A função mistificadora do Produto Interno  
Bruto brasileiro e o aumento da  
taxa de mais-valor1  
The mystifying function of the Brazilian Gross Domestic Product and the  
increase in the rate of surplus value  
Artur Bispo dos Santos Neto*  
Resumo: O presente texto pretende prescrutar a  
peculiaridade da economia brasileira nos  
tempos hodiernos. Após salientar a capilaridade  
da relação estabelecida entre noção de crise e  
conceito do capital e como ela reverbera na  
realidade brasileira, buscar-se-á apontar os  
limites das assertivas assentadas nos dados  
apresentados pelo Produto Interno Bruto (PIB).  
Particularmente, como a mistificação contida na  
noção de Produto Interno Bruto tem como vetor  
essencial apagar as pegadas do capital com o  
trabalho vivo. Por fim, observar-se-á como os  
dados apresentados pelo Instituto Latino-  
Americano de Estudos Socioeconômicos  
corroboram com as formulações marxianas do  
capital variável como única forma dotada de  
capacidade de produção de valor que se valoriza  
e de reverter a tendência à queda da taxa de  
lucro. Para corroborar na elucidação da referida  
temática recorrer-se-á às contribuições de Karl  
Marx (2013; 2017), Machado (2020; 2021),  
Krein (2021).  
Abstract: This text examines the brazilian  
economy's distinct features in contemporary  
times. It begins by exploring the intricate  
relationship between the concepts of crisis and  
capital, and how this interplay resonates within  
the Brazilian context. Subsequently, the  
discussion will highlight the limitations of  
interpretations based solely on Gross Domestic  
Product (GDP) data. In particular, it will address  
how the mystification inherent in the GDP  
notion obscures the connections between capital  
and living labor. Finally, evidence from the  
Latin American Institute of Socioeconomic  
Studies will be presented to support Marxian  
insights regarding variable capital as the sole  
form capable of generating value, promoting  
valorization, and counteracting the falling rate  
of profit. To further illuminate the topic,  
insights from Karl Marx (2013; 2017),  
Machado (2020; 2021) and Krein (2021) will be  
incorporated.  
Palavras-chaves: Crise do capital; Economia  
Keywords: Crisis of capital; Dependent  
dependente; Exploração; Lucro.  
economy; Exploitation; Profit.  
1 Pesquisa financiada pelo CNPq. Processo: 308950/2022-4.  
* Universidade Federal de Alagoas. E-mail: artur.neto@ichca.ufal.br  
DOI: 10.34019/1980-8518.2025.v25.47704  
Esta obra está licenciada sob os termos  
Recebido em: 07/03/2025  
Aprovado em: 09/06/2025  
A função mistificadora do Produto Interno Bruto brasileiro e o aumento da taxa de mais-valor  
NinguémcomePIB,comealimentos.  
(MariaConceiçãoTavares).  
Introdução  
A elucidação da realidade é tarefa complexa, porque subsiste uma tendência a deixar-se  
amoldar pela forma da aparência que prevalece na superfície da sociedade. A primazia da  
aparência tende a implicar num determinado abandono da essência, atendendo aos preceitos do  
capital, enquanto um sistema assentado numa aparência “socialmente necessária” ao  
desenvolvimento da sociedade capitalista.  
A impossibilidade de separar a forma da aparência daquilo que nela aparece perfaz o  
pensamento dominante; em que o indivíduo se constitui como uma espécie de escravo do  
mundo sensível, havendo o primado da metafísica sobre as bases materiais que gestam a  
exploração e espoliação da classe trabalhadora.  
O capital possui uma capacidade incomensurável para apagar as pegadas do trabalho  
vivo em seu processo de constituição e busca esconder incansavelmente o mais-valor como  
quintessência ontológica de todo seu processo de acumulação. Por isso que a apreensão do  
capital não pode se circunscrever às múltiplas formas mistificadas da aparência na objetividade.  
A aparência mistificada do capital não é uma elucubração do intelecto; sua forma inverossímil  
é real e tão real quanto a sua essência, a diferença é que a aparência se assenta na mistificação  
enquanto a essência assegura sua revelação.  
77  
O devido entendimento do amálgama de fetichizações que constitui o capitalismo  
brasileiro passa pela recuperação da elucidação apresentada contundentemente por Karl Marx,  
em O capital, em que os capitalistas recorrem cotidianamente às categorias da taxa de lucro, da  
taxa de juros, da renda e do salário, para encobrir o fundamento inexorável de todo o processo  
de constituição do capital. No cenário brasileiro, observa-se que os apologetas do sistema  
acrescentam outros termos para aprofundar esse processo de mistificação, tais como PIB  
(Produto Interno Bruto), taxa de desemprego, Taxa Selic, taxa de inflação etc. Essa plêiade de  
indicadores econômicos oblitera o movimento efetivo da economia brasileira e muito pouco  
esclarece seus fundamentos.  
A recorrência aos critérios constituídos pelos representantes do sistema financeiro e dos  
órgãos oficiais do Estado torna abstruso elucidar o movimento efetivo do sistema do capital na  
particularidade brasileira. A contabilidade apresentada pelos órgãos oficiais da burguesia  
(estatais ou privadas) visa desarmar a classe trabalhadora e esconder os antagonismos nodais  
Artur Bispo dos Santos Neto  
entre capitalistas e trabalhadores, colaborando na profusão ilusória da política de conciliação  
de classes.  
A crise do capital e a natureza mistificadora do PIB (Produto Interno Bruto)  
brasileiro  
A apreensão das vicissitudes que perpassam a anatomia da crise econômica brasileira  
passa pela elucidação da crise do capital em sua totalidade, em que nenhum poro da  
sociabilidade burguesa escapa de suas interferências. Ademais, é impossível entender o capital  
de maneira desarticulada do conceito de crise e vice-versa. O conceito de crise está  
essencialmente articulado ao conceito de capital, haja vista que o capital é contradição em  
essência.  
A escrita marxiana aponta que a crise não se revela como um elemento acessório do  
capital, senão como uma espécie de força motora privilegiada. Ela se plasma como um aspecto  
fundamental para a elucidação e o entendimento da capilaridade do capital em suas formas  
abstratas e concretas. A perspectiva marxiana entende que a crise revela a negatividade do  
capital, que se forja na contradição aberta com o trabalho vivo, com a humanidade e consigo  
mesmo.  
O movimento do capital aponta que os limites deste sistema não se engendram como  
uma mera determinação exterior, mas se manifestam como expressões de seus dispositivos  
internos, ou seja, os limites são prefixados pelo próprio capital, que impõe barreiras a seu  
próprio desenvolvimento e se move dentro desses limites. Eles servem tanto para impulsionar  
e dinamizar o movimento de reprodução do capital quanto podem corroborar na implosão do  
sistema assentado na captura incessante de mais-valor.  
78  
A análise marxiana da crise nas inúmeras páginas da seção V do livro terceiro (Cisão  
do lucro em juros e ganho empresarial. O capital portador de juros) está conectada ao  
desenvolvimento do sistema de crédito, transcendendo os elementos postos pela superprodução  
(livro primeiro de O capital), pela desproporcionalidade entre os setores (livro segundo) e pela  
tendência à queda da taxa de lucro (seção III do livro terceiro). A partir da exposição da  
concorrência que perpassa a relação dos distintos capitais particulares entre si e da oposição  
estabelecida entre as múltiplas manifestações do capital, Marx (2017) insere o conceito de crise  
no âmago do sistema.  
A crise não é um problema que possa ser superado (Aufhebung) com intervenções  
estatais e reparos determinados; ela tem múltiplas faces e pode emergir da superprodução, do  
subconsumo, da desproporção entre os setores, da tendência da queda da taxa de lucro etc. No  
Libertas, Juiz de Fora, v. 25, n. 1, p. 76-99, jan./jun. 2025. ISSN 1980-8518  
A função mistificadora do Produto Interno Bruto brasileiro e o aumento da taxa de mais-valor  
entanto, é na esfera financeira, mediante a hipertrofia das finanças, que ela tem se revelado de  
maneira contundente nos tempos hodiernos.  
Nota-se que o desenvolvimento do modo de produção capitalista propicia que as crises  
se tornem mais constantes devido aos impactos do acirramento da concorrência entre os  
distintos intersetores e os departamentos da produção e circulação, pela natureza anárquica e  
carente de planejamento racional da produção capitalista e pela incapacidade de o sistema  
continuar se expandido desmedidamente. Essa concorrência eleva a superprodução de  
mercadorias e de capitais, e os capitais ociosos acabam sendo direcionados compulsoriamente  
para o setor especulativo.  
Na escala internacional, o seu desencadeamento remonta à década de 1970 (Mészáros,  
2011); em que se aprofunda a produção de riqueza em formas acentuadamente antitéticas, nas  
quais o capital entra em contradição consigo mesmo ao acionar o capital fictício para reparar  
suas barreiras expansivas e acumulativas. Ao tentar transcender as barreiras que ele mesmo  
engendrou, lançando mãos de uma forma disfuncional para dirimir suas crises, acabando  
forjando obstáculos ainda mais poderosos e difíceis de serem transpostos. Nesse processo, a  
crise deixa de ser tão somente cíclica e passa a configurar-se de forma predominantemente  
estrutural (Mészáros, 2011).  
Cumpre destacar que, primeiro, a crise estrutural do capital não significa a eliminação  
das crises conjunturais, pois estas tendem a continuar existindo concomitantemente; segundo,  
na crise estrutural as perturbações e “disfunções” tendem a se tornar cumulativas e, portanto,  
duradouras. Terceiro, ela revela os limites absolutos do sistema do capital através do  
desemprego crônico, da taxa decrescente de utilidade das coisas, da destruição da natureza e da  
crise ecológica (Mészáros, 2011). Quarto, essa crise se forja não somente pela tendência  
crescente de economizar trabalho vivo, mas pela destruição incessante de força de trabalho e  
da riqueza produzida pela classe trabalhadora. Quinto, a crise acomete todos os aspectos da  
economia mundial (produção-circulação-consumo) e reverbera nos múltiplos complexos  
sociais.  
79  
A crise da economia brasileira começa efetivamente da década de 1980 (Cano, 2014;  
Sampaio Jr., 2017) e decorre, primeiro, da própria natureza do capital, ou seja, ela emana das  
manifestações pluricausais (superprodução, subconsumo, desproporcionalidade entre os  
setores, superacumulação etc.) que são inerentes ao seu processo de reprodução. Segundo, a  
impossibilidade de o capital produtivo servir ao processo de reprodução ampliada leva à  
necessidade de seu reciclamento na esfera financeira, em que a lógica desse regime de  
acumulação se delineia num mercado futuro de mercadorias que podem nunca vir a realizar-se.  
Artur Bispo dos Santos Neto  
O capital fictício, enquanto irmão siamês do capital portador de juros, apresenta-se  
como uma espécie de entidade autônoma, que emana de si mesmo e não carece do trabalho vivo  
para poder se autorreproduzir. Essa forma de capital ramifica-se na esfera endógena com o  
processo de mundialização da economia brasileira. E o capital fictício, como a forma mais  
fetichizada do capital (Marx, 2017), serve para aprofundar os processos de mistificação dos  
fundamentos efetivos da realidade socioeconômica brasileira, em que a abertura da economia  
para o mercado externo e a elevação das taxas de juros se apresentam como alternativa para  
atrair capital estrangeiro.  
A obediência senil aos parâmetros estabelecidos pelos organismos internacionais,  
segundo o modelo que se convencionou denominar como “Consenso de Washington”, tem  
servido para promover a destruição do complexo industrial existente no país e para o  
aprofundamento da dívida pública (interna e externa)2. Entretanto, é ledo engano imaginar que  
o setor produtivo se constitui como o “bom mocinho” nessa história, pois o processo de  
mundialização da economia impõe uma articulação indissociável entre capital produtivo e  
capital financeiro. Essa articulação se galvaniza no processo de transformação dos produtos  
primários brasileiros em commodities (agrícolas, minerais, ambientais) negociadas na Bolsa de  
Valores (na forma de títulos privados e públicos) e no mercado de futuros (derivativos, fundos  
hedge, securitização etc.).  
80  
Marx (2004) assinala que no interior do capital inexiste situação favorável ao  
trabalhador, porquanto mesmo quando a economia capitalista cresce, os trabalhadores não  
melhoram suas condições de vida, pelo contrário, eles aceleram simplesmente a sua morte, uma  
vez que trabalharão mais para reproduzir sua existência social. Como o sistema do capital está  
assentado no fetiche e num conjunto de mistificações, tornou-se normativo o estabelecimento  
da relação simétrica entre crescimento econômico e PIB (Produto Interno Bruto).  
O crescimento do capital não implica a melhoria das condições sociais da classe  
destituída dos meios de produção e dos meios de subsistência. A produção capitalista não está  
direcionada para atender às necessidades de seus produtores: nem dos trabalhadores, nem dos  
capitalistas, porque estes não passam de personificações do capital e precisam colocar um curso  
2
A crise desencadeada pela dívida externa representou uma regressão da produtividade do parque industrial  
brasileiro, que teve queda de 11% entre 1980 e 2003 (Sampaio Jr., 2017, p. 73). Apesar disso, a arrecadação fiscal  
na década de 1990 aumentou 10% em relação a década anterior. As arrecadações com as privatizações das  
empresas estatais e o controle dos gastos públicos permitiram apenas o pagamento da dívida pública, que passou  
de 32,5% do PIB, no começo do governo FHC, para 57,3% do PIB, no final do referido governo (Sampaio Jr.,  
2017, p. 77). Apesar da obediência aos ditames do Consenso de Washington, o crescimento do PIB, entre 1990 e  
2005, não superou de 1,6% ao ano, abaixo do experimentado na “década perdida” de 1980, que foi de 2,9%. Nesse  
período, o país enfrentou sete crises cambiais e três momentos de descontrole inflacionário (Sampaio Jr., 2017).  
Libertas, Juiz de Fora, v. 25, n. 1, p. 76-99, jan./jun. 2025. ISSN 1980-8518  
A função mistificadora do Produto Interno Bruto brasileiro e o aumento da taxa de mais-valor  
o processo de rotação do capital, que se alimenta da acumulação incessante de trabalho  
excedente. Assim, o crescimento econômico deve ser entendido como expansão do processo de  
apropriação do mais-valor produzido pelos trabalhadores.  
O aumento da taxa de lucro de qualquer empresa capitalista se dá mediante a ampliação  
da taxa de acumulação de mais-valor. O lucro é a forma mistificada do mais-valor; os  
economistas da burguesia calculam a taxa de lucro em cima do capital total investido e não do  
capital variável (Marx, 2017). A prosperidade econômica não torna melhor a vida dos  
trabalhadores porque ela se sustenta na acumulação de mais-valor. O que o capitalista lucra, de  
um lado, o trabalhador perde, do outro. Não há como harmonizar essa relação, porque o capital  
tem fome e sede de mais-valor, e ele não admite qualquer mecanismo de contração de suas  
taxas de mais-valor e lucratividade.  
É notório que a economia mundial vem experimentando uma crise profunda desde a  
década de 1970, sendo que ela reverbera no interior da economia brasileira, a partir 1981,  
envolvendo tanto a esfera da produção-circulação quanto na esfera da financeirização. Na esfera  
da produção-circulação, com uma deterioração de seu parque industrial; e na esfera da  
financeirização, com o aumento exponencial do montante da dívida pública, que consome quase  
metade do orçamento estatal anualmente.  
Nesse processo, observou-se a constituição de duas décadas perdidas (1980-1990; 2010-  
2020). Desde o final da década de 1970, a economia vem acumulando reduzidas taxas de  
crescimento e experimentando um processo de desindustrialização. Entre 1980 e 2020, a parcela  
da manufatura no PIB do Brasil recuou de 21,1% para 11,9% do PIB (Iedi, 2021). E o retrocesso  
da indústria intensificou-se na última década.  
81  
Gráfico 1: PIB brasileiro (1901 e 2020).  
Fonte:Alvarenga(2021,p.3).  
Artur Bispo dos Santos Neto  
A fase de 2011-2014 comparece como uma etapa de desaceleração do crescimento  
econômico quando comparado ao ciclo anterior, passando de 4,6%, entre 2007-2010, para  
2,34%, entre 2011-2014, ou seja, houve um declínio de quase 50%. A desaceleração foi seguida  
pela recessão econômica, entre 2015 e 2016, com quedas sucessivas de 3,55% e 3,28% no PIB.  
Praticamente, todos os setores da economia foram afetados, em que houve redução no consumo  
das famílias (-3,8%), contração expressiva de investimentos (-12,1%), recuo da indústria (-  
4,6%), restrição dos serviços (-2,2%), diminuição da agropecuária (-5,2%) (Couto & Couto,  
2021, p. 94). Para a Fundação Getúlio Vargas (2023), o crescimento médio da economia  
brasileira, entre 2011-2020, foi de 0,3%, ou seja, ficou bem abaixo do apresentado acima.  
Gráfico 2: Taxa de crescimento do PIB (2011-2020).  
82  
Fonte:Alvarenga(2021,p. 3).  
A década passada tem sido denominada como década perdida para os analistas  
financeiros que tomam o PIB como referência para as análises micro e macroeconômica. Essas  
taxas negativas levaram o segundo governo Dilma Rousseff3 e de maneira mais intensa os  
governos Michel Temer e Jair Bolsonaro a adotar políticas de austeridade (fiscal, trabalhista,  
3 A relativa prosperidade do primeiro governo Dilma, com sua Nova Matriz Econômica, dissipou-se com a queda  
do valor das commodities no mercado mundial, com a elevação da taxa de juros pelo imperialismo norte-americano  
e o aumento do nível de endividamento das empresas e das famílias brasileiras. A perspectiva ortodoxa (Barbosa  
Filho, 2017) considera equivocadamente que a crise brasileira resultou da forte intervenção estatal proporcionada  
pelas medidas impetradas pela Nova Matriz Econômica (redução da taxa de juros, dirigismo no investimento,  
elevação de gastos, concessões de subsídios e intervenção em preços). Para os representantes do mainstream  
dominante, a “solução da crise” se inicia com a aprovação da PEC do teto dos gastos, combinada com a reforma  
da previdência, a flexibilização do mercado de trabalho e a permissão da terceirização (Barbosa, 2017). O segundo  
governo Dilma foi marcado pela subordinação aos ajustes impostos pelo grande capital, que encontrou sua  
expressiva configuração nos governos Michel Temer e Jair Bolsonaro. Desse modo, subsiste uma espécie de  
inflexão decisiva entre o primeiro governo Dilma e o segundo, em que neste a presidenta deve se submeter ao  
cânone ortodoxo e, mesmo assim, sofre impeachment. Assim, aprofunda-se a constituição do padrão de  
acumulação imposto pela ortodoxia neoliberal (Sampaio Jr., 2017, p. 222).  
Libertas, Juiz de Fora, v. 25, n. 1, p. 76-99, jan./jun. 2025. ISSN 1980-8518  
A função mistificadora do Produto Interno Bruto brasileiro e o aumento da taxa de mais-valor  
tributária e financeira), atacando desmedidamente os direitos sociais da classe trabalhadora.  
Nota-se que quando o PIB despenca, os capitalistas invocam a necessidade inexorável de atacar  
ubiquamente os direitos dos trabalhadores. E os governos de plantão da burguesia começam  
imediatamente a aplicar as medidas de austeridade que interessam ao grande capital. No  
entanto, quando ele ascende os trabalhadores continuam com suas condições de vida rebaixadas  
e seus direitos usurpados.  
É fundamental apontar que “ninguém come PIB” (Tavares apud O Globo, 2025, p. 1).  
Apesar de oficialmente os dados do PIB serem entendidos como mediação do fluxo da produção  
de bens e serviços ao final de um determinado ciclo temporal (geralmente 1 ano), ele não passa  
da forma como as coisas sucedem na superfície da sociedade burguesa brasileira. O crescimento  
do PIB nem sempre representa um ganho substancial para a classe trabalhadora. É um  
crescimento que não permite aferir as efetivas condições de vida da classe que necessita vender  
sua força de trabalho como mercadoria.  
Um bom exemplo disso foi o conjunto de manifestações que aconteceram no Chile, em  
2019, contra as políticas neoliberais impostas pelos organismos internacionais e conglomerados  
transnacionais4. Elas representaram a intensificação da concentração da riqueza produzida pela  
classe trabalhadora nas mãos da burguesia endógena e exógena, bem como a privatização  
completa dos serviços sociais nas áreas de saúde, previdência, educação, transporte etc.  
O PIB chileno, em 2018, ultrapassava a casa dos 4%, e não foi capaz de impedir as  
grandes manifestações, pois a classe trabalhadora estava terminantemente na miséria. O  
governo foi obrigado a flexibilizar as medidas contra os trabalhadores. A mídia corporativa da  
burguesia imputou às manifestações populares chilenas a responsabilidade pela redução de  
2,1% do PIB no quarto trimestre de 2019, em comparação com 2018. O mesmo pode se afirmar  
em relação ao continente africano, que comparece entre as 20 economias com mais elevado  
índices de crescimento do PIB mundial em 2024; entretanto, esse mesmo continente aparece na  
lista das 20 economias mais pobres do globo.  
83  
Já o PIB brasileiro voltou a expandir-se depois da pandemia de Sars-Covid-19.  
Observam-se taxas de crescimento tanto em 2022 (3,2%) quanto em 2023 (3%). O bom  
desempenho foi generalizado entre os setores, com altas registradas na indústria (2,2%),  
4
As contrarreformas trabalhistas e previdenciárias implementadas pelos Chicago Boys no território chileno  
abriram o itinerário para o estabelecimento dessas contrarreformas no mundo inteiro. No Brasil, elas seriam  
implementadas de maneira mitigada e fragmentada para não suscitar um possível levante das massas. Os Chicago  
Boys no Chile emanaram da interferência direta dos EUA na derrubada de um governo que pretendia instaurar o  
socialismo pela via pacífica. Sem considerar o poder do capital sobre a produção do saber científico, torna-se  
impossível entender por que as proposituras dos Chicago Boys culminaram reverberando no interior da economia  
mundial e da economia brasileira.  
Artur Bispo dos Santos Neto  
serviços (1,3%) e agropecuária (0,5%), sempre em relação ao trimestre anterior (BCB, 2022).  
E terceiro governo Lula tem se demonstrado comprometido na perspectiva de aumentar o PIB  
e as taxas de lucro dos capitalistas dos distintos setores. Para isso liberou, somente para o Plano  
Safra, mais de 400 bilhões de reais aos representantes do agronegócio, mais de 700 bilhões de  
reais em renúncia fiscal e 1,997 trilhão de reais para pagamento dos juros e amortizações da  
dívida pública, em 2024 (Auditoria Cidadã, 2025).  
Nesse processo se inscreve o famigerado “Arcabouço fiscal” (LC 200/23), em que até  
mesmo as políticas compensatórias que serviram para aprofundar o apassivamento das massas  
são rifadas para atender aos imperativos do grande capital. A consequência dessa política é o  
aprofundamento da miséria da classe trabalhadora. O coeficiente de Gini, da Fundação Getúlio  
Vargas (FGV, 2023), aponta que a concentração de riqueza no Brasil passou de 0,496 em 2013  
para 0,7068 em 2020, e aparece com 0,523 em 2023.  
A média de reajuste salarial da classe trabalhadora brasileira não acompanha nem  
mesmo a inflação, enquanto os produtos da cesta básica representaram aproximadamente o  
dobro da inflação. Isso quer dizer que o crescimento do PIB brasileiro de 3% em 2023 (FGV,  
2024) se converteu em restritos benefícios para a classe trabalhadora, mas com certeza se  
transfigurou em vantagens para o capital estrangeiro e seus associados.  
O PIB serve para obliterar as contradições e desigualdades sociais que imperam na  
economia brasileira. No fundo, não permite elucidar o grau de desenvolvimento da economia e  
sua relação de subordinação ao grande capital internacional. Entre as vinte maiores economias  
mundiais, o Brasil consegue superar somente a Índia, que possui a maior população mundial  
em termos de desigualdades sociais. Para o FMI (Fundo Mundial Internacional), a renda per  
capita (PIB por habitante) brasileira ocupa a 76ª posição, e não a 8ª posição mundial (Hanan,  
2024).  
84  
Em termos de qualidade de vida, os dados do IBGE (2024) apontam que 70 milhões de  
brasileiros experimentam algum tipo de insegurança alimentar e 78,7 milhões de brasileiros  
estão desempregados, representando a 17ª maior concentração de renda do mundo. Isso se  
traduz no fato de que 21,1 milhões de pessoas passaram fome em 2023, o equivalente a 10% da  
população, enquanto o 1% mais rico da população tem quase a metade da riqueza do país. Além  
disso, 22% dos domicílios chefiados por mulheres negras encontravam-se em estado de fome  
em 2023; aproximadamente 215 mil pessoas vivem sem teto e 12% da população brasileira  
residem em favelas (Anistia Internacional, 2023). Em termos de expectativa de vida, a posição  
do Brasil é a 58ª do mundo, com média de 76,2 anos por brasileiro (Contrapoder, 2024);  
entretanto, uma nova reforma da previdência já está sendo preparada.  
Libertas, Juiz de Fora, v. 25, n. 1, p. 76-99, jan./jun. 2025. ISSN 1980-8518  
A função mistificadora do Produto Interno Bruto brasileiro e o aumento da taxa de mais-valor  
O PIB e a renda per capita por habitante não revelam as contradições existentes entre  
capitalistas e trabalhadores, bem como a contradição entre capital e trabalho, ou como o Estado  
se plasma como estrutura de comando do capital sobre o trabalho. Isso explica por que os dados  
apresentados pelo Estado não desnudam os fundamentos dos problemas socioeconômicos  
existentes no Brasil.  
O crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) tão só mascara a realidade de uma  
economia subordinada e dependente. Os governos petistas nem sequer arranharam a superfície  
do sistema assentado na intensificação das contradições e das desigualdades sociais. O  
detalhamento do PIB é insuficiente para relevar as contradições e os problemas  
socioeconômicos e políticos que ele encerra, pois considera o país como uma unidade isenta de  
contradições, ocultando a posição de subordinação e dependência da economia brasileira em  
relação às grandes corporações empresariais e financeiras mundiais, especialmente sua relação  
de dependência da economia norte-americana, que não alberga o PIB para avaliar o  
desenvolvimento de sua economia.  
Nos Estados Unidos, por exemplo, adotam-se o Produto Nacional Bruto (PNB) e não o  
PIB, no qual a produção de riqueza é avaliada não somente internamente, mas de maneira  
articulada com as riquezas produzidas pelas filiais de suas multinacionais (GM, Ford, Boeing  
etc.) em várias partes do mundo; diferentemente do Brasil, que não contabiliza os lucros  
auferidos pelas suas multinacionais (JBS, Petrobras, Odebrecht etc.) no mercado externo e  
enreda-se no equívoco de contabilizar os lucros da multinacionais estrangeiras que atuam no  
país. Por isso o PIB brasileiro é maior que o PNB, enquanto nos Estados Unidos se dá o inverso.  
Essa distinção escancara a posição de dependência da economia brasileira (Machado, 2019).  
A remessa de mais-valor e rendimentos para o exterior cresceu de maneira substancial  
na última década, passando de 82,2 bilhões de reais em 2010 para 195 bilhões de reais em 2020.  
Em termos proporcionais, isso representaria somente 2,62% do PIB brasileiro (Machado, 2021).  
No entanto, não se deve esquecer que o PIB não expressa o efetivo desenvolvimento humano  
do país, pois se concentra nos aspectos econômicos relativos aos bens e serviços produzidos em  
determinado ciclo temporal, afastando-se expressivamente do locus fundamental da produção  
do conteúdo material da riqueza social e como essa riqueza é distribuída entre as classes sociais.  
A obsessão pela taxa de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) serve muito mais  
para ocultar do que revelar o movimento efetivo da economia, pois não demonstra, primeiro,  
como um mesmo capital pode operacionalizar várias rotações e, ao final, apresentar uma  
movimentação que transcende em muito o capital originalmente investido no processo  
produtivo; segundo, não “considera a produção de mercadorias como base de toda cadeia de  
85  
Artur Bispo dos Santos Neto  
valor. Assim, o valor que o banco acumulou por meio dos juros extraídos das empresas é  
considerado valor adicionado. O mesmo vale para a arrecadação estatal” (Machado, 2021, p.  
87). Os bancos e o Estado muitas vezes não passam de meros redistribuidores dos valores  
oriundos das empresas produtivas. Terceiro, não ressalta a fuga e a transferência de mais-valor  
e rendimentos para o exterior, deixando transparecer que todo o fluxo de riqueza apresentada  
subsiste no país e mascara a parte que foi drenada para o exterior.  
O PIB não apresenta nem mesmo as diferenciações existentes no interior do processo  
de constituição do capital, em que todas as formas do capital aparecem sintetizadas numa forma  
única, o que não condiz com sua dinâmica interna, em que o capital produtivo é o único que  
produz mais-valor, enquanto o capital comercial, o capital portador de juros e o capital fictício  
não produzem mais-valor (Marx, 2017). Nessa perspectiva, o lucro de um banco aparece como  
idêntico ao lucro de uma fábrica.  
É preciso entender que há uma grande diferenciação entre capital produtivo de mais-  
valor– que é formado pelas indústrias de transformação, indústrias extrativistas, construção,  
mineração etc. – e capital improdutivo (bancos, instituições financeiras, setor de serviços,  
comércio, logística etc.). O capital produtivo é a única forma de produção do valor que se  
valoriza pela mediação da exploração da força de trabalho, em que o trabalho vivo transfere  
valor e produz mais-valor. E a produção do mais-valor neste setor é partilhada com os  
representantes dos capitais comerciais e financeiros. Esse processo de divisão do mais-valor se  
inscreve na partilha da taxa de lucro (juros e rendimento) e na equalização dos rendimentos  
(Marx, 2017).  
86  
Isso implica que além do capital produtivo de mais-valor, existe o capital que não produz  
nenhum mais-valor, como é o caso do capital comercial, do capital portador de juros e do capital  
fictício. Essas formas de capital acabam se configurando como serviços. Além do capital  
improdutivo, existe o Estado que não gera mais-valor, com exceção das empresas estatais  
produtoras de mercadorias. A renda estatal provém de tributos, tais como impostos, taxas e  
contribuições pagas especialmente pelos trabalhadores, uma vez que os capitalistas possuem  
muitos mecanismos para se isentar do pagamento de impostos. Esses impostos e tributos podem  
ser comercializados na forma de títulos da dívida pública e funcionar como capital fictício;  
enquanto expressão mais insana do capital (Marx, 2017).  
A forma de composição do capital que realmente produz mais-valor é o capital  
produtivo. Houve uma diminuição da representação do capital industrial, entre 2004 e 2020,  
passando de 38,77% para 31,55%, um declínio de 4,4%. A queda maior se sucedeu na indústria  
de transformação, que passou de 17,79% (em 2004) para 11,79% (em 2020), ou seja, uma  
Libertas, Juiz de Fora, v. 25, n. 1, p. 76-99, jan./jun. 2025. ISSN 1980-8518  
A função mistificadora do Produto Interno Bruto brasileiro e o aumento da taxa de mais-valor  
redução de 6%. Esse decréscimo decorre da nova divisão internacional do trabalho e do papel  
de produtora de commodities que a economia brasileira deve assumir no mercado internacional.  
Por isso o relatório Readiness for the Future of Production Report 2018 (WEF) aponta que o  
país ocupa “a 41ª posição em termo da estrutura de produção e a 47ª posição nos vetores de  
produção da indústria” (Machado, 2021, p. 91).  
A retração perpassa praticamente todos os setores que formam o capital produtivo de  
mais-valor. As pequenas recomposições observadas no decurso da década de 2010-2020 não  
implicam que a indústria de transformação tenha sido recomposta e haja experimentado uma  
recuperação; pode ser, sim, o resultado do jogo de forças da concorrência intercapitalistas dos  
setores da produção (indústria) e da circulação (comércio).  
A inércia da indústria de transformação brasileira reverbera sobre os demais complexos  
da economia, resultando numa restrição ao processo e realização do valor que envolve os  
demais complexos econômicos. Anota Machado (2021, p. 84): “Menos mercadorias produzidas  
significa menos mercadorias comercializadas, menos renda disponível para os serviços, menos  
impostos para o Estado e menos juros para os bancos. Significa um corpo anêmico”.  
Segundo Machado (2021), entre 2004 e 2019 a indústria de transformação sofreu uma  
restrição de 16,19% em escala global. No Brasil, essa involução foi mais expressiva, alcançando  
no mesmo período 35,3%. Comparando com as vinte maiores economias industrializadas do  
mundo, o Brasil apresenta o percentual mais elevada nos últimos 15 anos. O volume de capitais  
da indústria brasileira, com seus 141 bilhões de dólares, é 27 vezes inferior à indústria chinesa  
(3,85 trilhões de dólares) e dez vezes menor que a indústria norte-americana (2,2 trilhões de  
dólares), chegando a ser menor do que o volume de capital mobilizado por uma multinacional  
como Apple ou Toyota (Machado, 2021).  
87  
O problema não para aí. Além de ser acanhada em relação às grandes economias  
mundiais e ao capital das grandes transnacionais, o montante representado por ela no PIB não  
tem nada de brasileiro, pois as maiores empresas que atuam no complexo industrial são  
multinacionais estrangeiras, e muitas dessas empresas estão se deslocando para o continente  
asiático, devido à baixa capacidade de produção tecnológica no Brasil e as profundas  
metamorfoses na gestão e remuneração da força de trabalho. Com isso, o país perde posições  
no campo da indústria de ponta e passa a se configurar como uma economia produtora de  
matéria-prima e de produtos com baixa tecnologia agregada.  
Artur Bispo dos Santos Neto  
O PIB e a intensificação da acumulação de mais-valor na economia brasileira  
Aarticulação dos distintos capitais tal como aparece na superfície da sociedade burguesa  
é reproduzida pelo PIB. A complexidade da processualidade contraditória que perfaz o capital  
social oblitera os vestígios responsáveis pela origem do mais-valor e como ele é compartilhado  
entre os distintos capitalistas, da mesma forma que obnubila o papel dos distintos trabalhos  
assalariados no interior das formas diferenciadas de manifestação do capital.  
Marx (2013) salientava que o valor de uso somente se realiza pela mediação do valor  
no interior do modo de produção capitalista. Para que o trabalhador possa acessar os produtos  
de que necessita para reproduzir sua existência, ele necessita vender sua força de trabalho e  
obter um salário. Para chegar ao estágio do consumo, a mercadoria produzida pelo capital  
industrial deve operar uma série de metamorfoses (capital-monetário, capital-produtivo,  
capital-mercadoria); somente na segunda fase da circulação a mercadoria passa a aparecer como  
portadora de mais-valor.  
O comerciante adquire uma mercadoria que já está “grávida” de mais-valor, para  
usufruir o direito de participar de uma fração do mais-valor segundo o grau de capital adiantado  
no processo de formação do preço de produção. A média da taxa de lucro determinada pelo  
montante dos capitais industrial e comercial envolvidos é distribuída proporcionalmente ao  
volume de capitais adiantados. Ambos os capitalistas podem precisar pagar juros ao banqueiro  
porque operaram com recursos de terceiros e não com recursos próprios; assim também o banco  
pode usar parte desses recursos para pagar impostos ao Estado. Este pode devolver uma parte  
dos impostos pagando os juros da dívida pública contraída. Essa última forma da riqueza possui  
uma natureza diferente do capital produtivo e se inscreve na esfera fictícia, como afirmada  
acima. No entanto, cada setor em particular tanto precisa de trabalhadores para assegurar a  
rotação do capital e o processo de apropriação do mais-valor produzido, como carece do setor  
produtivo de mais-valor para acessar os bens materiais que foram produzidos (Marx, 2017).  
As esferas da circulação e da distribuição dos valores precisam da esfera da produção  
de valor; a esfera da realização do valor não existe sem a esfera da produção do valor (Marx,  
2013; 2014). No entanto, os representantes do capital industrial podem desenvolver as  
atividades do comércio de mercadorias, diferentemente do capital comercial, que inexiste sem  
o capital industrial. O capital bancário, o capital comercial e o Estado precisam que os valores  
produzidos pelo capital industrial fluam cada vez mais para eles. Ele cumpre a função de drenar  
e alimentar todo o sistema, porque subordina o trabalho vivo aos seus imperativos,  
transformando-o num momento de seu processo de reprodução social.  
88  
Libertas, Juiz de Fora, v. 25, n. 1, p. 76-99, jan./jun. 2025. ISSN 1980-8518  
A função mistificadora do Produto Interno Bruto brasileiro e o aumento da taxa de mais-valor  
A intensificação da concorrência dos capitalistas num mesmo setor e nos distintos  
setores produtivos e improdutivos impõe a necessidade de aumentar a acumulação da taxa de  
mais-valor e da taxa de lucro. O que não for consumido pelos capitalistas, mesmo que em  
atividades improdutivas, será consumido pelo Estado na forma de investimento em obras de  
infraestrutura e prestação de serviços à sociedade (Marx, 2017).  
O capital se confronta com o trabalho em dois momentos, primeiro como produtor do  
valor e do mais-valor, depois como consumidor do valor de uso. A venda da força de trabalho  
foi historicamente delimitada pela luta de classes; essa luta foi minimizada pela ofensiva do  
capital contra o trabalho, em que o Estado tem cumprido um papel decisivo na  
desregulamentação dos direitos alcançados historicamente. No Brasil, a flexibilização da  
jornada de trabalho mediante a terceirização, a contrarreforma trabalhista e a lei da terceirização  
objetivadas na última década têm permitido uma ampliação do aumento da jornada de trabalho  
e a redução do valor da força de trabalho.5  
As empresas capitalistas produtivas de mais-valor têm ampliado suas taxas de  
acumulação mediante a ampliação do tempo de trabalho excedente no interior da jornada de  
trabalho de 48 horas semanais e oito horas diárias, em consórcio com o reajuste do salário  
mínimo abaixo da inflação, bem como a redução do direito às férias remuneradas, 13º salário e  
contrato de trabalho formal. Entre 2003 e 2009, em média 40% dos trabalhadores brasileiros  
cumpriram jornadas semanais acima de 44 horas, isto é, superiores à jornada normal de  
89  
5
A contrarreforma trabalhista permitiu a flexibilização da jornada de trabalho, admitindo a pactuação entre  
capitalistas e trabalhadores mediante acordo individual ou coletivo, como se reinasse a liberdade e a igualdade  
entre as classes portadoras de poderes econômicos completamente distintos. Havendo, inclusive, a possibilidade  
de redução ou dispensa dos intervalos, horários e dias de descanso dos trabalhadores e trabalhadoras. A lei da  
terceirização (Lei 13.429/17) permite que os capitalistas possam auferir taxas de lucratividade mais significativas  
mediante a intensificação da exploração da força de trabalho reduzindo seus custos com os encargos sociais e os  
direitos trabalhistas, ampliando suas taxas de produtividade e lucratividade por meio da redução de custos e  
despesas recorrentes com os trabalhadores e trabalhadoras. Os verdadeiros beneficiados pela contrarreforma  
trabalhista e lei da terceirização são os capitalistas, representando uma perda de direitos outorgados pela CLT  
(Consolidação das Leis do Trabalho) e pela Constituição Federal de 1988. Com sua implementação, os capitalistas  
puderam ampliar o processo de exploração desmedida da força de trabalho por meio da constituição do banco de  
horas, da antecipação de férias e feriados, flexibilização das obrigações com a segurança e a saúde do trabalho no  
interior do processo produtivo, redução da contribuição do FGTS etc. A contrarreforma trabalhista possibilitou o  
crescimento da informalidade nas relações de trabalho e o fim de um conjunto de prescrições que fragilizam o  
sistema de proteção social existente no Brasil. Ao contrário do que anunciava, a contrarreforma trabalhista não  
reduziu as taxas de desemprego nem melhorou as condições de vida da classe trabalhadora. Para Passos e Lupatini  
(2020, p. 139): “O que se verifica com a contrarreforma é que a flexibilização das contratações/demissões  
provocou ‘desequilíbrio’ nas relações empregatícias, ao suprimir direitos e, ao mesmo tempo, retirar a  
representatividade sindical do trabalhador. Além disso, com o crescimento do ‘trabalho informal’, cerceou direitos  
relativos à seguridade social, pela ausência de contribuição previdenciária e de regulamentação do vínculo  
empregatício (assinatura de carteira de trabalho). Há de se considerar o efeito político que a facultatividade do  
imposto sindical, descontado em folha, teve no âmbito da organização da classe trabalhadora. Sob o pretexto de  
retirar os ‘privilégiosdos sindicatos trabalhistas, desconsiderou-se todas as lutas e greves que fundaram os direitos  
trabalhistas no Brasil, enfraqueceu-se as entidades representativas, com desdobramentos nas relações de trabalho”.  
Artur Bispo dos Santos Neto  
trabalho. Nas regiões metropolitanas, 25,5% tiveram jornadas semanais de 49 horas ou mais  
(Luce, 2012).  
A média salarial recebida pelos trabalhadores brasileiros está aquém de suprir o volume  
necessário para assegurar as despesas correntes com alimentação, hábitat, educação, saúde,  
vestuário, previdência social etc. A média caiu em todos os segmentos, sobretudo no setor da  
informalidade e dos trabalhadores domésticos. Nesse contexto, inúmeros trabalhadores são  
alijados da possibilidade de usufruir o direito à aposentaria mínima e às condições de moradia  
digna. No entanto, enquanto a média salarial cai em todos os setores, observa-se a elevação  
gradual das jornadas de trabalho e dos processos de acumulação de mais-valor.  
Tabela 1: Composição do capital total no Brasil (percentuais).  
2020  
2012  
2013  
2014  
2015  
2016  
2017  
2018  
2019  
CAPITAL  
CONSTANTE  
CAPITAL  
VARIÁVEL  
MAIS-  
77,61%  
10,82%  
11,57%  
77,78  
%
11,06  
%
80,93  
%
10,63  
%
85,23%  
10,03%  
4,74%  
80,28%  
10,72%  
9,00%  
78,22  
%
10,92%  
76,17  
%
10,38  
%
13,45  
%
77,26%  
10,55%  
12,19%  
77,17%  
9,33%  
11,16%  
8,44%  
10,86%  
13,50%  
VALOR  
Fonte: Ilaese (2021, p. 51).  
Verifica-se a tendência inerente do capital constante se afastar cada vez mais do capital  
variável. O capital variável representa somente 9,33% do capital investido. A taxa de mais-  
valor foi superior a 100% em 2020, uma vez que o mais-valor emana do capital variável e nunca  
do capital constante (77,17%). A taxa de mais-valor alcançou 13,5% do volume do capital total  
que foi investido no processo de produção em 2020, maior percentual na série iniciada em 2012.  
A competição entre capitalistas acentua a ampliação do capital constante perante o  
capital variável. Quanto mais se amplia o capital constante, mais ocorre uma tendência à queda  
da taxa de lucro, porque o lucro é calculado em cima do capital total. Evidentemente, existem  
contratendências que podem obstaculizar seu processo de aceleramento, mas nunca o obstruir  
por completo (Marx, 2017).  
90  
Libertas, Juiz de Fora, v. 25, n. 1, p. 76-99, jan./jun. 2025. ISSN 1980-8518  
A função mistificadora do Produto Interno Bruto brasileiro e o aumento da taxa de mais-valor  
Tabela 2: Composição do capital e da riqueza produzida pelo trabalhador no Brasil.  
2012  
2013  
2014  
2015  
2016  
2017  
2018  
2019  
2020  
TAXA DE  
LUCRO  
13,09  
%
12,56  
9.22%  
4,97%  
9,89%  
12,1  
9
15,54  
%
13,88  
%
15,61  
%
COMPOSIÇÃO  
ORGÂNICA  
DO CAPITAL  
TAXA DE  
583,0  
9%  
576,82  
%
619,17  
%
697,36  
%
585,45  
%
587,3  
8%  
619,79  
%
585,53  
%
687,20  
%
241,0  
6%  
227,73  
%
221,47  
%
199,92  
%
247,80  
%
228,  
58%  
244,05  
%
262,05  
%
284,70  
%
MAIS-VALOR  
TRABALHO  
NÃO PAGO  
EM UMA  
JORNADA DE  
8H  
5:39  
5:33  
5:30  
5:19  
5:41  
5:33  
5:40  
5:47  
5:55  
RIQUEZA  
PRODUZIDA  
POR  
R$  
245.0  
18  
R$  
246.14  
2
R$  
259,76  
1
R$  
268,22  
5
R$  
347.95  
2
R$  
336.  
402  
R$  
357.37  
7
R$  
407.08  
7
R$  
381.25  
6
TRABALHADO  
R
Fonte: Ilaese (2021, p. 52).  
Houve um crescimento exponencial do capital constante, entre 2012 e 2020, que passou  
de 583,09% para 687,20%. A taxa de mais-valor também aumentou e passou de 241,06% para  
284,70% no mesmo período. Já a taxa de lucro obteve um percentual de 13,09% em 2012,  
passando para 15,61% em 2020. A diferença entre a taxa de mais-valor e a taxa de lucro em  
2012 foi de 227,97%, subindo para 269,09% em 2020. Essa diferença cresce porque cresce o  
percentual do capital constante perante o capital que produz mais-valor.  
91  
A intensificação da exploração da força de trabalho pode ser observada tanto na  
ampliação do tempo de trabalho excedente apropriado pelo capitalista, que passou de 5h39 para  
5h55 entre 2012 e 2020, quanto no aumento da produção da riqueza produzida por cada  
trabalhador individualmente, que passou de R$ 245.018,00 em 2012 para R$ 381.256,00 por  
trabalhador contratado em 2020.  
É importante destacar que a crise econômica brasileira, acentuada entre 2015-2016,  
representou um momento de inflexão para ampliação da extensão da jornada de trabalho, visto  
que algumas tendências foram interrompidas e outras acentuadas com a contrarreforma  
trabalhista. E entre 2017-2019, houve uma generalização da ampliação da média de horas  
trabalhadas semanalmente.  
Merece destaque o setor privado, em que os trabalhadores com carteira de trabalho  
assinada, “tiveram a jornada semanal média 1,3% maior no pós-reforma”. No setor público,  
apesar de se inscrever um congelamento da jornada, a ampliação do trabalho se sucedeu pela  
mediação das pressões “sobre os servidores para atingir metas, em um contexto de políticas de  
austeridade e de ameaça de direitos ajudam a explicar o aumento da jornada média  
Artur Bispo dos Santos Neto  
efetivamente” (Krein et al., 2021, p. 266). Na fase posterior a contrarreforma trabalhista, é  
possível afirmar a existência de uma tendência de crescimento da jornada trabalhada, “o que  
aponta para uma não distribuição em favor dos trabalhadores do avanço da produtividade em  
setores com mais intensidade tecnológica” (Krein et al., 2021, p. 267).  
Tabela 3: Maiores taxas de apropriação de mais-valor por empresa no Brasil.  
EMPRESA  
SALOBO  
COMGÁS  
EXPLORAÇÃO  
2020  
2019  
7:33  
201  
8
7:24  
2017  
7:16  
2016  
6:47  
SETOR  
1
2.232%  
7:39  
Extraꢀva  
Mineral  
Energia  
2
3
2.008%  
1..910%  
7:37  
7:36  
7:31  
7:37  
7:20  
7:34  
7:23  
7:31  
7:28  
7:23  
ÁGUAS  
Extraꢀva Mineral  
GUARIROBA  
4
5
VALE  
1.802%  
1.735%  
7:34  
7:33  
7:28  
6:59  
7:09  
6:12  
7:08  
5:54  
6:45  
4:26  
Extraꢀva Mineral  
Energia  
MINERAÇÃO  
USIMINAS  
AES  
TIETÊ  
CSN  
MINERAÇÃO  
EQUATORIAL  
PARÁ  
6
7
8
1.503%  
1.544%  
1.335%  
7:30  
7:30  
7:26  
6:48  
7:24  
7:21  
6:46  
6:38  
7:14  
6:49  
6:54  
7:18  
7:04  
6:20  
7:08  
Extraꢀva  
Mineral  
Energia  
Energia  
9
CEG  
1.272%  
1.245%  
7:25  
7:24  
7:23  
7:16  
7:14  
7:14  
7:14  
7:24  
7:15  
7:21  
Infraestrutura  
Serviço Saúde  
10  
CEG  
Fonte: Ilaese (2021, p. 28, adaptação nossa).  
Em pesquisa realizada pelo Ilaese (2021, p. 28), em 2020, a empresa Salobo, pertencente  
92  
à Vale S.A., comparece como a campeã nacional na apropriação de tempo de trabalho  
excedente: os trabalhadores entregam gratuitamente sete horas e 39 minutos aos capitalistas, e  
trabalham para si somente 21 minutos de sua jornada de trabalho diária de oito horas, ou seja,  
ela exerce uma taxa de exploração de 2.232%. Essa empresa se apropriava, em 2014, de cinco  
horas e 54 minutos, obtendo um crescimento exponencial de mais-valor na ordem de uma hora  
e 45 minutos.  
A Salobo é seguida pela Comgás, que se apropria de sete horas e 37 minutos do trabalho  
gratuito de seus operários, enquanto estes trabalham para si apenas 33 minutos, ou seja, uma  
taxa de exploração de 2.008%. Em 2014, esta empresa se apropriava de sete horas e 21 minutos.  
Na listagem das 250 empresas investigadas pelo Ilaese, a Altona comparece em último lugar  
com uma taxa de mais-valor apropriado de 86%, ou seja, numa jornada de oito horas, os  
trabalhadores entregam para os capitalistas três horas e 42 minutos, e trabalham para reproduzir  
sua existência pelo tempo de quatro horas e 18 minutos.  
No setor bancário, o grau de exploração da força de trabalho dos bancários varia entre  
820,67% e 134,74%. O BNDES ocupa o ranking; seus trabalhadores entregam para o sistema  
financeiro sete horas e sete minutos diariamente, e trabalham para si somente 53 minutos numa  
Libertas, Juiz de Fora, v. 25, n. 1, p. 76-99, jan./jun. 2025. ISSN 1980-8518  
A função mistificadora do Produto Interno Bruto brasileiro e o aumento da taxa de mais-valor  
jornada de oito horas. Já na Caixa Econômica, eles entregam gratuitamente para o sistema  
financeiro quatro horas e 35 minutos, e trabalham para reproduzir sua existência material  
durante três horas e 25 minutos (Ilaese, 2021, p. 34).  
A apropriação expressiva de tempo de trabalho excedente se converte em aumento  
exponencial de riqueza. Assim, somente um trabalhador da empresa Smiles produz o montante  
de 4,6 milhões anualmente para seus proprietários.  
Tabela 4: Riqueza média produzida por trabalhador em 10 empresas.  
EMPRESA  
SMILES  
2020  
2019  
2018  
2017  
2016  
2015  
SETOR  
Serviços  
Bancário  
Energia  
1
2
3
4
5
6
7
8
9
4.658.83  
8.259,97  
9.168  
4.055.8  
55  
2.588.60  
5
7.537.2  
67  
4.996.53  
2
1.803.8  
54  
1.909.68  
7
2.644.4  
09  
807.57  
0
2.877.57  
6
2.153.77  
5
6.117.00  
0
5.582.939  
3
9
.082  
899.06  
9
980.2  
35  
2.668.  
706  
2.682.  
362  
1.283  
.084  
2.103.  
056  
1.742.  
279  
995.2  
41  
1.680  
.981  
BNDES  
4.085.65  
3
3.719,024  
4.157.94  
4
CESP  
2.837.04  
786.863  
2.117.857  
1.756.936  
2.229.586  
8
PETROBRÁS  
ITAIPU  
2.888,68  
2.890,12  
2.028.73  
Extraꢀva  
Mineral  
Energia  
3
2.583.99  
1
2.567,09  
8
2.4431,1  
30  
2.100.41  
8
4
6
2.519.1  
74  
691.35  
9
2.398.56  
0
1.455.00  
8
2.659.85  
7
1.562.22  
7
2.583.22  
3
1.722.66  
4
1.096.682  
BOVES  
PA  
1.014.71  
4
2.245.217  
Serviços  
Energia  
Energia  
COMGÁS  
ELETRONOR  
TE  
1.069.989  
428.618  
857.647  
VALE  
93  
1.962,909  
740.090  
442.490  
Extraꢀva  
Mineral  
Energia  
1
0
FURNAS  
1.878.70  
5
2.285.47  
1
1662.4  
22  
4.320.1  
06  
Fonte: Ilaese (2021, p. 35).  
A segunda posição é ocupada pelo BNDES, fazendo jus ao grau de exploração da força  
de trabalho – os trabalhadores entregam para o sistema financeiro sete horas e sete minutos  
diariamente –, sendo seguida pela empresa do setor de energia, a Cesp, que abocanha  
anualmente de cada um de seus trabalhadores o montante de 3,7 milhões. Em quarto lugar  
aparece a Petrobrás: cada trabalhador seu propicia um mais-valor de 2,88 milhões anualmente  
para os acionistas da empresa e para o ente estatal.  
A jornada no setor bancário passou 6 horas para 8 horas desde a década de 1990. A  
estratégia dos bancos foi de transformar grande parte dos trabalhadores (mais de 50% da  
categoria) em comissionados. Este mecanismo permitiu a completa inserção dos trabalhadores  
na nova jornada de trabalho em benefício dos banqueiros. O aumento da jornada de 36h36min  
para 42h00 semanais alcançou praticamente todos os setores e subsetores de processos  
Artur Bispo dos Santos Neto  
contínuos. Segundo Krein et al. (2018, p. 115) “o turno ininterrupto de revezamento perde a  
sua natureza e passa a ser jornada normal de trabalho”.  
As empresas de energia elétrica são hegemônicas entre as empresas que mais se  
apropriam da riqueza pelo trabalho vivo e das espoliações. Isso denota o quão proveitosa foi a  
privatização do setor enérgico (Eletrobrás) e das mineradoras (Salobo–Vale, CSN etc.) para os  
capitalistas.  
O salário dos trabalhadores despenca em todos os setores da economia. Na Petrobrás,  
por exemplo, passou de US$ 98,5 mil em 2011 para US$ 61,9 mil em 2020, ou seja, teve uma  
queda de 67% na década passada. Os salários dos trabalhadores da Petrobrás representam  
somente 5,66% da arrecadação geral da empresa; assim, 94,4% do faturamento da empresa vai  
parar nas mãos dos acionistas e das distintas personificações do capital.  
Apesar da crise internacional envolvendo as grandes petrolíferas transnacionais, a  
Petrobrás obteve crescimento absoluto de sua arrecadação em 7,42% entre 2012 e 2019, sendo  
a variação de crescimento de seu lucro exclusivamente decorrente da produção da ordem de  
81,88% (Machado, 2020, p. 18), a despeito das denúncias da Lava Jato. Isso não poderia ser  
obtido sem o aprofundamento da exploração de sua classe trabalhadora, em que prevalece a  
contratação da força de trabalho mediante os processos de terceirização e os termos  
estabelecidos pela contrarreforma trabalhista. O número de trabalhadores diretamente  
contratados sofreu uma restrição de 32%, passando de 85 mil para 57 mil trabalhadores. No  
exterior, a redução foi de 85% no número de trabalhadores.  
94  
A política de contratação de trabalhadores terceirizados, em consonância com a  
demissão imposta aos trabalhadores diretos, permitiu que a empresa pudesse se apropriar da  
força de trabalho de cada trabalhador no montante de R$ 2,658 milhões em 2019, quando se  
apropriava do montante de R$ 1,131 milhão em 2013, ou seja, obteve um crescimento de 134%  
na média de produtividade de cada trabalhador (Machado, 2020, p. 28). Mesmo assim os preços  
dos combustíveis e do gás de cozinha não pararam de subir.  
A política de privatização da empresa tem resultado não somente na diminuição e no  
rebaixamento dos salários dos trabalhadores diretos, mas também dos trabalhadores contratados  
(Petrobrás Controladora, Sociedades Controladas, Empresas Controladas), que passaram de  
360 mil em 2013 para 109 mil em 2019 (Machado, 2020). Uma queda de mais de 300%, ou  
seja, quase o triplo dos trabalhadores diretos da Petrobras demitidos. E a transferência de muitas  
bases para o setor privado tem concentrado a extração de petróleo (66%) na região do pré-sal.  
Os distintos setores capitalistas, sejam produtivos ou improdutivos de mais-valor, estão  
articulados na perspectiva de acentuar o ritmo do trabalho e a apropriação de mais-valor. O  
Libertas, Juiz de Fora, v. 25, n. 1, p. 76-99, jan./jun. 2025. ISSN 1980-8518  
A função mistificadora do Produto Interno Bruto brasileiro e o aumento da taxa de mais-valor  
processo de intensificação pode ser objetivado recorrendo aos empreendimentos do banco de  
horas, do contrato parcial, do trabalho aos domingos, da compensação individual da jornada e  
do aumento da jornada dos trabalhos nos turnos de revezamento6. Enquanto na linha de  
montagem da empresa de veículos a intensificação do ritmo de trabalho se manifesta na  
aceleração da esteira de trabalho, numa empresa de serviços sua aceleração pode se manifestar  
no acompanhamento e controle das operações realizadas por cada trabalhador individualmente.  
Já num trabalho do setor têxtil é controlado pela quantidade de peças que se produz num  
determinado tempo.  
Tabela 5: Média salarial e riqueza produzida por cada trabalhador (por subsetor).  
SUBSETOR  
REMUNERAÇÃO POR  
TRABALHADOR (reais)  
RIQUEZA PRODUZIDA  
POR TRABALHADOR  
(reais)  
DIFERENÇA PARA O  
CAPITALISTA OU  
MAIS-VALOR (em  
reais)  
1
2
3
4
5
6
TRANSPORTE  
SERVIÇOS GERAIS  
TEXTIL  
99.284,00  
55.804,00  
42.257,00  
44.032,00  
104.303,00  
94.886,00  
146.688,00  
125.741,00  
115.269,00  
127.013,00  
207.962,00  
213.460,00  
47.404,00  
69.937,00  
73.012,00  
SAÚDE  
82.981,00  
AUTOINDÚSTRIA  
INDÚSTRIA DIGITAL  
103.659,00  
118.574,00  
7
8
9
ELETROELETRÔNICO  
VAREJO  
70.153,00  
43.132,00  
123.395,00  
200.813,00  
197.631,00  
285.502,00  
130.049,00  
154.499,00  
162.107,00  
SIDERÚRGICA E  
METALÚRGICA  
CONSTRUÇÃO  
AGROPECUÁRIA  
CONSUMO GERAIS  
INFRAESTRUTURA  
BENS DE CAPITAL  
FARMACÊUTICO  
95  
10  
11  
12  
13  
14  
15  
52.912,00  
37.750,00  
81.630,00  
150.310,00  
78.764,00  
94.240,00  
218.920,00  
211.413,00  
282.700,00  
450.762,00  
417.414,00  
434.745,00  
166.008,00  
173.663,00  
201.070,00  
300.452,00  
338.650,00  
340.505,00  
16  
17  
18  
19  
20  
BANCÁRIO  
221.670,00  
105.484,00  
98.980,00  
138.216,00  
140.599,00  
584.267,00  
479.987,00  
641.350,00  
703.450,00  
803.062,00  
362.597,00  
374.503,00  
542.370,00  
565.234,00  
662.463,00  
PAPEL E CELULOSE  
TELECOMUNICAÇÕES  
ENERGIA  
QUÍMICA E  
PETROQUÍMICA  
21  
EXTRATIVO MINERAL  
243.516,00  
2.234.513,00  
1.990.997,00  
Fonte: Ilaese (2021, p. 57-58, adaptação nossa).  
A mecanização do trabalho no campo tem colaborado para diminuir o tempo da  
produção, adiantando o processo de distribuição do produto. E como a maximização da taxa de  
6
Segundo Alves (2020, p. 11): “A reforma trabalhista teve expressivo impacto nas negociações coletivas, tanto  
pela permissão da flexibilização da jornada, em período inferior ao limite legal, como na alteração da natureza do  
pagamento da supressão do intervalo intrajornada. Ao estabelecer que o negociado prevalece sobre o legislado,  
que a duração do intervalo intrajornada não possui natureza de norma de saúde, higiene e segurança do trabalho,  
para fins do disposto no artigo 611-A da CLT, permite que o empregador flexibilize o intervalo para patamar  
inferior ao estabelecido em Lei”.  
Artur Bispo dos Santos Neto  
mais-valor nem sempre é seguida pela ampliação da taxa de lucro, pois opera com variáveis  
distintas. Com isso, aprofundam-se os processos de intensificação da exploração da força de  
trabalho7, o que resulta na diminuição do capital variável perante o capital constante e na  
redução expressiva dos salários dos trabalhadores, bem como na elevação da taxa de  
desemprego tanto no campo quanto na cidade.  
As “inovações mecânicas” na indústria extrativista e nas mineradoras servem à  
intensidade da produção do mais-valor e do ritmo produtivo na jornada de trabalho de cada  
trabalhador em particular, fazendo com que 16 dos 21 subsetores da economia brasileira  
alcancem massas de mais-valor anualmente acima de R$ 100 mil. Entretanto, nenhum outro  
subsetor conseguiu alcançar anualmente um volume tão elevado de extração de mais-valor  
como o extrativista mineral, que obteve aproximadamente R$ 2,2 milhões por cada trabalhador  
explorado.  
A maioria desses subsetores (extrativo mineral, agropecuário, químico e petroquímico,  
papel e celulose etc.) pauta suas elevadas taxas de acumulação de mais-valor pelo consórcio  
estabelecido com o desmatamento e o trabalho análogo à escravidão. As mineradoras e o  
subsetor agropecuário têm atuado em parceria com os grileiros de terras para devastar o cerrado  
e as florestas da “Região Amazônica”, adentrando especialmente em terras públicas e devolutas.  
Pela mediação das expropriações, o itinerário é aberto para os desmatamentos e a expansão  
desmedida do agronegócio.  
96  
Considerações finais  
No decurso deste texto se sublinhou que a crise atual do capital se distingue das crises  
precedentes não somente pelo seu tamanho e durabilidade, mas por sua natureza estrutural. Não  
se trata simplesmente de mais uma crise periódica, pois transcende todas as formas pretéritas e  
não tem como ser superada pela mera intervenção estatal. Os ajustes convencionais têm sido  
adotados constantemente pelo aparelho estatal da burguesia; entretanto, eles são incapazes de  
promover resultados duradouros.  
A crise mundial reverbera na economia brasileira e serve de premissa fundamental para  
a intensificação dos processos de exploração da classe trabalhadora nos distintos setores em  
7
No Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, até setembro de 2019, “ocorreram cinco acordos coletivos que  
traziam nas suas cláusulas temas ligados à reforma, entre eles, destacam-se os relativos ao uso do tempo de  
trabalho: criação da jornada 6x3 (seis dias trabalhados por três de folga), jornada variável, escala especial de  
trabalho, permissão de pequenos ajustes nos horários de entrada e saída dos trabalhadores de acordo com a  
demanda da produção, e flexibilização da jornada de trabalho. Os outros temas não apresentam a mesma  
resolutividade” (Krein et al., 2021, p. 272).  
Libertas, Juiz de Fora, v. 25, n. 1, p. 76-99, jan./jun. 2025. ISSN 1980-8518  
A função mistificadora do Produto Interno Bruto brasileiro e o aumento da taxa de mais-valor  
benefício das empresas transnacionais e dos oligopólios. Para salvaguardar os interesses dessas  
empresas, os governos reconfiguraram o mercado de trabalho (contrarreforma trabalhista,  
contrarreforma da previdência etc.) na perspectiva de ampliar as taxas de acumulação de mais-  
valor relativo e mais-valor absoluto.  
O rebaixamento dos custos do valor do “fator trabalho”, possibilitado pelas  
contrarreformas sociais e pelas privatizações, desempenhou função fundamental para elevação  
do mais-valor. Além disso, nota-se que as empresas transnacionais brasileiras e estrangeiras  
intensificaram o processo de apropriação do tempo de trabalho excedente (mais-valor)  
aprofundando seus investimentos no capital constante em detrimento do capital variável. A  
competitividade intercapitalista, imposta pela nova mundialização, revela que os setores com  
mais elevada inserção de capital constante mais investimento em meios de produção, ciência  
e tecnologia abocanham fatias maiores da taxa geral do mais-valor produzido.  
Apesar de crescer desmesuradamente o desiderato de captura do mais-valor, os  
capitalistas continuam reclamando do declínio da taxa de lucro e da queda do PIB; no decorrer  
do texto buscou-se apontar os limites das análises econômicas assentadas na expansão ou  
declínio do Produto Interno Bruto bem como a diferença substancial existente entre taxa de  
lucro e taxa de mais-valor no movimento efetivo da economia brasileira. Além disso, como os  
múltiplos mecanismos contrariantes da crise sempre rebatem sobre os trabalhadores,  
implicando no rebaixamento das suas condições materiais de existência. Por isso que a luta  
contra a escala 6x1 pode representar uma interceptação do processo crescente de perdas que a  
classe trabalhadora tem sofrido com as múltiplas contrarreformas promulgadas e aumento  
incessante das escalas de trabalho.  
97  
Os dados apresentados são fortuitos no sentido de apontar que é possível reduzir  
significativamente a jornada de trabalho sem que isso implique numa alteração substancial da  
estrutura da produção capitalista. No entanto, a eliminação das taxas de mais-valor e a  
superação completa dos índices de desemprego é incompatível com a lógica do capital. Isso  
implica que a efetiva superação da exploração da força de trabalho somente pode ser alcançada  
mediante a reorganização da produção com base no trabalho associado e no tempo disponível  
da sociedade. É necessário ir para além do capital para superar as taxas colossais de apropriação  
do tempo de trabalho excedente direcionadas ao atendimento das demandas do mercado e não  
da humanidade.  
Artur Bispo dos Santos Neto  
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