Judicialização da saúde pública e trabalho  
profissional: de estratégia a fluxo institucional1  
Judicialization of public health and professional work:  
from strategy to institutional flow  
Clara Stephanie Andrade Pereira*  
Resumo: Este artigo propõe debater  
a
Abstract: This article proposes to debate the  
health judicialization and its implications on the  
professional work field showing a critical and  
Marxian perspective. This is a theoretical and  
reflective study carried out through the  
following methodologies: bibliographic review;  
judicialização na saúde e suas implicações para  
o campo do trabalho profissional à luz de uma  
perspectiva crítica e marxiana. Trata-se de um  
estudo teórico e reflexivo realizado através das  
metodologias:  
revisão  
bibliográfica;  
qualiquantitativa; e observação participante.  
Esta pesquisa tem como objetivo contribuir para  
a produção teórica e crítica no campo das  
ciências sociais aplicadas e especialmente para  
o Serviço Social. Destaca-se como principal  
resultado que o recurso da judicialização é  
utilizado frequentemente como estratégia de  
garantia à acesso dos usuários do Sistema Único  
de Saúde (SUS) a bens e serviços em saúde.  
Diante disso, reconhecemos a judicialização  
como parte da fetichização das relações sociais  
capitalistas, abordando as contradições do uso  
deste recurso no campo do trabalho profissional,  
destacando a necessidade da defesa coletiva  
pelo efetivo financiamento do SUS.  
qualitative-quantitative;  
and  
participant  
observation. This research aims to contribute to  
theoretical and critical production on applied  
social sciences´ field, mainly for Social Work.  
The main result is that judicialization is  
frequently used as a strategy to guarantee  
Unified Health System (SUS) users' access to  
health goods and services. Said that, this work  
intends to draw attention to judicialization as  
part of the fetishization of capitalist social  
relations and the contradictions of this resource  
usage in the professional work field,  
highlighting the need for collective defense for  
effective financing of the SUS.  
Palavras-chaves: Estado; Judicialização;  
Keywords: State; Judicialization; Health;  
Saúde; Neoliberalismo; Serviço Social.  
Neoliberalism; Social Work.  
1
Este estudo foi financiado pela FAPERJ - Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do  
Rio de Janeiro, Processo SEI 260003/001060/2025.  
* Universidade Federal do Rio de Janeiro. E-mail: boscoliclara@gmail.com  
DOI: 10.34019/1980-8518.2025.v25.45675  
Esta obra está licenciada sob os termos  
Recebido em: 20/08/2024  
Aprovado em: 11/12/2024  
Clara Stephanie Andrade Pereira  
Introdução  
Na política de saúde, frequentemente, a judicialização tem sido requisitada enquanto  
estratégia de sobrevivência àqueles que não conseguem acesso à política de saúde pública ou à  
assistência em saúde através dos recursos administrativos disponíveis (Fernandes, 2023; Diniz,  
2013). Essa estratégia de busca pela efetivação do direito revela contradições antigas do campo  
jurídico, como a suposta efetividade da justiça burguesa para aqueles que conseguem acessá-  
la. Além disso, evidencia que a operacionalização da política de saúde, incluindo os recursos  
orçamentários, tem sido insuficiente para garantir o direito à universalidade de acesso e  
tratamento (Andreazzi, 2017) como está previsto nos marcos constitucionais e nas Leis que  
consolidam, regulam e organizam as ações e serviços em saúde pública no Brasil - Lei 8.080/90  
e 8.142/90.  
Nossa análise parte da perspectiva de que, ao restringir a luta pela efetivação do direito  
ao recurso jurídico formal da judicialização de determinadas necessidades coletivas, contribui-  
se para a despolitização do debate na arena pública (Barison, 2014). Assim, a questão social é  
tratada como um problema individual do sujeito, capaz de ser resolvido pela adequação ao  
poder do "cumpra-se".  
Objetivamos, com essa abordagem, elevar o debate sobre a judicialização para o campo  
do trabalho profissional, desvelando as contradições inerentes à relação entre a política de saúde  
pública no Brasil, a Justiça e o Direito. Questionamos de que forma essas esferas dialogam na  
busca pela efetivação do direito e o que elas ocultam ao desconsiderar as características sócio-  
históricas do campo jurídico, do Direito no Estado burguês e da consolidação da política de  
saúde no contexto do aprofundamento neoliberal no Brasil.  
464  
Esta pesquisa tem como base teórico-metodológica os fundamentos do pensamento  
marxista – o materialismo histórico-dialético, desenvolvido originalmente nas obras de Marx  
no século XIX e revisitado por diversos autores ao longo do tempo. Partindo dessa perspectiva,  
é a realidade que mostra sua dinâmica, e não o pesquisador que constrói a dinâmica da realidade  
com base em hipóteses e conceitos. Netto (2009, p. 8) expressa que, para Marx, “o  
conhecimento teórico é o conhecimento do objeto tal como ele é em si mesmo, na sua existência  
real e efetiva, independente dos desejos, das aspirações e das representações do pesquisador”  
À luz de uma perspectiva marxista e marxiana, recorremos também à revisão  
bibliográfica como metodologia de pesquisa, buscando referenciar autores que, diante da  
universalidade proposta pelo tema, o particularizam na dinâmica da realidade social brasileira.  
Tomamos essa chave de análise como referência, em oposição à hegemonia das bibliografias  
predominantes sobre a judicialização da política de saúde, que são forjadas sob a perspectiva  
Libertas, Juiz de Fora, v. 25, n. 1, p. 463-479, jan./jun. 2025. ISSN 1980-8518  
Judicialização da saúde pública e trabalho profissional: de estratégia a fluxo institucional  
liberal do Direito. Essa perspectiva ratifica a centralidade do poder judiciário em emitir juízos  
e determinar o acesso a recursos ou serviços de saúde (Barroso, 2009) e de outros campos da  
vida social, ocultando questões cruciais sobre a organização, competência e os conflitos entre  
os poderes, além dos limites do Direito burguês nas relações sociais produzidas pelo modo de  
produção capitalista.  
Utilizaremos essa problemática da disputa sobre o direito de dizer o que é o direito  
(Bourdieu, 1989) enquanto recurso analítico, entretanto para nós é igualmente relevante nos  
debruçarmos sobre os efeitos da judicialização do acesso ao direito à saúde a partir das questões  
objetivas enfrentadas pelas(os) usuárias(os), e trabalhadoras(es) do Sistema Único de Saúde,  
especialmente das(os) assistentes sociais. Para fundamentar essas questões, tomamos também  
como norte a metodologia de observação participante, facultada através das experiências  
profissionais da autora, especialmente durante a residência multiprofissional com ênfase em  
Serviço Social em um Hospital Universitário.  
A simbiótica relação entre teoria e prática, ensejadas desde o processo de formação em  
Serviço Social, acrescidas às experiências profissionais, e a busca pelo aprimoramento  
intelectual através da qualificação profissional nos espaços de formação permanente, nos  
conferem a competência de investigar as questões relevantes e cadentes ao nosso tempo, à nossa  
profissão e às Ciências Humanas e Sociais Aplicadas.  
465  
Recorremos também à análise qualiquantitativa sobre os trabalhos publicados acerca do  
tema da “Judicialização da Saúde pública” nos anais dos principais encontros de trabalhadores  
e pesquisadores do Serviço Social: Encontro de Pesquisadores em Serviço Social (ENPESS) e  
Congresso brasileiro de Assistentes Sociais (CBAS). Com essa abordagem, buscamos  
identificar as tendências hegemônicas acerca do debate sobre a perspectiva do Serviço Social.  
Durante nossa pesquisa bibliográfica sobre os anais do Encontro de Pesquisadores em  
Serviço Social (ENPESS) em 2018 e 2022, encontramos apenas um artigo sobre o tema da  
judicialização. Ainda durante a nossa pesquisa bibliográfica, especialmente sobre os anais do  
Congresso brasileiro de Assistentes Sociais (CBAS), nos anos de 2019 e 2022, encontramos o  
total de 11 artigos sobre o tema.  
Tabela 1: Trabalhos publicados nos anais do ENPESS, 2018 e 2022, que abordam o tema da Judicialização da  
Saúde.  
ENPESS 2018  
01  
ENPESS 2022  
0
Fonte: Elaboração própria.  
Clara Stephanie Andrade Pereira  
Tabela 2: Trabalhos publicados nos anais do CBASS, 2019 e 2022, que abordam o tema da Judicialização da  
Saúde.  
CBASS 2019  
04  
CBASS 2022  
07  
Fonte: elaboração própria.  
Uma análise qualitativa sobre os trabalhos supracitados nas tabelas 1 e 2, demonstra que  
todas estas pesquisas acerca do tema da Judicialização da Saúde partem da experiência  
profissional de assistentes sociais em seus espaços sócio ocupacionais, bem como da  
experiência de graduandos durante o estágio obrigatório em Serviço Social. Tal empenho  
recobra o que Teixeira (2006) categoriza como sistematização da prática.  
Asistematização da prática é “antes de tudo uma estratégia que lhe recobra sua dimensão  
intelectual, posto que põe em marcha uma reflexão teórica, assim como possui uma dimensão  
“realimentadora da própria condução de seu trabalho” (Teixeira, 2006, p. 5), ou seja, a  
sistematização da prática é um momento essencial durante o qual podemos fazer uma avaliação  
crítica de nosso trabalho, dos instrumentos utilizados, do aporte teórico metodológico  
mobilizado em nossas intervenções profissionais, e das estratégias de enfrentamento às  
demandas postas no cotidiano profissional.  
Tal análise assenta também no tipo de evento, em matéria de Serviço Social, que tem  
recebido e aprovado o maior, ainda que não muito expressivo, contingente de trabalhos acerca  
do tema; o congresso de assistentes sociais brasileiros (CBASS) afirma-se como o principal  
espaço em que os trabalhadores e estagiários encontram para socializar suas pesquisas.  
No âmbito das produções acadêmicas, ainda são muito tímidas as que abordam o tema  
da Judicialização na Saúde no campo do Serviço Social. Tratando de dissertações e teses, a  
produção mais recente que encontramos, é uma tese do ano de 2023 do programa de Pós  
Graduação em Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), intitulada “O  
direito à saúde e contradições da sua judicialização no Brasil” da Dra. Rafaela Bezerra  
Fernandes.  
466  
Quando buscamos orientações sobre o tema dentro das publicações do conjunto  
profissional CFESS/CRESS2, encontramos um significativo debate sobre a profissão no campo  
sociojurídico, como o livro “Sociojurídico em debate”, reúne palestras do 2º seminário nacional  
do Serviço Social no campo sociojurídico na perspectiva da concretização de direitos. Neste  
mesmo livro temos o registro da I conferência de título “A Judicialização da Questão Social -  
2
Conselho Federal de Assistentes Sociais; Conselho Regional de Assistentes Sociais.  
Libertas, Juiz de Fora, v. 25, n. 1, p. 463-479, jan./jun. 2025. ISSN 1980-8518  
Judicialização da saúde pública e trabalho profissional: de estratégia a fluxo institucional  
desafios e tensões na garantia dos direitos”, que de forma mais ampla traz elementos  
importantes que também aparecem no trabalho profissional na Saúde Pública. Entretanto, não  
encontramos produções que particularizem o debate da judicialização dentro da política de  
Saúde, portanto não abordando as suas especificidades.  
Com a pesquisa, concluímos que o tema da judicialização da saúde, embora não seja  
novo, não possui expressividade no âmbito das produções científicas da categoria profissional.  
Entretanto, observamos, também, a direção social estratégica do projeto ético político do  
Serviço Social brasileiro expressa a sua hegemonia nas produções científicas analisadas.  
Judicializar ou não judicializar? Eis a questão.  
A implementação das políticas sociais a partir da perspectiva valorativa dos Estados  
neoliberais altera substancialmente as condições de manutenção e reprodução da vida da classe  
trabalhadora e dos/as subalternos. No contexto de expansão imperialista mundial, a disputa  
acirrada de produção de novas tecnologias, também as crises cíclicas de superprodução do  
capital cada vez mais recorrentes, induzem a necessidade de reorganização dos arranjos  
econômicos e políticos de manutenção do capital, de superexploração da força de trabalho e,  
como aponta Virgínia Fontes (2010; 2018), do surgimento de novas formas de expropriação de  
direitos.  
467  
As mudanças introduzidas nos processos de produção e nos mecanismos jurídicos  
normativos do Estado burguês, criam um cenário de esgotamento do papel civilizatório do  
capitalismo contemporâneo. Behring (2008; 2021) e Corletto (2010) reconhecem que no Brasil  
o projeto de contrarreformas neoliberais objetiva-se no desmonte das leis trabalhistas, na  
terceirização e flexibilização dos serviços, no aumento do empreendedorismo como fuga do  
desemprego, na ascensão do mercado de serviços do terceiro setor e no aparecimento de  
diversas formas jurídicas contratuais entre empregado e empregador.  
Nos países de capitalismo dependente, como é o Brasil, esse cenário é mais assustador  
quando associado ao subfinanciamento e desfinanciamento das políticas sociais, produzindo  
ainda mais desigualdade social. Na política de saúde, esse projeto político-econômico  
neoliberal incide diretamente sobre a desresponsabilização do papel do Estado, especialmente  
do poder executivo e legislativo, voltado a elaborar, planejar, implementar e efetivar políticas  
sociais que atendam as necessidades históricas e atuais da classe trabalhadora e dos/as  
subalternos no Brasil.  
Os efeitos desse projeto na vida social dos usuários da política de saúde pública, defronte  
a omissão dos poderes executivo e legislativo (em esfera federal, estadual e municipal) em  
Clara Stephanie Andrade Pereira  
garantir a universalidade de acesso à saúde, e à assistência direta em saúde tem provocado cada  
vez mais a procura pela intervenção do poder judiciário (Barison, 2015; Fernandes, 2023), para  
inquirir as esferas supracitadas, e através do poder do “cumpra-se” decidir como esses poderes  
devem agir diante da ineficiência em promover as ações e serviços de que concernem à sua  
competência.  
Algumas chaves centrais para compreender o uso do recurso da judicialização passam  
por sistematizar as necessidades sociais apresentadas pelas/os usuárias/os do Sistema Único de  
Saúde (SUS) que justificam que ele esteja sendo requisitado e utilizado; e através da  
sistematização investigar se os princípios e diretrizes do SUS, inscritos nos marcos legais do  
suposto “Estado Democrático de Direito”, estão ou não sendo efetivados. Aliás, os princípios e  
diretrizes do SUS podem ser plenamente realizados no Estado burguês?  
Uma outra questão importante para o nosso debate sobre a judicialização diz respeito ao  
trabalho profissional das/dos assistentes sociais nos espaços sócio ocupacionais da área de  
saúde. O que leva a/o assistente social a ser requisitado, quando reconhecida a competência do  
seu conhecimento instrumental, a orientar as/os usuárias/os a buscar a efetivação de direitos  
através do recurso da judicialização, e com quais intencionalidades essas ações têm sido  
orientadas.  
O que faz um assistente social diante da profunda precarização dos serviços e bens de  
saúde? Como agir frente à extrema focalização da política de assistência social e à insuficiência  
de medidas voltadas para a proteção de idosos e pessoas com deficiência? Quais estratégias  
adotar diante da fragilidade das políticas de apoio às mulheres vítimas de violência doméstica  
e aos jovens afetados pela violência do Estado? Além disso, como lidar com a ausência de  
políticas públicas voltadas às famílias, especialmente considerando que as mulheres são  
frequentemente as principais cuidadoras e assumem a maior responsabilidade pelo cuidado no  
âmbito da saúde? E, por fim, quais caminhos seguir frente aos desafios na implementação da  
Política Nacional de Saúde Integral da População Negra e LGBTQIAPN+? Essas questões  
revelam a complexidade do trabalho do(a) assistente social em um cenário marcado por  
desigualdades e insuficiências nas políticas públicas.  
468  
Diante dessas dificuldades em orientar, encaminhar e acompanhar as/os usuárias/os na  
busca do acesso aos recursos materiais e humanos indispensáveis para o tratamento de saúde, e  
em alguns casos, imprescindíveis para a desospitalização, considerando a integralidade do  
cuidado e o direito à vida, que a judicialização passa a ser uma estratégia (contraditória)  
requisitadas por assistentes sociais que atuam na política de saúde.  
O que nos provoca reflexão é se este recurso, amplamente requisitado por profissionais  
Libertas, Juiz de Fora, v. 25, n. 1, p. 463-479, jan./jun. 2025. ISSN 1980-8518  
Judicialização da saúde pública e trabalho profissional: de estratégia a fluxo institucional  
e usuários/as, tem se consolidado como o único ou principal mecanismo de acesso a direitos,  
deixando de ser uma estratégia pontual para se tornar parte do fluxo institucional. Além disso,  
questiona-se se, diante do sucateamento e do subfinanciamento da política de saúde pública e  
das demais políticas sociais, os/as assistentes sociais estariam reforçando soluções individuais  
em detrimento de alternativas coletivas, sucumbindo às seduções das narrativas neoliberais.  
Supervalorização do poder judiciário e as contradições da judicialização da  
política de saúde no Brasil  
A promulgação da Constituição Cidadã de 1988, além de positivar os direitos  
fundamentais, também atribuiu ao Poder Judiciário a função de justiciabilidade3, atribuindo-lhe  
o protagonismo no processo de interpretação constitucional, deslocando-o em última instância  
para o Supremo Tribunal Federal (de acordo com o artigo 102 da CF/88). Tal organização tende  
a dinamizar uma dada cultura jurídica e o caráter regulador e controlador característico deste  
poder, estruturado em uma concepção de coesão social da Justiça brasileira “enquanto formas  
institucionalizadas das ideias de Direito e Justiça” (Souza, 2006, p. 62).  
Desde a redemocratização do Estado brasileiro (1988), temos um cenário em que os  
atores juristas ganham determinado valor para decidir sobre a vida social dos “sujeitos de  
direito”, ampliando a regulação social para campos mais coletivos, como os direitos sociais: da  
saúde, da educação, e da assistência etc. Os avanços desta atribuição ao Poder Judiciário,  
atribuíram-lhe uma prática jurídica debruçada à interpretação do texto constitucional  
democrático, contornando-lhe uma feição não somente punitivista, mas também um  
instrumento de fortalecimento de defesa da cidadania.  
469  
Com a prerrogativa da interferência deste poder diante da questão social que se agudiza  
com a mundialização e ascensão do neoliberalismo, a função de justiciabilidade, em nossa  
hipótese, está o tornando protagonista político da busca pelo acesso a direitos sociais. Nessa  
medida, Machado (2008, p. 73) afirma que no campo do direito se estabelecem duas correntes  
de pensamento: “uma que vê no ativismo político do judiciário um empecilho para o  
desenvolvimento da cidadania e outra que atribui a este fenômeno uma forma de ampliação da  
própria cidadania”. Essa afirmação expressa as contradições de qualquer outro trabalho liberal,  
ou seja, em seu interior há disputas ideológicas quanto ao “monopólio do direito de dizer o que  
é o direito” (Bourdieu, 1989, p. 212), sendo este o lócus que permite demonstrar as contradições  
da sua própria forma.  
3
Ajusticiabilidade é o afiançamento estatal dos direitos como contrapartida do monopólio da justiça pelo Estado”  
(SAES, 2008, p. 88).  
Clara Stephanie Andrade Pereira  
O direito seria, em sua essência, um direito de classe, de classe dominante; o  
que não impede, porém, que se configure como um fenômeno complexo que  
não pode ser analisado com vista somente à “essência” classista do direito.  
Deve o direito ser visto tendo em conta a reprodução do complexo social total  
a qual envolve tanto a mediação das classes sociais quanto a linguagem, a  
divisão do trabalho e o próprio cotidiano (Sartori, 2010, p. 79).  
No Brasil, o denominado Estado democrático de direito nasceu sob o espectro de seus  
algozes, ou seja, existiu um descompasso entre a modernização das instituições democráticas  
burguesas - compostas hegemonicamente pela classe dominante e que, segundo Almeida  
(2014), tem como característica fundamental ser de tom “personalista e conservador” - e os  
interesses políticos desta mesma classe que buscou democratizar suas instituições, mas sem  
abrir mão dos seus valores e privilégios.  
Ademais, considerando o processo de expansão de direitos inaugurados com a  
Constituição de 1988, é importante ressaltar, como nos lembra Keller e Keller (2020), que esse  
salto democrático convive com o aprofundamento de uma cultura de cenário de crise. Tal  
ideologia sugere as reformas neoliberais como respostas às necessidades coletivas, ocultando  
os reais interesses privados da classe dominante.  
Todas as mudanças introduzidas nos processos de produção a partir da crise de 1970,  
por meio da reestruturação produtiva, financeirização e competitividade do mercado, e pela  
decadência do Walfare State - que no Brasil nunca se realizou plenamente - criam um cenário  
de esgotamento do papel civilizatório do capitalismo contemporâneo (Netto, 2012). Nestas  
condições, o neoliberalismo surge como síntese de respostas a esta realidade que se  
complexifica e que exige novos ordenamentos no plano econômico, político e social a fim de  
garantir as altas taxas de lucro das elites internacionais, e dos caprichos das burguesias  
nacionais.  
470  
O neoliberalismo, como a razão do capitalismo contemporâneo, aparece como um  
“sistema de normas que hoje estão profundamente inscritas nas práticas governamentais, nas  
políticas institucionais, nos estilos gerenciais” (Dardot; Laval, 2016, p. 30), ou seja, nas relações  
sociais capitalistas. Neste contexto de profundas transformações sociais, o que a judicialização  
revela é que os direitos constitucionais não podem ser realizados, ao menos parcialmente, pois  
carecem de vontade política e organização econômica.  
Ora, se a universalidade do direito à saúde gozasse de efetividade, e as políticas sociais  
atendessem às necessidades sociais, o poder judiciário não estaria sendo alvo de ajuizamento  
como os que vemos e orientamos em nosso exercício profissional, desde os mais complexos  
aos mais simples, como, por exemplo: os de acesso a tratamento adequado ao/à usuário/a, a  
vaga em leito hospitalar, a vaga para tratamento oncológico. Acesso a medicamentos de baixo  
Libertas, Juiz de Fora, v. 25, n. 1, p. 463-479, jan./jun. 2025. ISSN 1980-8518  
Judicialização da saúde pública e trabalho profissional: de estratégia a fluxo institucional  
e alto custo reconhecidos pela Anvisa, cadeiras de rodas e higiênicas, medidor de glicose,  
oxigenioterapia, vagas em residência terapêutica, transporte para tratamento de saúde, e tantos  
outros.  
Quem são os sujeitos de direito?  
Um aspecto essencial para nossas análises é a compreensão de que a estrutura jurídica  
na sociedade burguesa pressupõe a conexão entre os sujeitos de direito, livres proprietários de  
mercadorias, e o processo de troca dessas mercadorias. Essa relação tem um caráter puramente  
formal, e essa formalidade só pode ser revelada por meio das bases teóricas de Marx e do  
pensamento marxista a respeito do modo de produção capitalista e da mercadoria.  
Marx (1985) revela que os produtos do trabalho humano, realizados como valor de uso  
- trabalho concreto - expressam o caráter ontológico do trabalho. Trata-se, portanto, de  
reconhecer a centralidade ontológica do trabalho em qualquer organização social para o  
processo de autoconstrução do ser social. O trabalho, como modelo primordial de práxis, revela-  
se em toda atividade humana e tem como finalidade atender às necessidades humanas, sendo  
central para o desenvolvimento do ser social.  
No modo de produção capitalista, o caráter ontológico do trabalho assume uma  
processualidade negativa em face do valor de troca - trabalho abstrato. Essa nova valoração da  
atividade trabalho tem sua determinação histórica no modo de produção capitalista, sendo fruto  
do desenvolvimento das forças produtivas, das técnicas, da substituição do trabalho artesanal  
para industrial, e principalmente do assalariamento do trabalho, alterando a relação do ser  
humano com a atividade trabalho. Para Marx (1985), essa relação de troca reduz o caráter do  
trabalho como atividade vital e consciente para uma atividade alienada e hegemonicamente  
quantitativa em um processo de coisificação do homem.  
471  
Marx consegue desvelar a respeito do conteúdo da forma valor, a noção de que o valor  
atribuído a determinada mercadoria só pode ser confrontado em virtude de outra mercadoria,  
sendo a força de trabalho a objetivação mais barata dessa relação de troca. Dessa estrutura  
econômica, essencialmente composta de interesses privados e antagônicos, edifica-se uma  
estrutura social para atender às necessidades dessa forma específica de organização do trabalho  
no modo de produção capitalista.  
Pachukanis (1998, p. 68), ao analisar a relação entre mercadoria e sujeito de direito, dirá  
que “toda relação jurídica é uma relação entre sujeitos. O sujeito é o átomo da teoria jurídica, o  
seu elemento mais simples, que não se pode decompor”. Ao estabelecermos uma relação entre  
a realidade concreta e as formas como se constituem as relações jurídico-formais entre os  
Clara Stephanie Andrade Pereira  
sujeitos de direito na cotidianidade, veremos que a propriedade é apenas o meio pelo qual os  
sujeitos estabelecem relações universais.  
Ainda que a abstração formal do sujeito de direito pressuponha a existência da  
propriedade, as formas jurídicas objetivadas em relações contratuais não são feitas entre duas  
ou mais propriedades, pois a coisa (os meios de produção, a mercadoria, a força de trabalho e  
todas as relações sociais capitalistas) em si não possui vontade tampouco razão, elas não se  
autodenominam e estabelecem por si só seus próprios valores, é o ser social quem possui razão,  
e é por meio dele que se estabelecem relações universais, “assim, o vínculo social, enraizado  
na produção apresenta-se simultaneamente sob duas formas absurdas; por um lado como valor  
de mercadoria, e, por outro, como capacidade do homem ser sujeito de direito” (Pachukanis,  
1998, p. 71).  
Nas análises de Kashiura (2012, p. 70) “a relação entre sujeito e coisa é fundamento  
para a relação entre sujeito e sujeito - toda relação entre sujeitos de direito é, antes de tudo, uma  
relação entre proprietários” A universalidade do sujeito de direito, proprietários que se  
relacionam de maneira livre e jurídica, está intimamente relacionada à universalidade da livre  
circulação de mercadorias.  
Ante estas sumárias reflexões sobre a forma e a objetivação dos “sujeitos de direito”, é  
possível compreender as complexas mediações existentes entre a universalização da forma e a  
objetivação do Direito. É fundamental que saibamos discernir que o Estado não é o lócus da  
vontade geral (Hegel, 1997), mas sim o lócus de disputa de interesses antagônicos (Marx, 2013)  
e, portanto, as relações de desigualdades e dominação constitutivas do modo de produção  
capitalista, irão se expressar em todos os campos da vida social.  
472  
Assim, a abstração da forma “sujeito de direito” embora revestida de uma suposta  
universalidade na qual todos somos sujeitos de direito protegidos pelos mesmos imperativos da  
lei, sustenta-se apenas em sua forma abstrata. Na vida objetiva, quando determinada classe  
dominada necessita recorrer ao Estado para ter direitos reconhecidos, constatamos que são  
reproduzidas as mesmas relações de dominação e desigualdades do cotidiano.  
Para as/os assistentes sociais, é imprescindível desvelar as relações antagônicas entre os  
interesses dos nossos usuários – sujeitos de direito – e os interesses em disputa de toda uma  
superestrutura que compõe o Estado, principalmente na conjuntura atual de desmonte e  
desfinanciamento das políticas sociais, bem como das formas atualizadas de conservadorismo  
e criminalização da pobreza. A clareza de como os interesses antagônicos objetivam-se no  
cotidiano, nos convida a refletir e criar alternativas que dinamizam e expressam a luta de  
classes, e a função do Estado como “produto e a manifestação do antagonismo inconciliável  
Libertas, Juiz de Fora, v. 25, n. 1, p. 463-479, jan./jun. 2025. ISSN 1980-8518  
Judicialização da saúde pública e trabalho profissional: de estratégia a fluxo institucional  
das classes” (Lenin, 2007, p. 37), e não apenas reiterando alternativas reificadoras no cotidiano  
profissional.  
Assistentes sociais: o que fazer?  
É comum no cotidiano profissional, as/os assistentes sociais serem acionadas, tanto  
pelos usuários quanto pela equipe multiprofissional, para dar respostas quanto às necessidades  
biopsicossociais que agudizam as questões clínicas dos usuários, e/ou inviabilizam o tratamento  
preconizado. Para respondê-las, buscamos nos atentar às respostas profissionais que articulam  
a nossa instrumentalidade aos recursos disponíveis e indisponíveis. Ou seja, articular respostas  
que visam uma finalidade específica, pois, como nos mostra Guerra (2000) “é por meio desta  
capacidade, adquirida no exercício profissional, que os assistentes sociais modificam,  
transformam, alteram as condições objetivas e subjetivas e as relações interpessoais e sociais  
existentes num determinado nível da realidade social: no nível do cotidiano”.  
É comum em nosso cotidiano profissional encontrar usuários que não possuem recursos  
materiais próprios para custear o tratamento preconizado, como acesso a medicamentos; acesso  
a insumos como equipamentos especializados; acesso a transporte para tratamento de saúde;  
acesso a bens e serviços em geral.  
Na ausência de recursos que possibilitem o acesso ao tratamento de saúde recomendado,  
os usuários do Sistema Único de Saúde, assim como a equipe multiprofissional, acionam o  
Serviço Social para solicitar respostas às suas necessidades, as quais, quase sempre, não teremos  
de forma imediata. O que percebemos é que, na ausência de recursos institucionais e  
administrativos que atendam as demandas apresentadas, e sob o manto do imediatismo do  
cotidiano institucional, as/os assistentes sociais buscam encaminhar as questões solicitadas de  
forma pragmática.  
473  
Diante do esgotamento ou ausência de recursos para questões sociais que não se  
resolvem imediatamente, pois encontram-se no campo da práxis política e necessitam de  
mobilização e correlação de força favorável aos interesses da classe trabalhadora e subalternos  
(aqui objetivadas como nossos usuários), por vezes buscamos na alternativa da judicialização  
as respostas para a demanda institucional apresentada, tornando o uso contencioso deste recurso  
parte do fluxo institucional, fortalecendo a perspectiva de supervalorização do poder judiciário  
e a despolitização da questão social.  
Portanto, ao assumir para o Serviço Social a responsabilidade de atender  
pragmaticamente as requisições institucionais sem fazer um debate coletivo sobre as  
dificuldades de objetivar direitos na atual conjuntura, contribuímos para a despolitização das  
Clara Stephanie Andrade Pereira  
questões requisitadas, portanto, não encaramos o enfrentamento coletivo defronte às questões  
estruturais da sociedade, esvaindo o debate sobre as políticas sociais na era neoliberal para os  
pequenos grupos militantes e não para a massa dos trabalhadores e usuários dos serviços.  
Diante do silêncio ensurdecedor da ausência deste debate nas instituições e no interior  
do nosso serviço profissional, posicionamentos reificados, desprovidos de crítica, politização e  
mobilização, fortalecem a política neoliberal, dificultando cada vez mais o trabalho dos  
profissionais na política de saúde, e especialmente a oferta do cuidado ao usuário.  
Dessa forma, é importante salientar que, quando o fluxo do trabalho profissional  
contribui para a intensificação da judicialização, o ônus da burocracia, da morosidade e das  
dificuldades de acesso aos direitos recai diretamente sobre o usuário, enquanto a  
responsabilidade coletiva da sociedade é deslocada. Os problemas estruturais, agravados pelo  
aprofundamento da barbárie no capitalismo, deixam de ser debatidos e enfrentados na esfera  
política, sendo transferidos para os processos administrativos judiciais, para as mesas de  
acórdãos e para as secretarias de saúde municipais e estaduais, onde frequentemente são  
engavetados e descontextualizados de suas raízes sistêmicas.  
O processo de judicialização de direitos por meio de recursos jurídicos, como observado  
na experiência do Estado do Rio de Janeiro através da Câmara de Litígios de Saúde, tem se  
tornado naturalizado na prática profissional. Isso leva a uma orientação frequente dos usuários  
e seus familiares a recorrerem a esse caminho jurídico, muitas vezes sem que a dimensão  
educadora e mobilizadora da profissão seja devidamente exercitada, conforme nos alertam  
Abreu e Cardoso (2009).  
474  
Ao apostar nessa estratégia, questionamos se o percurso da judicialização é viável para  
a família? E se essa família possui os recursos materiais e espirituais necessários para buscá-lo  
e aguardar por uma resolução através dele? Muitas vezes, ao apostarmos na família como  
unidade responsável pelo cuidado, especialmente as mulheres, contribuímos ainda mais para a  
culpabilização da família, reforçando o familismo nas políticas sociais (Mioto et al, 2018).  
Ademais, as/os assistentes sociais estão preocupados sobre como os efeitos dessa  
estratégia estão afetando a dinâmica do cotidiano profissional dos trabalhadores do Sistema  
Único de Saúde? E mais, estão preocupados se o demasiado uso do recurso da judicialização  
não está ocultando uma dimensão mais coletiva sobre as necessidades dos usuários?  
É fundamental considerar se o uso contencioso desse recurso não está, como alerta  
Barroso (2009, p. 3), apresentando "sintomas graves de que pode morrer de cura". Caso  
contrário, corremos o risco de nos distanciar do verdadeiro sentido do trabalho que nossa  
formação intelectual nos confere, pautado nos princípios do projeto ético-político profissional,  
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Judicialização da saúde pública e trabalho profissional: de estratégia a fluxo institucional  
que privilegia a transformação social e o fortalecimento dos direitos coletivos.  
É necessário, portanto, não demonizar o recurso da judicialização, pois ela possui uma  
função específica e contraditória nos marcos da redemocratização do Estado, podendo garantir  
direitos ao mesmo tempo em que controla quem poderá acessá-lo e de que forma irá acessá-lo.  
Porém, é preciso estar atento à dimensão coletiva que a individualização da demanda através  
da judicialização costuma ocultar, e não esgotar o trabalho nesta perspectiva de orientação. É  
preciso ir além e direcionar nosso trabalho profissional em articulação com os movimentos  
institucionais e os movimentos sociais que lutam pela ampliação das políticas sociais e da  
universalidade do direito à saúde pública.  
Dentro das instituições, uma estratégia para trazer essas questões à tona é garantir o  
espaço de educação permanente da equipe, sendo este um valor inegociável, sobretudo  
importante para criar estratégias mais coletivas sobre as questões apresentadas. Ademais, a  
mobilização social das famílias e da equipe de saúde e o trabalho educacional com esses atores  
são fundamentais para construir fissuras no cotidiano. São nesses espaços coletivos que as  
estratégias individuais revelam-se como um sedutor engano.  
Quanto à profissão, a direção hegemônica adotada pelo Serviço Social, desde o  
rompimento com o conservadorismo recorre à apreensão teórico crítica da realidade social e  
profissional numa perspectiva histórica e de totalidade, bem como dos fundamentos ontológicos  
da ética. Esta perspectiva nos convoca a compreender os mecanismos ideológicos de  
reprodução da ordem do capitalismo e da complexidade e aprofundamento da barbárie  
contemporânea.  
475  
Este direcionamento hegemônico está materializado no Código de Ética da(o)Assistente  
Social (1993), e também no projeto de formação profissional, a partir das Diretrizes  
Curriculares da ABEPSS (1996). Do mesmo modo, se expressa na Política de Educação  
Permanente do Conjunto CFESS/CRESS, nos eventos de caráter científico e formativo e nos  
posicionamentos políticos hegemônicos da categoria profissional em face das desigualdades e  
dos antagonismos presentes na realidade.  
Buscamos, com os elementos apresentados, trazer à tona as contradições da  
judicialização na política de saúde que se revelam desde a função de justiciabilidade atribuída  
à Justiça, até como esse processo histórico dinamiza as requisições e o trabalho profissional  
das/os assistentes sociais na política de saúde. Buscamos também assegurar durante nossas  
análises uma perspectiva crítica sobre a complexidade do tema, que exige fôlego para garantir  
a unidade entre o universal e o particular.  
Para prosseguir em nossas análises finais, é impreterível tratarmos sobre a face burguesa  
Clara Stephanie Andrade Pereira  
do Estado e do Direito no Brasil, logo porque o campo jurídico historicamente forjou-se sobre  
os interesses da burguesia, estando alicerçado a ela, sendo não apenas o espírito, como também  
a carne, e que apenas recentemente passou a ser um meio pelo qual os direitos positivados na  
Constituição de 1988 devem ser protegidos e garantidos pelos operadores do direito,  
constituindo o famigerado “Estado Democrático de Direito” em que na esfera abstrata todos  
somos cidadãos, sujeitos de direitos, com direitos e deveres relacionados à cidadania. Tal  
abstração apresenta uma suposta universalidade, mas ao analisarmos mais atentamente veremos  
que “sobre a nudez forte da verdade [a abstração sujeito de direito não passa de] um manto  
diáfano da fantasia”4  
Considerações finais  
Para Lukács, assim como a política, o direito está intimamente ligado à forma secundária  
do pôr teleológico, sendo ele capaz de “extrair um determinado comportamento coletivo”  
(Carli, 2012, p. 9). Seu lugar na práxis social está relacionado à reprodução da sociabilidade  
burguesa, “configurando-se como uma mediação que é própria da sociedade burguesa — e que  
somente aí se desenvolve enquanto tal com toda a sua completude” (Borgianni, 2013, p. 418).  
No mesmo caminho, Alapanian irá dizer que “o Direito, a ordem jurídica, é fruto do  
poder político” (2008, p. 32). Portanto, corrobora-se com a ideia de que é com o surgimento do  
Estado burguês que o direito aparece como “conjunto de normas que regulam a vida em  
sociedade, um ordenamento jurídico que tem como fim estabelecer os limites mínimos nos  
quais a sociedade deve funcionar sem que ocorra a sua autodestruição” (Alapanian, 2008, p.  
33).  
476  
Como construímos durante nossa análise, sendo a esfera da economia e da política um  
lócus de disputas entre interesses particulares e antagônicos, e sendo o Direito um poder do  
Estado fruto da Política; no modo de produção capitalista, o Direito será então um Direito  
burguês, comumente aplicado para garantir a não autodestruição do poder político do Estado  
burguês.  
O Direito na sociedade capitalista objetiva a dominação do Estado burguês, portanto,  
durante o desenvolvimento do ser social, e diante dos conflitos políticos próprios da luta de  
classes precisou se complexificar, ganhando novas valorações. O Direito passou então a não ser  
apenas um poder de coerção (Foucault), mas também de consenso (Gramsci), e é este lócus  
político que permite demonstrar a sua contradição.  
4
Epígrafe de: QUEIRÓS, Eça de. A Relíquia. S. Paulo: Publifolha, 1997. (Biblioteca Folha).  
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Judicialização da saúde pública e trabalho profissional: de estratégia a fluxo institucional  
O que buscamos concluir com essa análise é que, se nas esferas da economia e da  
política os sujeitos distinguem-se a partir dos seus interesses, havendo uma hegemonia dos  
interesses da classe dominante; na esfera do Direito essa contradição também aparece, portanto,  
o Direito está, na generalidade, voltado às aspirações da burguesia, sendo ele um Direito  
burguês.  
Mas o Direito, como também vimos, também comporta movimentos de tensões, e sendo  
ele a esfera abstrata que regula a vida social nos marcos burgueses, pode assumir novas  
valorações quando provocado politicamente a expressar as necessidades do seu tempo. Assim,  
em alguns momentos históricos o Direito poderá estar mais voltado às forças reacionárias, e em  
outros momentos históricos voltado às forças mais democráticas, embora sob a direção do modo  
de produção capitalista, jamais abandonará sua essência burguesa.  
Podemos concluir, então, que o direito não é um emaranhado de leis que permite a seus  
operadores aplicá-las de forma neutra e homogênea, como se todos fossemos iguais na condição  
de sujeitos de direito na ordem burguesa, pois como destacado anteriormente, a forma sujeito  
de direito tem o seu valor real na mercadoria, e seu fundamento estará sempre voltado à proteção  
da propriedade privada.  
Nos limites da sociabilidade burguesa, a função da Justiça e do “Estado Democrático de  
Direito” é tensionada pelos interesses mercantis e privados, hegemonizados pela burguesia. Os  
termos sujeito de direito e cidadão, ocultam o valor mercantil pelos quais são mediadas todas  
as relações sociais. Portanto, nos limites desta sociabilidade, somos sujeitos de direitos, quando  
fazemos parte de um segmento de classe, que em determinado tempo histórico, e por meio de  
muita luta, obteve conquistas no campo dos direitos juridicamente reconhecidos.  
No entanto, para a maioria, essa justiciabilidade é historicamente negada em face da  
efetivação dos interesses particulares da burguesia. A suposta “neutralidade” atribuída à Justiça  
esconde, também, a dimensão política da atuação dos operadores do direito e das instituições,  
ao garantir, por meio deste poder, mecanismos de manutenção da propriedade privada sobre  
aparatos jurídicos e normativos que reforçam a hegemonia da sociabilidade burguesa.  
Neste cenário, a judicialização da política de saúde, quando utilizada por assistentes  
sociais, usuários e trabalhadores do SUS, de forma a individualizar a questão social, estará, via  
de regra, esbarrando nos limites do direito burguês. A morosidade, a burocracia e a falta de  
efetividade da justiça burguesa é propositalmente um mecanismo de dificuldade para quem,  
através dela, gostaria de ter seu direito reconhecido e efetivado.  
477  
Portanto, quando recorremos à justiça burguesa a fim de buscar a efetivação do direito  
individual, perdemos a dimensão coletiva e política em torno do debate e luta pela ampliação  
Clara Stephanie Andrade Pereira  
dos direitos e concretização de um verdadeiro SUS universal e com a devida qualidade e oferta  
de serviços prestados com acesso a insumos, tratamentos e medicamentos, enfim, acorde às  
necessidades e demandas de saúde da população.  
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