A função mistificadora do Produto Interno Bruto brasileiro e o aumento da taxa de mais-valor
A intensificação da concorrência dos capitalistas num mesmo setor e nos distintos
setores produtivos e improdutivos impõe a necessidade de aumentar a acumulação da taxa de
mais-valor e da taxa de lucro. O que não for consumido pelos capitalistas, mesmo que em
atividades improdutivas, será consumido pelo Estado na forma de investimento em obras de
infraestrutura e prestação de serviços à sociedade (Marx, 2017).
O capital se confronta com o trabalho em dois momentos, primeiro como produtor do
valor e do mais-valor, depois como consumidor do valor de uso. A venda da força de trabalho
foi historicamente delimitada pela luta de classes; essa luta foi minimizada pela ofensiva do
capital contra o trabalho, em que o Estado tem cumprido um papel decisivo na
desregulamentação dos direitos alcançados historicamente. No Brasil, a flexibilização da
jornada de trabalho mediante a terceirização, a contrarreforma trabalhista e a lei da terceirização
objetivadas na última década têm permitido uma ampliação do aumento da jornada de trabalho
e a redução do valor da força de trabalho.5
As empresas capitalistas produtivas de mais-valor têm ampliado suas taxas de
acumulação mediante a ampliação do tempo de trabalho excedente no interior da jornada de
trabalho de 48 horas semanais e oito horas diárias, em consórcio com o reajuste do salário
mínimo abaixo da inflação, bem como a redução do direito às férias remuneradas, 13º salário e
contrato de trabalho formal. Entre 2003 e 2009, em média 40% dos trabalhadores brasileiros
cumpriram jornadas semanais acima de 44 horas, isto é, superiores à jornada normal de
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A contrarreforma trabalhista permitiu a flexibilização da jornada de trabalho, admitindo a pactuação entre
capitalistas e trabalhadores mediante acordo individual ou coletivo, como se reinasse a liberdade e a igualdade
entre as classes portadoras de poderes econômicos completamente distintos. Havendo, inclusive, a possibilidade
de redução ou dispensa dos intervalos, horários e dias de descanso dos trabalhadores e trabalhadoras. A lei da
terceirização (Lei 13.429/17) permite que os capitalistas possam auferir taxas de lucratividade mais significativas
mediante a intensificação da exploração da força de trabalho reduzindo seus custos com os encargos sociais e os
direitos trabalhistas, ampliando suas taxas de produtividade e lucratividade por meio da redução de custos e
despesas recorrentes com os trabalhadores e trabalhadoras. Os verdadeiros beneficiados pela contrarreforma
trabalhista e lei da terceirização são os capitalistas, representando uma perda de direitos outorgados pela CLT
(Consolidação das Leis do Trabalho) e pela Constituição Federal de 1988. Com sua implementação, os capitalistas
puderam ampliar o processo de exploração desmedida da força de trabalho por meio da constituição do banco de
horas, da antecipação de férias e feriados, flexibilização das obrigações com a segurança e a saúde do trabalho no
interior do processo produtivo, redução da contribuição do FGTS etc. A contrarreforma trabalhista possibilitou o
crescimento da informalidade nas relações de trabalho e o fim de um conjunto de prescrições que fragilizam o
sistema de proteção social existente no Brasil. Ao contrário do que anunciava, a contrarreforma trabalhista não
reduziu as taxas de desemprego nem melhorou as condições de vida da classe trabalhadora. Para Passos e Lupatini
(2020, p. 139): “O que se verifica com a contrarreforma é que a flexibilização das contratações/demissões
provocou ‘desequilíbrio’ nas relações empregatícias, ao suprimir direitos e, ao mesmo tempo, retirar a
representatividade sindical do trabalhador. Além disso, com o crescimento do ‘trabalho informal’, cerceou direitos
relativos à seguridade social, pela ausência de contribuição previdenciária e de regulamentação do vínculo
empregatício (assinatura de carteira de trabalho). Há de se considerar o efeito político que a facultatividade do
imposto sindical, descontado em folha, teve no âmbito da organização da classe trabalhadora. Sob o pretexto de
retirar os ‘privilégios’dos sindicatos trabalhistas, desconsiderou-se todas as lutas e greves que fundaram os direitos
trabalhistas no Brasil, enfraqueceu-se as entidades representativas, com desdobramentos nas relações de trabalho”.