Entrevista com Inez Stampa
cujos grandes feitos estão no tempo futuro e não no pretérito.
Nesse contexto complexo – pois somente nas retrospectivas ligeiras o processo histórico
não tem contradições – é importante lembrar que há, na conjuntura recente no Brasil, a
desqualificação da produção do conhecimento voltado para a defesa dos direitos do trabalho,
de negação da centralidade do trabalho, por exemplo. Esse ataque advém de setores que atuam
fortemente na defesa do capital, e em estreita colaboração e articulação com as classes
hegemônicas, independente da roupagem conservadora ou progressista de que se utilizam. O
discurso é diferente, mas esses grupos têm em comum interesses políticos, econômicos e sociais
pautados em abjeta apologia do capital e do imperialismo, conduzindo a formas similares de
negacionismo e de irracionalismo nas formas de interpretação da realidade.
Esses processos podem parecer novos no discurso, mas são, na verdade, antigos, uma
vez que são funcionais à defesa da ordem burguesa e das frações parasitárias do capital em um
quadro societário global de grave crise econômica e política, e que em boa medida foram
aprofundadas com a crise sanitária da Covid-19, ainda não superada em sua totalidade.
Nesses tempos tão duros que a gente está vivendo, obviamente que são muitos desafios
e que eles não podem ser tomados como missão exclusiva do serviço social, mas sim devem
ser articulados com um projeto societário mais amplo que lute pela emancipação humana na
construção de uma sociedade sem exploração de qualquer ordem de dominação, seja de classe,
raça, etnia, gênero, orientação sexual e tantas outras; que da crise surjam o mundo novo de que
nos falou Gramsci3 e o homem do futuro, de que nos falou Brecht4: que possam, finalmente,
nascer, que possamos construir ou reconstruir um país melhor e uma política autêntica, fruto de
mudanças profundas e estruturais em nossa sociedade, e que atravessemos esse período de
grandes atribulações e profundas incertezas, pois tudo parece apontar que vivemos uma época
de transição, em que as tendências antigas vão desaparecendo enquanto a gente espera pelas
novas que estão ainda se formando.
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Cumpre, ao mesmo tempo, lutar contra os “monstros”; o futuro está em aberto. Haverá,
certamente, outras batalhas, haverá provavelmente outras derrotas sofridas, mas, com base nas
lições aprendidas, teremos, também, resistências e outras vitórias – tenho muita esperança e,
com toda a franqueza, estou certa disso. Estamos no jogo, resistindo, e as contradições estão
presentes e atuando; são elas que determinam o futuro.
3 Citação de Antonio Gramsci em Cadernos do Cárcere: “O velho mundo agoniza, um novo mundo tarda a nascer,
e, nesse claro-escuro, irrompem os monstros”.
4 O poema de Brecht “Aos que vierem depois de nós”, escrito às vésperas da Segunda Guerra Mundial, é dirigido
a leitores futuros que, tendo nascido num mundo diferente, não conseguirão compreender o que foi vivido naquele
tempo de crise. Naquele tempo, tão distante e tão próximo, quando “havia só injustiça e nenhuma indignação”.
Libertas, Juiz de Fora, v. 24, n. 1, p. 359-366, jan./jun. 2024. ISSN 1980-8518