O invisível salta aos olhos: saúde mental e  
residência multiprofissional no Hemorio  
The invisible catches the eye:  
mental health and multiprofessional residency at Hemorio  
Bruna Alves da Motta*  
Keiza da Conceição Nunes**  
Ingrid de Assis Camilo Cabral***  
Resumo: Este artigo teve como objetivo  
analisar a percepção dos residentes do programa  
multiprofissional do Instituto Estadual de  
Hematologia Arthur de Siqueira Cavalcanti –  
Hemorio referente à experiência na residência e  
suas implicações na saúde mental desses  
sujeitos. Trata-se de uma pesquisa exploratória  
de caráter quanti-qualitativo, fundamentado no  
Abstract: This article aimed to analyze the  
perception of residents of the multidisciplinary  
program at State Institute of Hematology Arthur  
de Siqueira Cavalcanti – Hemorio regarding the  
experience in the residency and its implications  
on the mental health of these subjects. This is an  
exploratory research of a quantitative and  
qualitative nature, based on the critical-  
dialectical method. The study is supported by  
bibliographical analyses and field research  
carried out from August to September 2023. It  
was found that 88.2% of the respondents had  
some implication in their mental health. In  
método crítico-dialético.  
O
estudo está  
sustentado em análises bibliográficas e pesquisa  
de campo realizada no período de agosto a  
setembro de 2023. Verificou-se que 88,2% dos  
pesquisados tiveram alguma implicação em sua  
saúde mental. Além disso, o estudo evidenciou  
as contradições que permeiam a Residência  
Multiprofissional em Saúde, como também  
apontou suas potencialidades. Dentre as quais,  
um importante espaço de formação em saúde, e  
também um local de sofrimento mental. Desse  
modo, este trabalho visou contribuir para  
maiores reflexões e propor realizações de  
estudos com delineamento interventivo para que  
essa realidade seja modificada.  
addition,  
contradictions  
the  
study  
that  
highlighted  
permeate  
the  
the  
Multidisciplinary Residency in Health, as well  
as pointed out its potentialities. Among which,  
an important space for health training, and also  
a place of mental suffering. Thus, this work  
aimed to contribute to further reflections and  
propose studies with an interventional design so  
that this reality can be changed.  
Palavras-chaves: Saúde mental; Residência  
Keywords: Mental health; Multiprofessional  
multiprofissional; Residentes.  
residency; Residents.  
* Instituto Estadual de Hematologia Arthur de Siqueira Cavalcanti. E-mail: mottabruna@id.uff.br  
** Instituto Estadual de Hematologia Arthur Siqueira Cavalcanti. E-mail: keizanunes@gmail.com  
*** Instituto Estadual de Hematologia Arthur Siqueira Cavalcanti. E-mail: ingridcabral.as@gmail.com  
DOI: 10.34019/1980-8518.2025.v25.47156  
Esta obra está licenciada sob os termos  
Recebido em: 15/01/2025  
Aprovado em: 16/05/2025  
Bruna Alves da Motta; Keiza da Conceição Nunes; Ingrid de Assis Camilo Cabral  
Introdução  
A motivação para a realização deste estudo surge da vivência na residência  
multiprofissional no Instituto Estadual de Hematologia Arthur de Siqueira Cavalcanti  
(Hemorio)1. Após o ingresso nesta modalidade de pós-graduação e a reflexão das circunstâncias  
na qual a residência multiprofissional se insere, origina-se a inquietação a respeito da saúde  
mental dos profissionais residentes na instituição.  
No Hemorio, a residência multiprofissional em Hematologia e Hemoterapia tem início  
em 2017, dotada de regimento próprio revisado periodicamente. Originalmente, as vagas foram  
destinadas às áreas de Serviço Social; Enfermagem; Biologia/Biomedicina. Anos depois, em  
2020, foram incorporados os profissionais odontólogos.  
Hoje, a especialização em modalidade de residência é composta pelas quatro profissões  
anteriormente citadas. Anualmente, doze vagas são disponibilizadas, sendo distribuídas três  
vagas igualmente entre as categorias profissionais. De acordo com o Regimento Interno, o  
ingresso ocorre por meio de processo seletivo incluindo um ou mais dos seguintes instrumentos:  
provas objetivas de múltipla escolha; provas práticas; análise de currículo e/ou entrevista.  
Portanto, podendo ter até 24 residentes do programa multiprofissional ao longo de um ano, a  
saber: doze R1 e doze R2.  
De início, ressaltamos que a construção deste trabalho foi realizada a partir da rotina  
experienciada no processo de residência, isso significa que, a pesquisadora também é afetada  
pelas relações e condições estabelecidas no campo de pesquisa.  
440  
Em síntese, como sujeito ativo no processo de viver, pesquisar, pensar e escrever sobre  
o tema, esta escrita é permeada de experiências, sentimentos e afetos. Parafraseando Silveira e  
Conti (2016), o ponto de partida de uma pesquisa é aquilo que “nos passa, nos toca, nos  
acontece”. Em última instância é o que me passa, me toca e me acontece. E esse movimento  
nos atravessa quando nos colocamos em relação com o campo de pesquisa.  
Em primeiro lugar, o que “nos passa, nos toca e nos acontece” na atualidade em relação  
a uma significativa parcela de egressos do ensino superior na área da saúde é a grande procura  
por esta modalidade de pós-graduação. Observando os dados divulgados pelo Ministério da  
Educação (MEC) sobre os candidatos à residência por intermédio do Exame Nacional de  
1 O Hemorio é uma unidade pública de saúde que presta assistência a pacientes com doenças hematológicas. Seus  
eixos de atuação dividem-se em Hematologia e Hemoterapia. Além disso, é também o hemocentro coordenador  
do estado do Rio de Janeiro, dispensando bolsas de sangue para unidades públicas e particulares conveniadas de  
saúde do Estado.  
Libertas, Juiz de Fora, v. 25, n. 1, p. 439-462, jan./jun. 2025. ISSN 1980-8518  
O invisível salta aos olhos: saúde mental e residência multiprofissional no Hemorio  
Residência (ENARE)2, entre 2021 e 2022 houve um aumento significativo de 70% de  
candidatos às vagas de residência em todo o país.  
Em tese, a residência em saúde é direcionada aos recém-formados, sendo este o requisito  
em alguns programas e editais. Porém, diante do contexto de desemprego estrutural, o ingresso  
na residência vem se tornando uma alternativa de renda e subsistência. Em muitos casos, os  
profissionais ingressam em duas residências de forma consecutiva, e apenas não fazem uma  
terceira residência devido a impossibilidade instituída por lei3.  
Outro fator que nos chama atenção é o aumento exponencial do adoecimento mental da  
população nos últimos anos. Segundo a Organização Mundial da Saúde - OMS (2022), antes  
da pandemia, em 2019, cerca de 970 milhões de pessoas no mundo estavam vivendo com um  
transtorno mental, 82% dos quais em países de média e baixa renda. Durante a pandemia da  
Covid-19, houve o agravamento do adoecimento mental. Nesse contexto, a depressão e a  
ansiedade aumentaram mais de 25% apenas no primeiro ano da pandemia.  
Além dessas premissas fundamentadas em dados numéricos, a vivência rotineira na  
residência transparece, por meio do adoecimento constante dos colegas residentes  
multiprofissionais, a necessidade de identificar a correlação entre saúde mental e residência.  
Evidenciamos nos estudos sobre essa temática que, num primeiro momento, as referências  
bibliográficas sobre essa discussão estão direcionadas à residência médica e a uma análise sobre  
a qualidade dos serviços de saúde ofertados para a população por profissionais médicos. Dessa  
maneira, a discussão e emersão desse tema voltado, também, para os profissionais  
multiprofissionais envolvidos no cuidado em saúde é algo urgente e que não pode ser ignorado.  
Outrossim, a relevância desta pesquisa está nas poucas produções de trabalhos de  
conclusão de residência (TCR) sobre este tema, de forma que foram encontrados trabalhos sobre  
esse assunto, mas em sua maioria produzidos pelos gestores desses espaços. Observamos que,  
em sua maioria, os trabalhos e as pesquisas estão direcionados à elucubração do serviço/prática,  
e não a estruturação dos programas. A discussão sobre a configuração da residência e a saúde  
de seus participantes pode levar à ponderação de possíveis caminhos a serem trilhados pelos  
programas e os integrantes do seu corpo.  
441  
2 O ENARE trata-se de um processo seletivo unificado para ingresso nas residências médicas, uniprofissionais ou  
multiprofissionais em hospitais universitários geridos pela Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh).  
A primeira edição ocorreu em 2020.  
3
De acordo com os artigos 1 e 2 da Resolução nº 1, de 27 de dezembro de 2017 da Comissão Nacional de  
Residência Multiprofissional em Saúde, é vedado ao egresso de programa de residência repetir programas de  
Residência, nas modalidades uni ou multiprofissional, em áreas de concentração que já tenha anteriormente  
concluído, sendo permitido ao egresso realizar programa de Residência em apenas mais uma área de concentração  
diferente daquela concluída.  
Bruna Alves da Motta; Keiza da Conceição Nunes; Ingrid de Assis Camilo Cabral  
Como constatado, dos dezoito TCR’s multiprofissionais produzidos no Hemorio que  
tivemos acesso4, não há sequer uma produção direcionada à reflexão do programa. Logo, esse  
cenário nos apresenta a necessidade de desenvolvimento de pesquisas que se debrucem na  
reflexão sobre a estrutura da residência multiprofissional.  
Nesse sentido, residência e saúde mental são campos férteis para mediação e discussão,  
considerando a complexidade histórica e a tensão advinda dos interesses antagônicos existentes  
nesses campos, como veremos ao longo deste estudo.  
Salientamos que este artigo teve suas análises, reflexões, e pontuações pautados na  
consideração de que o processo de participação na vida política, social, cultural e econômica  
não é linear. Sendo assim, existe a necessidade de contextualizar a saúde mental inserida nas  
relações de produção e reprodução da vida no capitalismo. A partir dessa perspectiva, este artigo  
abordará as questões relacionadas à saúde mental como uma expressão da “questão social”.  
A análise proposta neste artigo também se ancora em questões estruturais que sustentam  
os dados encontrados e orientam sua interpretação. A crise atual do capitalismo, marcada pela  
reconfiguração do papel do Estado e pela intensificação das desigualdades sociais, é um pano  
de fundo indispensável para compreender os impactos sociais e emocionais enfrentados por  
profissionais em formação. Nesse contexto, a contrarreforma do Estado, materializada por meio  
de políticas de austeridade, cortes orçamentários e flexibilização das relações de trabalho,  
implica diretamente na precarização das condições de ensino e de trabalho nas Residências em  
Saúde. Esses elementos se entrelaçam ao debate teórico crítico acerca da Residência  
Multiprofissional, que denuncia o deslocamento de seu propósito formativo para uma lógica  
produtivista. Portanto, compreender a experiência da residência exige o reconhecimento dessas  
determinações macroestruturais e das tensões que configuram o campo da saúde no Brasil.  
Sabemos que a inserção em uma residência é complexa e imbuída de significados, e  
essa experiência pode afetar direta ou indiretamente a saúde mental do indivíduo. Nessa  
perspectiva, o objetivo deste artigo é analisar a experiência na residência multiprofissional e  
suas implicações na saúde mental dos residentes multiprofissionais no Hemorio. Ressaltamos  
com isso, a importância de um olhar mais apurado para os profissionais que são responsáveis  
pelos cuidados em saúde.  
442  
Por fim, destacamos a potência desta pesquisa diante da oportunidade de debatermos  
este tema. Em muitos espaços a realização desta seria impossibilitada, visto que os assuntos  
abordados podem ser sensíveis e apresentar as fragilidades das instituições. Portanto,  
4
Os trabalhos encontram-se disponíveis na biblioteca do Instituto Estadual de Hematologia Arthur de Siqueira  
Cavalcanti.  
Libertas, Juiz de Fora, v. 25, n. 1, p. 439-462, jan./jun. 2025. ISSN 1980-8518  
O invisível salta aos olhos: saúde mental e residência multiprofissional no Hemorio  
celebramos a possibilidade e o privilégio de realizar este estudo no Hemorio, instituição de  
referência no estado do Rio de Janeiro e no Brasil.  
Para alcançar o nosso objetivo, realizamos um estudo exploratório embasado no método  
crítico-dialético, utilizando a abordagem quanti-qualitativa. Conforme Minayo e Sanches  
(1993), ambas as abordagens são de natureza distintas. Enquanto a quantitativa atua em níveis  
da objetividade, o método qualitativo interpreta a subjetividade, entre eles: valores, crenças,  
hábitos, atitudes e opiniões.  
O projeto de pesquisa elaborado foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em  
Pesquisa (CEP) do Hemorio5. A pesquisadora respeitou os critérios éticos das pesquisas com  
seres humanos segundo a Resolução 466/12 e 510/16 que orientam os critérios éticos para  
participação de seres humanos em pesquisas.  
A coleta de dados ocorreu no período de agosto a setembro de 2023, com aplicação de  
questionário semiestruturado disponível na plataforma online Google forms6. Para validação do  
instrumento, realizamos um estudo piloto com dois ex-residentes multiprofissionais. A partir  
desse teste, foram realizadas as modificações sugeridas pelos participantes e consideradas  
necessárias pela pesquisadora.  
O universo da pesquisa foi constituído pelos residentes inseridos no programa entre os  
anos de 2017-2022, perfazendo cinquenta e quatro participantes7. Os critérios de inclusão  
contemplaram os residentes matriculados no período de recorte da pesquisa, contudo,  
excluíram-se os residentes que permaneceram menos de 60 dias matriculados e a pesquisadora.  
Diante dos critérios determinados, um total de 50 participantes foram elegíveis. O  
contato foi efetuado por meio de e-mail no qual constava o link para acesso ao questionário,  
onde continha o Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE) em que os sujeitos  
pesquisados optaram por concordar, após serem informados sobre os objetivos, riscos e  
benefícios, da pesquisa. É de suma importância frisar que em todas as etapas deste artigo o  
sigilo foi garantido.  
443  
Foram coletados 36 retornos, equivalentes a 72% dos participantes. Sendo que 68%  
concordaram em responder e 4% manifestaram o desejo de não participar. Esses dados foram  
5 Número do Parecer: 6.179.002.  
6
O Google forms é uma ferramenta online que permite a criação de formulários e questionários para pesquisa e  
avaliação. A escolha por esse modelo de aplicação se justifica pela dinâmica da vida cotidiana, assim,  
possibilitando alcançar o maior número de candidatos em menor período.  
7 O quantitativo informado considera o somatório do número de vagas ofertadas pelo programa ao longo do tempo  
estipulado pela pesquisa.  
Bruna Alves da Motta; Keiza da Conceição Nunes; Ingrid de Assis Camilo Cabral  
organizados, mapeados e sistematizados. Os dados da etapa quantitativa foram apresentados  
em gráficos e tabelas que foram analisados por meio de estatística descritiva.  
As respostas qualitativas foram categorizadas em dados que classificam as unidades de  
significados. “Um sistema de categorias é válido se puder ser aplicado com precisão ao conjunto  
da informação e ser produtivo no plano das inferências” (Bardin, 1977, p. 55). Nesta etapa,  
estabelecemos categorias analíticas para as respostas coletadas na pesquisa de campo, buscando  
articulações importantes entre estas e o referencial teórico.  
A pesquisa de campo foi rica em informações, relatos e ponderações. Por isso, nem  
todos os dados foram analisados e as falas foram selecionadas de maneira que assegurou o sigilo  
dos participantes, ou seja, qualquer escrita que pudesse identificar o sujeito pesquisado foi  
retirada.  
Os participantes foram identificados com o nome do pássaro símbolo da instituição em  
que a pesquisa foi realizada: “Tiê-sangue". Utilizamos o primeiro termo da palavra seguido de  
um numeral para diferenciar os entrevistados. Além de ser emblemático, a escolha por essa  
nomenclatura ocorreu, pois os pássaros estão constantemente associados à ideia de movimento  
e liberdade, elementos que estão relacionados à saúde mental e às lutas políticas e sociais neste  
campo.  
444  
Quem somos?  
Somos quem podemos ser  
Sonhos que podemos ter  
(Somos quem podemos ser, 1988).  
Dos elegíveis para participar da pesquisa, obtivemos um percentual de 72% de  
respostas. A predominância da participação se ateve ao Serviço Social (29,4%) e a Enfermagem  
(29,4%), enquanto com menor participação, a Odontologia (14,7%).  
É relevante salientar que os dados foram analisados a partir da perspectiva ampliada de  
saúde. Considerando essa concepção, a pesquisa traçou o perfil dos residentes do Hemorio  
compreendendo que a situação socioeconômica é um determinante no processo saúde-doença.  
Desse modo, a Tabela 1 apresenta os dados referentes ao perfil do público-alvo da pesquisa.  
Libertas, Juiz de Fora, v. 25, n. 1, p. 439-462, jan./jun. 2025. ISSN 1980-8518  
O invisível salta aos olhos: saúde mental e residência multiprofissional no Hemorio  
Tabela 1: Perfil socioeconômico dos residentes.  
Nº (%)  
Idade  
Até 24 anos  
Entre 25 e 30 anos  
Acima de 30 anos  
Masculino  
Feminino  
Casado (a)  
Solteiro (a)  
Divorciado (a)  
União Estável  
Preto  
Pardo  
Branco  
Sim  
Não  
Sim  
Não  
6 (17,6)  
15 (44,1)  
13 (38,2)  
2 (5,9)  
32 (94,1)  
8 (23,5)  
21(61,8)  
2 (5,9)  
Gênero  
Estado Civil  
3 (8,8)  
Raça/cor  
10 (29,4)  
11 (32,4)  
13 (38,2)  
7 (20,6)  
27 (79,4)  
29 (85,3)  
5 (14,7)  
8 (23,5  
10 (29,4)  
16 (47,1)  
15 (44,1)  
19 (55,9)  
Filhos  
Uso de transporte coletivo  
Tempo de locomoção  
Até 30 min.  
Entre 31 min a 60 min.  
Acima de 60 min.  
Sim  
Bolsa como principal fonte  
de renda familiar  
Não  
Fonte: autoria própria.  
445  
Dentre os resultados obtidos, destacamos para análise a categoria raça/cor, pois  
percebemos durante a pesquisa bibliográfica que os artigos apresentam de forma incipiente o  
perfil de residentes em diferentes instituições, e nos poucos em que encontramos esses dados,  
não existe uma discussão profícua sobre esse tema.  
Os resultados apontam que há uma predominância da raça/cor negra8 (61,08%) no perfil  
dos residentes no Hemorio. Compreendemos que reconhecer-se enquanto pessoa da raça/cor  
negra, é um processo histórico com diferentes significados. Carneiro (2011, p. 58) sinaliza que  
“[..] a identidade étnica e racial é um fenômeno historicamente construído ou destruído”. Ainda  
de acordo com a autora, existe em nosso país uma ausência ou confusão de identidade racial  
atribuídas a miscigenação9.  
8 Partimos da concepção de que a categoria “negro” compreende o conjunto de pardos e pretos.  
9 “Aqui, aprendemos a não saber o que somos e, sobretudo, o que devemos querer ser. Temos sido ensinados a usar  
a miscigenação ou a mestiçagem como carta de alforria do estigma da negritude: um tom de pele mais claro,  
cabelos mais lisos ou um par de olhos verdes herdados de um ancestral europeu são suficientes para fazer alguém  
que descenda de negros se sentir pardo ou branco, ou ser “promovido” socialmente a essas categorias. E o acordo  
tácito é que todos façam de conta que acreditam” (Carneiro, 2011).  
Bruna Alves da Motta; Keiza da Conceição Nunes; Ingrid de Assis Camilo Cabral  
Como um dos elementos que fazem parte desse processo, citamos “a dor da cor” que  
perpassa o indivíduo. Isso indica que se identificar através da autodeclaração como pessoa negra  
é perceber-se suscetível a sofrer opressões, o que pode representar um local imbuído de  
sofrimento da vítima de racismo.  
Embora, no Brasil, haja escassez de produção de dados e estudos sobre os danos  
emocionais causados às vítimas de racismo, é de conhecimento geral que os mecanismos  
discriminatórios produzem nesses sujeitos um dos elementos mais perversos do racismo: o  
sofrimento mental (Carneiro, 2011).  
Além disso, o cenário da pesquisa também evidencia que as residentes, são  
majoritariamente do gênero feminino (94,1%). Essa taxa expressiva, corrobora para o debate  
sobre a divisão sexual do trabalho e a construção dos papéis sociais atribuídos historicamente  
ao gênero desde o Brasil colônia. Neste caso, o papel do cuidado é reforçado quando  
comprovamos que o mercado de trabalho na saúde é majoritariamente constituído por mulheres,  
conforme dados do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems). “No  
Brasil, dos seis milhões de profissionais do setor, 65% são mulheres [...]. Em áreas como  
fonoaudiologia, nutrição e serviço social, elas ultrapassam 90% de presença, e 80% em  
enfermagem e psicologia” (Teixeira, 2021, p. 43).  
Diante do exposto até aqui, concluímos que as residentes multiprofissionais do Hemorio  
são, em sua maioria, mulheres negras. Portanto são atravessadas pela questão de gênero e raça  
que perpassam a sociedade e consequentemente o ambiente de trabalho. “A participação da  
mulher negra no mercado de trabalho é marcada pela desigualdade. O caráter discriminatório  
desse processo a designa para atividades com menor remuneração e sem expressão nas  
hierarquias de poder” (Teixeira., 2021, p. 46).  
446  
Para a manutenção de uma lógica dominante e perpetuação dessa hierarquia, a  
reprodução de violências é necessária, por isso, a discussão dessas categorias analíticas são  
indispensáveis na construção do debate sobre saúde mental, pois são fatores geradores de  
sofrimento dado a lógica patriarcal e racista. “Na própria compreensão de sociedade e em seus  
inúmeros conflitos, a raça é um marcador de desigualdade econômica. Raça, assim como  
gênero, são elementos importantes para a problematização das desigualdades sociais” (Teixeira,  
2021, p. 47).  
Os dados também apontam que essas mulheres são majoritariamente solteiras (61,8%),  
sem filhos (79,4%), com idade acima dos 25 anos que fazem/faziam uso de transporte público  
(mais de 80%) com um tempo de deslocamento que ultrapassa os 30 minutos para chegar à  
instituição de formação.  
Libertas, Juiz de Fora, v. 25, n. 1, p. 439-462, jan./jun. 2025. ISSN 1980-8518  
O invisível salta aos olhos: saúde mental e residência multiprofissional no Hemorio  
Contudo, compreendendo a lógica desigual na qual mulheres negras estão inseridas  
socialmente, não podemos deixar de ressaltar a importância de essas ocuparem o lugar numa  
pós-graduação com formação em serviço, um lócus privilegiado, tendo em vista o percentual  
ínfimo de mulheres negras que tem acesso a graduação. E sua inserção no ensino superior se  
deve muito às políticas de cotas adotadas nos últimos anos. Portanto, vemos e consagramos a  
existência de mulheres negras neste espaço como símbolo de luta, resistência e visibilidade.  
De onde viemos, onde chegamos, para onde vamos…  
Todos os dias eu venho ao mesmo lugar  
Às vezes fica longe, difícil de encontrar  
Mas quando o neon é bom  
Toda noite é noite de luar  
(Somos quem podemos ser, 1988).  
Assim como o perfil socioeconômico, o histórico acadêmico/profissional também se faz  
relevante para discussão do tema em questão. Desse modo, o perfil acadêmico e profissional  
das residentes está exposto na Tabela 2.  
Tabela 2: perfil acadêmico/profissional  
Nº (%)  
Profissão  
Biomedicina/Biologia  
Enfermagem  
Odontologia  
Serviço Social  
Privada  
9 (26,5)  
10 (29,4)  
5 (14,7)  
447  
10 (29,4)  
12 (35,3)  
22 (64,7)  
12 (35,3)  
11 (32,4)  
11 (32,4)  
14 (41,2)  
20 (58,8)  
30 (88,2)  
4 (11,8)  
Universidade que cursou a graduação  
Tempo de formado  
Pública  
Menos de 1 ano  
De 1 a 4 anos  
Mais de 4 anos  
Sim  
Não  
Sim  
Já possuía pós-graduação  
Primeira residência  
Não  
Sim  
Não  
21 (61,8)  
13 (38,2)  
Já tinha experiência profissional  
na área da saúde  
Fonte: autoria própria.  
Quando questionados sobre o tempo de formado ao ingressar na Residência  
Multiprofissional, a resposta foi equilibrada, sendo há menos de um ano a predominância  
(35,3%).  
Um número expressivo de 88,2% está inserido na primeira residência. Entretanto, 61,8%  
já possuíam experiência na área da saúde e 41,2 % já possuíam algum título de pós-graduação.  
Bruna Alves da Motta; Keiza da Conceição Nunes; Ingrid de Assis Camilo Cabral  
Os dados apresentados podem ser um indicativo da precarização da política de saúde,  
especificamente da precarização dos vínculos e das formas de contratação instáveis.  
A Política de Saúde, assim como as demais políticas públicas, têm sofrido reflexos do  
neoliberalismo, com constantes cortes e formas de precarização. Um dos elementos mais cruéis  
dessa precarização são as modalidades de contratação em que estão sendo submetidos os  
profissionais de saúde. Nos últimos anos, verificamos um aumento excepcional de vínculos  
frágeis que são geridos por Organizações Sociais (OS’s) e a Empresa Brasileira de Serviços  
Hospitalares (Ebserh). As condições de trabalho precárias decorrentes da “flexibilização” da  
contratação e privatização dos serviços de saúde podem explicar o número significativo de  
participantes que já têm experiência em saúde, porém decidiram por ingressar na residência  
(Silva; Castro, 2020).  
Como é de conhecimento, desde a década de 1990 os ideais econômicos brasileiros são  
pautados no neoliberalismo que tem como um de seus pilares a flexibilização do trabalho e a  
pouca interferência do Estado na economia. O Neoliberalismo e a desresponsabilização do  
Estado em relação aos bens e serviços públicos, corrobora para a agudização das desigualdades  
nas relações sociais estabelecidas pela contradição capital x trabalho.  
Perante as considerações realizadas e diante do resultado da Tabela 2, surge o  
questionamento: a Residência é um meio para qualificação profissional ou para inserção no  
mercado de trabalho?  
448  
Para respondermos a essa pergunta, é essencial compreendermos as configurações no  
mundo do trabalho hoje. O modelo de “acumulação flexível” tem como consequência o  
aumento gradual de um exército industrial de reserva que, em contrapartida, garante cada vez  
menos oportunidades e postos de trabalho. Logo, a residência é vista como uma saída para o  
crescente desemprego estrutural (Harvey, 2011).  
A Residência Multiprofissional em saúde não é exatamente um campo de trabalho, mas  
é uma etapa de formação que visa preparar os profissionais de saúde para um mercado mais  
amplo e competitivo. Ela oferece a oportunidade de adquirir conhecimentos, habilidades e  
competências em um ambiente de aprendizado prático, o que pode tornar os profissionais mais  
qualificados e aptos a exercer suas funções em diversos contextos de saúde.  
Porém, observamos no cenário atual, um esvaziamento do sentido da residência  
multiprofissional em saúde, que pode ocorrer quando a modalidade de ensino é desviada de  
seus objetivos originais e princípios fundamentais, que é a formação em saúde. Alguns dos  
desafios que podem levar à perda do sentido original da residência multiprofissional incluem:  
ausência de integração, priorização de tarefas burocráticas, falta de supervisão adequada e a  
Libertas, Juiz de Fora, v. 25, n. 1, p. 439-462, jan./jun. 2025. ISSN 1980-8518  
O invisível salta aos olhos: saúde mental e residência multiprofissional no Hemorio  
carga horária excessiva que expressa as condições de trabalho exaustivas que podem  
comprometer a qualidade da formação, tornando a residência mais uma questão de quantidade  
de horas do que de qualidade do aprendizado.  
Os estudos de Silva (2018) apontam um aumento em investimentos financeiros públicos  
em residências multiprofissionais:  
Sobre a evolução do financiamento de bolsas via MEC, observa-se um  
aumento de cerca de 700% entre os anos de 2010 e 2014. Conforme Relatório  
MEC (BRASIL, 2014), no ano de 2010 foram concedidas 414 (quatrocentas  
e quatorze) bolsas; em 2011, 1.193 (mil, cento e noventa e três) bolsas; em  
2012, 1.750 (mil, setecentas e cinquenta); em 2013, 3.155 (três mil, cento e  
cinquenta e cinco); e no ano de 2014 foram 3.322 (três mil, trezentas e vinte e  
duas) bolsas (Silva, 2018, p. 204-205).  
Na ausência de postos de trabalho e uma bolsa atrativa, atualmente fixada no valor de  
R$ 4.106,9010, muitas vezes, a residência é uma alternativa ao desemprego. Como reflexo disso,  
quatro participantes estão na segunda residência. Um desses relata que se sentiu sobrecarregado  
por tratar-se da segunda residência: “Um período bastante complexo. Além do fato de ser minha  
segunda residência, o que para mim significou uma sobrecarga [...]” (Tiê 1).  
Observamos que as condições objetivas de vida, como o meio de prover as necessidades  
básicas, são elementos determinantes para tomada de escolhas, como o fato de ingressar em  
uma segunda residência. Como confirma a fala do nosso participante: “A residência custou um  
preço alto que eu e muitos, antes e depois de mim, por necessidade se encontram compelidos  
a pagar. Nesse contexto, não dá pra sair porque está insatisfeito” (Tiê 2).  
449  
A partir dessas falas, podemos inferir algumas reflexões para além do desemprego  
estrutural e da acumulação flexível. No período em que os participantes estiveram na residência  
aconteceram dois grandes marcos políticos e socioeconômico: a Reforma Trabalhista - que nós  
iremos denominar de contrarreforma11 - e a pandemia do Coronavírus.  
A contrarreforma trabalhista teve como símbolo a promulgação da Lei da Terceirização  
(Lei nº 13.429, de 31 de março de 2017), que implica em uma série de desmontes de direitos.  
Essa medida em conjunto com outras representa o desmonte da Consolidação das Leis  
Trabalhistas (CLT) aumentando a insegurança e a precarização dos trabalhadores, onde as  
negociações entre capital e trabalho são marcadas por imensa desigualdade, mais ainda no  
contexto de recessão e desemprego.  
10 Valor referente ao ano de 2024.  
11  
O termo contrarreforma designa as transformações conduzidas pelo Estado que, conforme Behring (2008),  
adaptam as políticas nacionais às exigências do capitalismo mundial na tentativa de recompor a hegemonia  
burguesa. Assim, o termo “reforma” seria indevido por se tratar de "uma escolha político-econômica, não um  
caminho natural diante dos imperativos econômicos" (Behring, 2008, p. 198).  
Bruna Alves da Motta; Keiza da Conceição Nunes; Ingrid de Assis Camilo Cabral  
Outro fato que transformou o mercado de trabalho foi a pandemia causada pelo  
Coronavírus no ano de 2020, que impactou a população mundial evidenciando e aprofundando  
as desigualdades estruturalmente construídas, inclusive nas dinâmicas dos serviços de saúde.  
Durante este período houve um aumento do desemprego que fez com que profissionais que já  
concluíram uma residência buscassem uma segunda residência como saída para suporte  
financeiro e manutenção de suas condições básicas de subsistência.  
Portanto, para evitar a perda do sentido da residência multiprofissional em saúde, é  
importante que as instituições responsáveis, os preceptores e os próprios residentes estejam  
comprometidos com os objetivos originais do programa, que incluem a formação profissional  
de qualidade, a integração entre as diversas áreas da saúde e a prestação de cuidados de saúde  
eficazes.  
Como estamos…  
Toda vez que falta luz  
Toda vez que algo nos falta  
(Alguém que parte e não volta)  
O invisível nos salta aos olhos  
Um salto no escuro da piscina  
(Somos quem podemos ser, 1988).  
Como já mencionado, a vivência em uma residência é complexa. Porém, cada indivíduo  
tem experiências distintas desse mesmo movimento. Concordamos então que a vivência pode  
ser coletiva, entretanto, a experiência é individual e singular. É nesse sentido que os relatos de  
experiência ora se complementam, ora se refutam.  
450  
Para alguns, o aprendizado e o crescimento profissional, são os pontos mais relevantes,  
vejamos a seguir:  
[...] através desses medos tive um amadurecimento profissional, que hoje  
atuando como assistente social trago para minha atuação todos os pontos  
positivos que vivenciei na residência e com os pontos negativos, meus medos,  
busco minha mudança a cada dia. A residência me proporcionou crescimento  
profissional, pessoal, conhecimentos e principalmente grandes amizades (Tiê  
3).  
Eu acho que evoluí muito no lado profissional e pessoal. No lado profissional,  
pude aprender e ter acesso a diversas metodologias/equipamentos de ponta  
que são utilizados na minha área e que talvez eu não pudesse aprender/ter  
acesso em outro lugar fora do Hemorio. Então, aprendi muitas coisas novas e  
aperfeiçoei o que já tinha relacionado à minha profissão (Tiê 4).  
Bom, depois do término da residência, pude concluir que a pós-graduação no  
Hemorio foi uma grande base para a minha vida profissional (Tiê 5).  
Libertas, Juiz de Fora, v. 25, n. 1, p. 439-462, jan./jun. 2025. ISSN 1980-8518  
O invisível salta aos olhos: saúde mental e residência multiprofissional no Hemorio  
Contudo, a maior parcela dos entrevistados afirma que a residência tem implicações na  
saúde, causando diversos sintomas e até mesmo diagnósticos de transtornos mentais durante a  
residência, como veremos ao longo deste artigo.  
Quando questionados se a residência teve atravessamentos em sua saúde mental,  
obtivemos um percentual de 88% de respostas positivas. Um número tão expressivo que nos  
causa inquietações.  
Gráfico 1: Implicações da residência na saúde mental.  
Fonte: autoria própria.  
451  
Os motivos pelos quais as respostas acima foram afirmativas são diversos. Todavia, não  
conseguiremos esgotar essa temática aqui. Por isso, destacamos para o debate alguns elementos  
que se repetem nas escritas dos participantes.  
De início, a extensa carga horária de 60 horas semanais é um dos elementos que  
observamos reiteradas vezes nesses relatos:  
A vivência na residência é bem complexa, a começar que a carga horária da  
residência já é extensa, carga horária extenuante traduz falta de tempo para  
realizar atividades profissionais e pessoais fora do ambiente de trabalho.  
Depois de 10 horas, você vai conseguir chegar em casa e estudar? Ter vida  
social e ter 8 horas de sono? (Tiê 6).  
Sem sombra de dúvidas foi o período mais difícil da minha vida! Por que além  
da carga horária de 60h que deve ser cumprida, as atividades para fazer em  
casa no único dia de folga, não nos deixa viver e respirar (Tiê 7).  
Foi difícil. A carga horária era extensa, fazíamos dez horas diárias de segunda  
a sábado na instituição, todas as semanas (Tiê 8).  
A residência proporciona um ambiente de muito aprendizado. No entanto, a  
extensa carga horária associada ao grande tempo de deslocamento para chegar  
à instituição apresenta grande impacto negativo no desenvolvimento  
Bruna Alves da Motta; Keiza da Conceição Nunes; Ingrid de Assis Camilo Cabral  
acadêmico [...] (Tiê 9).  
Carga horária extensa, sem infraestrutura para acolher o residente para que  
realize seu estudo didático, o que poderia ser deixado para ser realizado em  
casa, porém era obrigatória o cumprimento de toda carga horária dentro da  
instituição (Tiê 10).  
É um processo bem cansativo, por se tratar de 60H semanais, mas sobretudo  
pelas inflexibilidades da residência em si [...] visto que muitos setores iniciam  
suas atividades a partir das 8h e temos que chegar às 7h (Tiê 11).  
Ademais, o modelo pelo qual o controle dessa carga horária é realizado na instituição,  
dá-se por meio do ponto biométrico que é utilizado para averiguação do cumprimento das horas  
de serviço. A forma de controle exercida através do ponto biométrico com marcação de entrada  
e saída foi apontada pelos participantes como um grande dificultador em virtude, inclusive, da  
não flexibilização de ajuste no horário/ compensação.  
Ponto biométrico como uma forma de ter controle da hora de entrada e saída  
e obrigar o residente a repor minutos de atraso o que causa angústia caso falte  
horas para completar a carga horária diária. Obrigatoriedade de chegar às 7  
horas da manhã sendo que os atendimentos iniciam às 8 horas da manhã (Tiê  
6).  
Para o residente é constante a sensação de ser "mais uma mão de obra" por um  
lado enquanto por outro é cobrado produção teórica. As bases para esta  
produção têm se mostrado bastante deficitárias indo desde a própria estrutura  
física no serviço para tal, como computadores e locais de estudos silenciosos  
e que se adequem ao extenso horário que é cobrado e controlado por meio do  
ponto eletrônico e também questões que se relacionam a elementos da  
estrutura subjetiva que são impactados pela dinâmica de "estudo no serviço"  
em uma instituição de saúde (Tiê 12).  
452  
Numa perspectiva crítica, a carga horária estabelecida de 60 horas semanais expressa a  
superexploração do trabalho. Na atual ordenação em que a sociedade se encontra, a residência,  
além da função de formar e qualificar a força de trabalho, é apropriada para garantir o acúmulo  
e a valorização do capital.  
Ressaltamos que em 2007, houve alteração na carga horária a ser cumprida por esses  
profissionais, sendo permitida a realização de 40 horas semanais.  
A Portaria 45/2007 estabeleceu a composição e as atribuições da Comissão  
Nacional de Residência Multiprofissional em Saúde (CNRMS), assim como a  
carga horária semanal das atividades desenvolvidas nos programas de  
residência, entre 40 (quarenta) e 60 (sessenta) horas. Definiu, também, que os  
programas de residência multiprofissional e em área da saúde deveriam ser  
desenvolvidos em parceria entre gestores e instituições formadoras em áreas  
justificadas pela realidade local, considerando as necessidades locais e  
regionais, o modelo de gestão, a realidade epidemiológica, a composição das  
equipes de trabalho e a capacidade técnico-assistencial (BRASIL, 2007a). A  
portaria possibilitava que os programas de residência multiprofissional se  
desenvolvessem com o patamar de 40 horas semanais. O estabelecimento  
dessa variação na carga horária, considerando 20% da mesma voltada para  
Libertas, Juiz de Fora, v. 25, n. 1, p. 439-462, jan./jun. 2025. ISSN 1980-8518  
O invisível salta aos olhos: saúde mental e residência multiprofissional no Hemorio  
atividades teóricas, demonstrava certa coerência metodológica com o discurso  
de uma formação que considera o residente como um sujeito no processo de  
formação, no trabalho e na gestão do SUS (Silva, 2018, p. 203).  
Entendemos, porém, que o processo de formação integral do ser humano está  
diretamente relacionado ao trabalho e, consequentemente, ao processo pedagógico. Como  
afirma Tonet (2021), o trabalho é o ato ontológico-primário do ser social, além de ser uma  
atividade eminentemente social.  
[...] a essência humana é produzida pelos próprios homens. O que o homem é,  
é-o pelo trabalho. A essência do homem é um feito humano. É um trabalho  
que se desenvolve, se aprofunda, se complexifica ao longo do tempo: é um  
processo histórico (Saviani, 2007, p. 154).  
Entretanto, dentro do capitalismo, a formação integral do homem é impossibilitada pelas  
desigualdades sociais e pela superexploração do trabalho que apresenta contrariedades  
provenientes dessa estrutura, que tem por característica imanente a divisão da sociedade em  
classes, onde a educação e o trabalho adquirem relações com características particulares que se  
complexificam. Sendo assim, como conciliar, na sociedade de hoje, uma dinâmica que relaciona  
educação, trabalho e ainda a saúde mental? A resposta a essa pergunta pressupõe o debate sobre  
a descaracterização de algo que faz parte da essência do ser social: o trabalho.  
Outro fator relevante para os participantes é a necessidade de compensação de horas de  
atestado médico, que para alguns é uma norma que causa insatisfação/descontentamento. Assim  
está evidenciado nas narrativas a seguir:  
453  
Reposição de atestado de doença: ter a necessidade se repor horas de dias que  
a pessoa está adoecida e incapacitada de, muitas vezes, ter contato com outras  
pessoas e trabalhar (Tiê 6).  
[...] a relação estabelecida entre o programa/coordenação de área e geral e a  
carga horária, como se a exigência das 60 horas fosse o que determina a  
qualidade formativa […] ainda inclui-se a falta de flexibilidade, em nome das  
60 horas, em casos de adoecimento ou outros problemas da vida cotidiana.  
Nota-se que não há uma reflexão profunda e sincera sobre os impactos dessa  
carga horária na saúde física, mental e também na própria qualidade do  
trabalho prestado e frases como "essas são as regras", "quando prestou prova  
já sabia que eram 60 horas" são exaltadas além de um movimento de  
intensificação de cobranças e outros meios retaliativos frente aos  
questionamentos. Há uma naturalização do desgaste, do sacrifício, da  
desumanização desses profissionais que chega ao ponto de reposição de carga  
horária devido a adoecimento mesmo quando esse é oriundo da atividade  
laborativa (Tiê 12).  
Conforme o regimento interno:  
Art. 17º - Será permitida a interrupção temporária do Programa nas seguintes  
situações:  
a) Licença médica para tratamento de saúde, de até 5 dias no ano, consecutivos  
ou não, com percepção de bolsa, mediante apresentação de atestado médico;  
Bruna Alves da Motta; Keiza da Conceição Nunes; Ingrid de Assis Camilo Cabral  
§ 1 º - No afastamento que exceder o período indicado na alínea a deste Artigo,  
deverá ser reposto ao final do PRM e/ou até 10 dias úteis do período de férias  
da residência, sem pagamento da bolsa (Hemorio, 2023, p. 6).  
A instituição na qual o estudo foi executado, baseia-se na Resolução nº 5 de 7 de  
novembro de 2014, para justificar a compensação da carga horária, incluindo as de atestado  
médico:  
Art. 4º A promoção do Profissional da Saúde Residente para o ano seguinte e  
a obtenção do certificado de conclusão do programa estão condicionados:  
I - ao cumprimento integral da carga horária exclusivamente prática do  
programa (Brasil, 2014).  
A resolução acima, em momento algum afirma que os atestados médicos não são  
justificativas para abono de faltas ou confirma que existe a necessidade de compensar estes.  
Logo, o que impera é a compreensão de cada instituição. Cabe a cada unidade a elaboração do  
seu programa, a partir da interpretação das resoluções/leis/portarias e demais instrumentos  
legais.  
Porém, entendemos que a ausência de uma política pública que gerencie a residência  
multiprofissional em saúde em todo o território nacional, assim como existe na política de  
educação, abre diversas brechas para a exploração ainda mais profunda do trabalho. A  
construção de uma política pública de residência envolveria a padronização, institucionalização  
e criação de um arcabouço legal e regulatório que estabelecesse diretrizes para a residência.  
A transformação de programas isolados e com regimentos internos diferenciados em  
uma política pública unificada seria uma mudança significativa que implicaria uma abordagem  
mais ampla e estruturada para a formação de profissionais de saúde. Como bem evidenciado  
no artigo a seguir:  
454  
O conflito entre a organização do trabalho e o funcionamento psíquico pode  
levar ao adoecimento, o que ressalta a importância de uma readequação dessas  
resoluções com um olhar mais humanizado. Propõe-se amenizar essa  
problemática com a redução da carga horária para os residentes, fato que já  
ocorre em diversos países (Coêlho et al., 2018, p. 3.495).  
Além disso, o residente é um sujeito que vive na linha tênue do “binômio estudo-  
trabalho”, não tem vínculo empregatício, como escrito em sua legislação específica, porém,  
possui carga horária extensa e contrato de dedicação exclusiva12 que o impossibilita de vir a ter  
vínculo empregatício durante a residência (Coêlho et al., 2018).  
12 A dedicação exclusiva é uma característica apenas da Residência Multiprofissional. Na Residência Médica, a  
Lei 11.381/2006, revogou a legislação que regulamentava a dedicação exclusiva do médico residente.  
Libertas, Juiz de Fora, v. 25, n. 1, p. 439-462, jan./jun. 2025. ISSN 1980-8518  
O invisível salta aos olhos: saúde mental e residência multiprofissional no Hemorio  
Simultaneamente, o residente é considerado estudante, mas também é requisitado como  
trabalhador. Silva e Castro (2020) concordam que reiteradas vezes, os residentes acabam por  
ser utilizados como mão de obra explorada.  
[...] entendemos que o trabalho em saúde e a prolongada jornada de trabalho  
do residente inscrevem-se nos marcos da exploração do trabalho pelo capital.  
Ou seja, ainda que haja particularidades no “trabalho” do residente, essas  
particularidades não alteram sua condição de trabalhador (ainda que  
temporário) no modo de produção capitalista. Nesses marcos, entendemos que  
60 horas semanais são uma maneira de intensificação da exploração do  
trabalho, incompatíveis com as propostas de formação inscritas na RMS  
(Silva; Castro, 2020, p. 81-82).  
Os relatos dessa pesquisa também condizem com essa argumentação:  
Nenhuma relação é linear ou sem conflitos, porém, em alguns momentos,  
houve excesso e uma certa confusão na compreensão do lugar da residência  
na unidade, levando ao equívoco de abordagens e direcionamentos baseados  
na dicotomia residente/funcionário (Tiê 2).  
As equipes estavam reduzidas e, durante o primeiro ano, os residentes muitas  
vezes taparam o buraco da falta da equipe, independentemente do que dizia o  
cronograma pré-estabelecido para aquele dia. Não posso negar que isso  
melhorou durante o segundo ano. Mas no geral, por ser uma residência nova,  
alguns preceptores não sabiam como lidar com o residente e esse não lugar  
entre trabalhador e estudante (Tiê 8).  
Em primeiro lugar encontra-se a forma como os profissionais envolvidos  
diretamente no acompanhamento e formação dos residentes que tem um  
olhar/modo de lidar com o residente onde o aspecto de que estes são  
profissionais já formados em suas respectivas áreas mesmo que em um  
processo de formação em serviço. Desta forma se constitui uma relação onde  
o conhecimento recém adquirido durante a graduação é menosprezado [...]  
Para o residente é constante a sessão de ser "mais uma mão de obra" por um  
lado enquanto por outro é cobrado produção teórica (Tiê 12).  
455  
A própria forma de organização do programa implica em questões que  
colocam o residente ora como profissional, o que acarreta responsabilidades  
como tal, ora como simples estudantes sendo por vezes infantilizados em  
função disso (Tiê 13).  
Afinal, quem são os residentes na engrenagem do capitalismo? Como constatamos  
acima, os residentes são a base de uma cadeia onde ora são tratados como estudantes, ora como  
profissionais, de acordo com a necessidade dos serviços. Sabemos que o custo da mão-de-obra  
de um residente muitas vezes é mais econômico do que a de um servidor, devido à natureza do  
seu vínculo, além de ser renovada constantemente. Assim a residência garante a manutenção  
do exército industrial de reserva.  
Ademais, sabemos que a forma como a residência atualmente se configura, situa os  
profissionais residentes em uma cadeia de autoridade que apresenta o coordenador da  
Bruna Alves da Motta; Keiza da Conceição Nunes; Ingrid de Assis Camilo Cabral  
COREMU no topo dessa hierarquia e, por último, o residente. Entretanto, no organograma  
elaborado por Coêlho et al. (2018) o residente sequer é representado nessa hierarquia.  
Organograma 1: Hierarquia da Residência Multiprofissional em Saúde.  
Fonte: Coêlho et al., 2018.  
Essas desigualdades no campo do poder, de alguma forma, geram maior probabilidade  
de conflitos internos, falha na comunicação, entre outras situações. Em alguns relatos, essas  
relações estão associadas ao autoritarismo e ao assédio. Entendemos que há uma correlação  
entre as relações de gênero, raça, o lugar que o residente ocupa - nem profissional nem estudante  
- e a reprodução da opressão.  
456  
Há um número significativo de participantes que relatam ter sofrido algum tipo de  
assédio13, por isso, anular esse elemento iria contra o título deste artigo. Visto isso, pontuamos  
estas falas para que sejam visibilizadas e gerem reflexão para se pensar formas de combater  
qualquer tipo de assédio.  
Entendemos que essa pesquisa, para muitos participantes, foi o espaço em que tiveram  
a oportunidade de expressarem as questões que apareceram durante a residência, sem medo de  
consequências. Ou seja, um espaço onde suas “vozes” seriam “ouvidas" no anonimato.  
[...] Muitas vezes são vistos como um “peso” ou “alguém que ganha mais do  
que eu, então precisa ser explorado”, e acredito que essa não é a proposta da  
residência. A proposta é formar especialistas, não pessoas sem autonomia,  
13 A cartilha do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (2018) configura o assédio moral como uma  
exposição dos trabalhadores a situações humilhantes e constrangedoras, de forma repetitiva e prolongada no  
tempo, no exercício de suas funções. Já o assédio sexual consiste em constranger colegas por meio de cantadas e  
insinuações constantes, com o objetivo de obter vantagens ou favorecimento sexual.  
Libertas, Juiz de Fora, v. 25, n. 1, p. 439-462, jan./jun. 2025. ISSN 1980-8518  
O invisível salta aos olhos: saúde mental e residência multiprofissional no Hemorio  
com medo de errar porque serão muito julgadas/comparadas/expostas ou  
exploradas por alguém que simplesmente não quer fazer o seu trabalho (Tiê  
4).  
Para além disso, as inúmeras questões de assédio moral [...] (Tiê 11).  
Agora, com relação à experiência diária com a residência em si, acho que  
existe muita tensão, pressão e cobrança (e até maldade mesmo) nas relações  
hierárquicas que atrapalham muito que tenhamos uma vivência mais leve.  
Punições por eventos que desconhecemos, tratamento diferenciado entre  
residentes, tensões nos Estudos de Caso, exigência de participação das ações  
mensais e a sensação de estar sempre sendo vigiados e obrigados a pisar em  
ovos são desgastantes (Tiê 14).  
Me envolvi com a residência e sofri assédio [...] decidi buscar outro local para  
minha formação (Tiê 15).  
[...] também passei por situações de assédio sexual relacionado a um  
funcionário da instituição (Tiê 16).  
[...], ressalta-se que no dia a dia, diferentes elementos pontuados aqui e outros  
que não foram citados corroboram para um ambiente onde o assédio moral é  
perpetuado e naturalizado e justificado em nome de uma formação adequada  
para o mercado de trabalho (Tiê 22).  
Apesar dos relatos de assédio, não é possível afirmar se foi realizado algum  
procedimento legal em relação a tal ato. Essa informação não foi coletada, pois o questionário  
não possuía perguntas específicas sobre o tema e não foram fornecidos nas narrativas dos  
participantes.  
457  
Diante de um cenário como esse, o adoecimento físico e mental apresenta-se como  
resultado da vivência da residência. Os relatos de sintomas físicos associados ao processo de  
residência evidenciam gastrite, espasmos musculares recorrentes, e no que tange aos sintomas  
mentais houve uma frequência de respostas das seguintes manifestações: irritabilidade extrema,  
ansiedade, insônia ou distúrbio do sono, angústia, estresse e cansaço como ressaltamos em  
algumas falas a seguir:  
Uma realidade, neste período tem sido a presença constante do distúrbio de  
sono (insônia), um cansaço excessivo, físico e mental, problemas  
gastrointestinais e relacionados à imunidade que permanecem mesmo com a  
estabilização mediante medicamentos, acompanhamento psicológico e  
psiquiátrico (Tiê 12).  
Crises de ansiedade e angústia de ter que retornar ao Hemorio a cada novo dia  
(Tiê 17).  
Crises sistemáticas de ansiedade e na própria unidade sofri desmaio pelo  
desgaste físico e mental (Tiê 18).  
Antes da residência já tinha diagnóstico de transtorno de ansiedade que já  
estava controlada a alguns anos. Com a residência as crises de ansiedade  
voltaram e a terapia ajudava bastante, mas em um certo momento tive que  
interromper as sessões de terapia por falta de tempo [...] (Tiê 19).  
Bruna Alves da Motta; Keiza da Conceição Nunes; Ingrid de Assis Camilo Cabral  
Distúrbios de sono e ansiedade. Estive no Hemorio no período da pandemia.  
E como eu estava longe da minha família com certeza isso teve um impacto  
bem grande na minha saúde mental. Também a rotina inicial de trabalho  
durante os primeiros meses de pandemia também era bem exaustiva e mexeu  
muito com o emocional (Tiê 20).  
Foi de grande aprendizado e amadurecimento profissional, mas foram os dois  
anos de maior piora no quadro de saúde físico e mental devido ao alto nível  
de estresse e cansaço (Tiê 21).  
A partir dessas explanações verificamos que os sintomas são decorrentes do processo  
de ser residente e as condições oferecidas neste processo. O tempo dedicado à residência e a  
dinâmica do trabalho, por vezes, impõe o afastamento da família e a impossibilidade da  
realização do autocuidado, como terapia ou atividades de lazer.  
Perante isto, 76,5% do universo dessa pesquisa relatou que precisaram de acolhimento  
em saúde mental, sendo que ao descreverem onde encontram esse acolhimento, grande parte  
diz que encontrou suporte entre os próprios residentes e/ou com profissional qualificado através  
do plano de saúde.  
Diante dos relatos e diagnósticos de transtornos mentais citados, a Síndrome de Burnout  
nos chama atenção por tratar-se de uma doença decorrente do ambiente de trabalho e por  
observarmos que diversas manifestações citadas são sintomas de esgotamento profissional,  
conforme prevê o Ministério da saúde, o que pode significar um número maior de  
adoecimentos, porém, sem diagnóstico de um especialista. Os estudos de Cavalcanti et al.  
(2018) e Perniciotti et al. (2022) apontam a ligação das residências com o diagnóstico de  
transtornos mentais, dando destaque para a prevalência no número de Burnout14.  
Segundo o Ministério da Saúde, a doença  
458  
Síndrome de Burnout ou Síndrome do Esgotamento Profissional é um  
distúrbio emocional com sintomas de exaustão extrema, estresse e  
esgotamento físico resultante de situações de trabalho desgastante, que  
demandam muita competitividade ou responsabilidade. A principal causa da  
doença é justamente o excesso de trabalho. Esta síndrome é comum em  
profissionais que atuam diariamente sob pressão e com responsabilidades  
constantes, como médicos, enfermeiros, professores, policiais, jornalistas,  
dentre outros (Brasil, 2019).  
Nossa pesquisa demonstra que, dos sujeitos que tiveram acesso à um profissional  
especialista, oito tiveram diagnóstico relacionados à saúde mental, sendo três diagnosticados  
com Síndrome de Burnout.  
Ainda conforme Perniciotti et al. (2022), a síndrome em questão tem aumentado em  
profissionais da saúde de forma geral. Contudo, durante os anos de treinamento em programas  
14 Em 2019, a síndrome foi codificada na Classificação Internacional de Doenças CID 11 (código QD 85).  
Libertas, Juiz de Fora, v. 25, n. 1, p. 439-462, jan./jun. 2025. ISSN 1980-8518  
O invisível salta aos olhos: saúde mental e residência multiprofissional no Hemorio  
de residência, a prevalência é mais elevada, o que faz com que tenhamos um olhar mais atento  
para a Síndrome de Burnout, que já é considerada pela OMS como uma questão de saúde  
pública e, como tal, deveria ser pensada uma forma de diagnosticar e tratar esse adoecimento.  
No Brasil, aproximadamente 30% dos trabalhadores brasileiros sofreram com a  
Síndrome de Burnout em 2022. De acordo com o estudo da International Stress Management  
Association (Isma), o Brasil ocupa o segundo lugar em número de casos diagnosticados,  
superado apenas pelo Japão.  
Destacamos que algumas ações são realizadas para dar suporte ao residente na  
instituição pesquisada. Recentemente, foi implementada e incluída no cronograma da  
residência a atividade denominada de “InterAgir”. São ações em grupos que ocorrem  
mensalmente, sendo coordenada por uma profissional da enfermagem e um psicólogo.  
Além disso, os relatos também demonstram que os afetos e relacionamentos que nascem  
durante a convivência dos residentes são combustíveis para permanecer na jornada que tem  
como objetivo o título de pós-graduação. O acolhimento entre os pares é, segundo os  
entrevistados, um diferencial que traz conforto emocional.  
Apesar disso, encontramos uma taxa de desligamento considerável (29,4%) no  
programa, mas não foi possível identificar a sua causa. O questionamento que fica é se esses  
números têm relação com as questões de saúde mental. Se a resposta for sim, precisamos pensar  
em estratégias para lidar com tal situação, buscando mudanças para o modelo de residência  
multiprofissional instituído no Brasil, pois, embora o estudo tenha sido nessa instituição, há  
casos semelhantes em outras unidades.  
459  
Considerações finais  
A saúde mental tem sido negligenciada por anos, seja pelo seu histórico estigmatizante,  
marginalizado ou desconhecido. Essa negligência tem como elemento crucial, sua manifestação  
invisível ou invisibilizada. Em suma, este estudo buscou trazer uma centelha de luz para a saúde  
mental daqueles que cuidam/tratam da saúde de terceiros e por, muitas vezes, esquece ou é  
esquecido do próprio cuidado de si.  
Foram apresentados os principais elementos que atravessaram a saúde mental dos  
participantes da pesquisa durante a residência. Entretanto, este ensaio não busca limitar ou  
apenas pontuar as limitações de processo de residência multiprofissional, e nem tem a pretensão  
de propor ações internas específicas. Este estudo é um pontapé para que as gestões em toda a  
sua hierarquia pensem no cuidado dos residentes, desta vez, a partir das perspectivas deles.  
Bruna Alves da Motta; Keiza da Conceição Nunes; Ingrid de Assis Camilo Cabral  
Nosso objetivo é proporcionar a reflexão sobre o tema e fomentar que, coletivamente,  
busquemos uma nova configuração de residência multiprofissional, já que os estudos  
desempenhados neste texto comprovam que a residência da forma como está organizada é um  
ambiente adoecedor.  
Como um sistema que objetiva produzir saúde naqueles que o utilizam é, ele  
mesmo, gerador de doenças naqueles que o fazem rodar? Esse paradoxo que  
só pode surgir com a alienação do homem de seus meios de produção não deve  
persistir se quisermos otimizar nosso cuidado para todos neste sistema que  
queremos universal (Marinho et al., 2022, p. 92).  
O resultado dessa pesquisa é apenas um recorte de como a apropriação da Residência  
como forma de maximização da produção e minimização dos gastos, reforça a lógica do  
trabalho na forma em que é concebido hoje, e como isso se materializa na saúde mental.  
Os elementos apresentados não são um caso isolado apenas da instituição. O resultado  
reflete a sociedade e a forma pela qual é realizada a produção e a reprodução da vida. Numa  
sociedade que opta pelo lucro em detrimento da vida e da saúde, a exploração de uma mão de  
obra barata é essencial. E infelizmente, os residentes ocupam esse lugar.  
Para tanto, mudanças precisam ser iniciadas. No plano macro, implementar a residência  
como uma política pública é um passo. Para isso, é necessário o apoio de autoridades  
governamentais em diferentes níveis, bem como o envolvimento de instituições de ensino  
superior, serviços de saúde e outras partes interessadas. Isso requer um planejamento cuidadoso  
na elaboração da regulamentação e diretrizes.  
460  
A transformação da residência em uma política pública é uma medida importante para  
garantir que a formação de profissionais de saúde atenda às necessidades da sociedade e  
contribua para a qualidade e equidade na prestação de serviços de saúde. Os benefícios podem  
ser substanciais em termos de força de trabalho qualificada e atendimento de saúde eficaz.  
No plano institucional, a criação de um projeto multiprofissional em saúde mental  
poderá trazer grandes benefícios, com espaço de escuta e formação, como o debate sobre  
assédio. Isso demonstra um compromisso com o bem-estar e a formação de profissionais de  
saúde, garantindo que eles estejam preparados para enfrentar os desafios da prática assistencial  
e clínica de maneira saudável e sustentável.  
Portanto, concluímos que durante a residência, os sujeitos envolvidos atravessam  
processos que causam sofrimento, porém, também encontraram abrigo e afeto que os faz  
permanecer e suportar a jornada. Residência, no sentido literal, significa moradia, localidade  
onde uma pessoa vive, durante dois anos os residentes vivem intensamente no Hemorio, e neste  
tempo algumas pessoas fazem morada dentro uma das outras.  
Libertas, Juiz de Fora, v. 25, n. 1, p. 439-462, jan./jun. 2025. ISSN 1980-8518  
O invisível salta aos olhos: saúde mental e residência multiprofissional no Hemorio  
Em síntese, realizar esta pesquisa e apresentar algumas considerações acerca do rico  
material que resultou desta, teve grande relevância para aquela que escreve e que vivencia a  
residência. Desejamos ainda que para um número ínfimo da sociedade, o invisível esteja  
materializado nesta pesquisa e, que a partir dessa visibilidade, sejam realizadas reflexões e  
debates - e sendo, talvez, utópica - que esse ensaio consiga auxiliar na criação de uma nova  
forma de organização de residência multiprofissional em saúde, não só no Hemorio, mas  
também no Brasil.  
Referências bibliográficas  
BEHRING, E. R. Brasil em contrarreforma: desestruturação do Estado e perda de direitos. 2.  
ed. São Paulo: Cortez Editora, 2008.  
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. 18. ed. Brasília,  
DF: Senado, 1988.  
BRASIL. Ministério da Educação. Resolução N.º 5, de 7 de novembro de 2014.  
BRASIL. Ministério da Educação. Resolução CNRMS N º 3, de 4 de maio de 2010.  
BRASIL. Ministério  
da Saúde.  
Síndrome de Burnout. Disponível  
em:  
em: 13 fev. 2024.  
Acesso  
CARNEIRO, S. Racismo, sexismo e desigualdade no Brasil. São Paulo: Selo Negro, 2011.  
CAVALCANTI, I. L. et al. Burnout e depressão em residentes de um Programa  
Multiprofissional em Oncologia: estudo longitudinal prospectivo. Revista Brasileira de  
Educação Médica, v. 42, p. 188-196, 2018.  
COÊLHO, P. D. L. P. et al. Processo saúde-doença e qualidade de vida do residente  
multiprofissional. Revista Enfermagem UFPE on line, Recife, v. 12, n. 12, p. 3492-3499,  
461  
dez.  
2018.  
Disponível  
em:  
fev. 2024.  
CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO. Prevenção e enfrentamento ao  
assédio moral e sexual (Cartilha). Brasília: CNMP, 2018. Disponível em:  
2024.  
HARVEY, D. Enigma do capital: e as crises do capitalismo. Tradução: João Alexandre  
Peschanski. São Paulo, 2011.  
HEMORIO. Regimento interno residência multiprofissional do Instituto Estadual de  
Hematologia. Coordenação de Desenvolvimento Institucional, Serviço de Ensino. Rio de  
Janeiro, 7 jan. 2023.  
IAMAMOTO, M. V. A questão social no capitalismo. Revista Temporalis, Ano 2, n. 3, jan./jul.  
2001. Brasília: ABEPSS.  
MARINHO, M. M. T.; PAIVA DOS SANTOS, A. Reflexão em torno da síndrome de burnout  
em médicos na atenção primária. Revista da ESP, v. 16, p. 88-93, 2022.  
MINAYO, M. C. S.; SANCHES, O. Quantitativo-qualitativo: oposição ou complementaridade?  
Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 9, n. 3, p. 239-262, 1993.  
PERNICIOTTI, P. et al. Síndrome de Burnout nos profissionais de saúde: atualização sobre  
definições, fatores de risco e estratégias de prevenção. Revista da SBPH, v. 23, p. 35-52,  
2020.  
Bruna Alves da Motta; Keiza da Conceição Nunes; Ingrid de Assis Camilo Cabral  
SAVIANI, D. Trabalho e educação: fundamentos ontológicos e históricos. Disponível em:  
SILVA, L. B.; CASTRO, M. M. C. E. Serviço Social e Residência em Saúde: trabalho e  
formação. 1. ed. Campinas: Papel Social, 2020. v. 1. 184 p.  
SANTOS, R. et al. O papel da residência multiprofissional no sistema único de saúde:  
perspectivas e contradições. 2017. Dissertação (Mestrado em Serviço Social) - Programa de  
Pós-graduação da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2017.  
SOMOS quem podemos ser. Intérprete: Engenheiros do Hawaii. Compositor: Humberto  
Gessinger. In: OUÇA o que eu digo, não ouça ninguém. Intérprete: Engenheiros do Hawaii.  
São Paulo: PluG, 1988. 1 LP, faixa A3.  
TEIXEIRA (org.) Mulheres e saúde: as diferentes faces da inserção feminina no trabalho. In:  
PADILLA, M.; GOSCH, C.; POSSA, L. B.; FERLA, A. A. (org.). Mulheres e saúde: as  
diferentes faces da inserção feminina no trabalho e na educação em saúde. Porto  
Alegre/Brasília: Rede Unida, 2021. Disponível em: https://editora.redeunida.org.br/wp-  
TONET,  
I.  
Trabalho  
e
formação  
humana.  
Disponível  
em:  
em: 11 fev. 2024.  
462  
Libertas, Juiz de Fora, v. 25, n. 1, p. 439-462, jan./jun. 2025. ISSN 1980-8518