Lívia Cintra Berdu; Flávia Saragiotto Magalhães do Valle
progresso, gestando, assim, formas híbridas de dominação, onde se “reúnem
os pecados de todas as formas de estado” (Chasin, 2000, p. 42).
Isto posto, cabe aqui, no entanto, um necessário adendo em relação a uma fundamental
distinção entre as transições capitalistas no Brasil e na Alemanha que deve ser demarcada.
Enquanto as grandes propriedades e o latifúndio na Alemanha provêm do feudalismo, o
latifúndio no Brasil tem raízes coloniais, e desde a invasão do país pelos portugueses durante o
século XVI, este serviu como instrumento para a extração e acumulação primitiva de capitais
realizada pela metrópole. Assim, apesar do movimento de industrialização nos dois países ter
sido lento e retardatário, ao passo que na Alemanha tal processo tenha se dado de forma tardia,
o capitalismo no Brasil pode ser chamado de hipertardio, uma vez que nunca rompeu com sua
condição de país subordinado aos pólos centrais da economia internacional. É nesse prisma,
portanto, que Chasin utiliza a designação de via colonial – a partir de Lênin – como forma de
caracterização para o caso brasileiro, uma vez que demarca esse traço bastante específico, ou
seja, singular. Antunes desenvolve esta caracterização:
Entendida como tal, a industrialização brasileira, na particularidade da via
colonial, além de hipertardia, retardatária e subordinada ao capitalismo na sua
fase monopolista, tem outras especificidades que a distinguem dos casos
clássicos de transição e que são fundamentais para o entendimento da
constituição e da inserção da classe operária no capitalismo brasileiro.
Enquanto nas formações centrais o processo de constituição do capitalismo
passa pelas formas clássicas de produção - como o artesanato, a manufatura e
a grande indústria - , no Brasil o processo de industrialização nasce dentro de
um contexto onde predomina a grande indústria, entendida aqui como “o
organismo de produção inteiramente objetivo que o trabalhador encontra
pronto e acabado como condição material de produção”, e onde a mecanização
e a coletivização do trabalho substituem o trabalho manual, individualizado
ou parcelar das formas anteriores. Em outros termos, da acumulação mercantil
fundada na economia agro-exportadora cafeeira transita-se lentamente para
um processo de acumulação centrado na grande indústria, com relativo grau
de mecanização, onde a máquina foi introduzida antes mesmo que o trabalho
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artesanal individual, aqui praticamente inexistente,
e
o
trabalho
manufatureiro, efetivando a subordinação real do trabalho ao capital (Antunes,
1982, p. 49-50).
Assim, na esteira da subordinação do trabalho ao capital sob o manto da via colonial,
Antunes afirma que, por conta do processo de industrialização tardio, também o processo de
formação da classe trabalhadora brasileira carregaria traços bastante diversos, uma vez que
os/as trabalhadores/as teriam se constituído majoritariamente dentro de um contexto onde
sobressaía a grande indústria. Isso nos permite concluir, segundo o sociólogo, a respeito da
contradição vivida pela classe operária no seu processo de conformação no país, já que:
(...) por um lado ela é uma classe que já nasce, objetivamente, dentro daquelas
condições que caracterizam a última fase do trabalhador europeu clássico (a
grande indústria); por outro lado, e dialeticamente, essa grande indústria existe
Libertas, Juiz de Fora, v. 25, n. 1, p. 115-134, jan./jun. 2025. ISSN 1980-8518