Desigualdade no acesso ao saneamento básico  
no Brasil: questão social e a dimensão de gênero  
Inequality in access to sewerage in Brazil:  
social issue and the gender dimension  
Isabel Jardin do Nascimento Andrade*  
Resumo: O direito à água e ao saneamento  
básico, entendidos como direitos humanos, são  
de fundamental importância quando observado  
o cenário de promoção de direitos da classe  
trabalhadora no Brasil. Através de um  
referencial histórico-crítico, ancorado na  
metodologia dialética de análise do real em sua  
totalidade, propõe-se neste trabalho inserir a  
falta de acesso a um serviço de saneamento  
básico de qualidade, aqui entendido no conjunto  
maior do abastecimento de água e coleta e  
tratamento de esgotamento sanitário, como uma  
expressão da questão social no contexto da  
formação social brasileira, e explicitar como a  
proposta de privatização do serviço de  
saneamento operada através da Lei nº  
14.026/2020 tem o condão de aprofundar as  
condições de desigualdade em seu acesso. Além  
disso, procurou-se demonstrar, através da  
análise da dimensão de gênero, como estas  
condições de fruição do serviço em pauta  
afetam, de formas distintas, mulheres, meninas  
e pessoas LGBTQIAPN+, e como a exclusão  
associada à água e ao saneamento básico conduz  
à exclusão de vários outros direitos.  
Abstract: The right to water and sewerage,  
determined as a human right, is of essential  
importance when observed the scenario of  
working-class rights promotion in Brazil.  
Through  
a
historical-critical framework,  
anchored in the dialectical methodology of  
analysis of the reality in its totality, this work  
proposes to insert the lack of access to a quality  
basic sewerage, here understood in the greater  
set of water supply and collection and treatment  
of sanitary sewage, as an expression of the  
social question in the context of Brazilian social  
formation, and how the proposal for  
privatization of the sanitation service operated  
through Law no 14.026/2020 has the merit of  
deepening the conditions of inequality in its  
access. In addition, through the analysis of the  
gender dimension, it was tried to demonstrate  
how these conditions of service enjoyment  
affect, in different ways, women, girls and  
LGBTQIAPN+ comunnity, and how the  
exclusion associated with water and sanitation  
leads to the exclusion of several other rights.  
Palavras-chaves: Saneamento básico; Questão  
Keywords: Sewerage; Social Issue; Gender  
Social; Desigualdade de gênero.  
inequality.  
* Universidade do Estado do Rio de Janeiro. E-mail: isabel.jardin.andrade@gmail.com  
DOI: 10.34019/1980-8518.2025.v25.47731  
Esta obra está licenciada sob os termos  
Recebido em: 09/03/2025  
Aprovado em: 18/06/2025  
Desigualdade no acesso ao saneamento básico no Brasil: questão social e a dimensão de gênero  
Introdução  
O saneamento básico pode ser enxergado como o serviço público de maior impacto na  
vida cotidiana. Sua presença no dia a dia é tão demasiadamente estruturante do processo de  
reprodução social que, na grande maioria das vezes, só se dá conta da falta descomunal que ele  
faz quando sua prestação começa a falhar. A deficiência na prestação do serviço de saneamento  
básico (aqui compreendido dentro do conjunto maior do serviço de abastecimento de água  
potável e coleta e tratamento de esgoto sanitário)1 ameaça e sobremaneira inviabiliza o direito  
à vida.  
O direito humano à água e ao saneamento básico (Heller, 2022) é “mais um direito que  
passa a ser reconhecido na arena internacional como fruto das mobilizações e demandas  
populares”2 (Vannuchi, 2022, p. 17). O marco legal apto a reconhecer a água e o saneamento  
básico como direitos humanos, fundamentais e universais deu-se apenas em 2010, por meio da  
Resolução da Assembleia Geral da ONU nº 64/2923, que estabeleceu “o direito à água potável  
e limpa e o direito ao saneamento como direito humano que é essencial para o pleno gozo da  
vida e de todos os direitos humanos” (ONU, 2010, p. 3, tradução nossa). A Constituição Federal  
de 1988, apesar de já reconhecer, por ocasião de sua publicação, direitos sociais como a  
alimentação, o trabalho, a moradia, a saúde, a assistência, a previdência, etc., não inseriu o  
acesso à água no mesmo rol.  
321  
É, portanto, dentro desse contexto, que devemos compreender o direito humano à água  
e ao saneamento básico como uma categoria universalizante de direitos, cuja existência está  
diretamente ligada à lógica da exploração capitalista. Assim, pode-se afirmar que a falta de  
acesso a um serviço de saneamento básico de qualidade pode ser considerada uma expressão  
da questão social. Neste sentido, é importante destacar, ainda, que a falta de acesso a um serviço  
de saneamento básico de qualidade atinge, de formas distintas, homens e mulheres.  
Discutir a política de saneamento básico, portanto, sob a dimensão de gênero mostra-se  
fundamental para a pauta de universalização do serviço no Brasil, pauta esta que fundamentou  
a construção da Lei nº 14.026/2020 que pretendeu impor mudanças na regulação do setor de  
1 De acordo com a Lei nº 11.445 de 2007 (Marco Legal do Saneamento Básico, alterada pela Lei nº 14.026/2020)  
a expressão “saneamento básico” engloba quatro grandes componentes: o abastecimento de água potável, a coleta  
e tratamento do esgoto sanitário, a limpeza urbana e o manejo de resíduos sólidos e a drenagem pluvial e o manejo  
das águas pluviais urbanas.  
2 A Bolívia enfrentou o que se conhece por “Guerra da água de Cochabamba”, que representou um levante popular  
que logrou êxito na expulsão de uma transnacional que assumira a gestão dos serviços de abastecimento de água  
e coleta de esgoto sanitário na cidade de Cochabamba, na Bolívia, com a população reivindicando a reestatização  
da prestação do serviço após os efeitos nefastos de sua privatização, tais como o aumento de mais de 100% nas  
tarifas de água e esgoto, além do desabastecimento nas regiões mais pobres da cidade, que já era afetada pela  
escassez de água devido a suas características geográficas (Portugal, 2007; Drummond, 2015; Pfrimer, 2008).  
3 Instrumento proposto por iniciativa do Estado da Bolívia.  
Isabel Jardin do Nascimento Andrade  
saneamento básico no país com o objetivo maior de ampliar a participação da iniciativa privada  
na prestação do serviço público, extinguindo a figura dos contratos de programa, convênios e  
termos de parceria que celebravam, até então, as empresas públicas de saneamento municipais  
e estaduais com o poder executivo, e também questionando a viabilidade econômico-financeira  
destas mesmas empresas.  
A lei alterou, ainda, o regime tarifário das concessionárias, permitindo a aplicação do  
modelo de autossustentação, que é aquele no qual a própria tarifa paga pelo consumidor final é  
a responsável por financiar toda a prestação do serviço, sustentando também os lucros e  
dividendos que são repassados aos acionistas destas empresas que agora assumem a prestação  
do serviço. Este modelo tem como tendência elevar de forma desproporcional as tarifas pagas  
pelo usuário, principalmente nas regiões em que a arrecadação é insuficiente para manter todos  
os custos da prestação eficiente dos serviços.  
Assim, a alteração da Lei nº 11.445/2007 pela Lei nº 14.026/2020, em plena pandemia  
de COVID-19, aprovada às pressas e sem participação popular ou controle social, representa a  
orientação do projeto político que vem sendo orquestrado para o Brasil, fundamentado na  
ofensiva ideológica do neoliberalismo e do conservadorismo, que procura sempre ofuscar o  
papel do Estado como responsável pela execução de políticas públicas de impacto. É assim que  
podemos reafirmar, a partir da materialidade da proposta de privatização do serviço de  
saneamento básico operado pela nova lei, que o Estado compõe a instituição que, no contexto  
do capitalismo monopolista, exerce a função de garantir e manter a dominação e a exploração  
de classe.  
322  
Além disso, observar a história da construção da política de saneamento básico no Brasil  
significa observar a própria história da formação social brasileira, na medida em que o  
saneamento “associa diferentes dimensões da realidade”, mas está especialmente ligado – e é  
fator determinante – à política de saúde, ainda que o saneamento tenha, em relação àquela, um  
“desenvolvimento muito mais incipiente [...] em que pesem as consequências para a saúde das  
inadequadas condições de saneamento” (Menicucci; D’Albuquerque, 2018, p. 9).  
Breve histórico do desenvolvimento da política de saneamento básico no Brasil  
É importante destacar que, até a atualidade, o saneamento básico vem sendo enxergado  
de um ponto de vista muito mais tecnocêntrico do que do ponto de vista político, de maneira  
que a falta de uma visão globalizante e interdisciplinar do serviço, enquadrando-o em uma  
“moldura política”, falha em garantir a percepção multidimensional da política pública,  
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necessária à tomada de decisão e ações essenciais à universalização do serviço de saneamento  
no espaço rural e urbano (Britto; Lima; Heller; Cordeiro, 2012).  
Na trajetória da construção da política de saneamento básico no Brasil, é possível  
observar dois momentos distintos: o primeiro, em que o saneamento era visto de forma  
imbricada à política de saúde pública e um segundo, mais voltado para a consolidação de fato  
de uma política pública exclusivamente voltada ao saneamento básico, entendido aqui no  
conjunto maior do serviço de abastecimento de água potável e na coleta de esgotamento  
sanitário.  
As ações voltadas para o abastecimento de água e o esgotamento sanitário no país datam  
do Brasil colonial. De acordo com Fonseca e Prado Filho (2006, p. 12), “o controle sobre o uso  
da água foi inerente ao processo colonizador dos portugueses, variando conforme as  
conjunturas sociais, políticas, econômicas e ambientais.” Neste período, a água estava associada  
à exploração do ouro, e a coroa portuguesa se ocupou de instituir lei, aplicar multas e  
penalidades à quem desviasse a finalidade da água do enriquecimento dos colonizadores  
(Fonseca; Prado Filho, 2006, p. 12). Com o advento da urbanização, já nos séculos XVIII e  
XIX, conforme explicam Murtha, Castro e Heller (2015, p. 196),  
Os chafarizes ganharam importância [...], propiciando o abastecimento  
comunitário e gratuito de água à população. Rio de Janeiro, Vila Rica,  
Salvador, Recife e outras cidades coloniais implantaram redes de chafarizes,  
bicas e fontes públicas, em que o acesso era livre e de onde escravos se  
encarregavam do transporte até as residências, evidentemente para os que  
tinham capacidade econômica para possuí-los. Para estes, o transporte e  
destinação final de excretas era feito por escravos, pejorativamente chamados  
de tigres, em vasilhames para o mar ou para valas, atividade comum, mesmo  
no Rio de Janeiro de meados do século XIX.  
323  
A partir do final do século XIX houve, então, uma integração entre as ações de  
saneamento e saúde, com o objetivo de enfrentar as epidemias que assolavam as áreas  
urbanizadas, com o Estado assumindo a responsabilidade sobre o saneamento básico nas  
maiores cidades do país, seguindo um modelo europeu de infraestrutura – especificamente o  
modelo inglês - fundado nas concessões de serviços públicos a empresas privadas (Britto,  
2012). Como consequência desse modelo de gestão, somado ao gradual desmantelamento dos  
chafarizes públicos, ocorreu a “concentração dos serviços nas regiões com consumidores com  
capacidade de pagamento, deixando de fora grande parte da população” (Menicucci;  
D’Albuquerque, 2018, p. 11).  
No entanto, conforme explicam Murtha, Castro e Heller (2015, p. 200-201),  
Do mesmo modo que a onda de concessões de serviços sanitários a  
companhias privadas no Brasil coincidiu com a modalidade e modus operandi  
europeu e estadunidense em meados do século XIX, ao final do século e início  
Isabel Jardin do Nascimento Andrade  
do século XX, também consoante com os movimentos nos países centrais, a  
onda refluiria.  
Assim, a partir da primeira metade do século XX, a responsabilidade sobre os serviços  
de saneamento básico passa a ser do Estado, tendência que se seguiria até a década de 1990.  
Neste mesmo período, entre 1902 e 1906, consolida-se, especialmente na cidade do Rio de  
Janeiro, até então capital federal, propostas de reformas higienistas. O governo do então  
presidente Rodrigues Alves iniciou um trabalho organizado em três frentes principais: a reforma  
urbana - através da derrubada dos cortiços que existiam na região central - a modernização do  
porto e o melhoramento da estrutura de saneamento básico, com a finalidade de erradicar as  
epidemias oriundas da falta de estrutura sanitária como a varíola, a febre amarela e a peste  
bubônica, demonstrando a imbricação de saneamento e saúde pública que subsistiria no país  
até pelo menos a década de 1930.  
A partir do início do primeiro governo Vargas, num contexto de centralização e  
nacionalismo, publica-se o Código de Águas, em 1934, considerado o primeiro marco  
regulatório da gestão das águas no Brasil. Naquele momento, “o projeto político e econômico  
hegemônico preconizava a industrialização induzida pelo Estado e, para tal, o controle e uso  
dos recursos naturais do país [...] tornaram-se essenciais” (Murtha; Castro; Heller, 2015, p.  
204). O código tinha por objetivo estabelecer o controle da União sobre o setor de energia  
elétrica (já que as usinas hidrelétricas representam ao menos 64% da produção de eletricidade  
no país) (Energia [...], 2023) e naquele momento mostrava-se o carro chefe da economia  
nacional. Neste instrumento normativo, o direito de propriedade já vinha sido colocado acima  
do direito de uso da água, como demonstra a letra do art. 8º, que diz “São particulares as  
nascentes e todas as águas situadas em terrenos que também o sejam, quando as mesmas não  
estiverem classificadas entre as águas comuns de todos, as águas públicas ou as águas comuns”  
(Brasil, 1934, n.p.).  
324  
A ampliação da cobertura dos serviços de saneamento básico no Brasil deu seu primeiro  
grande salto sob a égide dos governos militares, a partir de 1964, afastando-se de vez do campo  
da saúde pública e das ações sanitárias de caráter eminentemente preventivo (Oliveira e  
Teixeira, 1986 apud Britto, 2012). O Plano Nacional de Saneamento do Brasil, PLANASA, foi  
uma primeira tentativa de organizar o setor no país. Até então, os serviços de saneamento  
ficavam a cargo dos poderes municipais; no entanto, desde 1962, as empresas estaduais de  
saneamento já operavam através da metodologia de subsídios cruzados, e o PLANASA veio  
definir incentivos para que os municípios, então, transferissem o direito de exploração dos  
serviços de saneamento para as companhias estaduais, garantindo, para tanto, empréstimos do  
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Desigualdade no acesso ao saneamento básico no Brasil: questão social e a dimensão de gênero  
Banco Nacional de Habitação (Calisto, 2023). Britto, Lima, Heller e Cordeiro (2012, p. 69)  
explicam que  
O Plano focalizava as regiões de economia mais dinâmica do País, que  
correspondiam às macrorregiões Sudeste e Sul, além das capitais da federação.  
Contudo, mesmo nos ditos centros urbanos economicamente proeminentes, a  
predominância de investimentos não foi capaz de ampliar o escopo de  
abrangência das ações de saneamento.  
Então, é correto afirmar que, se por um lado o PLANASA representou um avanço na  
cobertura dos serviços de saneamento básico no país (com o esgotamento sanitário em menor  
grau que o abastecimento de água), foi ele também o principal responsável pelo  
aprofundamento das desigualdades sociais oriundas da exclusão sanitária, já que aquela parcela  
da população que não podia pagar pelas ligações residenciais de água, residentes nas periferias  
urbanas e na zona rural esquecida do país, ficariam de fora dos resultados projetados pelo plano.  
Além disso, a gestão do PLANASA desconsiderou que o aumento das conexões residenciais de  
água viria acompanhada do aumento da quantidade de esgoto não coletado corretamente e  
lançado in natura no ambiente, ampliando problemas de saúde pública exatamente nas regiões  
onde o plano não se preocupou em produzir seus efeitos (Rezende; Heller, 2008 apud Britto;  
Lima; Heller; Cordeiro, 2012).  
Este modelo de exclusão se perpetuou, e inclusive se aprofundou nos anos que se  
seguiram. Com os efeitos da crise estrutural do modo de produção capitalista que começou a  
tomar lugar a partir da década de 19704, o plano perde força e não é mais tratado como  
prioridade dos governos seguintes. Com a promulgação da carta constitucional de 1988, pouco  
se avançou no debate sobre a política pública de saneamento, e entre as décadas de 1990 e 2000,  
a partir do avanço do neoliberalismo no país, insistia-se na privatização das companhias estatais  
que dominavam o cenário da prestação do serviço até então. Sobre este período, Menicucci e  
D’Albuquerque (2018, p. 16) explicam que  
325  
[...] é caracterizado por projetos de privatização das empresas públicas  
concomitantemente ao enfraquecimento da política nacional de saneamento,  
sob alegação de ampliar o investimento e universalizar o sistema de  
saneamento. Essa posição, fortemente incentivada pelas agências  
internacionais de fomento (Banco Mundial e Banco Interamericano,  
principalmente), teve grande defesa do presidente Fernando Henrique.  
No entanto, ainda de acordo com as autoras, esses projetos voltados para o  
fortalecimento das ações de privatização do setor encontraram resistência na sociedade civil,  
principalmente através de questionamentos e contestações de iniciativa da Frente Nacional de  
Saneamento Ambiental (FNSA), criada em 1997 e formada por, entre outros, setores sindicais,  
4 Sobre este tópico, ver: Carcanholo, (2010); Netto e Braz (2012); Netto (2012); Nozaki (2021); Oliveira (2023).  
Isabel Jardin do Nascimento Andrade  
movimentos sociais e organizações da sociedade civil, além de também enfrentarem resistência  
por parte das companhias estaduais, governadores e organizações representativas dos serviços  
municipais de saneamento.  
A partir do primeiro governo Lula, o saneamento passa a ser considerado uma das  
prioridades da agenda governamental, com o aumento da participação popular na construção  
de uma política pública de fato destinada ao setor. É então que finalmente se materializa um  
marco legal para a política de saneamento, através da publicação da Lei nº 11.445/2007  
(LDNSB) que “define as diretrizes nacionais, no marco das quais deverão ser prestados os  
serviços de saneamento” e que “pode ser considerada uma referência fundamental para a  
construção de um modelo de gestão mais integrado e intersetorial” (Britto; Lima; Heller;  
Cordeiro, 2012, p. 73). Porém, este processo não ocorreu sem a presença de ações contraditórias  
voltadas à satisfação dos interesses do capital. Heller e Castro (2015, p. 285) explicam que,  
especialmente durante os dois primeiros governos Lula,  
[...] observa-se a popularização do paradigma de avaliação de gestão  
representado pelos “prêmios de qualidade” [...] nos quais se privilegia um  
olhar a partir da lógica da “eficiência empresarial”, possivelmente refletindo  
a pressões sofridas pelo país desde meados da década de 1990 para a  
transformação dos fundamentos e bases organizativas do setor. A visão  
empresarial aplicada aos serviços de saneamento é coerente com as tentativas  
de substituir o princípio desses serviços como direito social da cidadania, e  
que, portanto, devem responder aos interesses e demandas sociais, por  
princípios mercantis, em que o ator interpelado é o(a) consumidor (a) ou o  
cliente, e não o(a) cidadão (ã) portador(a) de direitos, ou seja, valorizando a  
ponta da oferta em detrimento da visão da demanda pelos serviços e  
subordinando as necessidades sociais aos requerimentos de eficiência  
empresarial (grifo nosso).  
326  
Para Britto e Rezende (2017, p. 563), no decorrer dos governos Lula e Dilma foi a  
contradição se dá ao ser possível verificar que houve “[...] avanços no sentido de se construir  
uma política universalista e democrática” do saneamento básico, porém também um  
“movimento através do qual a participação privada e a lógica de mercantilização no saneamento  
saem fortalecidos, beneficiados pelo acesso aos recursos públicos.”  
Por fim, num contexto do pós-golpe institucional sofrido por Dilma Rousseff, e da  
eleição de Jair Messias Bolsonaro, que representou, conforme Avritzer (2019, p. 168), “a  
consequência das formas de degradação institucional consolidadas na conjuntura pós-  
impeachment”, o setor de saneamento foi definitivamente entregue à iniciativa privada, através  
da edição da Lei nº 14.026/2020, aprovada em regime de urgência no Congresso Nacional, em  
votação remota em plena pandemia de COVID-19, sem participação popular e sem discussão e  
Libertas, Juiz de Fora, v. 25, n. 1, p. 320-337, jan./jun. 2025. ISSN 1980-8518  
Desigualdade no acesso ao saneamento básico no Brasil: questão social e a dimensão de gênero  
controle social por parte dos atores interessados, com votos favoráveis da ampla maioria dos  
congressistas.  
A despeito de uma análise pormenorizada da nova lei, é possível afirmar que apesar de  
vendida sob a falácia da “universalização”, que se mantém como argumento para a entrega do  
serviço de saneamento à iniciativa privada desde o governo FHC, a nova lei vem mascarar o  
intensificação da mercantilização da natureza operada pelo Estado e pelo modo de produção  
capitalista no Brasil, invisibilizando as questões que decorrem da financeirização de bens  
essenciais à reprodução social da classe trabalhadora.  
Além disto, é necessário enxergar os efeitos da privatização do serviço de saneamento  
básico, no sentido de promover ainda mais a exclusão sanitária, e enxergando-o em um contexto  
intersetorial com as políticas de desenvolvimento urbano e regional, de combate à pobreza e  
sua erradicação, de habitação, promoção e proteção da saúde, podemos afirmar que a falta de  
acesso a um serviço de saneamento básico de qualidade constitui-se como mais uma expressão  
da questão social no Brasil, tópico que passaremos a analisar adiante.  
A falta de acesso ao saneamento básico enquanto expressão da questão social  
A existência da questão social é indissociável do processo de acumulação capitalista.  
Suas determinações estruturais e históricas, especialmente aquelas ligadas à exploração do  
trabalho, à propriedade privada dos meios de produção e à divisão social de classes, que  
articulam elementos postos na realidade material, estão presentes na gênese e desenvolvimento  
da condição de exploração da classe trabalhadora, inserida no contexto da luta de classes. Suas  
múltiplas manifestações são as formas pelas quais as contradições inerentes ao modo de  
produção capitalista se materializam na concretude do cotidiano de sujeitos e grupos sociais.  
Conforme explica Lukács, “após o surgimento da economia marxista, seria impossível ignorar  
a luta de classes como fato fundamental do desenvolvimento social” (1992, p. 123).  
Além disso, a questão social se reflete na intervenção do Estado, que, por meio de  
políticas públicas e mecanismos de repressão, prioriza os interesses da classe dominante, ainda  
que eventualmente implemente políticas sociais que desempenham a função de mediação das  
demandas da classe trabalhadora. Octávio Ianni compreende que  
327  
Vista [...] em perspectiva histórica ampla, a sociedade em movimento  
apresenta-se como uma vasta fábrica das desigualdades e antagonismos que  
constituem a questão social. A prosperidade da economia e o fortalecimento  
do aparelho estatal parecem em descompasso com o desenvolvimento social  
(Ianni, 2004, p. 92-93).  
Isabel Jardin do Nascimento Andrade  
Assim, Montaño (2012) esclarece que é possível enxergar momentos distintos do  
desenvolvimento da questão social dentro do avanço do modo de produção capitalista;  
inicialmente, a questão social e suas manifestações eram enxergadas como fatos isolados,  
acontecimentos naturais gerados pelo comportamento dos sujeitos que por elas eram afetados;  
num segundo momento, a questão social passa a ser “internalizada na ordem social” não mais  
como consequência exclusiva do comportamento do sujeito mas como um problema decorrente  
do subdesenvolvimento social e econômico, passando a ser tratada através de políticas sociais  
estatais, de maneira segmentada (Netto, 1992).  
Contemporaneamente, para se realizar uma conceituação histórico-crítica da questão  
social, alinhada ao referencial teórico-metodológico marxista, é necessário entendê-la como  
uma manifestação própria do modo de produção capitalista, constituída através da relação  
capital-trabalho e suas refrações e contradições no interior da luta de classes; assim, a questão  
social entendida no contexto do capitalismo monopolista “expressa a relação entre classes (e  
seu antagonismo de interesses) conformadas a partir do lugar que ocupam e o papel que  
desempenham os sujeitos no processo produtivo” (Montaño, 2012. p. 280).  
É assim que compreendemos, conforme Iamamoto e Carvalho (2014, p. 85) que  
A questão social não é senão as expressões do processo de formação e  
desenvolvimento da classe operária e de seu ingresso no cenário político da  
sociedade, exigindo seu reconhecimento como classe por parte do  
empresariado e do Estado. É a manifestação, no cotidiano da vida social, da  
contradição entre o proletariado e a burguesia, a qual passa a exigir outros  
tipos de intervenção, mais além da caridade e repressão.  
328  
Assim também demonstra José Paulo Netto quando aduz que  
O desenvolvimento capitalista produz, compulsoriamente, a “questão social”  
– diferentes estágios capitalistas produzem diferentes manifestações da  
“questão social”; esta não é uma sequela adjetiva ou transitória do regime do  
capital: sua existência e suas manifestações são indissociáveis da dinâmica  
específica do capital tornado potência social dominante. A “questão social” é  
constitutiva do desenvolvimento do capitalismo. Não se suprime a primeira  
conservando-se o segundo (Netto, 2001, p. 45).  
Entretanto, a questão social não se expressa de maneira homogênea em todos os lugares.  
Para compreender suas particularidades no Brasil, é necessário analisar as características que  
assume quando observada num contexto de capitalismo periférico e dependente, tal qual o caso  
brasileiro (Yazbek, 2021).  
Para além das análises e conceitos clássicos deste fenômeno, é importante compreender  
como se dá o movimento das contradições sociais dentro da dinâmica de acumulação do capital,  
com a finalidade de apropriar-nos de fato da dinâmica dos elementos constitutivos da questão  
social no Brasil. Desta forma,  
Libertas, Juiz de Fora, v. 25, n. 1, p. 320-337, jan./jun. 2025. ISSN 1980-8518  
Desigualdade no acesso ao saneamento básico no Brasil: questão social e a dimensão de gênero  
[...] é salutar a busca pelas suas expressões [da questão social], centradas nas  
investigações sobre as particulares contradições entre o capital e o trabalho  
em cada formação social, subordinada à dinâmica do valor. Em outras  
palavras, é necessário buscar, na realidade concreta, as diferencialidades que  
constituem singularidades face ao caráter universal do antagonismo entre as  
classes exploradas e as exploradoras (Souza; Teles, 2021, p. 48).  
Logo, buscar entender os múltiplos processos que constituem as relações capitalistas no  
interior da realidade social brasileira se mostra essencial para analisar suas expressões  
contemporâneas. É deste modo que entendemos que “a caracterização da “questão social”, em  
suas manifestações já conhecidas e em suas expressões novas, tem de considerar as  
particularidades histórico-culturais e nacionais” (Netto, 2012, p. 48-49).  
Assim, pensar a questão social e suas determinações características no caso brasileiro  
pressupõe apreender a formação da sociedade capitalista e da autocracia burguesa5 no país.  
Nesse sentido, conforme analisa Fernandes (2020), é necessário compreender que a formação  
social da burguesia nacional se deu de forma “incompleta”, através de uma adaptação  
conservadora que manteve hierarquias sociais e econômicas que fundamentam as formas de  
exclusão de classe que são particulares ao país, já que não houve um processo de ruptura com  
as estruturas de dominação e exploração presentes já no período colonial e escravista.  
Já na transição para o capitalismo dependente, definido por Marini (2005, p.141) como  
“[...] uma relação de subordinação entre nações formalmente independentes, em cujo marco as  
relações de produção das nações subordinadas são modificadas ou recriadas para assegurar a  
reprodução ampliada da dependência” foi possível observar a intensificação da exploração da  
força de trabalho e o surgimento de novas expressões da questão social, atreladas às novas  
formas de produção de desigualdades. Desta maneira é que Netto (2001, p. 48) explica-nos que  
329  
“[...] inexiste qualquer “nova questão social” [...] a emergência de novas  
expressões da “questão social” que é insuprimível sem a supressão da ordem  
do capital. A dinâmica societária específica dessa ordem não só põe e repõe  
os corolários da exploração que a constitui medularmente: a cada novo estágio  
de seu desenvolvimento, ela instaura expressões sócio-humanas diferenciadas  
e mais complexas, correspondentes à intensificação da exploração, que é a sua  
razão de ser.  
É assim que entendemos, como explica Iamamoto (2007, p. 72), que em tempos de  
capitalismo fetiche, a questão social “é mais do que as expressões da pobreza, miséria e  
5 Segundo Carvalho (2018, p. 112): “A autocracia burguesa é decorrência, portanto, da própria estrutura compósita  
da sua burguesia brasileira (CARDOSO, 1995), cujos objetivos se limitam a manter ordem, salvar e fortalecer o  
capitalismo, e impedir que a dominação e o controle burguês sobre o Estado nacional se deteriorem  
(FERNANDES, 2005). É por meio do reacionarismo e autoritarismo – tendência intrínseca à crise da sociedade  
burguesa na era do capitalismo monopolista (FERNANDES, 1979) – que se revela a essência autocrática da  
dominação burguesa no Brasil e sua propensão a produzir formas abertas e sistemáticas de ditadura de classe  
(FERNANDES, 2005).”  
Isabel Jardin do Nascimento Andrade  
‘exclusão’. Condensa a banalização do humano, que atesta a radicalidade da alienação, a  
invisibilidade do trabalho social e dos sujeitos que o realizam.”  
Quando olhamos para o saneamento básico no Brasil, e as consequências para a classe  
da trabalhadora da falta de acesso a um serviço de saneamento de qualidade, é possível dizer  
que este déficit se insere como mais uma expressão da questão social no país, já que, conforme  
explicam Souza e Teles (2021, p. 48) “é possível compreendermos outras expressões da questão  
social, além das já conhecidas.” Para as autoras, procurar entender as relações histórico-  
estruturais que estão por trás das manifestações das expressões da questão social já presentes  
no cotidiano é o que nos permite compreendê-las de forma aprofundada, fugindo daquilo que é  
dado aos sentidos de forma imediata.  
Portanto, situar a questão social nos marcos do desenvolvimento capitalista significa  
também situá-la no processo de formação da sociedade brasileira, de base escravocrata, e de  
contemporaneidade dependente, e suas expressões expõem modalidades novas de violações de  
direitos oriundas do acirramento da luta de classes, como é o caso da tentativa de privatização  
do saneamento básico operado através da Lei nº 14.026/2020. A agenda de contrarreformas  
operadas no Brasil no contexto do neoliberalismo é também grande responsável pelo  
aprofundamento deste processo, e seguiu um movimento global de transformação de bens  
essenciais e coletivos em ativos financeiros, através da espoliação.  
330  
No entanto, não se deve passar despercebido o fato de que a falta de acesso a um serviço  
de saneamento básico de qualidade enquanto expressão contemporânea da questão social no  
Brasil, afeta de formas diferentes homens e mulheres, demonstrando a dimensão de gênero que  
esta expressão também possui, aprofundando ainda mais situações de violações de direitos  
decorrentes da prestação deficitária deste serviço público.  
A desigualdade no acesso ao saneamento básico sob a dimensão de gênero  
Em uma sociedade historicamente marcada pelo patriarcado6, na qual homens assumem  
sempre posição privilegiada em relação às mulheres, não é exagero afirmar que a falta de acesso  
às políticas públicas, neste caso à política de saneamento básico, assumirá uma dimensão  
distinta baseada no gênero do sujeito. Kergoat (2009, p. 67) explica que  
As condições em que vivem homens e mulheres não são produtos de um  
6 Por patriarcado, entendemos toda uma estrutura social de dominação de gênero, mais especificamente do gênero  
masculino sobre o feminino, na qual os homens possuem o poder político, econômico, sexual e simbólico sobre  
mulheres. Entendemos, ainda, que esta forma de dominação se articula às demais, pensando especificamente na  
dominação de classe e raça. Em suma, o patriarcado não se expressa apenas na figura do machismo: ele representa  
uma forma de poder que articula a dominação sobre os corpos, o trabalho, a ideologia e a reprodução social. Sobre  
este tópico, observar Federici (2017) e Gonzalez (1984).  
Libertas, Juiz de Fora, v. 25, n. 1, p. 320-337, jan./jun. 2025. ISSN 1980-8518  
Desigualdade no acesso ao saneamento básico no Brasil: questão social e a dimensão de gênero  
destino biológico, mas, sobretudo, construções sociais. Homens e mulheres  
não são uma coleção – ou duas coleções – de indivíduos biologicamente  
diferentes. Eles formam dois grupos sociais envolvidos numa relação social  
específica: as relações sociais de sexo.  
Sob a ótica marxista, pensar o gênero por uma perspectiva histórico-crítica significa  
observá-lo sempre do ponto de vista do combate à lógica de exploração em que se assenta a  
sociedade capitalista. Para Saffioti (2015), é necessário analisar a complexidade das formas de  
opressão que recaem sobre as mulheres – e mesmo sobre a classe trabalhadora como um todo  
– como um “nó” de três contradições sociais: gênero, raça e classe social. No entanto, conforme  
explica Gonçalves (2011, p. 120), “não se trata [...] de conceber três diferentes ordenamentos  
das relações sociais correndo paralelamente. Ao contrário, estas três contradições entrelaçadas  
pelo nó sustentam a manutenção do sistema capitalista.”  
Assim, para entender como se estabelecem as formas de dominação sobre a mulher na  
sociedade capitalista, entendemos que  
[...] o domínio masculino sobre as mulheres, não diretamente vinculado à  
estrutura econômica da sociedade, acaba por servir aos interesses daqueles que  
detêm o poder econômico. Os homens da classe dominada funcionam, pois,  
como mediadores no processo de marginalização das mulheres de sua mesma  
classe da estrutura ocupacional (Saffioti, 2015, p. 98).  
No que tange ao acesso a políticas públicas é necessário, então, atentar para o fato de  
que as desigualdades baseadas em gênero atingem praticamente todas as esferas da vida social  
e se refletem nas maneiras em que homens e mulheres são capazes de acessar, administrar e se  
beneficiar dos bens e serviços públicos. De acordo com Heller (2022), alguns dos desafios  
enfrentados por mulheres no acesso ao saneamento básico estão documentados e podem ser  
mais bem enxergados em lugares “[...] onde a água não está disponível na própria residência”  
o que se reflete no fato de que “mulheres e meninas são as principais responsáveis pela água e  
pela higiene em casa, além de carregar o pesadíssimo fardo de coletar água” (p. 464). Além  
disso, questões como manejo da higiene menstrual, a salubridade das instalações de  
saneamento, além do risco de violência de gênero em banheiros públicos contra pessoas  
LGBTQIAPN+ são desafios adicionais na garantia dos direitos humanos à água e ao  
saneamento básico observados a partir da dimensão de gênero.  
331  
O direito humano à água e ao saneamento básico é um importante componente da  
dignidade de todas as pessoas. No entanto, para os corpos LGBTQIAPN+ ele é recortado por  
sistemas de opressão interligados. A população LGBTQIAPN+, especialmente aquela situação  
de rua, e consequentemente de maior vulnerabilidade (travestis, mulheres trans, pessoas  
negras), em muitos casos, são expulsas de suas casas e seus territórios de origem e acabam  
Isabel Jardin do Nascimento Andrade  
ocupando espaços urbanos precários, nos quais o acesso ao saneamento básico é praticamente  
inexistente. Iniciativas como o Banho Solidário7, na cidade de São Paulo, e o Aquabox8, no  
município de Juiz de Fora, são pontuais e inexistentes na maioria dos municípios brasileiros.  
Além disso, a violência sofrida por pessoas LGBTQIAPN+ em banheiros públicos é uma marca  
da violação deste direito. Conforme explica Heller (2022, p. 475),  
Pessoas com identidade não binária podem experimentar violência e abusos  
diante do uso de instalações sanitárias segregadas por gênero. Pessoas não  
binárias enfrentam assédios em banheiros públicos segregados por gênero ou  
evitam o uso por medo. Por exemplo, meninas transexuais que usam banheiros  
masculinos e meninas transexuais que usam banheiros de meninas na escola  
são altamente vulneráveis ao bullying, assédio e ataques por outros estudantes.  
Além disso, também há uma significativa dificuldade na construção de indicadores  
acerca do acesso ao saneamento básico da população LGBTQIAPN+ no Brasil. Isto porque o  
último censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística9 não traz dados  
oficiais sobre saneamento básico específicos para a população LGBTQIAPN+, não sendo  
possível mapear onde seus direitos estão sendo violados de maneira mais incisiva,  
invisibilizando a construção de uma política pública de saneamento básico que seja, de fato,  
universalizante. Assim, conforme explica Heller (2022, p. 489)  
Preencher a ausência de dados existentes deve ser uma prioridade, a fim de  
apoiar os indicadores sensíveis às questões de gênero. Os sistemas precisam  
ser desenvolvidos para melhorar a coleta de dados desagregados por sexo e  
outros fatores relevantes, nos níveis domiciliar e intradomiciliar, necessários  
para avaliar o impacto e a efetividade das políticas e programas que visam à  
igualdade de gênero e à ampliação das condições para mulheres usufruírem  
de seus direitos humanos. [...] Ademais, seria importante monitorar como as  
desigualdades de gênero, incluindo entre lésbicas, gays, bissexuais,  
transexuais, intersexuais e de pessoas não binárias, manifestam-se fora do  
ambiente doméstico, incluindo instalações sanitárias de espaços públicos.  
332  
Outro fator possível de ser citado diz respeito ao ordenamento jurídico-institucional, que  
também produz desigualdades de gênero no acesso a políticas públicas. “Em muitos países, a  
propriedade da terra é considerada uma precondição para acesso à água, o que é frequentemente  
negado às mulheres pelo direito de família, que também dificulta que as mulheres herdem  
terras” (Heller, 2022, p. 467).  
Ademais, é preciso pontuar que, mesmo o grupo de meninas e mulheres sem acesso ou  
com acesso precário ao saneamento básico, não constitui um grupo homogêneo. É necessário  
considerar fatores como a vulnerabilidade econômica e social, a existência de deficiências de  
7 https://www.banhosolidario.org.br/  
8 https://www.pjf.mg.gov.br/e_atos/e_atos_vis.php?id=93020  
9 https://censo2022.ibge.gov.br/  
Libertas, Juiz de Fora, v. 25, n. 1, p. 320-337, jan./jun. 2025. ISSN 1980-8518  
Desigualdade no acesso ao saneamento básico no Brasil: questão social e a dimensão de gênero  
qualquer tipo, a condição de encarceramento ou a situação de rua, por exemplo. Nesses casos,  
a falta de acesso ao saneamento básico de qualidade produzirá ainda mais desigualdade e riscos  
adicionais à saúde, quando enxergamos também esta política de um ponto de vista intersetorial.  
Em estudo realizado com a população de rua do município de Belo Horizonte, Silva, Martins e  
Heller (2018, p. 4) observaram que  
No Município [...] a população em situação de rua não tem acesso adequado à  
água e ao esgotamento sanitário. O acesso a esses serviços ainda é tratado  
como assistencialismo e caridade, e não como direito, impedindo que as  
pessoas requeiram o acesso a esses serviços como titulares de direito,  
colocando o Estado na posição de obrigatoriedade em garanti-lo. O não  
reconhecimento do direito coloca essa população em uma situação cada vez  
mais vulnerável. Como os direitos são interdependentes e indivisíveis, a  
violação de um afeta outros gerando iniquidades e prejudicando a saúde.  
Existe, ainda, o tabu da menstruação quando se pensa no acesso ao saneamento básico.  
Algumas culturas e crenças consideram a menstruação como algo “sujo” ou “impuro”, o que  
reforça a desigualdade de gênero e a exclusão relacionada a falta de acesso ao saneamento  
básico (Mahon; Cavil; House, 2013). Além disso, a falta de instalações sanitárias adequadas  
limita o acesso ao direito ao saneamento básico de meninas e mulheres fora de casa, que muitas  
vezes são levadas a evitar espaços públicos, especialmente durante a menstruação, ou caso  
tenham condições de acessibilidade que limitem seu acesso.  
Também é escassa ou inexistente a legislação no sentido de regulamentar instalações  
adequadas à higiene e cuidado menstrual nos locais de trabalho, tanto em empresas privadas  
como na administração pública, que pode se expressar no fornecimento de duchas higiênicas,  
lenços e papel higiênico em quantidade e qualidade adequados, disponibilidade e variedade de  
absorventes higiênicos bem como formas adequadas de descartá-los. Heller (2022, p. 482)  
explica que  
333  
A construção de mictórios públicos para evitar que homens urinem em locais  
abertos é relativamente fácil, uma vez que tais mictórios não precisam ter  
portas e fechaduras, não têm assentos e, geralmente, utilizam menos água,  
portanto, uma solução muitas vezes mais barata, e uma das razões para que as  
políticas públicas as priorizem.  
Um último ponto a ser observado diz respeito à saúde de pessoas gestantes10  
e
parturientes quando tratamos do direito humano à água e ao saneamento básico. Pessoas que  
pariram e ainda estão se recuperando do processo do trabalho de parto, seja ele natural ou não,  
são especialmente vulneráveis a questões relacionadas à falta de água, de saneamento e  
10 A escolha pelo uso dos termos “pessoas gestantes” e “pessoas parturientes” se deve ao fato de que não apenas  
mulheres gestam e dão a luz, como também pessoas trans, intersexo e não binárias podem fazê-lo. Os termos têm  
por finalidade abarcar toda pessoa que é capaz de gestar e parir.  
Isabel Jardin do Nascimento Andrade  
consequentemente, de higiene adequada. O risco de infecções atreladas torna-se especialmente  
alta no pós-parto, aprofundando as desigualdades que já existem no cotidiano do indivíduo e  
elevando os perigos à saúde do(a) parturiente e do nascituro.  
Por todo exposto, observa-se que o acesso pleno aos direitos humanos à água e ao  
saneamento básico por parte de mulheres e meninas só será efetivamente garantido se, entre  
outras medidas de responsabilidade primária do Estado, seja ampliado seu espaço de  
participação e articulação no campo da construção da política pública de saneamento. Esta  
participação, que deve ser integrada, tanto no poder executivo quanto no poder legislativo, e  
eventualmente no poder judiciário, tem o condão de assegurar que as necessidades específicas  
destes sujeitos sejam plenamente atendidas, sem que haja limitação de sua participação,  
inclusive em relação a fatores como privilégios sociais e econômicos.  
Considerações finais  
O acesso a um serviço de saneamento básico de qualidade afeta todo o processo de  
reprodução social da classe trabalhadora. As condições de saúde, habitação, proteção ambiental  
e o combate à pobreza estão intersetorialmente imbricados com a política de saneamento básico,  
e devem partir de um esforço do Estado na promoção e garantia de direitos dos usuários. Nesse  
sentido, Heller (2022, p. 464) explica-nos que  
334  
[...] diferenças culturais, sociais, econômicas e biológicas entre mulheres e  
homens consistentemente conduzem a oportunidades desiguais para as  
mulheres na fruição dos DHAS (Direitos Humano à Água e ao Saneamento  
Básico) com consequências devastadoras para a fruição de outros direitos  
humanos e para a igualdade de gênero em geral (grifos nossos).  
A proposta de privatização do serviço de saneamento básico operado pela Lei nº  
14.026/2020 tem o condão de aprofundar as desigualdades sociais já experimentadas por quem  
tem acesso deficitário ao saneamento básico já que, promovida através da falácia da  
“universalização”, esconde o interesse principal, tanto do Estado quanto dos setores  
econômicos privilegiados pela entrega das companhias de saneamento a empresas privadas, que  
reside na distribuição do lucro arrecadado através do pagamento de tarifas abusivas por serviços  
mal prestados a acionistas de concessionárias, que muitas vezes são parte de empresas  
estrangeiras que remetem estes lucros para a matrizes, fazendo como que o valor pago pelo  
usuário final não seja se quer aplicado no aprimoramento do serviço. E o Estado, é importante  
destacar, favorece esta dinâmica, agindo para e a favor dela. Desta forma, como nos explica  
Netto (1992, p. 26),  
Está claro [...] que o Estado foi capturado pela lógica do capital monopolista  
– ele é o seu Estado; tendencialmente, o que se verifica é a integração orgânica  
Libertas, Juiz de Fora, v. 25, n. 1, p. 320-337, jan./jun. 2025. ISSN 1980-8518  
Desigualdade no acesso ao saneamento básico no Brasil: questão social e a dimensão de gênero  
entre os aparatos privados dos monopólios e as instituições estatais [...] o  
Estado funcional ao capitalismo monopolista é, no nível das suas finalidades  
econômicas, o “comitê executivo” da burguesia monopolista – opera para  
propiciar o conjunto de condições necessárias à acumulação e à valorização  
do capital monopolista.  
Assim, a falta de acesso a um serviço de saneamento básico de qualidade percebido  
enquanto uma expressão da questão social no Brasil tem o condão de aprofundar ainda mais  
as desigualdades produzidas pelo modo de produção capitalista através de sua proposta de  
privatização, e quando observado através da dimensão de gênero, gera ainda mais exclusão e  
situações de violência e violação de direitos especialmente direcionadas a meninas, mulheres  
e pessoas LGBTQIAPN+. Pensar uma política de saneamento que efetivamente garanta o  
acesso a direitos deve levar em consideração o atendimento estratégico às necessidades  
específicas deste público, a fim de conduzir à igualdade de gênero na fruição dos direitos  
humanos à água e ao saneamento básico no Brasil.  
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