A superação do obstáculo epistemológico do  
mulato: método e ambiguidade  
Overcoming the epistemological obstacle of the mulatto: method and  
ambiguity  
Erykah Rodrigues dos Santos Iturriet*  
Rafael Cardiano**  
Resumo: Findando uma orientação de pesquisa  
que percorre o tema das identidades pretas e  
pardas brasileiras, o objetivo deste trabalho está  
Abstract: Finding a research orientation that  
covers the theme of Brazilian black and brown  
identities, the objective of this work is related to  
the brown position of ambiguity centered as an  
analysis methodology, in addition to its  
fundamental characteristic in the Brazilian  
racist ideological system. Therefore, the way in  
which the brown classification was constructed  
in Brazilian society is full of variations that need  
to be organized from a political-revolutionary  
point of view, questioning the old ways of  
perception fought by social sciences, without  
forgetting the prism of social structures that  
influence the reading perception of black  
Brazilian subjects.  
relacionado com  
a
posição parda de  
ambiguidade centrada como metodologia de  
análise, além de sua característica fundamental  
no sistema ideológico racista brasileiro.  
Portanto, a maneira pela qual se construiu a  
classificação parda na sociedade brasileira está  
cheio de variações que precisam ser organizadas  
partindo de um ponto de vista político-  
revolucionário, questionando as maneiras  
antigas de percepção aguerridas pelas ciências  
sociais, sem esquecer o prisma das estruturas  
sociais que influem na percepção de leitura dos  
sujeitos negros brasileiros.  
Palavras-chaves: Raça; Negros brasileiros;  
Sociologia negra; Decolonial e contracolonial;  
Pardo.  
Keywords: Race; Black brazilians; Black  
sociology; Decolonial and countercolonial;  
Brown.  
Introdução  
Este trabalho é fruto de uma extensa pesquisa bibliográfica que perpassa a experiência  
de pretos e pardos, donde permitem a (re)existência de novas epistemologias com enfoque no  
Sul Global. Dito isso, a experiência da identidade se projeta na realidade social e coincide com  
as dificuldades e opressões percebidas ou não pelas pessoas, além de interessar as ciências  
* Centro Universitário Internacional. E-mail: henricoi@hotmail.com  
** Universidade Federal do Pampa. E-mail: rafaelcardiano.aluno@unipampa.edu.br  
DOI: 10.34019/1980-8518.2025.v25.46478  
Esta obra está licenciada sob os termos  
Recebido em: 06/11/2024  
Aprovado em: 03/04/2025  
Erykah Rodrigues dos Santos Iturriet; Rafael Cardiano  
sociais justamente por sua característica dinâmica e metodológica complexa que permite  
desvelar espaços sociais cada vez mais embutidos de sentido, signos, convenções, regras,  
denominações e divisões inoperantes frente a conquista e construção de um novo futuro.  
Logo, não será contraditório tratar a contradição, além do nível marxista “ortodoxo”  
geral, uma complexidade maior do que já é. Por diversas vezes, a motivação surgiu de uma  
negação identitária vindo do grupo de pessoas pretas, que nunca julgaram-se como culpadas  
dessa atribuição, e, por outro lado, a negação de espaços1 majoritariamente brancos quando  
nossos corpos, nossas palavras e nossas ideias eram desconsiderados sem nenhum tipo de  
reflexão pelo espaço que é considerado socialmente como deles. O contato com as dinâmicas  
de opressão e dominação levaram a refletir sobre as metodologias de análise destas realidades  
e, portanto, pensar de que forma a realidade social se abriga em metodologias europeias-  
coloniais, criadas justamente para uma dada Teoria da Diferenciação, em contraste com uma  
forma prática de analisar a realidade de maneira dinâmica, está sendo a Teoria da Diferença.  
O título do trabalho remete a um artigo importante escrito por Eduardo de Oliveira e  
Oliveira com o nome Mulato: o obstáculo epistemológico (1974), que por inúmeras tentativas  
de formulação no escopo dos cientistas sociais, até hoje permanece uma incógnita devido à  
dificuldade de atribuição política e os sentidos imbuídos de intersecções simbólicas e rígidas  
frente a estratificação objetiva do capitalismo brasileiro. Logo, o sentido de superação do  
obstáculo se propõe a construir uma visão epistemológica que compreende a necessidade de  
realocar o problema estrutural do conhecimento e reorientar seus mecanismos de análise frente  
às subjetividades negras construídas no Brasil, ao mesmo tempo que supera essa classificação  
e passa a ver o “mulato”, hoje pardo, como um dilema político que se firma com ambiguidade  
em suas relações sociais e confirma um projeto de resistência e conformismo, desvelando a  
análise das contradições como importante mecanismo de interpretação de simbolismos e de  
finalidades nos aparelhos ideológicos dos discursos racistas e do sistema estrutural do racismo  
brasileiro.  
136  
Meu Brasil… terra de quem?  
A dificuldade de analisar uma terra contraditória desde sua origem remete a uma  
tentativa sistemática de cientistas sociais de “desvelarem” a realidade social em prol de uma  
1
Quando nos referimos aos “lugares de branco” na sociedade, estamos fazendo referência às demarcações  
historicamente situadas nas instituições sociais e nas estruturas sociais do país. Cida Bento (2022) em O pacto da  
branquitude vai dar caráter científico a essa tipologização pela delimitação do senso comum compartilhado a um  
determinado espaço que pertenceria a alguma raça, o que serve como mecanismo de reprodução de poder branco  
e ao mesmo tempo de exclusão da população negra.  
Libertas, Juiz de Fora, v. 25, n. 1, p. 135-156, jan./jun. 2025. ISSN 1980-8518  
A superação do obstáculo epistemológico do mulato: método e ambiguidade  
bifurcação diferenciadora. A terra do pau-brasil, da abundância paradisíaca, o trópico onde os  
pecados não têm vez, é fundada por estruturas violentas e que tornam o Brasil, primordialmente,  
uma forma de sociedade autoritária (Chaui, 2000; 2023).  
Aliada a concepção decolonial e contracolonial, percebemos o difícil abismo que  
decorre dos silêncios das sociedades brasileiras devido a destruição sistemática de saberes e da  
assimilação de comportamentos brancos que confluem numa nova perspectiva simbólica na  
dimensão metodológica das ciências sociais (Ribeiro, 2015), e que está intimamente ligada com  
a construção dos saberes europeus “marginalizados”, mas que tomam uma face hegemônica  
devido ao sentido da colonialidade das epistemologias (Quijano, 2009). O que importa nesta  
pesquisa, é seguir o imperativo essencial para a construção de uma linguagem própria e que  
transgride a necessidade de se ancorar nas concepções dominantes no campo das ciências  
sociais: o objetivo aqui é compor uma análise com pensadores latino-americanos, dando  
primazia aos brasileiros, do mesmo modo que tem em vista a superação dos próprios  
mecanismos que constroem o discurso da escrita científica, pois o mesmo está em contato com  
a sub-estrutura dominante da epistemologia europeia.  
Isso não significa ignorar ou negligenciar a metodologia europeia e norte-americana  
das ciências sociais, pelo contrário, usa da defesa se apropriando da arma que tirou, em primeiro  
lugar, nossa voz de exposição (Santos, 2023) e de colocação num lugar ao mundo (Ribeiro,  
2017). Então questiono a construção da terra do Brasil, e deste modo se coloca uma posição na  
historiografia brasileira para determinar de que maneira alguns processos sociais foram  
construídos para a consolidação de estruturas que tem o lócus no racismo (Oliveira, 2021;  
Theodoro, 2022) e sua respectiva subalternização nos espaços de apagamento que são  
determinados e abstralizados (Gomes, 2017) pelo grupo dominante que cria as referências de  
aparição na sociedade brasileira: a branquitude (Bento, 2022).  
137  
Para pensar uma genealogia conceitual, é necessário, primeiro, desenhar o terreno  
histórico determinado para analisar, de maneira dinâmica e mais precisa, a existência de  
determinado conceito enquanto tal (Mészáros, 2008). Caso contrário, este será apenas mais um  
dos potencializadores da ideologia e de um pensamento circundante, que cria os próprios  
pressupostos para firmar a necessidade de existência de seus posteriores, uma questão de  
método essencialmente ideológica (Chaui, 2023; Mészáros, 2008).  
O caminho de tudo possui uma historiografia própria (Robinson, 2023), a  
mercantilização do capitalismo na “Europa” e a sua disseminação para a constituição de capital  
industrial demandava algo que por dentro dos limites territoriais materiais dos então em  
formação Estados-nações não poderiam se arriscar a construir: um trabalhador superexplorado  
Erykah Rodrigues dos Santos Iturriet; Rafael Cardiano  
que precisasse exclusivamente de uma relação subordinada ao que Marx (1988) construiu como  
motor de movimento da história: a luta de classes. Por mais que pensadores brasileiros e o  
próprio Marx (2013) tenha o feito em O Capital, o principal ponto que permitiu a acumulação  
do que é chamado de “capital primitivo” foi a submissão da mão de obra escravizada dos países  
colonizados para a possibilidade de expropriação dos países europeus (Quijano, 2009; Furtado,  
2007; Robinson, 2023), e aqui tem-se a centralidade da Inglaterra como pólo político e  
urbanizado, que com a Guerra dos Cem Anos conseguiu uma parcela de expropriação da  
França, do mesmo modo que conseguiu subalternizar Portugal nos tratados de comércio, assim,  
passando primeiro pela famosa Revolução Industrial (Fernandes, 2020; Robinson, 2023;  
Tavares, 2019). Donde, finalmente, se logra a um novo tipo de acumulação do sistema de  
capital. O modo de produção e de acumulação mercantilista, caminha progressivamente nos  
países centrais à manufatura e ao capital industrial.  
Além da visão economicista que predominou nos sentidos positivistas das ciências  
sociais durante o século XIX e a metade do século XX, os Estados-nações eram percebidos  
como disputas geopolíticas intermitentes frente a necessidade de exploração de terra e mão de  
obra para o processo de assalariamento e da criação de um proletariado urbano submetido às  
leis da indústria e a burguesia emergente (Robinson, 2023; Chaui, 2023). Neste sentido, o  
expresso de Hegel sobre a dominação se deu sobre o aspecto da divisão entre “letrados” e  
“iletrados”, “cultos” e “não-cultos”, deu sentido às formas de consolidação da soberania estatal  
do republicanismo na era iluminista, que perpassou a uma ideia de “massas” sobrecarregadas  
nas concepções à esquerda e à direita em todo o globo no século XX (Chaui, 2023). Essas  
dimensões pesam sobre um plano de fundo antropológico pouco discutido na hora de distribuir  
a posição de gênero, raça e sexualidade nas análises centrais nos centros de dominações  
confluentes, entendidos como não centrais (estruturais), mas como superestruturas, nos termos  
marxistas, de reflexos da divisão social das classes sociais e dos conflitos intermitentes do  
mundo social.  
138  
O sociólogo Aníbal Quijano (2009) questionou o materialismo dialético de Marx, ao  
propor a reorientação da realidade latino-americana e os papéis atribuídos à invenção da  
“América” como discurso e como realidade material devido a invasão da então fragmentada  
ideia europeia de identidade. Ao pôr em questão as determinações historiográficas do sentido  
diacrônico dos termos que foram construídos subjacentes às visões ocidentais, que já tinham  
em suas epistemologias as construções dicotômicas que imperaram o pensamento das ciências  
sociais desde sua consolidação positivista no século XIX (Adorno; Horkheimer, 1985), Quijano  
Libertas, Juiz de Fora, v. 25, n. 1, p. 135-156, jan./jun. 2025. ISSN 1980-8518  
A superação do obstáculo epistemológico do mulato: método e ambiguidade  
(2009) se propõe a atacar as bases das epistemologias europeias-coloniais em suas funções  
estruturantes.  
A função da criação do termo cunhado por Quijano (2009) de “Colonialidade do Poder”  
permitiu a reorientação da dialética racista que toda epistemologia que separa coisa de pessoa,  
ou melhor, que cria o processo de coisificação através da metodologia homogeneizadora  
idealista (ou seja, que torna abstrata sistemas reais de pensamento), tem uma prospecção  
colonial devido a aplicação dessas ideias em povos africanos, latino-americanos e asiáticos. Ou  
seja, Quijano reorienta o processo de mundialização não apenas como um substrato da  
necessidade de acumulação primitiva, mas como necessidade de rearticulação identitária para  
a capacidade de invenção do nacional e de sua legitimidade como soberania para o  
funcionamento do Estado em seus diversos Eixos de Poder (Chaui, 2023; Quijano, 2009). É o  
que funda a modernidade.  
Portanto, o autor cunha a “América” como o Centro da mundialização do capital, porque  
sem ela, a “Europa” nunca teria sido inventada como homogeneização abstrata de dominação  
frente aos povos que necessitam dominar para sua própria autoafirmação como Ser, logo, como  
detentores dos meios de produção, dominação, silenciamento e aparição (Gomes, 2017). E  
abstrata porque Robinson (2023), ao investigar a Europa pré-colonial, demonstra que a visão  
construída sobre um povo europeu patriótico e único é completamente falsa devido aos  
inúmeros conflitos de terra e de dificuldade de formulação das ideias de Estados-nações, que  
de fato foram existir a partir da criação das Américas e que deu ar mais consolidado ao  
imperialismo.  
139  
O filósofo Enrique Dussel (1995) se aprofundou nesse processo de americanização das  
“terras americanas” e da maneira no qual o processo idealista de identidade europeia se formou  
com o discurso da modernidade, ao passo que fundou o que chama de ideologia da exclusão,  
ou melhor, o sentido direto da Colonialidade do Poder. Não é surpresa que o processo de  
modernização foi e é um processo que capitaneou múltiplas interpretações dentro do campo das  
ciências sociais. Ele tem origem desde a formulação do pensamento romântico na Europa,  
pinceladas do idealismo alemão, contrastes entre a teoria política dos contratualistas na época  
iluminista, e influência direta da consolidação da ideologia liberal como política-econômica na  
Inglaterra (Adorno; Horkheimer, 1985; Chaui, 2023; Mészáros, 2007). Por outro lado, a visão  
da Antropologia também era dotada de formulações racistas que fundaram inúmeros sentidos  
nas técnicas empregadas no Brasil, tendo seu ápice na junção do aparato jurídico-estatal a um  
projeto de Brasil higienista e eugênico (Munanga, 2020; Goés, 2022; Theodoro, 2022; Chaui,  
2000; Segato, 2021).  
Erykah Rodrigues dos Santos Iturriet; Rafael Cardiano  
As características dos “Europeus”, a grande nova invenção, eram simplificadas em:  
civilizado (visão positivista e dividida pela visão de cultura erudita da época) (Chaui, 2000),  
moderno (dotado de um novo tipo de trabalho capitalista que rege a ideia desenvolvimentista  
de ideal de nação) (Dussel, 1995) e, mais importante, Branco (consolidando o termo raça como  
o principal diferenciador dentro das estruturas orientadas pelos Eixos de Poder) (Quijano, 2009;  
Gordon, 2023). Neste meio, a construção de soberania e da nação em si privilegiou a adoção da  
apropriação do popular pelos meios dominantes, e assimilou-os em uma espécie de formação  
de caráter nacional e de identidade nacional (Chaui, 2023; 2000).  
Todas essas atribuições determinavam o que era visto, de que forma era visto, e por  
quem era visto: tendo predominância aqueles que detinham os meios de formulação e, por outro  
lado, tinham posse das relações sociais que desenrolaram nos países subjacentes à dominação.  
Percebam, não há processos estáticos que demarcavam a noção de construção histórica dessas  
identidades, porque é um processo que se retroalimenta, se produz e reproduz até hoje. Logo,  
os espaços sociais, além de construções dialéticas e materiais historicamente determinadas,  
estão sempre em disputa para a consolidação de uma nova perspectiva que supere os entraves  
do passado, mas, que pelas cadeias estruturais do poder, também são orientadas ao conformismo  
e a idealização (Chaui, 2023). Falar desse jeito implica que a invenção das nações se deu em  
concomitância com todos os outros processos que produziam setores de desigualdade  
estabelecidos (Theodoro, 2022), que são logicamente interseccionais por sua origem (Quijano,  
2009; Gonzalez, 2020), donde se transformam na prática real da cotidianidade dos indivíduos,  
pelo qual são atribuídos sentidos pelos processos imbricados. Falar da invenção brasileira é  
falar da consolidação do seu povo não como material estilístico, retórico ou idealista, é  
necessário falar sobre uma forma que contém conteúdos diversos e heterogeneamente  
conectados (Quijano, 2009), e que respaldam na noção de ideologia marxiana (Marx; Engels,  
2021; Chaui, 2008) que admite, pelo menos, as divisões internas que o conceito de luta de  
classes abarca na sua totalidade.  
140  
Os povos, nesse sentido, são a expressão do popular dominado como maneiras de  
intersecção conformistas ou/e de resistência (Chaui, 2023), fundados por uma sociedade  
instituída pela formação da Colonialidade do Poder e da raça (Quijano, 2009), donde obtém  
referências de um ideal “civilizado”, “progressivo” e “branco” (Dussel, 1995; Gordon, 2023)  
alicerçado no projeto de sua própria invenção, do mesmo modo que coloca num jogo de disputa  
política as classificações epistemológicas e as vozes dos indivíduos que são determinados  
historicamente pelas condições que vivem (Freire, 2022), e pela atribuição de consciência  
construída por eles mesmos (Segato, 2021), isto é, a dominação não absoluta. Isto tudo dentro  
Libertas, Juiz de Fora, v. 25, n. 1, p. 135-156, jan./jun. 2025. ISSN 1980-8518  
A superação do obstáculo epistemológico do mulato: método e ambiguidade  
de uma lógica que é orientada por um centro de atividade social determinada pelo capital  
(Mészáros, 2007), e complexificada pelo racismo e pelas divisões internas e externas das classes  
sociais (Oliveira, 2021; Marx; Engels, 2021).  
Pensar as condições de uma classificação brasileira, é refletir, antes de chegar ao Brasil  
como comandante do navio, as perspectivas passadas que orientam a visão do colonizador e a  
atribuição do colonizado como um status de construção de coisa. De fato, diferenciadora e não  
diferente (Barroso, 2016).  
E chegando no Brasil, descobrimos que as relações que fundam a nossa estrutura são  
violentas, depravadas e sem óptica para se revestir de um espelho narcísico. O Brasil começa  
como terra demarcada, logo após a invenção da colonialidade com a chegada de Cristóvão  
Colombo (Robinson, 2023; Quijano, 2009). Os indígenas que aqui estavam, encontraram-se  
com os navios aportados e foram ideológica e materialmente dominados pelos Portugueses que  
aqui abarcavam. Um dos conceitos que orienta esse contato, num erro metodológico no mínimo  
colonial, foi compreender o “sincretismo brasileiro” e a “assimilação” como estipêndio da  
naturalização “hibridista” do contato entre nativos e colonizadores (Moura, 2019). Clóvis  
Moura salienta que o caráter de utilização desses termos, para construir uma sociologia do negro  
brasileiro, é complexa e necessita de preocaução para ser trabalhada. Afinal, em contato com  
uma cultura e um povo completamente diferente do seu, as articulações e dispositivos de poder  
existentes (Foucault, 2021; Butler, 2022; Carneiro, 2005), produzem um etnocídio sistemático  
para a consolidação de uma única alternativa de prática real: aquelas com a intromissão do  
branco (Gonzalez, 2020; Mombaça, 2015).  
141  
Em contraste com a máscara que africanos escravizados eram forçados a utilizar como  
punição para não angariarem motins e rebeliões (Kilomba, 2017), o precedente indígena que  
aqui vivia foi dominado pela lógica assimilacionista materializada na prática do cunhadismo  
(Ribeiro, 2015), que consistia na miscigenação orientada para o controle dos indígenas, uma  
forma de biopoder depositado em um corpo (Mbembe, 2018), ao mesmo tempo que funcionava  
como válvula de vigilância (Foucault, 2021; Ribeiro, 2017) perante outros indígenas, e que se  
interseccionavam com a classe dominante em construção. A figura do Caboclo é então  
construída (Moura, 2014; Ribeiro, 2015). A formação da dominação estratégica do colono tem  
uma das suas funções tomar posse do corpo do colonizado, descrevê-lo, determiná-lo  
essencialmente, e orientá-lo como força de vigilância e produção para o seu enriquecimento,  
fortalecimento e legitimidade de poder, assim como determiná-lo em uma posição social  
construída para o próprio processo de consolidação de identidade.  
Erykah Rodrigues dos Santos Iturriet; Rafael Cardiano  
O chamado processo de branqueamento aqui será descrito não apenas como uma  
formulação estética e de comportamentos sob a égide da branquitude (Theodoro, 2022), mas  
um aspecto narcísico da personalidade branca que constituí as orientações de outros povos para  
a sua própria formação e para favorecer a espoliação de existências e recursos em seu nome,  
que acha fundamento na expressão da luta de classes brasileira (Gordon, 2023; Bento, 2022;  
Gonzalez, 2020). Cida Bento (2022) chama isso de o pacto narcísico da branquitude, consiste-  
se em um mecanismo não dito em concomitância com os hábitos familiares de reprodução de  
comportamento dos estamentos privados, ou seja, hereditários socialmente, e, atualizados para  
o século XXI, que organizam o lugar de negro (Gonzalez, 2020) e o lugar de branco,  
respectivamente, nas instituições públicas e privadas.  
Essa disparidade de poder é vista pelos eixos movimentados pelo Estado Brasileiro  
Colonial (regido por Portugal) (Moura, 2014), pelo período do Brasil Império, do início ao seu  
final (Theodoro, 2022), pela consolidação da “República” brasileira (no período das oligarquias  
dos coronéis) (Theodoro, 2022), no Estado Novo varguista, que manejou a criação do Mito da  
Democracia racial (Gonzalez, 2020; Carneiro, 2011) com a industrialização brasileira e sua  
consolidação máxima de sociedade desigual, a ditadura brasileira de 1964, que mais uma vez  
fechou os olhos para o “problema racial” (Gonzalez, 2020), e posteriormente com a “Nova”  
República, donde os problemas estruturais da desigualdade permanecem em estado de semi-  
imobilidade (Moura, 2014).  
142  
Não é surpresa que dentro das metodologias negras da metade do século XX até hoje,  
são imperiosas ao discorrer sobre as condições de silêncio/silenciamento da classe trabalhadora  
e população negra (Ribeiro, 2017; Gomes, 2017; Gonzalez, 2020; Carneiro, 2005; Mombaça,  
2015; Kilomba, 2017; Robinson, 2023; Daflon, 2017; Carine, 2023; Devulsky, 2021; Oliveira,  
1974), e nem mesmo as assumpções do racismo estrutural (Theodoro, 2022; Oliveira, 2021;  
Goés, 2022; Haider, 2019). Essa nova perspectiva impulsiona os novos pesquisadores a buscar  
novas respostas a problemas historicamente determinados. E uma delas demonstrou dificultar  
a capacidade de práxis frente aos problemas de raça, que aqui adquire o contorno de problemas  
de toda a sociedade brasileira (Theodoro, 2022), e as formas de percepções que são analisadas  
frente aos novos dados empíricos conquistados para medir os níveis de desigualdades existentes  
entre os corpos negros (Telles, Silva, 2021; Daflon, 2017). Ademais, não podemos ignorar a  
conquista do Movimento Negro pela consolidação da Lei de Cotas (Gomes, 2017; Daflon,  
2017; Carneiro, 2011; Jesus, 2021), e seu respectivo embate frente a uma intelectualidade média  
urbana branca, expressa numa carta de contestação a aplicação da Lei de Cotas ao Supremo  
Tribunal Federal (Theodoro, 2022), e da direita como um todo pela inserção de cotas em  
Libertas, Juiz de Fora, v. 25, n. 1, p. 135-156, jan./jun. 2025. ISSN 1980-8518  
A superação do obstáculo epistemológico do mulato: método e ambiguidade  
universidades, concursos públicos e empresas privadas, no qual ataca diretamente o pacto da  
branquitude (Bento, 2022; Jesus, 2021).  
Destes embates, um se infiltrou na cadeia dos Movimentos Negros e se tornou  
imperativo de dilema político (Campos, 2013): o pardo. E ele é expresso pela pergunta: quem  
é negro no Brasil?  
Quem é aquele que vem lá? Sabe que eu num sei…  
Quando Oliveira (2021) afirmou que raça só existe no meio de uma relação social, ele  
salientou o caráter construtivista da raça em todas as instâncias universalizantes demandadas  
pelo eixo da Colonialidade do Poder, ao mesmo tempo que expôs novamente a racialização  
como proponente de construção social hierarquizada do capitalismo. Oliveira traçou os  
primeiros passos para a consolidação de uma nova-velha questão que surgiu, primeiro, com a  
pesquisa de Oracy Nogueira sobre percepção fenotípica no Brasil, e o tipo de ideologia que  
orienta essas relações sociais, e reafirmou o que os decoloniais expostos aqui também  
afirmaram: que nós somos uma invenção feita pela mão do branco, “civilizado”, “moderno”,  
mas que de algum modo, também temos nosso próprio poder de construção e de percepção, ou  
seja, sempre produzimos resistências.  
Deste modo, está parte do trabalho tratará de discutir a miscigenação como forma de  
significação de conformação e de produção de ambiguidade pela classe dominante, e que, ainda  
por cima, delimita as fronteiras de potencialidade de uma consciência Negra (com N maiusculo)  
(Gordon, 2023), no qual dá importância ao método utilizado por Marilena Chaui (2023) em  
Conformismo e resistência, para construir uma visão de cultura e movimento político mais  
complexificada e que não cai em embates metodológicos clássicos nas percepções  
universitárias.  
143  
A escolha de utilizar o método de Chaui possui um objetivo específico neste trabalho:  
ao passo que as condições de discurso e linguagem começam a ser apropriadas pelas pessoas  
negras no Brasil, o que é entendido como obstáculo epistemológico, isto é, o “mulato” (Oliveira,  
1978), normalmente se atribui apenas a espacialidade territorial e individual de interpretação  
(Nogueira, 2007), e utiliza das pesquisas econômicas para juntar as populações pretas e pardas  
como única (Daflon, 2017; Telles; Silva, 2021; Oliveira, 2021; Fernandes, 2021; Moura, 2019,  
Segato, 2021), numa visão de política identitária individualista (Haider, 2019; Dussel, 1995).  
Utilizando uma metodologia que compreende a cultura como um centro de geração de  
significados compartilhados e interseccionados por um grupo, pois então, político, no sentido  
de poderes e dispositivos de poder (Carneiro, 2005; Foucault, 2021; Gonzalez, 2020), e  
Erykah Rodrigues dos Santos Iturriet; Rafael Cardiano  
ideológico no sentido de dominação imposto pelas estruturas e classes dominantes (Chaui,  
2008; 2023; Williams, 2011), e dentro do cenário de contracolonização (Santos, 2023), decidiu-  
se compor uma visão que privilegie as intersecções possíveis frente ao espectro de cores  
brasileiros (Devulsky, 2021; Telles; Silva, 2021). Do mesmo modo, intercalar a questão de  
identidade com os mecanismos de poder (Schwarcz, 2012; Jesus, 2021), donde se insere como  
classificação política de reivindicação e de organização política (Barroso, 2016; Mombaça,  
2015; Campos, 2013) e se articula em concomitância com a concepção de hegemonia de Chauí:  
É um complexo de experiências, relações e atividades cujos limites estão  
fixados e interiorizados, mas que, por ser mais do que ideologia, tem  
capacidade para controlar e produzir mudanças sociais. Em uma palavra, é  
uma práxis e um processo, pois se altera todas as vezes que as condições  
históricas se transformam, alteração indispensável para que a dominação seja  
mantida (Chaui, 2023, p. 25).  
Nesta concepção de cultura e dominação que expõe Chaui (2023), o entrave  
metodológico que a mesma achou diante da visão romântica de cultura e da visão iluminista de  
cultura, ambas presas em seus pressupostos, a de um mito fundador essencialista da cultura  
popular, e outra dirigente e dominante classicamente burguesa, respectivamente, se  
desencontram ao entrar em conluio com a dialética de conformação em pleno processo de  
práxis, que também permite a construção de uma contra-hegemonia, ou melhor, de símbolos de  
resistência.  
144  
Decidi dar destaque à exposição de conceito justamente porque durante toda a história  
brasileira, e talvez de colonização, é marcada pela formação do Medo branco frente aos “outros”  
criados usando as Teorias Coloniais da Diferenciação. O medo que a elite branca e civilizada  
tem está exposta em inúmeras obras (Gordon, 2023; Souza, 2021; Gonzalez, 2020; Carneiro,  
2011; Theodoro, 2022; Chaui, 2000; Robinson, 2023; Jesus, 2021; Moura, 2019; Nascimento,  
2021; Nascimento, 1978). Em todas, e especificamente no caso de Palmares, no Brasil, o Estado  
brasileiro utiliza de mecanismos de repressão explícita e de produtores de desigualdades para  
manter estes indivíduos em posições de exclusão perpétua, seja escolhendo quem vai viver ou  
quem vai morrer (Foucault, 2021; Mbembe, 2018), seja alocados para um determinado espaço  
onde não podem ser vistos (Santos, 2023; Theodoro, 2022), seja silenciando-os e roubando-os  
toda forma de produção de existência possível (Theodoro, 2022; Ribeiro, 2017; Nascimento,  
2021; Nascimento, 1978; Gonzalez, 2020; Carneiro, 2005).  
E ainda em relação com o tópico de cultura, Chaui caracteriza o popular: “A dimensão  
cultural popular como prática local e temporalmente determinada, como atividade dispersa no  
interior da cultura dominante, como mescla de conformismo e resistência” (Chaui, 2023, p. 43).  
Libertas, Juiz de Fora, v. 25, n. 1, p. 135-156, jan./jun. 2025. ISSN 1980-8518  
A superação do obstáculo epistemológico do mulato: método e ambiguidade  
Nesta concepção, Chaui demonstra que os níveis de análise sobre o universo  
sociocultural não podem e não conseguem estar desgarrados de uma totalidade de dominação  
porque dessa se funda, pelo menos aquela que baseia sua sociedade em diferenciação. Ao  
mesmo tempo, a determinação histórica da temporalidade de suas funções e como atividade  
com autonomia relativa à produção dos dominados permite a avaliação da mescla entre  
dominante, conformismo e resistência, além de propor as condições em que a ideologia e a  
hegemonia se interseccionam como tal. Portanto, a cultura popular é, se não, a expressão dentro  
dos mecanismos ideológicos e hegemônicos de uma determinada sociedade, vista em  
determinado contexto histórico, que compõe o conformismo e a resistência orientada das ações  
do povo dominado, que coloca os termos partindo dos dominantes, e que, por pressuposto,  
instaura uma negociação pertinente entre aqueles que agem sobre divisões de opressão e  
exploração (vejam, não contradiz a lógica da Colonialidade do Poder, e nem da existência da  
raça), e permitem o movimento de resistência existir, em determinado grau, na sociedade (vista  
por nós anteriormente na história de formação do Brasil).  
O que adiciono como nova proposição para superar o obstáculo epistemológico do  
mulato, determinado historicamente no século XX, e ainda em debate sobre sua construção  
epistemológica (Daflon, 2017), é que além dos mecanismos que citei no parágrafo acima, temos  
que adicionar como estruturais os meios repressivos de silenciamento, portanto, decorrentes da  
cultura a nível material de produção e simbólicos, que caminham com a totalidade da estrutura  
econômica devido a sua articulação de espaços e funções das pessoas negras brasileiras. Clóvis  
Moura (2014) determina os níveis de dominação como produtores de imobilidade, frente às  
classes, e semi-imobilidades, a frente de movimentos de transgressão e não de subversão.  
Moura ainda salienta que para entendermos a raça, precisamos compreender duas instâncias:  
seu caráter simbólico e econômico. Ou seja, aqueles que acometem os campos de mudanças de  
igualdade substantivas (Mészáros, 2007). Estes campos estão ligados à concepção de  
conformismo e resistência graças aos mitos inventados, fomentados e reproduzidos em  
intersecção entre as diversas facetas ideológicas e hegemônicas, em concomitância com as  
produções de conformismo e resistência das culturas populares. Por devir, o modo de existir,  
saber, produzir, fomentar, legitimar e contestar estão invariavelmente ligadas a luta política dos  
poderes (que pode intercalar em idealismos, na forma de esperança contínua, donde caminha  
com a visão de incapacidade se não articulada, e de resistência, caso negue a ordem em primeira  
instância). A dificuldade de subverter, é a dificuldade do incompreensível, a da ação que além  
de ser dita radical, ser feita radical, consegue ter, na prática, mudanças radicais nas proposições  
e finalidades que deseja ter, aquém da estrutura.  
145  
Erykah Rodrigues dos Santos Iturriet; Rafael Cardiano  
A grande crítica que a ciência colonial faz a esse tipo de abordagem, é que orienta uma  
crítica ideológica que liga as pesquisas que são feitas pelos corpos dominados (os negros, os  
LGBTQIAPN+2, os PCDs3, os Gordos), como política identitária sem sentido político material,  
apenas como políticas de identidade. Mais ideológico que isso, é ignorar a construção do termo  
ideologia como “diferentes concepções políticas e de crenças de grupos diversos”, que nada  
mais é negar a frente da totalidade e seus condicionantes na hora de propor um novo passo na  
luta de entender a realidade social (Chaui, 2000; 2023; Eagleton, 2019; Fernandes, 2023). Como  
a formação desta ideologia se dá pelas instâncias dominantes, o nível de conformismo que às  
esquerdas brasileiras, ao adotar uma concepção iluminista de diligência frente a noção de  
cultura de massas (Chaui, 2023), privilegiou as noções adotadas de não instrução e que podem  
cair num conformismo fatalista em relação a identidade (o que vai ao contrário da concepção  
freireana de educador, por exemplo) (Freire, 2022). Aliás, é este o motivo do lugar  
subalternizado que todos os corpos dominados que citei anteriormente não estarem em  
situações de representação, mas muitas vezes comporem a resistência dentro das lutas  
interseccionadas na parte organizacional do movimento (o que demonstra uma resistência a  
totalidade por estar em organização, expõe os outros membros como conformista em relação  
ao valor da totalidade sobre “o Outro”, e determina uma conformação da parte do “Outro”  
quando não tem os saberes necessários para contestar isso, aliás, é menos uma conformação e  
mais uma invisibilização de fato). O que foi mostrado por Robinson (2023), Davis (2016),  
Gonzalez (2020), Hooks (2020), Ribeiro (2017), West (2021) e muitos outros ao contestar os  
lugares de silêncio dentro do movimento feminista e movimento negro.  
146  
Um dos exemplos que gostaria de recordar é o de Hooks (2020) e Davis (2016) ao  
exporem em suas obras o apagamento sistemático das mulheres negras dentro do movimento  
feminista predominantemente branco nos Estados Unidos do século XIX e XX. Ambas  
descrevem a prática das mulheres brancas ao negar espaço de fala para as representantes negras  
nas assembleias de discussão. A própria visão como mulher orientada à mulher negra nunca é  
legitimada nas discussões das assembleias, no período pré-abolição, e respectivamente na  
universidade, que possibilitou um fragmento do compêndio feminino (mulheres brancas) da  
população uma ascensão social em termos (Davis, 2016). O simbolismo mais forte dessa luta  
2
Originária do Movimento de Stonewall nos Estados Unidos dos anos 60, a sigla LGBTQIAPN+ surgiu em  
consonância com a luta pelos direitos civis das pessoas sexualmente não-normativas e se expande até hoje através  
das novas descobertas científicas. Sua significância é: Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transessuais, Queer, Intersexo,  
Assexuais, Pansessuais, não-bináries…  
3 PCDs, significa Pessoas com Deficiência. Surgida na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência  
das Nações Unidas (ONU).  
Libertas, Juiz de Fora, v. 25, n. 1, p. 135-156, jan./jun. 2025. ISSN 1980-8518  
A superação do obstáculo epistemológico do mulato: método e ambiguidade  
de reivindicação foi proferida por Sojourner Truth, em seu discurso “E eu não sou uma  
mulher?”. Quando a mesma grita referenciando o trabalho que faz equivalente à um homem  
negro escravizado na lavoura, e compara suas condições às mulheres brancas em sua posição  
de mulher negra (instância de sexo-gênero), produz resistência frente a exclusão feita pelas  
mulheres brancas a elas, conformismo frente ao trabalho desempenhado por ela como força de  
trabalho equivalente à uma figura masculina (analisando a totalidade do sistema), resistência  
frente ao sistema quando desloca a sua fala de uma totalidade que a quer quieta, escravizada,  
morta (além de ser um exemplo vivo de resistência que afirma o trabalho feminino como  
possível, já que vai contra a ideologia da feminilidade) e novamente conformismo ao atribuir o  
trabalho que será feito pelas mulheres brancas ao quererem inserir-se no mercado de trabalho  
(lembrando que tudo depende das configurações históricas da época) (Davis, 2016).  
Portanto, percebe-se que quando este método é posto em vista das determinações  
históricas e temporais manifestadas simbólica e materialmente pelos pontos interseccionais dos  
Eixos de Poder, formados e orientados pela Colonialidade do Poder e pela estruturação do  
racismo, em instância de mundialização, e de formação da identidade europeia branca  
civilizada, podemos construir o termo pardo como instância ora de conformismo, ora de  
resistência. Isto é, o método se centra na ambiguidade, tanto discutida por aqueles que  
vivenciam o limbo racial (Goés, 2022), e que aparecem no debate e nos discursos dos pardos  
brasileiros.  
147  
A ambiguidade é discutida como odiosa na metodologia, porque ela não produziria o  
objeto neutro, coisificado (Durkheim, 2012), querido pela visão europeia de conceito científico,  
separado da totalidade como singularidade, e objetivo (Adorno; Horkheimer, 1985). Ou seja, a  
ambiguidade é o medo principal do positivismo e das instâncias analíticas da sociologia. É nela  
que firmo a minha metodologia.  
Ora te entendo, ora não… quem é você?  
A leitura do pardo no Brasil como negro tem sido uma reivindicação dos Movimentos  
Negros brasileiros a fim de conclamar uma espécie de aliança entre os grupos pardos e pretos,  
reconhecendo sua posição econômica lado a lado à atribuição de status que a estrutura os coloca  
(Carneiro, 2011), ao mesmo tempo que compreende que a discriminação fenótipa é marca  
característica desses grupos (Nogueira, 2007). Outro articulador político possível é alicerçado  
na visão do contingente populacional, que em 2023, prova a necessidade de maioria com as  
pessoas autodeclaradas pardas superando as autodeclaradas brancas no censo de 2023 (Belandi;  
Gomes, 2023).  
Erykah Rodrigues dos Santos Iturriet; Rafael Cardiano  
Não pretendemos aqui discorrer sobre a pluralidade de visões sobre o pardo brasileiro,  
que ora torna-se categoria de ampliação de identidades e subjetividades, ora se torna uma  
composição política no discurso esquerdista de cultura de massas. De fato, há em curso uma  
polemização dos pardos no Brasil devido a atribuição das bancas de heteroidentificação e da  
política de autodeclaração, que permite que um indivíduo seja objeto de interpretação social  
diretamente pela estética fenotípica feita por um outrem, ou seja, um externo, e que determina  
instâncias de interioridade do indivíduo negro brasileiro, graças aos mecanismos de aplicação  
da Lei de Cotas (Jesus, 2021; Daflon, 2017). Longe de sanar os problemas de interpretação  
social frente a população negra, foi o pontapé inicial para a possível tomada do método para a  
superação do “obstáculo epistemológico”, já que virou motim político dos anos 2000 que até  
agora toma posse do cenário nacional.  
A metodologia aplicada remete a inúmeras pesquisas realizadas no século XX sobre a  
composição da população pobre e negra brasileira (Fernandes, 2021; Daflon, 2017; Nogueira,  
2007; Ribeiro, 2015). Enfim, é um dos tópicos levantados por uma analítica quantitativa, que  
percorreu um longo silêncio até ser discutida qualitativamente. Longe de ignorar a  
potencialidade do termo e de recobramos sua instância de ambiguidade como forma central de  
composições de sentidos, identidades, divisões, conflitos e hierarquias, saliento que utilizarei  
dos dados empíricos levantados pelas pesquisas que citei anteriormente para compor uma  
avaliação mais ampla frente à enormidade do cenário brasileiro.  
148  
A partir do instante que o Estado brasileiro não pode mais condecorar as instâncias de  
“enegrecimento” da população, pela falha do projeto higienista de branqueamento (Schwarcz,  
2012; Theodoro, 2022), resta as posições sociais excluídas e apagadas as pessoas que são  
caracterizadas como negras no Brasil (Gonzalez, 2020). Essa afirmação decorre da estrutura do  
que Theodoro (2022) chamou de bases produtoras e potencializadoras da desigualdade, pela  
qual identifica algumas características que predominam no cenário simbólico da estereotipia  
negra, ao passo que caminha entre os projetos do Estado na formação do mercado consumidor  
“desenvolvido”, visão desenvolvimentista que imperava na sociologia até os anos 80, com um  
mercado de trabalho de extrema rotatividade, onde a informalidade se mantém base para o  
sistema central de funcionamento (Oliveira, 2021) de camadas brancas da cidade (Theodoro,  
2022), e que relega as posições piores às populações pretas no Brasil.  
Essa sociedade desigual é a formação de várias instâncias históricas diferentes. Ao  
inserirmos uma perspectiva intercalada entre economia, lugares espacialmente simbolizados  
como “lugares de negro” (Gonzalez, 2020), e destituídos de significados legitimados pela  
dominância, é que a dificuldade política-jurídica do Estado foi pega em uma contradição  
Libertas, Juiz de Fora, v. 25, n. 1, p. 135-156, jan./jun. 2025. ISSN 1980-8518  
A superação do obstáculo epistemológico do mulato: método e ambiguidade  
absurda. A democracia racial imperava forte desde o início do século XX, as novas  
classificações construídas pelo Estado frente a um projeto de branqueamento, tornou a  
miscigenação um expoente necessário para a articulação do desejo da classe dominante de  
permanecer em seu posto de poder (Bento, 2022; Munanga, 2020), do mesmo modo que  
legitimar a consideração identitária para as futuras gerações de dominadores (Dussel, 1995). O  
que foi visto como empecilho, foi o crescimento de organizações negras organizadas, sejam  
está a Frente Negra Brasileira no período Varguista, a Imprensa negra, o Movimento Negro  
Unificado, entre outras maneiras de (re)existir, que levantavam a bandeira de um Brasil negro.  
Os sentidos da miscigenação brasileira foram misturados com o que Chaui (2000)  
chama de Mitologia Verde-amarela, que são os símbolos utilizados para a composição de uma  
ideia de nação, que ora tira da cultura popular maneiras de apropriação para a representação de  
uma ideia nacionalista de ideologia, ora impõe questões predominantemente modernas euro-  
coloniais para a orientação da nação acima do popular, isto é, reorienta a visão de cultura sobre  
o “povo” (Munanga, 2020). A miscigenação foi um dos aparelhos utilizados para a composição  
e fortificação destes mitos, afinal, foi a partir dessa construção social dialética que os caminhos  
da hegemonia se formaram duramente na ampla complementaridade de interpretações raciais  
no Brasil (Daflon, 2017; Schwarcz, 2012). Tal que o pardo é visto como imbricado pela sua  
ambiguidade de reconhecimento, o que dificulta a mobilização e a autopercepção racial das  
pessoas, donde a consequência invariável é a consolidação do apagamento da questão pela via  
ideológica da democracia racial em si, afinal, ela precisa se construir e reconstruir para delimitar  
os espaços de possibilidade dos indivíduos de tomar ou não a régia da produção da noção de  
nação e dos espaços delegados aos negros e brancos.  
149  
A nação sempre utilizou ou do trabalho das pessoas negras para se firmar, assim como  
o capitalismo (Losurdo, 2020), ou utilizou de sua cultura para a exaltação de uma imagem  
externa (Schwarcz, 2012). O ideológico desta questão, é que as forças utilizadas para tornar o  
mestiço uma via cultural de reconhecimento, negando tanto a racialização, a colonialidade do  
poder, a divisão interna de classes, é uma ideia de hegemonia e de construção da nação, para a  
sua própria legitimação como país, se prende a ambiguidade do conformismo/resistência. Este  
sentido está preso a interseccionalidade das instâncias de apropriação do popular, afinal, o  
samba, o carnaval, os movimentos de resistência culturais das pessoas negras, todos estes foram  
usados como símbolos de exportação de imagem para os países de fora, e usados  
ideologicamentes para a composição de uma ideia de soberania nacionalista por dentro. E todas  
essas imagens foram construídas graças à fluidez da atribuição racial que é por natureza social.  
Erykah Rodrigues dos Santos Iturriet; Rafael Cardiano  
É inegável que a estruturação da hegemonia é racista. Por outro lado, o que a  
metodologia que enxergava o pardo como uma situação epistemologicamente insuperável, não  
tratava da interseccionalidade complexa da dialética dessa formação de ideia nacional, da união  
entre as instâncias político-econômicas que as cotas trouxeram ao Brasil contemporâneo (e do  
povo negro na história de consolidação do capitalismo), e as mistificações utilizadas pela rede  
de significados da miscigenação com intromissão de uma cultura-ideologia dominante frente a  
cotidianidade da cultura popular. Era limitado pelo seu tempo histórico determinado de  
pensamento.  
Já agora, reconhecendo o conceito de pigmentocracia, o que se tornou insuperável se  
transforma em motim de ambiguidade epistemológica. Goés (2022) nos traz a diferença entre  
pigmentocracia e colorismo, quando salienta que o segundo é uma estrutura intragrupo que  
sanciona diferenciações de espaços e privilégios entre pessoas mais claras da comunidade e  
mais escuras. Em contrapartida, a pigmentocracia é uma estrutura dialética do racismo  
estrutural que intercala a identidade dos indivíduos negros de maneira a misturar  
ideologicamente todos as características do social que expus acima.  
Por conseguinte, as pesquisas do Pigmentocracias: Etnicidade, raça e cor na América  
Latina (Telles; Silva, 2021) demonstraram que os mecanismos de autodeclaração e  
heteroidentificação costumam ser orientados por uma ordem de privilégios e possibilidades de  
espaços dependendo do fenótipo do indivíduo. Porém, além de superar a instância de Oracy  
Nogueira de falar que quem carrega os traços fenotípicos negroides (africanos) sofre mais  
discriminação aparente, reorienta a estruturação da sociedade em camadas especificamente  
mais claras e escuras, ao ponto de os níveis de escolaridade, relações estético-corporais, renda  
per capita, entre outros índices, acompanharem esse gradiente do espectro de cor (Telles, Silva,  
2021). E como uma formação latino-americana, é impossível não notar o que os decoloniais  
nos propuseram a compreender a sociedade como articulada por uma colonialidade do poder  
(Segato, 2021).  
150  
Deste modo, o que a pigmentocracia adota, é o sentido de ambiguidade confirmado  
pelas posições meramente empiristas das classificações econômicas e aparentemente  
fenotípicas. Já a nível simbólico, com objetivo de articulação, compreendemos que para a  
superação do entrave metodológico, é preciso uma avaliação minuciosa das práticas decorrentes  
das pessoas pardas no Brasil, analisando as formas na qual as atitudes culturais e sociais se  
relacionam como conformismo ou resistência. Afinal, é comprovado que pessoas de pele mais  
clara possuem posições e benefícios diferentes do que pessoas com pele mais escura. Do mesmo  
modo, não é possível dissolver a capacidade de articulação de um grupo político negro porque  
Libertas, Juiz de Fora, v. 25, n. 1, p. 135-156, jan./jun. 2025. ISSN 1980-8518  
A superação do obstáculo epistemológico do mulato: método e ambiguidade  
o significado do ser branco no Brasil, por ser ainda ponto de referência para a formulação na  
nação, da legitimação da soberania, da composição dos postos de mando e trabalho, de  
qualificação profissional, e de renda per capta familiar (Theodoro, 2022; Bento, 2022;  
Fernandes, 2021), necessita de um tratamento político contra-hegemônico. Assumindo a  
ambiguidade, o mulato não é mais obstáculo epistemológico, mas sim, proponente político de  
disputa da hegemonia (assim como já o era na consolidação da “identidade nacional”),  
articulador da ideologia de autenticidade presente no conflito intragrupo na comunidade negra  
brasileira (West, 2021; Devulsky, 2021), e, acima de tudo, um dilema político (Campos, 2013).  
Se lutássemos por uma consciência parda para o brasileiro, estaríamos lutando por uma  
condição universalizante da américa latina que compõe alianças contra as determinações do  
capitalismo central, mas que se especifica centrada numa luta fomentada tanto por pardos  
quanto por pretos, e que exclui o cerne do Movimento Negro em questão e seus saberes  
(contribuindo para o etnocídio da hegemonia e ideologia dominante dos saberes e seres latino-  
americanos, o que é uma contradição superável) (Gomes, 2017). No entanto, há uma ideia que  
se complementa no nível de intersecção que acopla as ambiguidades sem excluir a luta anti-  
imperialista do papel da conscientização das classes latino-americanas, e de suas outras divisões  
centrais, e que denotam um caráter mais amplo e que analisa as perspectivas culturais como  
uma dialética aberta (Gordon, 2023), isto é, supera a condição determinada pelo território e  
supera a fronteira de maneira histórica: a amefricanidade (Gonzalez, 2020).  
151  
Ao se deslocar das posições de negros brasileiros, os pardos podem cair na armadilha  
de esquecer-se da própria ambiguidade, já que dentro das concepções formadas de leitura social,  
a dicotomia negro/branco existem, são produzidas, reproduzidas, e ora deslegitimadas e  
relegitimadas, afinal, a partir do ponto de contraste social dos mecanismos simbólicos que são  
utilizados para a sua produção, o indivíduo pode perder-se em uma interpretação errônea e  
desconexa com os seus reais lugares sociais de pertencimento, produção de voz e de posição  
econômica e social. O perigo está em não intercalar os lugares de conformismos e resistências  
essenciais da dinâmica da ambiguidade.  
Para onde vamos? A luta de classes racial  
Com todos os levantamentos apontados até agora, algo fica incipiente: como  
poderíamos diferenciar uma atitude resguardada como conforme ou transgressora, já que  
admitimos a realidade social como contraditória e ambígua, para categorizar o pardo no Brasil?  
Essa pergunta é válida porque sem ela não poderíamos chegar em uma conclusão para  
a proposta desse trabalho como um todo: pensar o racismo como uma totalidade social que  
Erykah Rodrigues dos Santos Iturriet; Rafael Cardiano  
formou e forma a realidade brasileira pautada na mentalização da ideia de raça (Quijano, 2009),  
ou seja, da perspectiva idealista e abstrata de dominação feita pela classe dominante, assim  
como na conexão do sistema mundo com o mercado capitalista brasileiro: a questão da  
dependência (Oliveira, 2021).  
Falamos, até aqui, de uma competição que supera o obstáculo epistemológico pela  
necessidade de observação decorrente das posições sociais ocupadas pelos indivíduos em nível  
econômico e a nível cultural, isto é, fugindo da essencialização da raça como proponente  
histórico de comportamento naturalizado (embebido pelas teorias decoloniais) com traço  
explicativo do mito das raças originais brasileiras e da matriz colonial do poder (Schwarcz,  
2012; Quijano, 2009; Dussel, 1995), assim como recobramos a característica orientada do  
método e da visão de cultura exigida para a construção de uma dialética que supere as  
contradições existentes no caráter social das sociedades dominadas (Chaui, 2023). Ao que trata  
o método, sobrou uma quitação a ser dita e articulada: a questão política.  
Em Racismo Estrutural: uma perspectiva histórico-crítica (Oliveira, 2021), Dennis  
aprofunda a questão estrutural do racismo. O que detenho de sua análise abrangente frente às  
teorias decoloniais e as análises marxianas das classes sociais, é a noção tangente revivida pela  
construção de seu pensamento baseado no sociólogo Clóvis Moura.  
Quando Moura (2019) define o conceito de imobilismo e semi-imobilidade em  
Sociologia do negro brasileiro, ele o constrói partindo de um ponto de vista conflitivo na  
constituição da história brasileira, isto é, ambíguo graças a um sistema que necessita da  
incorporação da mão de obra, no capitalismo dependente superexplorador (Oliveira, 2021), para  
a manutenção dos processos sociais decorrentes da posição do mercado nacional na divisão do  
trabalho racial internacional, assim como da constituição dos poderes relegadas na esfera  
política na esfera pública.  
152  
Essa orientação de método partindo dos conflitos da totalidade e dos contingentes  
observados, tratam de integralizar um indivíduo negro partindo da assimilação como conceito  
ideológico de formação de visão de mundo que toma o racismo como capacidade de modelação  
da imagem e do comportamento (Moura, 2019; Oliveira, 2021). Neste sentido, estar delegado  
a uma posição estatal ou reinante (Poulantzas apud Oliveira, 2021) é compor uma espécie de  
classe reinante, ou seja, não fundamental na expropriação dos meios de produção, mas um dos  
componentes ideológicos principais para a manutenção da imagem construída à sociedade e à  
si mesmo, donde enxerga o racismo não como proponente articulador na esfera de poder das  
instituições brasileiras formadas historicamente, mas como uma deformação comportamental.  
Do mesmo modo, pode desarticular uma leitura de discriminação aparente como fundante de  
Libertas, Juiz de Fora, v. 25, n. 1, p. 135-156, jan./jun. 2025. ISSN 1980-8518  
A superação do obstáculo epistemológico do mulato: método e ambiguidade  
seu sofrimento por base do racismo, mesmo que parta das pessoas pretas dor de ser  
colocado/as/es em situações de constrangimento pela “marca” (Nogueira, 2007).  
Neste sentido, se individualiza a percepção racial e a composição da atitude do  
comportamento racista de discriminação, por exemplo, com uma etapa do desenvolvimento da  
razão pessoal do próprio indivíduo, reinante na filosofia do esclarecimento de Kant, por  
exemplo (apud, Oliveira, 2021). Em contrapartida, a representação é usada por uma lógica  
neoliberal progressista que tem sua base na acepção capitaneada da diversidade a fim de lucrar  
pela imagem de indivíduos essencialmente resistentes pela característica de ser uma posição  
anti-ordem, mas que acabam compondo os mecanismos de legitimação da ordem proposta  
(Oliveira, 2021). Quase como a apreensão do popular pelo nacionalismo.  
A estrutura que orienta o utilitarismo à uma lógica neoliberal meritocrática para a  
responsabilização individual dos problemas sociais, é vista anteriormente ainda no período  
desenvolvimentista na ditadura brasileira, quando a classe média e a branquitude eram  
indissociáveis na visão de Ideal de Eu que compunha a orientação do comportamento de pessoas  
negras brasileiras (Souza, 2021), as mesmas que percebiam que tinham uma linha limite que  
não poderiam superar (logicamente demarcadas pela estrutura). O que demarca a importância  
na interpretação do pardo brasileiro, é que ao afunila-lá num sistema pigmentocrático, que  
avaliado em concomitância com a formação do capitalismo dependente brasileiro, torna a  
responsabilização ideológica a mando da visão essencialista da raça ao orientar a interpretação  
por base somente no fenótipo composto do preconceito de marca (Nogueira, 2007), e da  
articulação dos mecanismos de mercado e Estado que supostamente arcarão com a  
responsabilização do indivíduo sobre a superação do “problema racial”.  
153  
Isto é, torna a questão do racismo estrutural como uma mera interdição de mecanismos  
institucionais e ideológicos para a superação do preconceito que é proposto numa lógica de  
poder ampla. Logo, a marca é aqui representada como um proponente usado por pessoas que  
não deveriam lhe atribuir como parte da discriminação, afinal, é lido ambiguamente e muitas  
vezes não são alvo principal desse racismo de ofensa (o que delega um conformismo por parte  
da atitude ideológica do próprio ato de discriminação), assim como perde de vista a  
característica de resistência da autodeclaração que luta pelo fim do racismo. Portanto, a  
consideração estruturalista a-histórica e a exteriorização da discriminação como problema  
articulado individualmente, tomam-se como a expressão real da sociabilidade brasileira. No  
entanto, a bifurcação de reguladores contraditórios (Freyre apud Oliveira, 2021), tomava como  
ponto de partida a consolidação de um povo democraticamente socializado, que coloca a  
Erykah Rodrigues dos Santos Iturriet; Rafael Cardiano  
articulação da raça como uma metodologia específica, e não como um método estruturado, ou  
seja, já fomentava o Mito da Democracia Brasileira (Gonzalez, 2020; Oliveira, 2021).  
O que devemos destacar nessas atribuições de categorias sociais, é que a proposta de  
racismo estrutural histórico-crítico é necessária a compreensão dos conflitos inerentes à luta de  
classes nas sociedades colonizadas, e da formação do capitalismo dependente que caracteriza a  
divisão internacional racializada do trabalho (Oliveira, 2021). Tornando os dados do Perla  
(Telles, Silva, 2021), por exemplo, propõe não só meros caminhos empiristas para a colocação  
dos pardos nas esferas econômicas de poder na sociedade brasileira, mas expõe os primeiros  
condicionantes de articulação entre mercado de trabalho, informalidade, desigualdade de  
câmbio e condições sociais de socialização comparada às pessoas negras e brancas (Theodoro,  
2022; Oliveira, 2021; Telles, Silva, 2021). Deste modo, construir a concepção de pardo  
articulada como espectro de posições ambíguas frente aos papeis sociais ora reforçados pela  
ideologia e produção da totalidade condicionante, ora da descrição de um movimento  
transgressivo pelo grupo que compõe os pardos brasileiros, se torna um dilema político pela  
diluição de grande maioria da população ao tomar respectivos espaços de privilégios  
comparados entre si e entre os pretos. Neste caso, fica à deriva a concepção históricocultural  
do pardo num sistema de luta de classes contraditório que articula os espaços a mando da  
divisão internacional do trabalho, e que compõem as organizações identitárias como forma de  
assimilar os brasileiros a estarem dispostos em pigmentocracias relativas à exterioridade e à  
interioridade dos espaços de poder local específicos, e que explica também a variação regional  
de leituras racializadas na interpretação brasileira, isto é, a heteroidentificação e a  
autodeclaração. Ou seja, a superação do obstáculo é desconsiderar o pardo como um problema  
contingente na interpretação sobre ele, mas colocá-lo num nível estrutural de hegemonia e  
ideologia frente a necessidade de racialização na sociedade brasileira.  
154  
Se o movimento pardo não for um movimento negro, ele é, portanto, um movimento  
branco tingido de neoliberalismo progressista que acaba facilitando as coisas para o grupo  
social que criou tudo isso: a branquitude.  
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