Filha de Xica Manicongo: entrevista com  
Adriana Lohanna dos Santos  
Samuel Francisco Rabelo*  
Adriana Lohanna dos Santos**  
E que amanhã, que amanhã possa ser diferente pra elas  
Que tenham outros problemas e encontrem novas soluções  
E que eu possa viver nelas, através delas e em suas memórias.  
(Oração Linn da Quebrada).  
Eixo 1 – Infância, família e os primeiros atravessamentos da identidade de gênero.  
Samuel Rabelo: Como as memórias da sua infância, sua relação com a família e os  
desafios enfrentados no ambiente familiar e escolar influenciaram o processo de descoberta e  
afirmação da sua identidade de gênero, e como a ausência de referências de mulheres trans ou  
travestis nessa fase impactou sua trajetória, incluindo a escolha do nome Adriana Lohanna?  
Adriana Lohanna: Como toda criança, todo “menino”, né, que é colocado pela  
sociedade como “menino”, eu brinquei. Dançava quadrilha junina, e meu tio era o marcador.  
Até hoje, sou muito ligada às tradições juninas, pois fizeram parte da minha infância. Sempre  
fui da Igreja Católica, cresci na Diocese de Propriá e participei de vários movimentos sociais  
da igreja. Fiz parte da Infância Missionária, rezava com um terço colorido. Nesse processo da  
infância, o que ficou foi a percepção de que eu era realmente o menino deslocado da realidade,  
o menino diferente, o menino que tinha as mesmas vontades, mas que não se encaixava nas  
mesmas possibilidades que as outras meninas. Eu tenho uma irmã, que tem um ano de diferença  
de mim, e era muito ligada a ela, não só pela proximidade da idade, mas também porque queria  
viver as mesmas experiências e o mesmo espaço dela, enquanto uma menina.  
Eu sabia desde cedo que era "bichinha", "viadinho", "mulherzinha" palavras  
relacionadas à orientação sexual, mesmo sem saber exatamente o que elas significavam. Para  
mim, eram apenas xingamentos, que eu ouvia na escola e nas interações sociais, entre os  
* Universidade Federal de Sergipe e Universidade Tiradentes. E-mail: samwrabello@gmail.com  
** Universidade Federal de Sergipe. E-mail: lohannafashion.com@hotmail.com  
DOI: 10.34019/1980-8518.2025.v25.47753  
Esta obra está licenciada sob os termos  
Recebido em: 10/03/2025  
Aprovado em: 23/06/2025  
Filha de Xica Manicongo: entrevista com Adriana Lohanna dos Santos  
colegas: "viadinho", "mulherzinha", "goiabinha". Eu aceitava esses xingamentos porque sabia  
que, como menino, isso fazia parte da minha vida, da minha relação com os outros meninos na  
família. A homofobia sempre esteve presente. Eu tinha um tio homossexual e ouvia do meu pai  
que, se eu fosse igual a ele, eu apanharia. Cresci ouvindo que ser homossexual ou travesti era  
algo ruim, que poderia até levar à morte, porque meu pai dizia que me espancaria se eu fosse  
como meu tio.  
Essas questões todas atravessavam a visão que eu tinha sobre ser homossexual, que era  
apontado como algo negativo, algo que a sociedade não aceitava. Quando alguém na escola ou  
na comunidade era visto como homossexual, era tratado com desprezo, como se fosse um ser  
inferior. Não tive referências de mulheres travestis ou transexuais na infância. As referências  
que eu tinha eram de homens homossexuais, que eram sempre marginalizados na cidade. Eram  
colocados em um espaço de desvalorização, de pessoas que não poderiam ser seguidas como  
exemplo. Foi somente na adolescência que comecei a entender mais sobre a travestilidade,  
através de uma professora trans chamada Marcele, que era pedagoga e travesti. Ela foi a  
primeira pessoa trans que eu conheci e foi quem me deu o nome "Lohanna".  
O nome Adriana veio como uma forma de respeitar a identidade do “menino Adriano”,  
que existiu antes da minha transição, enquanto "Lohanna" foi dado como um batismo pela  
Marcele, algo relacionado à tradição de outras mulheres travestis que, ao começarem a  
transição, recebiam um novo nome. Marcele foi quem me orientou nos primeiros passos dessa  
transição: o início da hormonioterapia, as primeiras perguntas, o processo de transição. Ela foi  
fundamental no meu processo de descoberta e aceitação de mim mesma.  
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Eixo 2: Tornar-se mulher transexual, negra e nordestina em um contexto de  
marginalização.  
Samuel Rabelo: Como foi sua experiência de transição em Sergipe, considerando os  
desafios de ser uma mulher trans, nordestina e negra em um estado marcado pelo racismo, pela  
transfobia estrutural e pela desigualdade social, e de que forma essas interseccionalidades  
impactaram suas oportunidades e os enfrentamentos necessários para afirmar sua identidade?  
Adriana Lohanna: Minha transição em Sergipe foi marcada por muitos desafios. Em  
2012, retornei à minha cidade, Japaratuba, após conseguir a sentença judicial de mudança de  
nome. Carregava uma trajetória de violências: em 2010, fui brutalmente agredida em uma festa  
de casamento matuto por um homem que, ao perceber que eu era uma mulher trans, me  
espancou dizendo que "viado tinha que apanhar". Essa dor me acompanhou por anos, e só em  
Samuel Francisco Rabelo; Adriana Lohanna dos Santos  
2023, exatamente no mesmo dia da agressão, pude passar por uma cirurgia de correção da  
mandíbula um ciclo que se fechou com resistência e cura.  
Minha transição foi pública e atravessada por episódios de exclusão, inclusive durante  
minha graduação em Serviço Social, quando fui impedida de usar o banheiro feminino. Aquilo  
me fez acelerar o processo de retificação de nome e buscar a redesignação sexual, pela qual  
ainda espero. Muitas pessoas não compreendem que minha afirmação de identidade nasceu da  
violência. Ouvi frases como “nenhum juiz vai dar nome de mulher para um veado”, que revelam  
o quanto o preconceito reduz nossa existência à genitália, sem entender quem somos.  
Ser uma mulher trans nordestina e negra impacta todas as dimensões da vida. No campo  
afetivo, a solidão é uma constante. Apesar de ser uma mulher inteligente e bonita, o preconceito  
estrutural, o machismo e o medo do julgamento afastam os homens. No Nordeste, há muitos  
“machos”, mas poucos homens têm coragem de amar livremente.  
Desde a infância, vivi exclusões: da escola aos espaços culturais, minha identidade foi  
sempre questionada. Cresci na comunidade rural Cruz Grande, sem referências trans ao meu  
redor. Ser quem eu sou nesse ambiente foi um ato de resistência. Como “menino do campo” e  
negra, sofri um apagamento duplo de gênero e de raça agravado pela minha origem pobre.  
Para a sociedade, meu destino seria a marginalidade. Mas ao me tornar mestra em Educação,  
rompi com as expectativas que tinham para o meu corpo.  
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Minha existência é prova de que resistimos, mesmo sem modelos anteriores. Minha vida  
é denúncia e afirmação. Sou mulher, sou negra, sou nordestina e existo.  
Eixo 3: Redes de apoio e coletividade trans/travesti.  
Samuel Rabelo: Como as redes de apoio e a coletividade trans/travesti foram  
fundamentais na sua trajetória como ativista e intelectual, e houve um momento em que essas  
redes salvaram sua vida ou dignidade?  
Adriana Lohanna: Minha rede de apoio começou a se formar quando fui proibida de  
usar o banheiro feminino na universidade, numa negação compartilhada até pela coordenação  
do curso de Serviço Social. Diante dessa violência, busquei acolhimento no movimento social  
e no Estado. Foi assim que conheci o Centro de Referência em Direitos Humanos e Combate à  
Homofobia, onde encontrei escuta e suporte. A partir dali, passei a integrar organizações como  
a Unidas e a Astra, dentro do projeto “Balcão de Direitos”, e encontrei referências  
fundamentais, como o delegado ativista Mário Leony, que fortaleceram minha militância. Com  
o tempo, essas redes cresceram. A Astra promoveu um debate sobre diversidade na Câmara de  
Vereadores da minha cidade, ampliando a visibilidade da causa trans. Na retificação do meu  
Libertas, Juiz de Fora, v. 25, n. 1, p. 528-543, jan./jun. 2025. ISSN 1980-8518  
Filha de Xica Manicongo: entrevista com Adriana Lohanna dos Santos  
nome, contei com o apoio inicial da Defensoria Pública, mas foi o advogado Thenisson Santana  
Dória hoje desembargador quem, de forma gratuita, levou meu processo até o fim.  
Minha história ganhou repercussão na mídia local, especialmente a luta pelo uso do  
banheiro feminino, noticiada pela TV Sergipe, Jornal da Cidade e Cinform. Essa visibilidade  
ajudou a consolidar novas redes e a fortalecer a luta por direitos. Em Sergipe, organizações  
como Astra, Unidas e Amosertrans seguem fundamentais, mas são as pessoas envolvidas nelas  
que realmente constroem o acolhimento. Muitas travestis e mulheres trans me procuram  
buscando ajuda, e, como fui acolhida um dia, hoje também estendo a mão.  
Antes de nós, existiam as “mães travestis” que acolhiam as mais novas. Hoje, seguimos  
esse legado. Quem foi ajudada ajuda outra, e assim vamos tecendo um elo coletivo de  
resistência. Todos os dias, novas trans iniciam suas jornadas enfrentando solidão, rejeição e  
violência. Por isso, é essencial que quem já percorreu esse caminho ofereça apoio e diga: você  
não está sozinha.  
Minha vida foi salva por essa coletividade. A luta pelo direito ao banheiro não foi apenas  
um episódio político foi uma experiência que redefiniu minha existência. Se não fosse essa  
rede, talvez eu não estivesse viva. Foram muitas as vezes em que me vi em depressão, sem  
forças, prestes a desistir. E foi uma palavra, um abraço, uma escuta de outra travesti que me  
manteve de pé. Essas redes não apenas evitam mortes elas devolvem sentido, reafirmam nossa  
existência. E é por isso que sigo: porque um dia me estenderam a mão, e hoje sou eu quem  
segura a de outras.  
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Eixo 4: O ativismo e as primeiras ocupações de espaços.  
Samuel Rabelo: Como foi sua inserção no movimento social LGBTQIAP+ e no  
ativismo transfeminista, e de que forma sua trajetória como a primeira mulher trans a ocupar  
diversos espaços institucionais reflete a importância dessas conquistas, os desafios enfrentados  
ao abrir caminhos e as experiências mais desafiadoras e transformadoras ao longo dessa  
jornada?  
Adriana Lohanna: Minha inserção no movimento LGBTQIAP+ e no ativismo  
transfeminista começou em 2009, ainda no segundo período da graduação. Entendi que não  
bastava falar apenas sobre identidade de gênero: era preciso lutar por educação, saúde,  
segurança e igualdade racial compreendendo a interseccionalidade que atravessa nossas vidas.  
Já integrava o movimento estudantil como secundarista pela União Sergipana dos Estudantes  
Secundaristas (USES), e essa atuação foi essencial para minha formação política e militante.  
Samuel Francisco Rabelo; Adriana Lohanna dos Santos  
Foi nesse contexto que me tornei a primeira mulher trans a conquistar marcos  
importantes em Sergipe: primeira assistente social trans do estado, primeira a acessar o  
mestrado em Educação na UFS, primeira a retificar nome e gênero por decisão judicial. Nada  
disso foi fruto de um plano foram respostas que construí diante da violência, da exclusão e  
da necessidade de afirmação. Sofri discriminações que me impulsionaram: fui proibida de usar  
o banheiro feminino na universidade, e enfrentei resistência ao tentar assumir um cargo de  
professora. O mestrado, por exemplo, foi minha resposta à negação do direito de ensinar.  
Escolhi o Serviço Social porque queria cuidar de pessoas, mas ser mulher trans nos  
espaços da educação infantil, especialmente na pedagogia, ainda gera estranhamento e  
resistência. A sociedade insiste em não reconhecer nossos corpos como legítimos,  
principalmente no trabalho com crianças. Enfrentei olhares de desconfiança e falas  
preconceituosas, mas também encontrei na docência uma forma de afirmar minha existência e  
romper estigmas.  
Ocupar esses espaços, mesmo sem ter sido planejado, me transformou. Não foi fácil:  
enfrentei o preconceito da sociedade e da minha própria família. Mas a resiliência me guiou.  
Sigo firme para que outras pessoas trans vejam que é possível ser protagonista da própria  
história. Não se trata de privilégio, mas de luta e resistência.  
O momento mais simbólico da minha trajetória foi quando ocupei um cargo de gestão  
na Secretaria de Inclusão do Estado, em 2013. Fui a primeira mulher trans em um cargo público  
de visibilidade em Sergipe. Sair do espaço negado da sala de aula para coordenar políticas  
públicas e direitos humanos foi revolucionário. As pessoas não imaginavam que um corpo trans  
poderia pensar e implementar políticas públicas e eu mostrei que era possível. Desde então,  
outras pessoas trans também passaram a ocupar espaços de gestão, e isso representa uma  
mudança concreta no cenário político. Minha maior contribuição é essa: transformar dor em  
luta e mostrar que nós, pessoas trans, podemos e devemos estar onde quisermos estar. Cada  
espaço que ocupo é uma ruptura com o silêncio imposto à nossa existência.  
532  
Eixo 5: Relacionamentos afetivos, desejo e a invisibilidade das relações com  
homens cisgêneros.  
Samuel Rabelo: Como você percebe as dinâmicas de afeto e desejo nos seus primeiros  
relacionamentos afetivos, incluindo a invisibilização dessas relações e suas implicações na  
autoestima, e se houve mudanças na forma como essas relações são construídas ao longo do  
tempo, ou se a clandestinidade ainda predomina?  
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Filha de Xica Manicongo: entrevista com Adriana Lohanna dos Santos  
Adriana Lohanna: Meus primeiros relacionamentos afetivos me revelaram um padrão  
recorrente na vida de muitas mulheres trans e travestis: a negação do afeto. Ainda muito jovem,  
percebi que os vínculos que envolviam nosso corpo e identidade estavam marcados por  
estigmas, silenciamentos e, sobretudo, pela clandestinidade. Os afetos dirigidos a nós são,  
muitas vezes, privados de legitimidade social tratados como segredos a serem escondidos, e  
não como relações dignas de serem vividas plenamente.  
Meu primeiro afeto surgiu ainda na infância, com um vizinho. Na época, não  
compreendia aquilo como amor, mas hoje sei que ali já havia um sentimento que desafiava o  
que a sociedade esperava de mim. Meu primeiro amor assumido veio em 2002, com Paulo  
(nome fictício), e trouxe à tona a impossibilidade concreta de viver aquele sentimento. Por mais  
que o afeto fosse mútuo, ele não podia assumi-lo bloqueado por barreiras familiares, religiosas  
e sociais. Recebi um e-mail dele dizendo que gostaria de corresponder, mas que não podia.  
Aquela foi minha primeira grande dor amorosa, e, ainda assim, ele permanece como uma  
lembrança afetuosa que nunca deixei de carregar.  
Ao longo da minha vida, percebi que muitas mulheres trans vivem experiências  
parecidas. Os homens que se relacionam conosco, mesmo desejando, fazem questão de manter  
isso em segredo. Para muitos, somos objeto de um prazer oculto, de uma transa rápida, mas  
jamais de um relacionamento público. Quando esses vínculos existem, raramente são  
reconhecidos como legítimos. A vergonha, o medo da rejeição social e o desejo de preservar  
uma masculinidade hegemônica acabam por nos relegar à margem amores possíveis apenas  
na penumbra.  
533  
Ainda hoje, mesmo após vivenciar uma união estável, vi meu relacionamento ser  
destruído pela pressão social. Quando a sociedade soube que eu era uma mulher trans, ele  
deixou de ser visto como um relacionamento válido. Fui questionada pela minha família, pela  
comunidade, e aquilo que era afeto virou um motivo de dor. O amor entre homens cisgêneros  
e mulheres trans ainda é considerado transgressor, vergonhoso, ilegítimo.  
Essa invisibilidade não apenas nos exclui do direito de amar e ser amadas, mas afeta  
profundamente nossa autoestima. Somos empurradas para relações desiguais, muitas vezes  
abusivas, sustentadas unicamente por nós emocional, afetiva e até financeiramente. Muitos  
homens nos procuram não por amor genuíno, mas por conveniência, por uma necessidade de  
preencher um vazio ou de encenar uma masculinidade que não conseguem sustentar com  
mulheres cis. E quando estão conosco, é na condição de segredo, de algo que não pode ser  
revelado.  
Samuel Francisco Rabelo; Adriana Lohanna dos Santos  
Nessa dinâmica, muitas de nós acabam se agarrando ao pouco que têm, aceitando  
migalhas emocionais como se fossem grandes banquetes. O medo da solidão, a rejeição social  
e o estigma nos empurram para relacionamentos onde somos sempre "menos": menos amadas,  
menos assumidas, menos reconhecidas. É um ciclo de dor que se retroalimenta, que mina nossa  
crença de que o amor, para nós, é possível.  
A sociedade ainda não compreende mulheres trans como sujeitos plenos de afeto.  
Enquanto identidades cisnormativas conseguem estabelecer vínculos com maior naturalidade,  
para nós o amor é sempre um campo minado: pode existir, mas precisa ser escondido; pode  
acontecer, mas não pode ser celebrado. Vivemos o que chamo de “amor nas sombras” —  
relações que ocorrem sem luz, sem reconhecimento, sem direito à existência pública.  
Contar essa história não é apenas desabafo é denúncia. É preciso falar sobre a  
estrutura que impede as mulheres trans de experimentarem o afeto como direito. É preciso  
desnaturalizar a violência travestida de paixão clandestina. Porque, no fim, nosso desejo é  
simples: amar e ser amadas. Mas, para isso, o mundo precisa nos reconhecer como dignas de  
amor fora das sombras, com toda a nossa humanidade.  
Eixo 6: Violências, transfeminicídio e a resposta estatal.  
Samuel Rabelo: De que forma a tentativa de transfeminicídio que você sofreu em 2010  
impactou sua trajetória pessoal e ativista, e o que essa experiência revela sobre as limitações do  
reconhecimento estatal, da legislação vigente e da resposta do sistema de justiça diante da  
brutalidade dos crimes de ódio contra travestis e mulheres trans no Brasil?  
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Adriana Lohanna: Aquela agressão foi um divisor de águas na minha vida. Naquele  
momento, perdi algo essencial: a capacidade de sorrir. Para uma pessoa trans, a identidade  
visual tem um peso enorme. Quando meu rosto foi desfigurado, foi como se parte da minha  
identidade tivesse sido apagada. Saí da cirurgia pensando: "Meu rosto não é mais meu." Eu não  
sabia mais quem era e o mais doloroso era imaginar como o mundo me veria dali em diante.  
A agressão tentou me matar, mas também me silenciar. Tentou apagar a mulher que eu  
sou. É isso que a transfobia busca: negar nossa existência. E o mais triste é perceber que, mesmo  
após 15 anos, ainda não avançamos como sociedade. Continuamos excluídas do trabalho, das  
escolas, até das famílias. Muitas vezes, somos vistas como ameaça, e nossa vida segue sendo  
invisibilizada.  
Se aquilo tivesse acontecido hoje, talvez fosse reconhecido como tentativa de  
transfeminicídio. Em 2010, não houve esse entendimento. A transfobia sequer era reconhecida  
como forma grave de violência. E isso mostra como o sistema de justiça ainda falha conosco.  
Libertas, Juiz de Fora, v. 25, n. 1, p. 528-543, jan./jun. 2025. ISSN 1980-8518  
Filha de Xica Manicongo: entrevista com Adriana Lohanna dos Santos  
Existe uma transfobia institucional que atravessa as polícias e o Judiciário. Os crimes contra  
pessoas trans são tratados com descaso, como se fossem banais. Falta uma legislação específica,  
aplicada com rigor, e falta também formação adequada das/dos profissionais de segurança  
pública.  
A crueldade contra travestis e mulheres trans não é só física, é simbólica. A sociedade  
quer apagar nossos corpos porque eles desafiam o que ela considera "normal". E essa violência  
externa se internaliza muitas de nós não suportamos essa pressão, essa dor, e adoecemos,  
muitas vezes chegando ao suicídio.  
Nossa luta não é só por sobrevivência, é por dignidade, por reconhecimento. O Estado  
nos deve uma resposta. Precisamos de leis que protejam nossa existência como se protege  
qualquer outra vida. Mas, mais que leis, precisamos de uma mudança de mentalidade. O que  
está em jogo é a nossa humanidade. A sociedade precisa entender que nós existimos e que  
existimos para ser respeitadas.  
Eixo 7: Memória, ancestralidade e a luta por sobrevivência.  
Samuel Rabelo: Qual o significado de Xica Manicongo1 para você e como as figuras  
históricas de travestis e mulheres transexuais, incluindo aquelas vítimas de transfeminicídio e  
violência estrutural, impactaram sua trajetória e identidade, e o que podemos fazer para resgatar  
e preservar suas histórias, fortalecendo a identidade coletiva das travestis e mulheres  
transexuais?  
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Adriana Lohanna: Eu acho muito importante refletir sobre a potência de Xica  
Manicongo. Sua história nos mostra que não estamos sozinhas e que existimos desde sempre.  
A travestilidade, a homossexualidade, a bissexualidade não são fenômenos recentes elas  
atravessam os tempos. Xica talvez não soubesse o que significava ser uma travesti, mas viveu  
sua verdade, mesmo sem essa linguagem. E isso também acontece com a gente, quando ainda  
crianças sentimos algo diferente, antes mesmo de entender quem somos.  
Para mim, a ancestralidade está em Xica, mas também em pessoas como Marcele, João  
Neri, e tantas outras pessoas que caminharam antes de mim. João foi um ancestral vivo que me  
ensinou muito sobre resistência e filosofia. Ancestralidade não está só no passado está nas  
1
Xica Manicongo é reconhecida como a primeira travesti não indígena documentada no Brasil e considerada a  
“traviarca da travestilidade” por sua expressão de gênero dissidente ainda no século XVI. Escravizada vinda do  
Reino do Congo em 1591 na Bahia, foi perseguida pela Inquisição por vestir-se com roupas femininas e afirmar  
uma identidade contrária às normas coloniais. Sua história, redescoberta por pesquisadores e reivindicada por  
ativistas, tornou-se símbolo da resistência de travestis e mulheres transexuais no Brasil, representando uma  
ancestralidade política que inspira as lutas por memória, dignidade e reparação.  
Samuel Francisco Rabelo; Adriana Lohanna dos Santos  
trocas cotidianas, nos encontros com pessoas que nos ajudam a ser quem somos. Recentemente,  
conheci uma senhora de 74 anos que me disse: "Essa sou eu. Carol." Isso é ancestralidade viva,  
resistência em forma de existência.  
Quando penso nas mulheres trans vítimas do transfeminicídio, como Laysa ou Milane,  
percebo como nossos corpos seguem sendo negados, mesmo dentro de casa. Muitas de nós  
vivem em alerta constante, com medo de sermos agredidas ou mortas. A violência que  
enfrentamos não é apenas física está nos olhares, nos cochichos, no silêncio. Muitas vezes,  
nem mesmo o suicídio é compreendido como consequência dessa exclusão social: é um  
empurrão da sociedade que nos nega acolhimento, amor e dignidade.  
Eu já me senti insegura na minha própria casa. E isso é o mais doloroso saber que  
nem os chamados "lugares seguros" são para nós. Quando digo que não há lugar seguro para  
pessoas trans, é porque vivemos numa sociedade que não reconhece nosso direito à existência.  
A violência, o apagamento e a solidão fazem parte da nossa realidade, e a sociedade ainda se  
nega a reconhecer sua responsabilidade nisso.  
Para mudar esse cenário, é preciso registrar essas histórias, não só por meio de inquéritos  
que pouco elucidam, mas através de estudos que mostrem os contextos sociais e culturais por  
trás de cada vida interrompida. Não basta dizer que foi um crime passional ou um suicídio. É  
preciso entender por que essa pessoa foi morta será que foi só uma relação mal resolvida, ou  
foi o simples fato dela existir?  
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Eu mesma já fui agredida por causa da minha passabilidade. Isso mostra como até  
mesmo a forma como somos lidas socialmente pode se tornar alvo de violência. Por isso,  
catalogar essas histórias é fundamental. A sociedade precisa entender que não somos ameaças,  
mas vidas legítimas, humanas. E só quando isso for compreendido é que poderemos construir  
um futuro mais justo, onde sejamos vistas como parte da humanidade dignas de viver, de ser  
e de amar.  
Eixo 8: Formação, trabalho profissional e enfrentamento às violências  
institucionais.  
Samuel Rabelo: Como a sua escolha pelo Serviço Social influenciou sua trajetória  
profissional, e como você avalia os avanços e desafios encontrados na profissão, especialmente  
no que diz respeito à articulação das categorias representativas e ao atendimento às demandas  
de travestis e pessoas transexuais, tanto na formação quanto na prática profissional?  
Adriana Lohanna: Eu nunca quis fazer Serviço Social; sempre desejei cursar Direito.  
Concorri ao Prouni para Direito, mas minha segunda opção era Serviço Social. Como a turma  
Libertas, Juiz de Fora, v. 25, n. 1, p. 528-543, jan./jun. 2025. ISSN 1980-8518  
Filha de Xica Manicongo: entrevista com Adriana Lohanna dos Santos  
de Direito não foi fechada, mesmo com minha nota maior, acabei ingressando em Serviço  
Social. Foi nesse momento que compreendi a importância do controle social e decidi abraçar o  
curso, que me permitiria atuar socialmente. Essa formação foi fundamental para minha  
trajetória e militância, dando-me base para compreender a conjuntura social, os direitos  
humanos e os espaços de luta.  
Porém, meus avanços foram poucos, enfrentando muitos desafios, principalmente na  
universidade. Um episódio marcante foi a proibição de uso do banheiro feminino para mim,  
uma clara transfobia institucional que a coordenação do curso e a universidade não combateram.  
Foi uma violação grave dos direitos humanos, e o silêncio institucional me causou muita dor,  
evidenciando como a violência contra pessoas trans pode ser naturalizada até em espaços  
acadêmicos.  
Vejo que, apesar de alguns progressos em gênero e diversidade, o Serviço Social ainda  
está distante de uma transformação real. A categoria ainda mantém práticas assistencialistas, e  
crenças religiosas e dogmas dificultam a defesa efetiva da diversidade. O respeito à diversidade  
precisa ultrapassar o discurso e se tornar prática cotidiana para que a profissão se torne mais  
justa e representativa.  
As categorias representativas, como CRESS e ENESSO, têm papel fundamental na  
organização e mobilização do Serviço Social, embora perceba hoje uma diminuição da força e  
visibilidade dessas instituições em relação ao passado. Ainda assim, acredito que elas são  
essenciais para a formação política e crítica das/dos estudantes, promovendo debates e análises  
que ajudam na construção de um/a profissional mais consciente e engajado/a.  
Minha formação política e militância se deram principalmente dentro dessas  
articulações, que me proporcionaram compreensão crítica da sociedade e das questões políticas  
que envolvem nossa atuação. Contudo, sinto uma lacuna nas instituições privadas, onde o  
debate político e social é menos presente, e as/os estudantes saem com uma visão técnica,  
limitada e sem o preparo crítico necessário para enfrentar as complexas realidades sociais.  
Samuel Rabelo: Como o Serviço Social lida com as demandas de travestis e pessoas  
transexuais desde a formação ao fazer profissional?  
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Adriana Lohanna: O Serviço Social ainda tem uma relação muito complicada quando  
se trata de lidar com as demandas de travestis e pessoas transexuais, tanto na formação  
acadêmica quanto no exercício profissional. Eu sou a prova viva disso. O Serviço Social, de  
certa forma, não soube lidar com o meu corpo, com a minha identidade, e isso se refletiu em  
diversas barreiras que eu enfrentei ao longo da minha trajetória. Para vocês terem uma ideia, eu  
Samuel Francisco Rabelo; Adriana Lohanna dos Santos  
sequer consegui realizar o estágio obrigatório, pois, em determinado momento, os espaços de  
Serviço Social não sabiam como lidar com a minha presença como uma pessoa trans.  
Eu ouvi de profissionais da área que seria complicado me oferecer um estágio porque,  
segundo eles, não saberiam como explicar para os usuários que um "homem queria ser mulher".  
Isso foi em 2011, 2012, um período em que a transfobia ainda era muito mais escancarada nos  
espaços institucionais, e o Serviço Social não se eximia desse processo de discriminação. Além  
disso, dentro da própria universidade, eu fui vítima de uma grave violação de direitos humanos.  
Eu passei por situações de discriminação que foram totalmente ignoradas pelo Conselho  
Regional de Serviço Social e pela coordenação do curso. Nada foi feito para reparar ou enfrentar  
essa transfobia institucionalizada. Isso mostra que o Serviço Social, enquanto campo de  
conhecimento e prática, ainda não incorporam de forma efetiva as demandas das pessoas trans.  
As discussões de gênero e diversidade estão presentes, mas de forma muito limitada. O pouco  
que se fala ainda é muito voltado para questões que envolvem pessoas lésbicas, gays e  
bissexuais, mas as questões trans ainda não são debatidas com a profundidade e a urgência que  
deveriam ter. Falta um compromisso real com essa pauta, falta a construção de estratégias  
concretas para garantir que travestis e transexuais tenham acesso à formação acadêmica e ao  
exercício profissional de maneira digna.  
Um dos poucos avanços que podemos reconhecer é a questão do uso do nome social no  
exercício profissional. O fato de conseguirmos, dentro da categoria, a possibilidade de exercer  
a profissão sendo reconhecidos pelo nosso nome social já é um passo importante. Mas isso, por  
si só, não é suficiente. Precisamos que a categoria vá além, que se comprometa com a formação  
de profissionais que compreendam a diversidade de gênero de forma plena, que saibam atender  
a população trans sem reproduzir discriminações e que, acima de tudo, respeitem as identidades  
trans dentro dos próprios espaços de formação e trabalho.  
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O que ainda falta e falta muito é que o Serviço Social realmente se comprometa com  
uma formação de base que tenha o respeito às identidades trans como algo central. Isso significa  
garantir que os cursos de Serviço Social incluam debates sobre a realidade da população trans,  
que os estágios sejam acessíveis para pessoas trans sem que haja discriminação, que as  
instituições que acolhem esses profissionais sejam capacitadas para compreender a diversidade  
e, principalmente, que as/os próprios assistentes sociais sejam formadas/os com um olhar crítico  
sobre as violências que essa população enfrenta.  
Samuel Rabelo: Como podemos avançar nos debates sobre a presença de travestis e  
pessoas transexuais no Serviço Social?  
Libertas, Juiz de Fora, v. 25, n. 1, p. 528-543, jan./jun. 2025. ISSN 1980-8518  
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Adriana Lohanna: Eu acho que, para avançarmos nos debates sobre a presença de  
travestis e pessoas transexuais no Serviço Social, precisamos, antes de tudo, resgatar e  
aprofundar as discussões sobre gênero e orientação sexual. Não adianta discutir a inclusão de  
travestis e transexuais no Serviço Social sem antes desconstruir conceitos basilares, sem  
questionar aquilo que é tomado como natural e imutável. Precisamos desestabilizar conceitos  
que são extremamente caros para a sociedade, como o próprio conceito de sexo. Enquanto  
persistir essa noção hegemônica de que sexo está obrigatoriamente ligado à genitália, enquanto  
houver essa crença de que o que define um homem ou uma mulher é exclusivamente a  
configuração corporal ao nascer, as pessoas jamais conseguirão compreender plenamente a  
transexualidade.  
O Serviço Social ainda é um curso carregado de dogmas, um espaço que, em muitos  
momentos, se mantém preso a ideias arcaicas, permeadas por valores religiosos e concepções  
retrógradas sobre gênero e sexualidade. E isso se reflete diretamente na forma como a categoria  
trata ou melhor, negligencia as questões trans. Para que esse cenário mude, é fundamental  
uma atuação firme e incisiva das entidades representativas da categoria, das universidades e  
dos espaços de formação. Precisamos garantir que o debate sobre diversidade sexual e de gênero  
seja um pilar central dentro do Serviço Social, e não apenas um tópico periférico que aparece  
em momentos pontuais.  
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O primeiro passo para isso é construir um debate sólido sobre o que é gênero.  
Precisamos retomar perspectivas como a de Simone de Beauvoir, que já nos ensinava que  
ninguém nasce mulher, torna-se mulher. O mesmo vale para os homens. A identidade de gênero  
não é um dado biológico, mas sim uma construção social. Só conseguiremos avançar no debate  
sobre a presença de pessoas trans no Serviço Social se fizermos esse movimento de  
reconstrução teórica, se questionarmos as bases sobre as quais as identidades de gênero foram  
historicamente construídas. Além disso, é urgente que o Serviço Social abandone de vez a noção  
equivocada de que sexo e genitália são sinônimos. Enquanto essa visão reducionista continuar  
sendo reproduzida, a transfobia seguirá presente dentro da categoria. Precisamos que o Serviço  
Social tome para si o compromisso de enfrentar essas concepções excludentes, promovendo  
uma formação que prepare assistentes sociais para compreender a diversidade de forma ampla  
e aprofundada.  
E, acima de tudo, o que deve estar no centro desse debate é o respeito. Respeitar as  
pessoas pelo que elas são, pela forma como se identificam, e não pelo que se presume delas  
com base em uma visão limitada e biologizante. A educação é a chave para transformar esse  
Samuel Francisco Rabelo; Adriana Lohanna dos Santos  
cenário, e o Serviço Social, como uma área voltada para a garantia de direitos e para a promoção  
da justiça social, tem o dever de assumir essa luta.  
Para superar essas dificuldades, tive que me fortalecer internamente, buscar apoio nas  
minhas próprias vivências, pois durante um tempo estive sozinha naquele espaço. A luta não  
foi só minha, mas de todas as pessoas trans que chegaram antes de mim, que abriram o caminho  
e que, de alguma forma, me ajudaram a resistir e a conquistar espaços. A minha jornada também  
foi sobre visibilidade, mostrar que somos capazes de ocupar espaços de poder, de produção de  
conhecimento e de transformação social. Eu sabia que, se eu conquistasse esse espaço, não seria  
só para mim, mas para todas as mulheres trans, para que nossa existência fosse reconhecida e  
validada.  
Eixo 9: Futuro, sonhos e continuidade da luta.  
Samuel Rabelo: Quais são seus planos e sonhos para os próximos anos, tanto na sua  
vida pessoal quanto na militância, e como você enxerga a continuidade da luta de mulheres  
trans e travestis no futuro, especialmente o papel da próxima geração nesse processo, deixando  
uma mensagem para as novas gerações que buscam ocupar espaços acadêmicos, políticos e  
sociais?  
Adriana Lohanna: Meus planos para os próximos anos envolvem uma continuidade  
no desenvolvimento da minha trajetória tanto na educação quanto na militância. Um dos meus  
maiores sonhos é avançar para o doutorado, mas também desejo estar ativamente envolvida na  
construção de espaços de militância que possam atuar com profundidade nas questões que  
afetam nossas vidas. Acredito que devemos trabalhar para criar instituições e movimentos  
sociais que não apenas discutam nossas questões, mas que as compreendam de uma forma mais  
ampla, com o intuito de transformar a sociedade. Para isso, é preciso continuar fortalecendo a  
educação popular, porque ela tem o poder de conectar o saber acadêmico à realidade das ruas e  
das vivências diárias das pessoas. Acredito que é urgente que a sociedade compreenda a  
diversidade de nossas identidades, e que o conhecimento acadêmico e científico, muitas vezes  
distante das realidades da população, se aproxime das lutas sociais, promovendo o  
entendimento e o respeito.  
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O futuro da nossa luta, na minha visão, é um cenário onde as pessoas não questionem  
mais sobre a cirurgia de redesignação sexual ou sobre como definimos nossos corpos. A  
sociedade precisará, finalmente, reconhecer nossa identidade sem estar preocupada com o que  
temos entre as pernas ou com as mudanças no corpo. Precisamos de um futuro em que as  
pessoas vejam nossa humanidade, nossa essência, e nos respeitem pelo que somos e não por  
Libertas, Juiz de Fora, v. 25, n. 1, p. 528-543, jan./jun. 2025. ISSN 1980-8518  
Filha de Xica Manicongo: entrevista com Adriana Lohanna dos Santos  
uma norma pré-estabelecida que ainda está presente em muitos discursos sociais. Esse futuro  
será possível quando a sociedade deixar de associar nossas identidades de gênero a uma  
concepção restrita de sexualidade, permitindo que possamos existir sem a necessidade de  
justificativas externas sobre quem somos.  
Para as novas gerações de mulheres trans e travestis, vejo um papel fundamental de  
continuidade e evolução. Elas herdarão as lutas e conquistas, mas também terão a  
responsabilidade de expandir essas vitórias. A próxima geração deve entender o que já foi  
conquistado por todas as que vieram antes e como nossa história, marcada por resistências e  
vitórias, precisa ser preservada e transmitida. O desafio delas será garantir que nossa luta não  
retroceda, mas que avance, transformando a sociedade e os espaços que ocupamos, e garantindo  
que as futuras gerações conheçam e respeitem nossa história. É essencial que as novas gerações  
de mulheres trans e travestis se apropriem de seus direitos e ocupem os espaços acadêmicos,  
políticos e sociais com coragem e força, lembrando sempre que o acesso que têm hoje foi  
conquistado com muito esforço por aqueles que vieram antes delas.  
Para aquelas que estão entrando agora no ambiente acadêmico, deixo uma mensagem  
de força: não se esqueçam de que o acesso que vocês têm hoje é resultado da luta de muitas  
pessoas que enfrentaram preconceitos e barreiras. O caminho não é fácil, mas a presença de  
vocês é fundamental. Continuem a luta para concluir seus mestrados, doutorados e graduações,  
e, principalmente, tragam para a academia a nossa visão, nossas vivências e nossas resistências.  
É crucial que nossa história seja registrada, pesquisada e discutida dentro dos espaços  
acadêmicos. A academia tem o poder de dar visibilidade às nossas vivências, mas é necessário  
que sejamos nós mesmas a narrar nossas histórias, para que o mundo entenda que existimos e  
que nossa luta é legítima.  
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No campo político, sabemos que ainda temos um longo caminho pela frente. Temos  
conquistado alguns espaços no legislativo, mas o grande desafio é ocupar os espaços do  
executivo. Precisamos ter pessoas trans e travestis não apenas na câmara dos vereadores, mas  
também nas prefeituras, governos estaduais e, quem sabe, na presidência da república. Esse é  
um objetivo audacioso, mas possível, e é importante que nós, mulheres trans, possamos ter  
coragem para enfrentar essa batalha. Não basta ocupar os espaços, precisamos construir uma  
presença sólida e garantir que nossas pautas sejam debatidas e respeitadas em todas as esferas  
políticas.  
Acredito que, com coragem e determinação, podemos chegar a um ponto onde uma  
pessoa trans ocupe cargos de poder de forma natural, sem que a sua identidade seja um  
obstáculo. Seria um marco na nossa história, uma forma de garantir que nossa luta não tenha  
Samuel Francisco Rabelo; Adriana Lohanna dos Santos  
sido em vão e que nossa presença na política, assim como em todas as áreas da sociedade, seja  
definitiva. Para isso, as novas gerações precisam se engajar, se organizar politicamente e ocupar  
os espaços de poder, construindo um caminho que permita a visibilidade e o respeito pelas  
nossas identidades.  
Samuel Rabelo: Pergunta Chave: Como existir quanto a vida está em constante  
suspensão?  
Adriana Lohanna: Existir resistindo. Para mim, a autenticidade vem quando somos  
verdadeiras conosco mesmas, quando nossas ações, nossos sentimentos, refletem exatamente  
quem somos, e não o que os outros esperam de nós. A autenticidade, na minha perspectiva, não  
é algo que vem de agradar os outros ou de viver a partir das expectativas alheias. É sobre ser  
fiel ao que sonhamos, ao que almejamos, ao que temos certeza de que somos. Só assim,  
podemos realmente viver, sem mascarar nossa essência.  
A resistência, para mim, não é apenas uma luta externa contra o preconceito ou a  
violência. A resistência é interna também, é a coragem de levantar todos os dias e olhar para o  
que podemos fazer para avançar. A resistência é o reconhecimento de que o que fazemos hoje,  
por mais simples que pareça, pode ser o passo que abre portas para outra pessoa amanhã, alguém  
que vai olhar para nossa caminhada e ver que existe a possibilidade de resistir. Que, apesar de  
tudo, a vida pode ser vivida plenamente, com dignidade. Nunca desisti, porque resistir não é  
desistir. Não é deixar que o peso do mundo nos derrube, é encontrar forças onde parece não  
haver mais, é seguir em frente, um passo de cada vez, sempre com a consciência de que nossa  
luta é coletiva.  
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E, nesse viver, a vida também é política. Tudo o que fazemos, tudo o que somos, se  
reflete em nossa luta pela transformação. Desde a convivência com o vizinho até o colega da  
faculdade ou o colega de trabalho, cada pequeno gesto conta. Através de nossas ações, estamos  
ensinando o mundo sobre quem somos. Eu sempre tento mostrar, a cada pessoa com quem me  
cruzo, que, como trans, sou humana, sou um ser como qualquer outro. Tenho direito de existir,  
de ser amada, de trabalhar, de viver sem ser questionada pela minha identidade. Essa é uma luta  
constante, que não é apenas sobre estar presente, mas sobre estar plenamente visível, sobre  
conquistar o direito de ser vista como qualquer outra pessoa.  
Somos trans, mas antes de qualquer coisa, somos pessoas. Pessoas com direitos, com  
deveres, com sentimentos, com sonhos. Somos humanos. O maior desafio é mostrar para a  
sociedade que, como qualquer outra pessoa, também temos o direito de existir sem ser  
marginalizadas, sem ser invisibilizadas. E isso é um processo contínuo, de mostrar para cada  
Libertas, Juiz de Fora, v. 25, n. 1, p. 528-543, jan./jun. 2025. ISSN 1980-8518  
Filha de Xica Manicongo: entrevista com Adriana Lohanna dos Santos  
um que passamos pelo mundo como seres humanos plenos, com tudo o que isso envolve —  
com nossas dificuldades, com nossas conquistas, com nossas vitórias e nossas dores.  
E quando penso no que estamos construindo para o futuro, fico esperançosa, mas  
também consciente de que o caminho ainda é longo. O que fazemos hoje não é só para nós, mas  
para que outras pessoas, no futuro, não precisem passar pelas mesmas dificuldades, para que  
possam viver suas identidades com mais liberdade. A nossa luta não é só nossa, é para todas as  
futuras gerações que precisam ver que o direito de existir e viver de forma autêntica é algo que  
pertence a todos, sem exceção. E o nosso papel é mostrar que podemos ocupar todos os espaços  
acadêmicos, políticos, sociais e ser respeitadas da mesma forma que qualquer outra  
pessoa.  
Samuel Rabelo: Adriana, conte sempre conosco. Muito obrigado pela entrevista!  
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