O familismo na assistência social como resposta  
do capital à crise estrutural  
Familism in social assistance as capital’s response to the structural crisis  
Raíssa Cristina Arantes*  
Daniella Borges Ribeiro**  
Resumo: Este artigo tem como objetivo estudar  
o familismo presente na Política Nacional de  
Assistência Social (PNAS), com enfoque nos  
cuidadores de usuários do Benefício de  
Prestação Continuada (BPC), e a sua relação  
com a crise estrutural do capital, apontando os  
limites e as alternativas dessa relação sobre as  
famílias. Observa-se no Brasil um desmonte das  
Abstract: This article aims to study the  
familism present in the National Social  
Assistance Policy (PNAS), focusing on  
caregivers of users of the Continuous Payment  
Benefit (BPC), and its relationship with the  
structural crisis of capital, pointing out the  
limits and alternatives of this relationship on  
families. In Brazil, there is a dismantling of  
public policies and the transfer of  
responsibilities from the State to families in  
terms of the desire for social protection. The  
research presents, through 20 interviews carried  
out in 04 municipalities in the Zona da Mata  
Mineira, how the Social Assistance Policy  
promotes family responsibility for the care of  
users of the said benefit. The data point to the  
intensification of family responsibility in the  
face of the structural crisis of capital, which is  
hidden by the rhetoric of family failure, leading  
to a conservative stance, incorporated in social  
work with families. This highlights the  
contributions of Social Service aimed at  
defending universal social rights and the  
emancipation of subjects.  
políticas públicas  
e
a
transferência de  
responsabilidades do Estado para as famílias no  
que tange ao anseio pela proteção social. A  
pesquisa apresenta, por meio de 20 entrevistas  
realizadas em 04 municípios da Zona da Mata  
Mineira, como a Política de Assistência Social  
impulsiona a responsabilização familiar pelos  
cuidados dos usuários do referido benefício. Os  
dados  
apontam  
a
intensificação  
da  
responsabilização familiar frente  
à
crise  
estrutural do capital, que são escamoteadas pela  
retórica do fracasso familiar, levando a uma  
postura conservadora, incorporada no trabalho  
social com as famílias. Aponta-se, assim, as  
contribuições do Serviço Social visando a  
defesa dos direitos sociais universais e a  
emancipação dos sujeitos.  
Palavras-chaves: Familismo; Assistência  
Keywords: Familism; Social Assistance;  
social; Cuidadores; Crise estrutural do capital.  
Caregivers; Structural crisis of capital.  
* Assistente Social. Mestre em Serviço Social pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Doutora em  
Economia Doméstica pela Universidade Federal de Viçosa (UFV). Assistente Social na Política de Assistência  
Social na Prefeitura Municipal de Ervália. ORCID: https://orcid.org/0009-0005-9645-0624  
** Docente do curso de graduação em Serviço Social e da Pós-Graduação em Economia Doméstica da Universidade  
Federal de Viçosa (UFV). Mestre e doutora em Política Social pela Universidade Federal do Espírito Santo  
(UFES). Membro do grupo de Pesquisas Fênix/UFES e Líder do Grupo de Estudos, Pesquisa e Extensão em  
Política Social, Saúde Mental e Drogas (GEPEPSS/UFV). ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9264-7618  
DOI: 10.34019/1980-8518.2024.v24.45834  
Esta obra está licenciada sob os termos  
Recebido em: 31/08/2024  
Aprovado em: 05/12/2024  
O familismo na assistência social como resposta do capital à crise estrutural  
Introdução  
O artigo que aqui se apresenta é fruto de pesquisa de doutorado financiada pela  
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG), tendo como objetivo  
estudar o familismo presente na Política Nacional de Assistência Social (PNAS), com enfoque  
nos cuidadores de usuários do Benefício de Prestação Continuada (BPC), e a sua relação com  
a crise estrutural do capital, apontando os limites e as alternativas dessa relação sobre as  
famílias. Parte, assim, de uma pesquisa de abordagem qualitativa, do tipo estudo de caso,  
apoiada na perspectiva materialista histórico-dialética (Minayo, 2004).  
Para a coleta de dados utilizamos bibliografias e documentos da área, bem como 20  
entrevistas semi-estruturadas com cuidadores de beneficiários do BPC em quatro municípios  
sorteados da Zona da Mata Mineira, sendo um município para cada porte: Tombos enquanto  
município de Pequeno Porte I; Espera Feliz, Pequeno Porte II; Viçosa, Médio Porte; e Muriaé  
como município de Grande Porte. Após o sorteio dos municípios e acesso aos Centros de  
Referência de Assistência Social (CRAS), solicitamos aos técnicos de nível superior que nos  
indicassem usuários dos serviços beneficiários do BPC que tinham seus cuidados providos por  
algum familiar. Estes foram convidados a participar da pesquisa, sendo entrevistados 05  
familiares cuidadores em cada município. Esta pesquisa obteve aprovação do Comitê de Ética  
em Pesquisa e contou com todos os procedimentos éticos necessários para a sua realização. As  
20 entrevistas foram analisadas por meio da técnica de análise de conteúdo proposta por Bardin  
(1977).  
511  
Compreende-se que a Política Nacional de Assistência Social (PNAS) foi implementada  
no Brasil em um contexto neoliberal, enquanto uma política de Seguridade Social focalizada,  
tendo como base uma maior responsabilização da família na condução da proteção social –  
situação preocupante, em especial quando se fala dos usuários do Benefício de Prestação  
Continuada (BPC), especialmente os que se encontram em situação de dependência, uma vez  
que esses são idosos/as e/ou pessoas com deficiência.  
Conforme apontado por Horst e Mioto (2021), propaga-se que a saída para a crise  
estrutural do capital seja provida de um desmonte de políticas públicas e direitos sociais, que  
afetam sobremaneira as famílias, na mesma medida em que as colocam como principal  
mecanismo de proteção social, fato este corroborado pela matricialidade sócio-familiar  
apresentada pela Política de Assistência Social, bem como pelo Estatuto da Criança e do  
Adolescente, da Política Nacional da Pessoa Idosa, dentre outros, que colocam a família como  
primeira instância à garantir os direitos e a proteção de seus entes.  
Raíssa Cristina Arantes; Daniella Borges Ribeiro  
Assiste-se assim, a uma intensificação de transferência da responsabilidade estatal para  
a família no que tange à responsabilidade pela proteção social. Segundo Moraes et.al. (2020),  
no Brasil, a proteção social foi construída mediante o compartilhamento de responsabilidades  
do Estado com a sociedade civil, especialmente na condução da proteção social associada à  
responsabilização familiar. Sobre esta esfera, destaca-se o papel do cuidado1 não remunerado,  
realizado preponderantemente pelas mulheres (majoritariamente negras), conforme  
apresentado por diversos autores, dentre eles Minayo (2021), Cisne e Santos (2020). Este  
cenário, inclusive, pode ser observado no que se refere aos cuidadores de beneficiários do BPC,  
programa oriundo da PNAS. O BPC é a garantia de um salário mínimo mensal à pessoa com  
deficiência e ao idoso, com idade de sessenta e cinco anos ou mais, que comprovem não possuir  
meios para prover a própria manutenção e nem tê-la provida por sua família. A própria  
legislação defende que o direito individual é condicionado à hipossuficiência financeira da  
família. Tem-se, então, desde o corpo legislativo da PNAS, bem como do próprio BPC, a  
intensificação da responsabilização familiar.  
Desse modo, visualiza-se um panorama onde os cuidadores se encontram desprotegidos  
e cada vez mais responsabilizados pelo cuidado aos seus familiares beneficiários do BPC,  
observando-se, assim, não só o desmonte das políticas sociais públicas, como também a  
intensificação do familismo como respostas do capital frente à sua crise estrutural.  
512  
Política de assistência social: o familismo em debate  
O capitalismo, ao longo do seu desenvolvimento, encontra momentos de prosperidade  
e recessão. Como assinala Netto e Bráz (2021), isso aponta para um caráter ineliminável de  
crises próprias do modo de produção capitalista. À vista disso, Mészáros (2002, p. 795) afirma  
que “não há nada de especial em associar-se capital a crise”, contudo, elas possuem duração e  
intensidades diferentes. São das crises que surgem as variadas maneiras de progredir e “estender  
com dinamismo cruel sua esfera de operação e dominação”. Assim, as crises cíclicas do capital  
são benéficas aos capitalistas, e os mesmos não desejam a sua superação.  
Mészáros (2002) aponta que, diferente das crises cíclicas do capital, estende-se desde a  
década de 1970, com a crise do modelo de produção fordista/keynesiano, uma crise estrutural  
1
Compreende-se para fins dessa pesquisa o cuidado enquanto um caráter ontológico do ser social, que segundo  
Passos (2018) em algum momento na vida, carece de cuidados para sua própria sobrevivência. Contudo, ao longo  
do desenvolvimento do modo de produção capitalista, esse cuidado passou por transformações, sendo canalizado  
enquanto um trabalho, que se intensifica ou não diante das desigualdades sociais. Segundo Hirata (2022, p. 30) o  
cuidado é definido como um trabalho “material, técnico e emocional, moldado por relações sociais de sexo, de  
classe, de raça/etnia, entre diferentes protagonistas [...]; não é apenas uma atitude atenciosa, ele abrange um  
conjunto de atividades materiais e de relações que consistem em trazer resposta concreta à necessidade dos outros”.  
Libertas, Juiz de Fora, v. 24, n. 2, p. 510-533, jul./dez. 2024. ISSN 1980-8518  
O familismo na assistência social como resposta do capital à crise estrutural  
do modo de produção capitalista. Uma crise que se prolonga até os dias atuais, mas que  
ultrapassa uma crise cíclica, tendo em vista que ela possui novidades expressas em quatro  
aspectos principais.  
Ainda segundo Mészáros (2002, p. 796), o primeiro aspecto é que essa crise possui um  
caráter universal, “em lugar restrito a uma esfera particular”, como por exemplo, uma crise  
financeira ou comercial. Seu segundo aspecto se refere ao seu alcance ser global, e não “a um  
conjunto particular de países” como havia sido as demais crises cíclicas. A crise estrutural,  
também segundo o autor, possui enquanto terceiro aspecto, uma escala de tempo permanente,  
ao contrário da crise cíclica que possuía tempo limitado. E, por fim, enquanto quarto aspecto,  
“em contraste com as erupções e os colapsos mais espetaculares e dramáticos do passado, seu  
modo de se desdobrar poderia ser chamado de rastejante”. Ou seja, a crise que se instaura a  
partir dos anos de 1970 é diversa das crises cíclicas anteriormente experimentadas no modo de  
produção capitalista, bem como as respostas apontadas para a referida crise.  
Conforme apontado por Netto e Bráz (2021) e Mészáros (2002), o sistema capitalista,  
frente às suas próprias crises, se reformula para dar continuidade ao processo de reprodução  
ampliada ou alargada do capital. O desmonte dos direitos sociais, e consequentemente das  
políticas sociais públicas que os materializam, são uma das respostas do capital à crise,  
impactando diretamente nas condições de vida das famílias, trazendo profundas repercussões  
para as famílias mais pobres e sugerindo o “fracasso” das famílias que não cumprem os papéis  
ideologicamente postos de prover os recursos financeiros e de cuidado suficientes para seus  
entes (Horst e Mioto, 2021). Neste processo, há de se destacar que a família não é apenas  
responsabilizada por prover a proteção social aos seus membros, mas passa também a ser  
responsabilizada pela crise estrutural do capital.  
513  
Mészáros (2002), ao analisar a família e a crise estrutural do capital, destaca o papel da  
mesma dentro do próprio sistema capitalista. Segundo o autor, o capital se reproduz dentro de  
uma estrutura contraditória, ou seja, da capacidade de produção e reprodução social, gerando a  
riqueza social, mas sobre a contrapartida dessa riqueza ser produzida pelos trabalhadores e  
apropriada pela burguesia. Neste sentido, pontua-se a família enquanto objeto de reprodução  
do capital, na medida em que esta assegura a continuidade do sistema capitalista e fortalece a  
ideologia dominante do próprio modo de produção capitalista.  
Uma vez que a família é o verdadeiro microcosmo da sociedade - cumprindo,  
além das suas funções imediatas, a necessidade de assegurar a continuidade  
da propriedade, à qual se acrescenta o seu papel como a unidade básica de  
distribuição e sua capacidade de agir como a “correia de transmissão” da  
estrutura e do valor predominante na sociedade - a causa da liberação das  
mulheres afeta direta ou indiretamente a totalidade das relações sociais em  
Raíssa Cristina Arantes; Daniella Borges Ribeiro  
toda a sua fragilidade (Mészáros, 2002, p. 803).  
Portanto, conforme o autor, a família se torna “altamente benéfica para a expansão da  
economia de consumo”. Ou seja, além de ser a família a base de sustentação para o  
fornecimento da mão de obra para a continuidade do processo de produção e reprodução do  
sistema capitalista, também passa a ser a base da economia de consumo. Por isso, a importância  
da ideologia dominante sustentada e propagada pela e sobre a família.  
Entretanto, como já exposto, a solução posta pelos conservadores para a saída da crise  
consiste na diminuição dos direitos sociais, no chamamento da sociedade civil e da família para  
prover a proteção social, e na intervenção mínima do Estado frente às sequelas da questão  
social.  
A crise internacional do capital, expressa na década de 1970, e os rebatimentos da  
mesma no Brasil, ocasionaram o que Yazbek (2008, p. 13) aponta como uma vulnerabilização  
do trabalho e novas manifestações da velha questão social brasileira que, somatizada com os  
movimentos de redemocratização do país, permitiu, “na contramão das transformações que  
ocorrem na ordem econômica internacional mundializada”, a legalização do Sistema de  
Seguridade Social no Brasil em 1988 através da Carta Constitucional.  
A Seguridade Social no Brasil foi instituída sobre o tripé da Assistência Social, Saúde e  
Previdência, sendo que, a política de Previdência ainda manteve o caráter contributivo, a Saúde  
ganha o estatuto da universalidade e a Assistência Social “para quem dela necessitar”, segundo  
preconizado na Constituição Federal de 1988 (artigo 203) e demais legislações, bem como na  
Política Nacional de Assistência Social (PNAS).  
514  
A Seguridade Social, fundada nas diretrizes postas pela Constituição Federal de 1988,  
logo começa a enfrentar seus primeiros desafios diante de um cenário político e econômico que  
preconizava a intervenção mínima do Estado nas expressões da questão social. Sobre a égide  
desse processo, encontra-se a difusão ideológica da solidariedade, do voluntariado, e do terceiro  
setor na condução dos direitos sociais. Os anos de 1990 marcam então o início do desafio na  
efetivação dos direitos registrados na Constituição Federal de 1988.  
Sobre este cenário, Yazbek (2008) pontua que houve no país uma retração dos  
investimentos públicos na esfera social, que ocorre desde a década de 1990, enquanto uma  
resposta à crise do sistema capitalista. Tem-se assim a propagação da ideia da ineficiência do  
Estado e a transferência das responsabilidades estatais para o terceiro setor, mercado e família.  
Ou seja, por mais que a política de assistência social tenha alcançado o patamar de direito, ela  
ainda é permeada pela benemerência e solidariedade.  
Yazbek (2008) analisa a política de assistência social no período pós Constituição  
Libertas, Juiz de Fora, v. 24, n. 2, p. 510-533, jul./dez. 2024. ISSN 1980-8518  
O familismo na assistência social como resposta do capital à crise estrutural  
Federal de 1988 enquanto lugar de não direitos e da não cidadania, pois, os sujeitos só  
conseguem acesso à política de assistência social se antes tiverem sido excluídos do próprio  
processo de cidadania, uma vez que “revela sua direção compensatória e seletiva, centrada em  
situações limites em termos de sobrevivência e seu direcionamento aos mais pobres dos pobres,  
incapazes de competir no mercado” (Yazbek, 2008, p. 13).  
Cabe destacar que, neste artigo, defende-se que a assistência social no Brasil não possui  
condições concretas e efetivas para a erradicação da pobreza ou superação das desigualdades  
sociais. Todavia, não podemos negar a sua importância para suprir necessidades imediatas de  
vida, bem como não podemos negar a necessidade da sua expansão e redirecionamento para  
atender de forma ampliada as necessidades da classe trabalhadora. É possível, porém, notar a  
direção oposta, pois, mesmo diante dos avanços significativos em termos de direitos sociais  
com a Constituição Federal de 1988, o Estado capitalista, ao longo dos anos, vem  
potencializando cortes de gastos nos setores sociais e um amplo desmonte das políticas sociais  
públicas. Essa retração do Estado implica em uma maior responsabilização das famílias pelos  
cuidados de seus membros, processo este denominado por Esping-Andersen (1991) e Saraceno  
e De Azevedo (1995) como familismo. Teixeira (2015) conceitua o familismo como um reforço  
da família “como a principal provedora de bem-estar, o que se dá pela escassez de serviços e  
benefícios, pelo seu caráter seletivo e focalizado, pelas condicionalidades que enfatizam os  
cuidados no âmbito doméstico, numa reafirmação dos papéis tradicionais que sobrecarregam  
as mulheres” (Teixeira, 2015, p. 219).  
515  
É preciso considerar que, segundo Moraes et. al. (2020), o familismo no Brasil é parte  
constituinte da formação da proteção social brasileira. Dessa forma, ultrapassa o conceito de  
familismo proposto por Esping-Andersen (1991), se alargando como um padrão cultural e  
político que tem se expressado nas legislações que concernem à família espaço privilegiado na  
configuração da política social. Ou seja, o compartilhamento de responsabilidades com a  
família, além de ser parte constituinte da proteção social no país, é previsto na legislação  
brasileira com o amplo amparo da formação cultural e ideológica acerca dos cuidados, exemplo  
expresso, segundo Castilho e Carloto (2010), através da matricialidade sociofamiliar na Política  
de Assistência Social.  
Ainda segundo Castilho e Carloto (2010), ao analisar o familismo presente na PNAS, o  
histórico da referida política que possui suas raízes sobre a influência da filantropia, e apenas  
atinge o patamar de direito social após a Constituição Federal de 1988 enquanto uma política  
social não contributiva, visando romper com a visão da assistência enquanto benemerência,  
prevalecendo a lógica do direito do cidadão e dever do Estado. Apesar disso, a política de  
Raíssa Cristina Arantes; Daniella Borges Ribeiro  
assistência elege a família para a centralidade de suas ações, denominando-se matricialidade  
sociofamiliar, reforçando a participação da família enquanto mais que parceira do Estado para  
prover a proteção social. Dentre estes aportes dentro da centralidade na família, encontram-se  
os serviços do Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (PAIF) e o Serviço de  
Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV), em que as famílias são preparadas para  
exercerem o seu caráter protetivo, sobre a insígnia da autonomia.  
Dentre uma das principais características que a PNAS vem assumindo como parte do  
projeto neoliberal, há um estímulo aos programas de transferência condicional de renda que,  
segundo Martino (2015, p. 96), “desempenham um papel central nas ressignificadas matrizes  
da proteção social. Tais programas colocam na família uma responsabilidade fundamental: a  
ruptura da reprodução intergeracional da pobreza”. Ou seja, segundo a autora, há um discurso  
nas agendas governamentais de que a família seria uma entidade privilegiada para quebrar o  
ciclo da pobreza e, para tal, incentiva-se as políticas de transferência condicional de renda.  
Ocorre que, estas políticas são insuficientes para a proteção das famílias, dado o seu baixo valor;  
a não articulação com outros serviços públicos que funcionem adequadamente; dentre outros  
motivos. Castilho e Carloto (2010) afirmam, que o BPC é um programa de transferência de  
renda tipicamente baseado na solidariedade familiar, ou seja, um programa familista. É preciso  
ressaltar que  
516  
[...] um projeto político comprometido com a justiça social, a cidadania e a  
redistributividade dos recursos sociais é antagônico ao pluralismo de bem-  
estar social, às ações focalizadas e ao retorno da família como agente principal  
de bem-estar social. Defendemos que quanto mais sobrecarregada é a família,  
quanto mais se aposta no fortalecimento e valorização de papéis clássicos e  
ideais, menos equidade de gênero se promove e mais se geram sofrimentos,  
culpabilizações, sentimentos de impotência, conflitos e até rupturas, o que  
ocorre pela incapacidade de cumpri-los e pela menos capacidade de lidar com  
as transformações familiares, em suas novas configurações (Teixeira, 2015, p.  
220).  
A Assistência Social foi regulamentada pela Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS)  
de 1993, legislação esta que organiza a assistência social em todo o país. Preconiza-se em seu  
artigo 1º:  
A assistência social, direito do cidadão e dever do Estado, é Política de  
Seguridade Social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada  
através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da  
sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas (Brasil, 1993,  
p. 10).  
A referida legislação promulga os programas, serviços e benefícios visando a garantia  
da assistência social, principalmente daqueles em situação de risco social (Brasil, 1993). Na  
LOAS o BPC aparece como um benefício destinado à pessoa idosa e pessoa com deficiência  
Libertas, Juiz de Fora, v. 24, n. 2, p. 510-533, jul./dez. 2024. ISSN 1980-8518  
O familismo na assistência social como resposta do capital à crise estrutural  
em situação de vulnerabilidade social2. O benefício em questão é a garantia de um salário-  
mínimo à pessoa idosa acima de 65 anos, ou à pessoa com deficiência de longo prazo, que  
comprovem não possuir meios de prover a própria subsistência, ou tê-la provida por sua família.  
O referido benefício, ao longo dos anos, além de distintas mudanças normativas,  
também é permeado por reduções e congelamento de recursos, com especial destaque para a  
Emenda Constitucional nº 95 de 15 de dezembro de 2016 que institui o Novo Regime Fiscal no  
âmbito do orçamento Fiscal e da Seguridade Social da União, congelando os gastos públicos  
pelo período de 20 (vinte) anos, corroborando com o desmonte das políticas sociais públicas de  
acordo com o ideário neoliberal.  
O BPC, diante de sua formação e constituição, não abarca parte da população,  
principalmente por seu critério de corte de renda per capita, atingindo então somente aqueles  
que se encontram em situação de extrema pobreza. Por não se caracterizar enquanto um direito  
universal de proteção social pública estatal, acaba por transferir a responsabilidade dos cuidados  
para as famílias. Diante dessa responsabilização familiar, destaca-se o cuidado que se realiza  
através do trabalho não remunerado, historicamente e socialmente definido pela perspectiva do  
heteropatriarcado e dos papéis de gênero.  
A inexistência de uma política pública de caráter universal no país, onde o Estado  
efetivamente se responsabilize pelos cuidados com as pessoas idosas e pessoas com deficiência,  
segundo Minayo (2021), onera sobremaneira a família - particularmente, para as famílias em  
situação de pobreza e extrema pobreza. Frente à insuficiência de recursos financeiros e o  
desmonte das políticas sociais públicas, a solução encontrada para que os indivíduos recebam  
os devidos cuidados, especialmente àqueles que se encontram em situação de dependência, é  
que um ente familiar, majoritariamente as mulheres, abdique de suas vidas e trabalho, para a  
realização desse cuidado.  
517  
Assim, na PNAS, assiste-se a um duplo movimento. Por um lado, uma procura cada vez  
mais extensa de benefícios de cunho eventual para suprir as demandas dos cuidadores e pessoas  
em situação de dependência. Ao mesmo modo, diversos profissionais que atuam na referida  
política acabam por cobrar dos familiares os cuidados com as pessoas idosas e com deficiência,  
sobre a prerrogativa da negligência familiar. Ou seja, tem-se uma intensificação da cobrança  
2 O termo de vulnerabilidade social é uma proposta ideológica, utilizada pelos organismos internacionais com face  
à ocultar as expressões da questão social. É muito utilizado nas Políticas de Seguridade Social dos países da  
América Latina como estratégias de ações fragmentadas e que transferem para as famílias a responsabilidade e a  
solução para a crise estrutural do capital, e seu pilar de exploração da classe trabalhadora. “A vulnerabilidade  
enquanto um estado, status ou título nada mais é do que a manutenção da pobreza da classe trabalhadora que a  
partir do movimento conjuntural vai sofrendo as consequências do não acesso a bens e serviços, trabalho e a  
riqueza socialmente produzida” (Arregui et al., 2023, p. 159).  
Raíssa Cristina Arantes; Daniella Borges Ribeiro  
dos técnicos de nível superior, potencializando a perspectiva familista, exigindo uma maior  
responsabilização das famílias que estão completamente desprotegidas (Moraes et al., 2020).  
Assim,  
O enfrentamento da desigualdade passa a ser tarefa da sociedade ou de uma  
ação estatal errática e tímida, caracterizada pela defesa de alternativas  
privatistas, que envolvem a família, as organizações sociais e a comunidade  
em geral. O ideário da “sociedade solidária” como base do setor privado e não  
mercantil de provisão social parece revelar a edificação de um sistema misto  
de proteção social que concilia iniciativas do Estado e do terceiro setor  
(Yazbek, 2008, p. 13).  
Segundo a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 203º, a Assistência Social será  
prestada a quem dela necessitar, ou seja, não é uma política universal, mas que será destinada  
independente de contribuição previdenciária. Ainda segundo a Carta Constitucional, a  
assistência social tem por objetivos a proteção à família, à maternidade, à infância e à velhice;  
o amparo às crianças e adolescentes carentes; a promoção da integralidade ao mercado de  
trabalho; a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua  
integração à vida comunitária; e a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa  
portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria  
manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme disposto a lei. Também no artigo  
204º, as ações governamentais na área da assistência social serão realizadas com recursos da  
Seguridade Social, além de outras fontes.  
518  
Neste momento já se pode encontrar uma contradição, na medida em que a Carta  
Constitucional coloca enquanto objetivo a proteção à família e à velhice, por exemplo, mas  
coloca também que é pela via da família que a pessoa idosa ou pessoa com deficiência, que não  
tenha a contribuição junto à Previdência Social, terá o direito a uma renda mensal de um salário-  
mínimo - demonstrando já na constituição o caráter familista da referida política.  
Sposati (2005) aponta que romper com a perspectiva conservadora, ainda fruto do  
processo da ditadura militar e da proposta política e econômica neoliberal, se tornou um entrave  
aos avanços instituídos em termos de direitos sociais. As correlações de força em torno do  
entendimento da assistência social como um direito é antiga no Brasil, sendo explicitada, por  
exemplo, quando do impedimento de promulgação da LOAS no governo Collor. “A velha  
regra conservadora brasileira persiste. Tudo é bem-posto no papel, mas as forças sociais  
conservadoras permanecem analfabetas para tais ideias e compromissos” (Sposati, 2005, p. 43).  
De acordo com a autora, dadas as correlações de força, no texto da assistência social “alguns  
significativos anéis se foram”, tais como a universalidade do BPC, e, em 07 de dezembro de  
1993, a LOAS se consolida enquanto uma lei. Mas, é somente em 1995, que se começa a gestar  
Libertas, Juiz de Fora, v. 24, n. 2, p. 510-533, jul./dez. 2024. ISSN 1980-8518  
O familismo na assistência social como resposta do capital à crise estrutural  
os primeiros passos da LOAS, no governo de Fernando Henrique Cardoso (Sposati, 2005, p.  
63). Segundo Yazbek (2008, p. 15)  
A LOAS inova ao afirmar para a Assistência Social seu caráter de direito não  
contributivo, (independentemente de contribuição à Seguridade e para além  
dos interesses do mercado), ao apontar a necessária integração entre o  
econômico e o social e ao apresentar novo desenho institucional para a  
assistência social. Como política de Estado passa a ser um espaço para a defesa  
e atenção dos interesses e necessidades sociais dos segmentos mais  
empobrecidos da sociedade, configurando-se também, como estratégia  
fundamental no combate à pobreza, à discriminação e à subalternidade  
econômica, cultural e política em que vive grande parte da população  
brasileira (Yazbek, 2008, p. 15).  
A LOAS possui em seus objetivos a Proteção Social, que visa a garantia da vida, à  
redução de danos e à prevenção da incidência de riscos; a Vigilância Socioassistencial com vias  
de analisar os territórios e a capacidade protetiva das famílias (novamente colocando a  
responsabilidade pela proteção para a família); e a defesa de direitos, visando a garantia de  
pleno acesso aos direitos no conjunto das provisões socioassistenciais. Dentre as proteções  
existe a proteção à renda, na qual estão inseridos os Programas Condicionais de Renda, que  
aqui se destaca o Benefício de Prestação Continuada.  
Todavia, junto à política econômica, a LOAS e a PNAS (publicada em 2004) enfrentam  
dificuldades para ser reconhecida na perspectiva do direito. As contradições da Seguridade  
Social no Brasil, e consequentemente da Política de Assistência Social, se apresentam diante  
de um Estado que garante constitucionalmente o reconhecimento dos direitos sociais, mas que  
os insere “num contexto de ajustamento a essa nova ordem capitalista internacional” (Yazbek,  
2008, p. 13).  
519  
Segundo Campos e Mioto (2003, p. 182), o discurso da capacidade protetiva das  
famílias, propagado pelos organismos internacionais, não corresponde à realidade das mesmas  
por serem “impossibilitadas de atender a tamanhas expectativas”. Esse discurso conservador  
acerca da habilidade protetiva das famílias obscurece os limites destas, em especial nas crises  
do capitalismo, das condições das mesmas serem, por vezes, a única estratégia de sobrevivência  
Dessa forma, a família se encontra muito mais na posição de um sujeito  
ameaçado do que de instituição provedora esperada. E considerando a sua  
diversidade, tanto em termos de classes sociais como de diferenças entre os  
membros que a compõem e de suas relações, o que temos é uma instância  
sobrecarregada, fragilizada e que se enfraquece ainda mais quando lhe  
atribuímos tarefas maiores que a sua capacidade de realizá-las (Campos;  
Mioto, 2003, p. 183).  
Ainda segundo as autoras, na medida em que se amplia a ideologia e a expectativa da  
capacidade protetiva das famílias, do discurso da solidariedade da sociedade, há uma tendência  
Raíssa Cristina Arantes; Daniella Borges Ribeiro  
a centralizar a proteção social sobre a responsabilidade familiar em detrimento da  
responsabilidade estatal pela mesma.  
Sobre a particularidade do BPC, Campos e Mioto (2003) também o afirmam enquanto  
uma política altamente familista, apontando a transferência do direito individual para as  
condições da família. Nas palavras das autoras, a Política de Assistência Social é posta como  
“direito do cidadão e dever do Estado”, então, se o direito individual do BPC leva como  
condição a hipossuficiência financeira da família, perde-se a perspectiva do direito individual.  
Os cuidadores da Zona da Mata mineira: desproteção social e responsabilização  
familiar  
Dos 20 entrevistados, apenas 01 era do sexo masculino. Esse dado dialoga com diversos  
autores, tais como Cisne e Santos (2020); Minayo (2021); Horst e Mioto (2021), que afirmam  
que os cuidados são exercidos em sua maioria pelas mulheres da família.  
Para além dos cuidados serem exercidos majoritariamente pelas mulheres, também há  
destaque para o papel das mães no cuidado. Dos 20 entrevistados, 14 são mães que cuidam de  
seus filhos com deficiência, beneficiários do BPC. Assim, as mães representam 70% dos  
cuidadores entrevistados. Das demais entrevistadas, ainda recai sobre as mulheres o cuidado,  
em que as filhas assumem os cuidados de suas mães. Dentre as mulheres entrevistadas, 03  
cuidam de suas mães idosas, 01 cuida do pai; 01 cuida da tia e 01 cuida da irmã, pessoas estas  
beneficiárias do BPC.  
520  
Esses dados convergem com as análises de Horst e Mioto (2021), Saffioti (2004) e  
Fraser (2023) ao apresentarem o papel historicamente e ideologicamente posto às mulheres,  
com base no modelo de família nuclear burguesa, em que às mulheres cabe o papel de  
reprodução biológica para a garantia da força de trabalho no processo de produção e reprodução  
social, bem como o cuidado com o marido provedor, os filhos e pais idosos. Os valores postos  
pela sociedade capitalista colocam papéis pré-estabelecidos, e o papel da mulher, segundo a  
ideologia burguesa, é de cuidar e se responsabilizar pelos filhos ou demais entes familiares.  
Outro dado importante refere-se à raça. Dos 20 entrevistados, 11 se consideram pardos;  
05 brancos e 04 pretas, ou seja, verifica-se que no total 15 são negros3, tal qual como  
problematizam autoras como Cisne e Santos (2020). Dos entrevistados, tem-se 75% de pessoas  
que se consideram negras (pretas e pardas).  
3 Consideramos negro o conjunto de pessoas pretas e pardas, segundo o IBGE.  
Libertas, Juiz de Fora, v. 24, n. 2, p. 510-533, jul./dez. 2024. ISSN 1980-8518  
O familismo na assistência social como resposta do capital à crise estrutural  
A partir da realização das entrevistas foram observadas as seguintes composições  
familiares: 45% são famílias monoparentais chefiadas por mulheres, 35% são famílias  
nucleares; 15% são famílias reconstruídas (01 consiste em uma tia que assumiu os cuidados dos  
sobrinhos após o falecimento dos genitores; 01 irmã que passou a cuidar da irmã após o  
falecimento de sua mãe; 01 filha que levou a mãe para residir com a sua família); e 5%  
representado por uma família monoparental chefiada por um homem.  
Cabe destacar que foi encontrada, entre as cuidadoras entrevistadas, a prevalência dos  
cuidados sendo amparados pelas avós com as crianças beneficiárias do BPC. Diante do  
afastamento ou impossibilidade dos cuidados serem realizados pelas genitoras, quem assume a  
responsabilidade pelos mesmos são as avós - fato esse que pode ser destacado pela fala da  
entrevistada 19: “A minha mãe que é a guerreira, depois de mim é sempre ela”.  
Como se pode perceber, o cuidado é realizado preponderantemente pelas mulheres, bem  
como o apoio encontrado por elas para sua realização. Tal fato tem consonância com os dados  
publicados pelo DIEESE (2023) em que 38,9% das mulheres relataram realizar atividades  
voltadas ao cuidado, em comparação com 27,3% dos homens (Boletim Especial de 8 de março  
- DIEESE, 2023).  
Duas exceções são encontradas nos casos das entrevistadas 1 e 2, que apontam que  
recebem, embora não de maneira contínua, o apoio do pai das crianças. No entanto, esse apoio  
é possibilitado devido ao fato de o cônjuge trabalhar no mercado informal, dispondo, dessa  
forma, de maior flexibilidade de horário para exercer algumas atividades. Assim, pode-se  
observar, novamente, o conflito entre as demandas do cuidado, que acabam exigindo a maior  
parte do tempo de quem as exerce, com a possibilidade de trabalho formal. As mulheres que  
exercem tais atividades não conseguem conciliá-las com a jornada de trabalho e demais  
requisitos que o trabalho formal exige.  
521  
Ainda no que tange aos cuidados exercidos preponderantemente por pessoas do sexo  
feminino, cabe salientar que, das 09 famílias monoparentais chefiadas por mulheres, somente  
02 apontam que recebem o “apoio” do pai para a realização do cuidado, mas que é necessário  
solicitar esse apoio, como se o cuidado não fosse uma responsabilidade paterna. Das demais 07  
mulheres chefes de família, 03 apontam que mesmo solicitando e requerendo pela via judicial  
a pensão e a visita paterna, isso não se realiza. As demais não citam acerca dos genitores ao  
longo das entrevistas.  
No que se refere aos cuidados, dos 20 entrevistados, 16 afirmam que os cuidados são  
para tudo, pois os familiares que recebem o BPC são totalmente/parcialmente dependentes.  
Esses cuidados incluem o preparo da alimentação, ministrar as medicações, os cuidados com a  
Raíssa Cristina Arantes; Daniella Borges Ribeiro  
higiene pessoal, lavar e passar as roupas e a limpeza da casa. Também se destaca que todos os  
20 entrevistados afirmam que tem a necessidade de levar os usuários em consultas médicas,  
terapias e nas escolas (no caso dos usuários que são pessoas com deficiência). Ressalta-se que  
somente 04 das entrevistadas apontam certa independência dos beneficiários do BPC. “[...] ele  
é independente. Ele toma banho, ele almoça sozinho” (Entrevistada 17); “E vou na casa dela,  
limpo a casa. Mas no resto ela é totalmente capaz” (Entrevistada 14). Acerca dos beneficiários  
que possuem independência e/ou autonomia, os cuidados são mais direcionados ao lar, no  
preparo da alimentação e das vestimentas. Têm-se, assim, que, dos 20 entrevistados, 16 afirmam  
um alto índice de dependência dos beneficiários do BPC. A frase mais presente nas entrevistas  
é: “eles são cem por cento dependentes”, ou seja, os cuidadores precisam exercer todas as  
atividades e responsabilidades pelo bem-estar dos usuários do BPC, independente se são  
pessoas idosas, ou pessoas com deficiência.  
Pereira (2016) aponta que o cuidado se constitui como uma esfera do trabalho, sendo  
ela remunerada ou não, pois implica custo de tempo e energia daqueles que a promovem.  
Dialogando com a autora acerca das horas em que os cuidadores se dedicam diariamente na  
execução dos cuidados dos usuários do BPC, 12 afirmam que se dedicam vinte e quatro horas  
por dia - “Desde o amanhecer ao anoitecer, o dia inteiro” (Entrevistada 16). “A minha filha, é  
o dia inteiro, é vinte e quatro horas (risos). Porque a noite também que ela não dorme, aí fica  
agitada, quer andar pela casa afora, quer que liga um desenho. Aí eu vou fazendo as coisas  
assim, mais pra acalmar mesmo” (Entrevistada 5).  
522  
Seis (06) entrevistadas apontam que somente deixam de estar prestando os cuidados de  
maneira integral quando os beneficiários se encontram presentes dentro dos equipamentos  
educacionais. Cabe destacar que algumas mães informam que ainda acompanham os filhos no  
trajeto para a referida instituição:  
Praticamente, são vinte e quatro horas. Sendo ele não estando na APAE, tipo  
assim, em feriado. É vinte e quatro horas, né? Tirando aAPAE, é só eu mesmo.  
E mesmo na APAE, se ele passar mal, eles vão vir aqui em casa atrás de quem?  
Atrás de mim né? Eu que tenho que ir para lá (Entrevistada 17).  
Contudo, é necessário salientar que mesmo quando os usuários se encontram dentro dos  
equipamentos educacionais, as cuidadoras não deixam de estar realizando os cuidados. Como  
bem colocado pela Entrevistada 13 que, ao ser questionada sobre quantas horas se dedica aos  
cuidados apontou: “Praticamente o dia todo. Por que quando ele está na escola, eu me dedico  
para arrumar a casa, lavar a roupa, faço comida” (Entrevistada 13).  
Esse dado aponta que, mesmo quando o Estado assume alguma responsabilidade pela  
inclusão educacional das pessoas com deficiência (embora no caso das entrevistas aqui  
Libertas, Juiz de Fora, v. 24, n. 2, p. 510-533, jul./dez. 2024. ISSN 1980-8518  
O familismo na assistência social como resposta do capital à crise estrutural  
apresentadas muitos frequentam a APAE), ainda assim, o familismo se encontra presente, pois  
as famílias continuam assumindo os demais cuidados. Sabe-se que muitas mulheres acabam  
por exercer trabalho de meio período na esfera da produção para conseguir manter a reprodução  
da força de trabalho e o cuidado, ou seja, o cuidado é parte constituinte na intrínseca relação de  
produção e reprodução do capital, embora nestes casos as mulheres não consigam exercer  
nenhuma atividade na esfera formal da produção social.  
Por mais que os entrevistados careçam de apoio para a realização dos cuidados, muitos  
afirmam não os receber. Tal como o relato do Entrevistado 17: “Eu preciso de apoio, mas eu  
não tenho, ué. Não tem como pagar, vou pagar como uai? Se pagar seria bom, né?” Assim como  
a Entrevistada 18, que afirma que mesmo tendo uma família nuclear, o apoio proveniente de  
seu esposo ainda é insuficiente. “Não, só eu. Meu esposo trabalha, né? Quando ele chega, ele  
até ajuda, né? Mas aí já é tarde, nem tem do que precisa, né? Mas é sempre comigo”.  
Cinco (05) entrevistadas pontuam que o apoio advém dos serviços da Seguridade Social;  
04 apontam que uma das principais redes de apoio que encontram, se efetiva através da Política  
de Assistência Social, especialmente pelas técnicas do Programa Criança Feliz, tal como  
expresso na seguinte frase: “tem o pessoal do Criança Feliz também que ajuda muito. Tem dias  
que elas ficam aqui três horas com a gente conversando, orientando, ajudando mesmo, sabe?”  
(Entrevistada 19).  
523  
Há um destaque amplo para a rede de apoio formada pelas mulheres das famílias das  
próprias cuidadoras. Dos 20 entrevistados, 09 afirmam que o apoio advém das mães, irmãs,  
filhas mais velhas ou tias dos beneficiários do BPC. Tal como relatado ao longo de toda a  
conversa com a Entrevistada 5: “Eu tenho a minha menina mais velha que me ajuda muito. [...]  
Para mim fazer faxina é a minha mãe [...]. A minha mãe que me ajuda, aquela ali é meu suporte  
de tudo. Me ajuda em tudo” (Entrevistada 5).  
Há também relatos de entrevistadas que diante da ausência de apoio, tanto da família  
quanto da Seguridade Social, acabam por ter que buscar o mesmo na Sociedade Civil. Uma das  
entrevistadas aponta que o maior apoio advém da Igreja:  
A sociedade me ajuda muito. Ontem eu comecei uma campanha para comprar  
uma bota ortopédica para ela. Aí eu já comecei a falar com alguns amigos  
meus, já consegui um pouco de dinheiro com a venda que eu faço de tempero,  
de dinheiro com doação. E ainda agora mesmo, o pastor da minha Igreja ligou  
falando que vai pagar sozinho a bota. Que é o valor de dois mil, trezentos e  
cinquenta. Tem um anjo da guarda aqui que é Uber, que todo mês vem aqui  
na minha porta e me ajuda com alguma coisa para mim. E minha família que  
me ajuda com o tanto que pode. Mas aqui ninguém vem, nem para pentear um  
cabelo, nem pra dar um banho. É tudo eu, mais eu (risos) (Entrevistada 11).  
Raíssa Cristina Arantes; Daniella Borges Ribeiro  
Tal questão corrobora com as análises de Saraceno e De Azevedo (1995) e Esping-  
Andersen (1991) acerca das transferências de responsabilidades do Estado para a sociedade  
civil nas medidas de proteção social. Ou seja, o Estado não garante proteção e propaga  
ideologicamente o chamado à solidariedade para a sociedade civil. Esse fato também é apontado  
por Silva e Teixeira (2020) ao afirmarem que, segundo as diretrizes dos órgãos internacionais  
para os países periféricos, a intervenção estatal deve ser direcionada aos mais pobres  
(miseráveis) e em parceria com a sociedade civil.  
No decorrer das entrevistas foi perguntado se acreditavam que existiria algo que pudesse  
contribuir com os cuidados prestados. Onze (11) dos entrevistados apontaram que a  
contribuição seria a financeira, mediante o pagamento do trabalho exercido pelo cuidado, bem  
como garantia de tempo para que pudessem exercer o trabalho remunerado fora da esfera do  
cuidado. Cinco (05) entrevistadas salientaram a geração de condições para que pudessem  
exercer um trabalho, tendo em vista que a renda proveniente do BPC é insuficiente para a  
manutenção das despesas do grupo familiar, tal como apontado pela Entrevistada 16: “Se eu  
pudesse trabalhar seria ótimo. Ah, se eu pudesse trabalhar né? Mas eu não posso”. Essa temática  
foi muito abordada pois eles apontam a insuficiência do benefício para arcar com as despesas  
do núcleo familiar, ou mesmo somente do próprio beneficiário: “E financeiro também, porque  
a gente fala do BPC, mas sobreviver só com ele é difícil. Está difícil, entendeu? Mas, é o que  
tem no momento, e a gente vai empurrando né?” (Entrevistada 20).  
524  
Três (03) entrevistadas acreditam que o que poderia contribuir seria o apoio familiar, tal  
como apresentado pela Entrevistada 1. Esse dado reforça o quanto a população assume o  
aspecto familista, o quanto a família passa a ter papel preponderante nas relações sociais:  
Esse acolhimento da gente, da família. Seria entender. Eu digo até familiar,  
sabe? Se eu falar que a minha família me acolhe, eu vou estar mentindo. Eu  
me divorciei há um ano. Se eu falar que alguém veio, que alguém me  
procurou. E a gente sabe, que o pai é participativo, quando ele está no  
relacionamento. A partir do momento que não está, você tem que pedir. Vem  
buscar, vem fazer. Você viu aqui né? Tem que pedir. Afamília, eu poderia estar  
em uma situação muito pior, se fosse, se eu não tivesse conhecimento, e  
entendesse até onde eu posso ir, eu estaria em uma situação muito pior. Mas  
eu não tenho um apoio familiar (Entrevistada 1).  
Mas também há o entendimento de que as Políticas de Seguridade Social deveriam ser  
o apoio que os entrevistados carecem. “Eu acho que a gente deveria ter políticas públicas que  
realmente funcionem” (Entrevistada 1). Doze (12) entrevistados relatam que o apoio deveria  
advir da Política de Saúde: “No caso da saúde para ele” (Entrevistada 3); “Pra me ajudar, só  
com esses remédios mais caros né? Isso ia ajudar né?” (Entrevistada 8).  
Libertas, Juiz de Fora, v. 24, n. 2, p. 510-533, jul./dez. 2024. ISSN 1980-8518  
O familismo na assistência social como resposta do capital à crise estrutural  
Cabe destacar que 03 entrevistados apontaram que se os usuários ficassem durante o dia  
no CAPS, através do CAPS-dia, eles teriam tempo para exercer atividades laborativas.  
Ah menina, tem assim, se ele pudesse ficar no CAPS né? Por que agora ele  
vai fazer é avaliação né, mas se ele pudesse ficar lá, seria uma boa né? Por que  
se ele ficasse, eu conseguia fazer alguma coisa por fora né? Ganhar um extra.  
Ganhar mais né, por que o remédio dele né? Tem que pagar né? E comida,  
roupa né? Por que o salário dele não dá pra muita coisa né? (Entrevistado 6).  
Também há um relato de que o apoio poderia ser proveniente da Política Nacional de  
Assistência Social, tal como apresentado pela Entrevistada 13.  
Contribuir. A, talvez uma assistência, se eu tivesse recebendo o valor do Bolsa  
Família, seria melhor a situação. Talvez uma ajuda extra já ia né? Porque é  
muito gasto com o remédio, e aí já vai o salário. Então assim, você vai  
espremendo para fazer as outras coisas né? Por que o dele não pode deixar  
sem fazer. O dele vem em primeiro lugar, entendeu? Então um auxílio talvez  
né? Um auxílio assim, uma ajuda mesmo, até uma própria cesta que a gente  
tivesse direito de pegar no CRAS né? Por que a gente é impedido às vezes de  
pegar um vale gás né? (Entrevistada 13).  
Frazer (2023) e Pereira (2016) apontam que o cuidado está interligado às relações de  
produção e reprodução social, e, portanto, integra o sistema econômico, constituindo-se como  
uma pré-condição para a sua existência, mesmo sendo esse trabalho, majoritariamente, um  
trabalho não-remunerado. Dialogando com esses dados, dos 20 entrevistados, 16 afirmaram que  
nunca receberam nenhuma contrapartida financeira para o cuidado com os beneficiários do  
BPC. Contudo, 04 compreendem que a contrapartida financeira era o próprio benefício do  
usuário, mas que tirando o benefício, não possuía nenhum retorno financeiro para exercerem os  
cuidados.  
525  
Ao serem indagados sobre o sustento, dos 20 entrevistados, 08 afirmam que só possuem,  
enquanto renda familiar, o valor mensal de um salário mínimo proveniente do BPC. Cinco (05)  
apontam que o sustento da família consiste no referido benefício, bem como no trabalho de seus  
respectivos maridos/companheiros - cabe destacar que somente um se encontra dentro do  
mercado formal de trabalho. Quatro (04) entrevistadas apontam que conseguem, de maneira  
muito restrita, realizar faxinas. “Hoje eu faço faxina uma vez por semana e temos o auxílio do  
governo, né?” (Entrevistada 5). Duas (02) entrevistadas, que no momento exercem o cuidado  
de membros do BPC que se encontram com o benefício suspenso, afirmam que  
temporariamente estão recebendo o recurso do Programa Bolsa Família (PBF).  
Ressalta-se a Entrevistada 7 que, além de exercer o cuidado do filho, usuário do BPC,  
também cuida dos netos para que a filha possa trabalhar. Em troca do cuidado com os netos, a  
entrevistada recebe comida. Em suas palavras  
O meu sustento vem desse Bolsa Família que eu tenho, e dos biquinhos de  
Raíssa Cristina Arantes; Daniella Borges Ribeiro  
faxina que eu faço sábado. E na minha menina. Que eu ajudo um pouquinho,  
aí quando ela vai no mercado ela compra alguma coisinha e me dá, já está bom  
demais. Não me dá dinheiro não, mas me fala: mãe eu vou comprar pra mim  
e pra você. Aí pra mim, eu já vou levando a minha vida assim (Entrevistada  
7).  
Das 20 pessoas entrevistadas, 18 deixaram de exercer trabalho remunerado em  
decorrência do cuidado. A entrevistada 11 relatou não trabalhar anteriormente por questões de  
saúde e a entrevistada 14 já não trabalhava anteriormente. Ou seja, tem-se 90% dos  
entrevistados que deixaram de exercer o trabalho fora da esfera restrita do cuidado.  
Das 18 entrevistadas que atualmente não exercem trabalho remunerado, 02 eram  
empregadas domésticas, 07 realizavam faxinas sem carteira assinada e 01 era auxiliar de  
limpeza com carteira assinada, com a garantia dos direitos trabalhistas resguardados. Uma (01)  
entrevistada relatou que exercia o trabalho enquanto trabalhadora rural e que também possuía  
o contrato de trabalho, bem como o vínculo com o Sindicato dos Trabalhadores Rurais do seu  
respectivo município. No mais, constata-se 01 entrevistada que exercia a função de babá, 01  
cuidadora de idosos, 01 costureira, 01 cabeleireira, 01 caixa e 01 repositor. Havia também 01  
entrevistada com curso superior que deixou o trabalho em sua área de atuação para a realização  
do cuidado em tempo integral do seu filho.  
Em decorrência dessa grande demanda de cuidados, percebe-se que, aqueles que  
conseguem exercer algum trabalho remunerado, só fazem de forma informal e esporádica, como  
é o caso dos relatos feitos pela Entrevistada 1. Ela informou que exerce, quando possível,  
trabalhos informais diversos, como forma de complementação da renda, uma vez que, com a  
rotina de cuidados de uma pessoa totalmente dependente, ela tem disponibilidade de trabalho  
apenas em pequenos intervalos, ou quando ela consegue levar o usuário do BPC para o local  
em que a atividade será realizada.  
526  
(...) eu faço tudo que me chamarem. Eu costumo dizer que eu só não roubo e  
mato, mas o resto… se me chamar para pintar parede eu vou pintar, uma  
faxina, faço cabelo, unha. (...) já fiz aqui nessas atividades extras da prefeitura,  
recreações, tudo eu tento participar. Se não atrapalhar os horários do (nome  
do usuário do BPC) e se tiver alguém para ficar com o (nome do usuário do  
BPC) eu faço, esses trabalhos domiciliares que é, já cuidei de criança, faxina,  
passar uma roupa, se eu puder levar o (nome do usuário do BPC) melhor. é  
esse o acordo com as pessoas que me chamam (Entrevistada 1).  
Os fatos apresentados acima estão em sincronia com os dados acerca da relação de  
trabalho entre mulheres chefes de família. Conforme levantamento realizado pelo DIEESE  
(2023), entre as mulheres chefes de família negras, 25,3% trabalhavam como empregadas  
domésticas, já entre as não negras, 15,8% em serviços domésticos. No total das chefes de  
família negras, 20,6% eram trabalhadoras domésticas sem carteira, 15,1% trabalhavam sem  
Libertas, Juiz de Fora, v. 24, n. 2, p. 510-533, jul./dez. 2024. ISSN 1980-8518  
O familismo na assistência social como resposta do capital à crise estrutural  
carteira no setor público ou privado, ou seja, mais da metade dessas mulheres não tinha acesso  
a nenhum benefício trabalhista (53,3%). Entre as não negras essa proporção era menor, 41,0%.  
Destas, 11,9% eram domésticas sem carteira (Boletim Especial de 8 de março - DIEESE,  
2023).  
Esses dados também dialogam com as autoras Cisne e Santos (2020) ao apontarem que  
as mulheres negras são majoritariamente as responsáveis pelos cuidados de suas famílias e das  
famílias dos outros, atuando como empregadas domésticas, cuidadoras de idosos, cuidadoras  
sociais, dentre outros. Das 03 entrevistadas que se consideram negras, 02 já exerciam trabalhos  
remunerados relacionados aos cuidados, e 06 que se consideram pardas, também exerciam  
trabalhos domésticos.  
Ainda acerca deste ponto, podemos ver o relato do caso da Entrevistada 7, que realiza  
serviços de faxina aos sábados e trabalhos domésticos para a filha em troca de alimentos. Cabe  
destacar que ela afirma que só consegue realizar os trabalhos aos sábados pois a família que  
contrata os seus serviços permite que a mesma leve o seu filho, beneficiário do BPC.  
O meu sustento vem desse Bolsa Família que eu tenho e dos biquinhos de  
faxina que eu faço sábado. E na minha menina que eu ajudo um pouquinho,  
aí quando ela vai no mercado ela compra alguma coisinha e me dá, já está bom  
demais. Não me dá dinheiro não, mas me fala: mãe, vou comprar para mim e  
para você (Entrevistada 7).  
527  
A partir dos relatos observa-se que as demandas com os cuidados, principalmente em  
relação às necessidades médicas, como os agendamentos de consultas, fisioterapias,  
acompanhamentos e afins, acabam impossibilitando a conciliação dos trabalhos do cuidado  
com o trabalho remunerado. Este é o caso, por exemplo, da Entrevistada 2:  
Porque eu não posso trabalhar para poder cuidar dela. Eu trabalhava de babá,  
e, aí eu deixei para cuidar dela, porque tem que levar no médico, é SUS né, às  
vezes é no SUS, então o horário é o horário que eles escolhem lá. Aí tive  
muitas vezes que sair do trabalho para levar ao médico. Então, não tem  
ninguém para fazer isso para ela. E eu tenho o meu pai também, que cuido  
dele também [...] Sou eu que levo ele ao médico, eu que arrumo os remédios  
dos dois. É eu que respondo para o médico o que eles têm, sabe? Tudo. Então,  
ele não tem esses problemas, mas tem outros, problemas de saúde, tem  
arritmia, diabético, toma insulina. Então tudo é eu que busco remédio, compro  
remédio, pego receita, levo no médico, tudo é eu. Faço compra, tudo é eu  
(Entrevistada 2).  
Também sobre as análises de Fraser (2023) e Pereira (2016) acerca dos cuidados terem  
correlação direta com a economia, aponta-se pelas entrevistas que somente 04 dos cuidadores  
entrevistados contribuem com o INSS. Destes, 02 contribuem como autônomos, 01 como  
trabalhadora rural e 01 através do MEI. Esse dado comprova que os demais 15 cuidadores  
(exceto a cuidadora que recebe também o BPC), ou seja 75%, se encontram desprotegidos da  
Raíssa Cristina Arantes; Daniella Borges Ribeiro  
Previdência Social, o que potencializa uma futura necessidade de ingresso ao BPC, podendo  
acarretar um Ciclo Intergeracional de Dependência da Política de Assistência Social4 (Gomes,  
2020).  
No que tange às políticas públicas ofertadas pelos respectivos municípios,  
majoritariamente os entrevistados relataram sobre as políticas de Saúde, Assistência e  
Educação. Tendo em vista que somente 04 entrevistados contribuem com a Previdência, os  
demais não apresentaram acesso à Seguridade Social de cunho contributivo.  
Dos 20 entrevistados, 16 informaram que possuem acesso e suporte da Política de  
Assistência Social de seus municípios, destacando o CRAS como o principal equipamento de  
referência. 04 cuidadores afirmaram que não possuem acesso junto à referida política, mas que  
deram entrada na solicitação do BPC através do CRAS, contudo, não houve uma continuidade  
ou um acompanhamento da família por parte da equipe técnica.  
Dentre os 16 que afirmam possuir acesso à Política de Assistência Social, há relatos de  
06 entrevistados que acessam os benefícios eventuais de seus respectivos municípios. Contudo,  
também houve queixas, de benefícios eventuais sendo negados exatamente pelos cuidadores  
estarem inseridos em famílias que já recebem um benefício da referida política, no caso o BPC.  
Como exposto pela Entrevistada 13:  
AAssistente Social, quando eu preciso, eu vou lá, converso com ela. Elas me  
dão um apoio. Igual uma vez, eu fui lá, pedi uma cesta básica. Mas só que por  
conta da gente receber o BPC LOAS, fica meio difícil. Porque às vezes elas  
acham que a gente por receber esse salário a gente consiga fazer tudo. Só que  
hoje as coisas no mercado estão um absurdo, entendeu? Eu pago farmácia,  
tem que pagar aluguel, luz; então assim, quando chega para ir no mercado, eu  
já não tenho tanto, né? Então assim, o que que acontece, quando a gente vai  
assim, pedir uma cesta lá, aí tipo assim, a gente é questionada, entendeu? Essa  
situação, por conta do salário, como se a gente está recebendo o salário e então  
não precisa da cesta né? Mas só quem sabe somos nós mesmos (Entrevistada  
13).  
528  
Também houve relatos de acompanhamento por parte da equipe técnica de nível  
superior do CRAS no sentido de impulsionar maior responsabilização familiar pelos cuidados  
aos beneficiários do BPC, com relatos de visitas domiciliares constantes, alegando  
acompanhamento familiar. Tal como exposto pela Entrevistada 12:  
Eu não posso trabalhar. De primeira ela morava com a minha mãe, ai minha  
mãe faleceu e eu passei a cuidar dela. Eu trabalhava na roça, quando eu vim  
para a rua. Até as meninas falaram que quando aparecer um serviço para fazer,  
mas a Assistente Social falou que eu não posso deixar ela sozinha. [...] as  
meninas do CRAS que passam para fazer visita. É só acompanhamento  
4
Famílias que possuem por mais de uma geração a dependência da Política Nacional de Assistência  
Social.  
Libertas, Juiz de Fora, v. 24, n. 2, p. 510-533, jul./dez. 2024. ISSN 1980-8518  
O familismo na assistência social como resposta do capital à crise estrutural  
(Entrevistada 12).  
No que se refere à Política de Saúde, 14 informaram que possuem acesso aos  
equipamentos existentes em seus respectivos municípios, destacando sempre a atuação das  
UBS do bairro, embora conste reclamação de ausência de visita dos Agentes Comunitários de  
Saúde. Mas, no que tange à atendimentos médicos, veículos quando necessário,  
acompanhamentos necessários e específicos para as pessoas com deficiência, estes  
entrevistados afirmaram conseguir o acesso. Contudo, 06 afirmaram que não possuem acesso à  
política pública municipal do seu município.  
Diante de uma expressiva quantidade de entrevistados cujos beneficiários do BPC  
possuem autismo, há a necessidade de diversas terapias. Porém, os municípios não ofertam os  
serviços necessários, como exposto pela Entrevistada 13: “Porque no momento ele está  
precisando de fono, porque não tem profissional aqui desde o início do ano, ele inclusive  
regrediu muito. Então assim, já me quebrou aí, porque é o que ele precisa mais”. Bem como  
também há relatos da existência das terapias, contudo, ainda insuficientes. “E psicólogo, não  
está tendo. Ele teve terapia na semana retrasada, e agora vai ter só em novembro de novo. E  
fono, ele tem de quinze em quinze dias. E eu que levo” (Entrevistada 3).  
Há também muitos relatos da necessidade de recorrer ao mercado, diante de uma  
inexistência de serviços básicos ofertados pela saúde pública, com especial destaque para  
ausência de médicos e medicamentos no SUS. Há relatos de além da ausência de tratamento  
pelo SUS, ainda de gastos com itens básicos que, pelo SUS, seriam ofertados na rede de saúde  
pública. “E na ASSED não tem a fonoaudióloga, aí no caso eu teria que pagar. Mas é muito  
caro, e eu não tenho condições de pagar. E tem também a questão das fraldas, que todo mês  
aperta” (Entrevistada 15).  
529  
Há vários relatos de gastos com medicamentos em farmácias devido à ausência de  
remédios e fraldas ofertados em farmácias populares e que comprometem a renda familiar. “O  
médico dele é particular, só o remédio, e só agora, deve ter um mês que eu consegui o remédio  
pelo SUS. Por que antes era tudo no particular” (Entrevistada 5); “Os remédios são comprados,  
mas o médico é pela saúde” (Entrevistada 10); “Porque gasto muito com farmácia e fraldas”  
(Entrevistada 11); “Ele toma um remédio de convulsão, e quando a médica passou, ela passou  
três frascos. E isso dava quinhentos reais. Aí a gente fez uma vaquinha, um pix solidário, e a  
gente conseguiu comprar umas caixas de remédio” (Entrevistada 9).  
Esses dados apontam o quão familista é o Estado brasileiro. O Estado neoliberal prima  
cada vez mais pelo desmonte das políticas sociais, as quais destacamos aqui as de Seguridade  
Social. Diante de uma ausência na oferta dos serviços de Saúde pelo Estado, a população não  
Raíssa Cristina Arantes; Daniella Borges Ribeiro  
vê outra saída senão recorrer ao mercado e à sociedade civil, tal como apontado por Moraes et.  
al. (2020) ao afirmar que a proteção social foi construída mediante o compartilhamento de  
responsabilidades do Estado com a sociedade civil, especialmente na condução da proteção  
social associada à responsabilização familiar.  
Ainda na precariedade dos serviços de saúde pública e de responsabilização da  
sociedade civil, destaca-se o aparecimento, nas entrevistas, das chamadas “vaquinhas  
solidárias” ou “pix solidários”. Esses são mecanismos em que a sociedade é chamada através  
das redes sociais para contribuir financeiramente através de doações em depósitos bancários ou  
“pix” para que o recebedor consiga arcar com os gastos de saúde.  
Considerações Finais  
Aponta-se nesta pesquisa que a família, cada vez mais, é chamada na garantia da  
proteção social, diante de um retrocesso do Estado, conforme preconizado pela proposta  
Neoliberal. Esse “chamamento” é uma resposta conservadora cada vez mais acentuada frente à  
crise do capital, recolocando a família como instância privilegiada responsável pela proteção  
social de seus entes, evidenciando-se o desmonte das políticas públicas e dos direitos sociais, o  
que aprofunda as desigualdades sociais e coloca as famílias em situações de desproteção e não  
de proteção. Assim, as famílias são desapropriadas de condições dignas de vida pelo próprio  
Estado e, ao mesmo tempo, são chamadas à responsabilidade de proverem uma proteção que  
seria de responsabilidade do Estado, para além da esfera privada. Ao “falharem”, estas passam  
a ser consideradas culpadas pelos males advindos desta relação.  
530  
A Política de Assistência Social, embora avance enquanto um direito social de caráter  
não contributivo, ainda permanece altamente excludente e focalizada, na medida em que não  
consiste em uma política de caráter universal, e que constantemente recebe ataques  
governamentais com cortes orçamentários. O desmonte da referida política ataca a família, que  
já é posta como uma “instância” de garantia da proteção social através dos serviços e programas  
instituídos na referida política.  
Dentro desta esfera, encontra-se o BPC, enquanto um benefício, que perde a perspectiva  
do direito individual para o direito julgado pela “incapacidade” familiar. Caso ainda mais  
intenso ao se tratar de beneficiários em situação de dependência, em que familiares,  
majoritariamente mulheres negras, se responsabilizam pelos cuidados e proteção aos seus  
membros, na mesma medida em que ficam desprotegidas.  
O desmonte das políticas de Seguridade Social afetam sobremaneira as famílias,  
comprometendo a renda proveniente do BPC quando, cada vez mais, precisam recorrer ao  
Libertas, Juiz de Fora, v. 24, n. 2, p. 510-533, jul./dez. 2024. ISSN 1980-8518  
O familismo na assistência social como resposta do capital à crise estrutural  
mercado para suprir suas necessidades elementares. Por sua vez, este fato intenciona as famílias  
a recorrerem, ora à Política de Assistência Social pela via dos Benefícios Eventuais, ora à  
Sociedade Civil, através, por exemplo, das chamadas “vaquinhas solidárias”.  
Os cuidadores, na medida em que minimamente conseguem proteger os beneficiários  
do BPC, se desprotegem, por exemplo, em relação à Previdência Social, o que futuramente  
pode ocasionar em mais uma dependência da Política de Assistência Social e piora das  
condições de vida. Ou seja, o Estado, na mesma medida em que chama a família para garantir  
a proteção social, não cria condições para que a família a exerça.  
Os dados da pesquisa apontam para a intensificação da responsabilização familiar frente  
a crise estrutural do capital, escamoteadas pela retórica do fracasso familiar, que encontra como  
limite, a própria política social que culpabiliza a família frente às expressões da questão social.  
Tal situação, também tenciona o trabalho social com as famílias baseados em concepções  
estereotipadas de famílias e papéis familiares, com prevalência de papéis residuais e  
fragmentados da totalidade social e na focalização do trabalho com famílias em “situações-  
limite”, as chamadas “incapazes” e “fracassadas” (Teixeira, 2015). O ultraconservadorismo no  
Brasil, e o conservadorismo moral, segundo Bonfim (2015), atingem intensivamente os  
profissionais que atuam diretamente com as famílias nas políticas públicas, dentre eles os  
Assistentes Sociais.  
531  
No que concerne ao Serviço Social, nas entrevistas foi possível identificar o caráter  
conservador de alguns profissionais que reforçam a responsabilização familiar pelos cuidados  
aos beneficiários do BPC, imprimindo na atuação um caráter policialesco através das visitas  
domiciliares para fins de “acompanhamento”, demonstrando um caráter conservador na prática  
profissional.  
Contudo, Teixeira (2015) aponta para as possibilidades e alternativas, mesmo diante de  
uma conjuntura tão adversa. No que tange ao trabalho com as famílias na PNAS, que os  
profissionais tenham a noção que a autonomia dos sujeitos e a capacidade para os cuidados  
estão atrelados à perspectiva dos sujeitos de direitos na busca por direitos universais enquanto  
dever do Estado na garantia de vida digna a todo cidadão.  
Neste sentido, potencializa-se o reconhecimento da força do coletivo, na organização  
para que a efetivação e viabilização dos direitos sejam efetivas, e que novas conquistas sejam  
inseridas nas políticas públicas, especialmente no que tange aos cuidadores, para que possam  
exercer o direito de cuidar e terem também uma vida digna (Teixeira, 2015).  
Raíssa Cristina Arantes; Daniella Borges Ribeiro  
Enquanto contribuições do Serviço Social evidencia-se o compromisso ético-político  
com a classe trabalhadora na luta pela emancipação e liberdade, contra o conservadorismo e à  
responsabilização da família diante de um quadro de crise estrutural do capital.  
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