface canônico-amadores resgatou a força simbólica da vulnerabilidade dos cidadãos perante o domínio do tráfico. Algo bem mais próximo da matriz societária e mais propenso a adquirir valor.

As imagens como símbolos dominantes são chamadas por Rosa (2014) de totens. Depois que atingem esse status, se tornam inquebráveis. As imagens totêmicas são exatamente aquelas que evocam imaginários anteriores ou laços profundos do social e que se instalam como barreiras para novas inscrições. Isto é, são imagens que se fixam no imaginário, mesmo quando ausentes enquanto materialidades. Cabe destacar que essas forças simbólicas convocadas não se tornaram totens durante a operação São Francisco. As imagens de hoje estão baseadas em um inventário iconográfico que compõe nossa história e memória. Ou seja, são cobertas ou obscurecidas por imagens já existentes que são, estas sim, os verdadeiros totens, que bloqueiam novas produções e que ressurgem, como sombras, ao longo de intervalos de tempo. Vejamos as figuras 15 e 16, construções de anos anteriores, mas que carregam as mesmas forças simbólicas convocadas pelos disputantes na Maré.

 

Figura 15 - O simbólico da vulnerabilidade da sociedade em relação ao tráfico

 

https://bit.ly/32YKgnH

 

Fonte: Portal R7 (2011)

 

Figura 16 - O simbólico da falência das instituições nacionais

 

https://bit.ly/3dXgRR6

 

Fonte: Portal Veja (2013)

 

     A figura 15, do ano de 2011, expõe um policial baleado durante uma operação em outra favela do Rio de Janeiro. É o símbolo da fragilidade da população quando em contato com o tráfico. Já a figura 16, do ano de 2013, representa as imagens construídas ao final da tentativa de pacificação do Complexo do Alemão, outro conjunto de favelas do Rio de Janeiro em que o Exército atuou. Dessa vez, a força simbólica que aparece é a falência das instituições brasileiras. Imagens muito parecidas com os materiais analisados anteriormente (figuras 6 e 12) e que nos passam a sensação de que já as vimos em algum outro momento ou que sempre estiveram lá, numa espécie de eterno retorno (ELIADE, 1992).

 

Considerações Finais

 

            Diante das reflexões finais, a pergunta inicial sobre a maneira que a imagem do Exército Brasileiro circulou durante a pacificação do Complexo da Maré parece abrir novas possibilidades analíticas. O próprio processo de pacificação aqui observado pode ser deslocado, hoje, para a compreensão de outros fenômenos envolvendo o Exército ou as Forças Armadas nas ruas das cidades brasileiras como, por exemplo, as mais recentes operações de pacificação no Rio de Janeiro ou mesmo as tensões que emergem de novas políticas públicas sobre segurança. Isso posto, é preciso ressaltar que o processo de midiatização é um atravessamento social que ultrapassa usos e apropriações de mídia e adquire conotação de um efetivo domínio de lógicas de midiatização — específicas e experimentais — que derivam em um fazer interacional de diversos atores em jogo.  Significa pensar que a produção de sentido social, hoje, não está mais restrita aos meios e tampouco às organizações como o Exército. Ainda que esses atores façam gestão sobre seus processos comunicacionais, as defasagens características da circulação sempre extrapolam suas tentativas de controle.

            O objeto empírico evidencia essa heterogeneidade na produção de sentido, por meio das produções midiáticas acerca da imagem institucional da corporação durante a operação São Francisco. Enquanto a organização tentava manter as lógicas de mídia já consolidadas (imagens de registro, textos que não se abrem para os conflitos e um foco na pose e na configuração do herói-militar), mesmo que fazendo uso das redes sociais, as instituições jornalísticas e os atores sociais passaram a elaborar imagens calcadas em olhares muito díspares, que evidenciam não só o uso da força como política de Estado — mesmo que  em nome de uma suposta pacificação —, mas também a presença forte de um imaginário de opressão, morte e criminalidade silenciado (sobre o qual o Exército não parece disposto a se abrir para a negociação discursiva). Assim, ainda que a organização tente argumentar, exibindo elementos que humanizem a sua presença no Complexo da Maré, as memórias de fatos anteriores também se presentificam com a chegada das tropas, gerando mais conflitos. A ideia de que é preciso intervir nem sempre se coaduna com a noção de que é preciso mostrar a intervenção. E entre o que se mostra e o que se diz há sempre uma força política.

            Dessa forma, a processualidade simbólico-midiatizada sugere um paradoxo. Em meio à potencialização das interações e à profusão de imagens produzidas, como podemos estar diante de estruturas que exercem dominação e excluem outras possibilidades de representação? Por que a sensação de estarmos frente a histórias que já conhecemos ou de estarmos vendo cenas repetidas? A resposta parece estar na dimensão simbólica que invade a narrativa intermidiática, trazendo à tona estruturas profundas do social (CASSIRER, 2001). Esses sentidos já estabelecidos recuperam um acervo cíclico.

Ao compreender a circulação como uma forma de atribuição de valor (ROSA, 2019), que pode ser agenciada por qualquer uma das instâncias que participam do jogo interacional (nesse caso atores sociais, o jornalismo e o próprio Exército), verifica-se que algumas imagens que tentam se estabelecer como sínteses dos acontecimentos esbarram naquelas já existentes, que são mobilizadas em outras produções atuais. Quando os atores sociais produzem vídeos e fotografias da presença dos soldados, dos blindados e do armamento, por exemplo, há uma evocação de imagens de força que se instalam barrando a possibilidade de qualquer ideia de pacificação. Do mesmo modo, quando vemos a criança brincando com soldados em postagem institucional, saltam aos olhos as defasagens, já que aquilo que a organização atribui valor é completamente diferente daquilo que é valorado pela comunidade. Em parte, isso seria esperado, mas o caso de pesquisa analisado revela mais do que uma (micro)ocorrência. Ele revela a presença de imagens totêmicas que vão se fixando como barreiras na circulação midiática. Ou seja, as tentativas do Exército de romper com imagens de violência, do narcotráfico, da falência das instituições não se efetiva porque são feitas a partir da não interação com as comunidades e sua negação. As tentativas são sempre desviantes do conflito e não da sua reflexão.

À vista disso, o hexágono inferido acima se consolida não apenas como a imagem do Exército ao final do acontecimento Maré, mas como a imagem do Exército em operações de paz, criada em meio às recentes intervenções da instituição em território nacional e que abastece e afeta um constructo maior, a imagem institucional. São exemplos a operação na favela da Rocinha, em setembro de 2017, e  a intervenção federal, iniciada em fevereiro de 2018. Ambas novamente no Rio de Janeiro. Têm-se, no hexágono, os três momentos temporais do caso analisado: ocupação, morte de um militar e desocupação. Respectivamente, há três imagens em disputa, que emergem da transversalidade dos conjuntos de sentidos: a tensão e o medo; a dúvida e a fragilidade sobre o próprio poder de articulação da organização e, por fim, a imagem do desgaste junto à da incredulidade. A disputa é contínua e característica de uma semiose infinita. Desse modo, a missão do Exército na Maré se encerrou, mas a imagem institucional segue em tensionamento na incompletude da circulação midiática, contaminada por esse hexágono imagético/simbólico que, de certa forma, já está a nos contar a história da próxima tentativa de pacificação, dando pistas sobre um devir.

 

Notas

[1] A ideia de caso refere-se aqui a um caso construído pelo pesquisador, fruto da articulação de inferências abdutivas, dedutivas e indutivas. Trata-se de um caso midiatizado, isto é, o foco está na exasperação do caso para além daquilo que está nos meios ou mídias tradicionais como acontecimento.

[2] Definiu-se como fonte de pesquisa os dispositivos midiáticos encontrados na internet, por dois motivos principais: 1) a possibilidade de recuperação das imagens a qualquer momento, em função dos protocolos de disponibilização, exibição e arquivo; 2) em função da internet ser um espaço em que todas as instâncias disputantes teriam condições mais simétricas de produção em larga escala, sem disparidades relevantes que poderiam prejudicar o caráter abrangente da análise (materiais impressos, por exemplos, conferem destacada “vantagem” de visibilidade às produções da mídia tradicional).

[3] Não foram adotados recortes por temporalidade (um mês de acontecimentos, por exemplo) ou por resgate histórico (sequência lógica de acontecimentos) em virtude do risco da não apreensão de indícios nas três instâncias propostas ou de um corpus demasiadamente extenso. Ressalta-se que na apresentação das análises empíricas não serão exibidos todos os materiais coletados, tendo em vista as limitações de formatação do artigo. Contudo, para cada eixo de análise, serão apresentados fragmentos de uma das coleções, junto de suas respectivas análises.

[4] O presente artigo é uma apresentação sintetizada do percurso metodológico e dos resultados obtidos na dissertação de mestrado “Entre a disputa e a coprodução: heterogeneidades e transversalidades da circulação midiatizada” (VINHOLA, 2016). Alguns de seus resultados parciais foram relatados no artigo “Entre a disputa e a coprodução: a imagem do Exército no Complexo da Maré” (ROSA; VINHOLA, 2016), publicado no volume 13 (n.24) do periódico Organicom. Tendo em vista a impossibilidade de expor as coleções de materiais analisados em sua totalidade, elegemos alguns exemplos de figuras — bem como suas respectivas análises — que pudessem representar o esforço analítico empreendido durante o processo.

[5] Ver HJARVARD, S. Midiatização: teorizando a mídia como agente de mudança social e cultural. Matrizes, São Paulo, v. 5, n. 2, p. 53-91, jan/jun. 2012.

[6] Ver HEPP, Andreas; HASEBRINK, Uwe. Researching transforming communications in times of deep mediatization: a figurational approach. In: HEPP, Andreas; HASEBRINK, Uwe; BREITER, Andreas. Communicative figurations: transforming communications in times of deep mediatization. Bremen: Palgrave Macmillan, 2018.

[7] Ver BRAGA, José Luiz. Mediatização como processo interacional de referência. Animus, v.5, n. 2 , 2006.

[8] Entendemos por imagem-síntese aquilo que Rosa (2012) considera como as imagens que não são, necessariamente, símbolos, mas que visam significar os acontecimentos a que se referem de modo a restringir a permanência na circulação de outras imagens. São aquelas que tentam fechar o sentido, ainda que tal tentativa nunca se efetive já que a circulação é naturalmente um espaço de defasagens.

[9] A espessura das linhas dos lados do hexágono respeitam a intensidade dos contatos desenvolvidos nas interfaces produtivas (entre instâncias).

 

Referências

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[1] Doutora em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Docente e pesquisadora no PPG em Ciências da Comunicação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos. E-mail: anarosa208@yahoo.com.br.

[2] Doutorando em Comunicação e Informação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Mestre em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rios dos Sinos. E- mail: bruno.vinhola@gmail.com.

[3] Doutora em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Docente e pesquisadora no PPG em Ciências da Comunicação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos. E-mail: anarosa208@yahoo.com.br.

[4] Doutorando em Comunicação e Informação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Mestre em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rios dos Sinos. E- mail: bruno.vinhola@gmail.com.