José Amilton de Almeida
subjetivo de Kant-Fitche e estabeleceu, no curso dessa crítica, o moderno
idealismo objetivo. Foi no marco desse idealismo objetivo que ele,
descobrindo e formulando no desenvolvimento ulterior de suas pesquisas um
riquíssimo acervo categorial, ergueu um sistema filosófico compreensivo e
inclusivo da história (da natureza e da sociedade). Essa história Hegel a (ex)
pôs como um largo processo de (auto)desenvolvimento do Espírito, cuja
efetividade se explicitava na sua demiúrgica atividade objetivada na natureza
e na sociedade. Natureza e sociedade eram produtos da dinâmica constitutiva
do Espírito e demonstravam a sua peculiaridade mais essencial: a de serem
movimento perene, tensionada e movidas (bem como o próprio Espírito) por
contradições internas, endógenas. Ambos, o Espírito e o mundo, aparecem,
assim, em Hegel, como processualidade – e processualidade automobilizada,
uma vez que seu dínamo reside na contraditoriedade imanente que lhes é
própria. Tudo é processo, movimento, transformações quantitativas
imparáveis que redundam em transformações qualitativas – do que não resulta
um conjunto caótico ou aleatório, regido pelo arbítrio ou pelo acaso. Ao
contrário: O Espírito, no seu processo evolutivo imanente, obedecendo às suas
próprias leis, contradiz-se a si mesmo e nessa contradição se desdobra noutra
efetividade, o mundo, que também é dinamizado e se transforma pelo seu
próprio movimento contraditório e, ao fim e ao cabo, ambos se reconciliam e
instauram-se numa unidade que reconstitui não a configuração original do
Espírito nem do mundo, mas numa totalidade articulada então por um Espírito
que se sabe e a si mesmo e se reconhece para si num mundo com inéditas
qualidades, e ambos acabam por unir-se numa plena identidade. Todo esse
processo perfaz a história, comandada por uma racionalidade [...] cujo centro
reside sempre no Espírito.
Netto (2020, p. 49) ressalta, porém, o problema já apontado por Engels da “contradição
entre o método e o sistema de Hegel”. De acordo com o biografo de Marx, a leitura engelsiana
também fazia jus a Hegel ao reconhecer que a construção filosófica deste “se operou mediante
uma elaborada dialética que, embora idealista, tomou o ser, a realidade, como processualidade:
ser é devir, movimento imanente, constante (auto)transformação; no entanto”, advertiu, “essa
metodologia se consuma num sistema que encerra a história quando o Espírito se realiza no
estágio final, o do Espírito absoluto” (Netto, 2020, p. 49). Vê-se que, conforme se refere Netto
(2020, p. 49, grifos do autor): “trata-se mesmo de uma teoria do [...] fim da história” – o que
evidencia, igualmente, como é profunda e longínqua a moderna raiz da “teoria pós-moderna”
do fim da história. Desse modo, “a contradição hegeliana é inequívoca: se o método é
revolucionário, o sistema é conservador” (Netto, 2020, p. 49, grifos do autor)5.
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5 Atendo-se mais detalhadamente nesta contradição entre “o método e sistema hegeliano”, Cornu (1975, v. I, p.
185 apud Netto, 2020, p. 49), resumiu: “A concepção hegeliana de desenvolvimento dialético da história
implicava, de fato, um devir incessante, uma contínua transformação na qual não se pode tomar como limite e
como fim uma história determinada. Com efeito, pelo progresso dialético, toda realidade de ordem econômica,
política ou social, tende a perder o caráter de necessidade, ao mesmo histórica e lógica, que tem em determinado
momento; torna-se, portanto, irracional e deve ceder lugar a uma nova realidade, destinada, por sua vez, a
desaparecer um dia. Entretanto, contrariamente a essa concepção dialética, Hegel, inclinado cada vez mais ao
conservadorismo, tendia a atribuir às instituições de seu tempo – especialmente à religião cristã e ao Estado
prussiano – um valor absoluto e a deter nelas o curso da história”.
Libertas, Juiz de Fora, v. 24, n. 1, p. 18-41, jan./jun. 2024. ISSN 1980-8518