O Memórias Reveladas e o desmonte da política  
pública de abertura dos arquivos da ditadura  
militar: entrevista com Inez Stampa*  
Carina Berta Moljo**  
Carina Moljo: Querida Inez, antes de mais nada, em nome da revista Libertas, queria  
agradecer por nos conceder a entrevista. Você possui uma importante trajetória intelectual no  
âmbito do Serviço Social, na docência, na pesquisa, na extensão, ocupando espaços importantes  
de representação profissional, mas também fora do âmbito profissional, a exemplo da sua  
trajetória no Arquivo Nacional. A sua produção intelectual transita entre o estudo das lutas  
sociais de forma ampla e o estudo dos fundamentos do Serviço Social, especialmente  
direcionado às tendências da produção de conhecimento na cena contemporânea. Poderia nos  
falar sobre estes dois eixos?  
Inez Stampa: Olá, Carina. Em primeiro lugar, obrigada pelo convite. É sempre um  
prazer falar com você e com as leitoras e os leitores da Libertas.  
Para que possamos, efetivamente, compreender os fundamentos de Serviço Social, é  
necessário que façamos um investimento anterior na própria história brasileira. Essa é uma  
condição necessária para que possamos entender a chamada questão social, isto é, para que essa  
expressão não seja simplesmente um chavão manobrado de forma displicente, mas sim algo  
ancorado num entendimento histórico e social mais profundo da realidade brasileira.  
Considero impossível falar sobre formação e fundamentos do Serviço Social sem falar  
* Possui graduação em Ciências Sociais (1988) e em Serviço Social (1997) pela Universidade do Estado do Rio de  
Janeiro, mestrado (2000) e doutorado (2007) em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de  
Janeiro e pós-doutorado em Sociologia e Antropologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2014). É  
professora associada do Departamento de Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.  
Atuou na assessoria ao Centro de Referência das Lutas Políticas no Brasil (1964-1985) - Memórias  
Reveladas/Arquivo Nacional. Foi coordenadora de Programas Profissionais Serviço Social na CAPES - Colégio  
Humanidades (2018-2022). Membro do Comitê de Assessoramento Serviço Social do CNPq (2023-2026).  
Pesquisadora CNPq.  
** Assistente Social formada pela UNR, Rosario, Argentina (1992), mestrado (1999), doutorado (2003) e pós-  
dourado em Serviço Social (2005) pela PUC/SP; pós-doutorado em Serviço Social (2018) pela UFRJ. Professora  
titular da Faculdade de Serviço Social UFJF (graduação e pós-graduação). Pesquisadora CNPq.  
DOI: 10.34019/1980-8518.2024.v24.44928  
Esta obra está licenciada sob os termos  
Recebido em: 17/06/2024  
Aprovado em: 19/06/2024  
Entrevista com Inez Stampa  
das lutas políticas no país e, entre elas, as lutas travadas durante a ditadura civil-militar  
inaugurada em 1964. Por um lado, porque parte da categoria de assistentes sociais participou  
ativamente das lutas travadas durante a ditadura, como registram os documentos da vigilância  
e da repressão, como os acervos do Serviço Nacional de Informações (SNI) e das diversas  
Delegacia de Ordem Política e Social (DOPS)1. Além disso, assistentes sociais participaram  
fortemente da organização das greves do ABC paulista, bem como participaram de movimentos  
de resistência à ditadura, militando em organizações de contestação ao regime. Muitas foram  
“fichadas”, perseguidas, presas, torturadas e até mesmo exiladas.  
Por outro lado, durante o período houve o chamado movimento de Reconceituação do  
Serviço Social. Esse movimento, que se espalhou por praticamente toda a América Latina,  
criticava as bases conservadoras do Serviço Social. Boa parte dos profissionais latino-  
americanos, Brasil incluso, questionou a tradicional atuação conservadora da profissão,  
propondo uma espécie de rompimento. Claro, essa é uma simplificação. O movimento não foi  
homogêneo e nem andou numa direção só. Mas sua importância é inegável. No Brasil, um  
marco desse processo de renovação foi o Congresso da Virada (1979), ainda durante a ditadura.  
A partir desse congresso, a profissão realmente deu uma virada à esquerda, como propõe o  
nome pelo qual ficou conhecido o evento, que demarca uma ruptura com o conservadorismo  
profissional ao assumirmos enquanto categoria a defesa dos interesses históricos da classe  
trabalhadora. Alguns falam mesmo em “intenção de ruptura”, mas o fato é que o nosso projeto  
ético-político – ainda hegemônico, apesar de todas as investidas conservadoras – deve muito a  
esse processo.  
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De forma mais ampla, eu estudo sobretudo o movimento de organização dos  
trabalhadores, como sindicatos e suas articulações com movimentos sociais. No contexto  
específico da ditadura, meu interesse é na atuação do próprio serviço social, mas sempre  
buscando saber como essas trabalhadoras e trabalhadores resistiram.  
Em relação à produção do conhecimento, considero que, em face da investida mais  
recente do conservadorismo, tanto no Brasil como no mundo, com o golpe de 2016 e outros  
eventos internacionais similares, é muito importante entender o que o serviço social está  
produzindo e, também, como está produzindo, isto é, conhecer as tendências atuais da produção  
1
O que chamo de DOPS são as unidades de polícia política de cada estado, responsável pela repressão, por  
exemplo, a comunistas, anarquistas, sindicatos e movimentos sociais. Isto vem desde a Primeira República.  
Estavam estruturadas a partir de delegacias, divisões ou departamentos da polícia civil de cada estado da federação.  
A função do órgão era lidar com problemas de ordem política e de ordem social. Havia muitas dificuldades para  
quem fosse fichado no DOPS. O candidato a um emprego, por exemplo, em um período da ditadura militar,  
precisava apresentar um "Atestado de Antecedentes Políticos e Sociais", mais conhecido como "atestado  
Ideológico", que era fornecido pelas DOPS, mas somente a quem não tinha ficha no órgão.  
Libertas, Juiz de Fora, v. 24, n. 1, p. 359-366, jan./jun. 2024. ISSN 1980-8518  
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do conhecimento no serviço social sem perder de vista a centralidade do trabalho e das lutas  
políticas anticapitalistas. Isso não é afastar a riqueza que outras mediações podem trazer para a  
produção de conhecimento, como as questões de gênero, a questão ambiental, a questão racial  
e outras. Essas pautas são históricas da esquerda, e não se deve entrega-las ao liberalismo fajuto  
de grandes conglomerados empresariais e seus apetrechos ideológicos, sejam esses privados ou  
incrustados na administração pública.  
O serviço social brasileiro vem construindo uma produção de conhecimento que faz  
uma crítica radical à ordem burguesa, na maioria das vezes, e a seus rebatimentos nas  
manifestações da questão social. Existe aí uma articulação dialética entre a desigualdade de  
classe, as opressões de gêneros, de orientação sexual, de raça, de geração, ciclos de vida, dentre  
outras contradições do modelo de sociabilidade vigente. É, portanto, uma área de conhecimento  
da maior importância para a sociedade brasileira, pois procura compreender e explicar a  
natureza dos problemas nacionais e latino-americanos em relação às contradições entre estado,  
sociedade e mercado na ordem do capitalismo através de conhecimento crítico, articulado ao  
trabalho profissional e às respostas a essas contradições.  
Carina Moljo: Neste ano “des-comemoramos” os 60 anos do golpe civil-militar no  
Brasil. Você coordenou o projeto “Memórias Reveladas”, que justamente busca conhecer e  
relembrar o nosso passado recente. Poderia nos falar sobre o projeto? Como surgiu? A sua  
consolidação e relevância, mas também o desmonte que vem sofrendo nos últimos anos?  
Inez Stampa: O Memórias Reveladas, oficialmente Centro de Referência das Lutas  
Políticas no Brasil (1964-1985) – Memórias Reveladas, é resultado direto da pressão exercida  
por movimentos sociais, por organizações de trabalhadores e trabalhadoras, e por militantes de  
direitos humanos no sentido de se buscar o que popularmente ficou conhecido como a “abertura  
dos arquivos da ditadura”.  
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Gestado a partir de 2005, mas oficialmente instituído pelo governo federal em 2009, o  
Memórias Reveladas faz parte dos chamados “mecanismos de Justiça de Transição”, e teve um  
papel muito importante, por exemplo, em relação à Lei de Acesso a Informações (Lei  
12.527/2011), à Comissão Nacional da Verdade e à Comissão deAnistia. É uma política pública  
desenvolvida no âmbito da área de arquivos do país, e tem, dentre outras funções, o objetivo  
principal de articular, em uma rede de cooperação e informações arquivísticas, instituições que  
custodiam acervos sobre o período da ditadura militar iniciada em 1964, permitindo que  
documentos do período sejam preservados, digitalizados e colocados à disposição da sociedade  
brasileira, incluindo vítimas e familiares de vítimas de graves violações de direitos humanos,  
Entrevista com Inez Stampa  
pesquisadores, estudantes, além de promover e estimular debates, estudos e produção de  
conhecimento sobre a temática.  
No total, foram recolhidos, preservados e abertos para consulta pública mais de 13  
milhões de páginas de documentos textuais do período da ditadura, além de fotografias, vídeos  
e documentos sonoros. Essa documentação está acessível pela Internet, no endereço  
Desde 2016 o Memórias Reveladas começou a enfrentar problemas cada vez mais  
graves. No período bolsonarista, a pressão contra os servidores que atuavam no Memórias  
Reveladas foi notável, mas, pelo menos, conseguimos preservar algumas das funções técnicas  
do centro de referência.  
A partir de 2023, contudo, o que foi recolhido de documentação dá pouco mais do que  
um punhado de documentos, e mesmo assim só depois de muita crítica interna e externa. Isso  
é particularmente grave porque continuam desaparecidos os acervos dos órgãos de inteligência  
das Forças Armadas, como o CISA (Aeronáutica), o CIE (Exército) e o Cenimar (Marinha),  
órgãos responsáveis, cabe destacar, pela grande maioria das graves violações de direitos  
humanos perpetradas por motivos políticos durante a ditadura.  
Além disso, todos os projetos apresentados pela equipe do Memórias Reveladas foram  
rejeitados ou ficaram sem resposta por parte da atual administração do órgão. Não dá nem para  
dizer que essa paralisação é resultado da suposta determinação recente de não rememorar o  
golpe de 1964, porque tudo está parado desde 2023. Tem quem ponha na conta do Lula tudo  
de errado nessa área, mas isso me parece que é mais uma estratégia para ocultar interesses  
paroquiais e manter a imagem de “crítico”.  
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Dentre os projetos paralisados, também se encontrava a proposta de retomada da  
digitalização dos acervos das Delegacias de Ordem Política e Social (DOPS).  
Em notas oficiais e através de manifestos chapa-branca, a direção-geral do Arquivo  
Nacional e o Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos (MGI), que subordina o  
Arquivo Nacional, vem afirmando que a responsabilidade pela preservação e digitalização dos  
acervos DOPS é exclusivamente dos estados da federação. Não sei quem anda compondo essas  
notas, mas esse é o mesmo argumento deturpado que era utilizado pelos gestores bolsonaristas.  
Na verdade, o Memórias Reveladas foi criado exatamente para integrar acervos de  
diferentes procedências e proveniências, como a documentação estadual e a documentação  
federal que, em conjunto, foram consideradas Patrimônio Mundial da Humanidade pelo  
Programa Memória do Mundo (Memory of the World), da Unesco. Quem elaborou a candidatura  
foi o próprio Arquivo Nacional durante a gestão do professor Jaime Antunes da Silva, e sua  
Libertas, Juiz de Fora, v. 24, n. 1, p. 359-366, jan./jun. 2024. ISSN 1980-8518  
O Memórias Reveladas e o desmonte da política pública de abertura dos arquivos da ditadura militar  
apresentação à ONU coube ao governo federal, que, voluntariamente, assumiu obrigações de  
natureza internacional em relação a essa documentação.  
O Memórias Reveladas precisa voltar a ser compreendido como um programa  
estratégico no âmbito da área de arquivos do país. Mas, para tanto, será também preciso  
recuperar as funções técnicas do Arquivo Nacional, duramente atingidas durante o período  
bolsonarista e ainda não recuperadas pelo terceiro governo Lula.  
O desmonte, curiosamente, veio acompanhado de homenagens e propostas de  
homenagem pessoal a mim. A expectativa é que eu fizesse “política” e entrasse no jogo, mas  
eu preferi me aposentar do que emprestar meu nome para o que considero ser o desmonte do  
Memórias Reveladas. A gente perde algumas coisas certamente mais importantes do que  
homenagens oficiais, mas, como se diz, não perde o sono.  
Carina Moljo: Recentemente foi publicado pelo Intercept2 uma entrevista sua, na qual  
denunciava o abandono atual do Arquivo Nacional e do Projeto Memórias Reveladas. O artigo  
mostra a importância do projeto que reúne uma rede de mais de 160 arquivos, que possibilitaram  
a Comissão Nacional da Verdade, resolverem, por exemplo, o caso do deputado federal Rubens  
Paiva, do PTB, desaparecido e assassinado em 1971 por agentes da repressão política. Como  
foi coordenar um projeto de tamanha magnitude e de tamanha importância política e histórica?  
Inez Stampa: A palavra responsabilidade talvez não seja adequada ou suficiente para  
descrever, mas, enfim, foi uma enorme responsabilidade. Sem me alongar muito, há uma  
dimensão institucional superior, relacionada à promoção da democracia e de luta pela não  
repetição dessas violações – realidade tão dura, ainda, para os nossos trabalhadores e  
trabalhadoras das periferias, favelas e campo; bem como uma dimensão pessoal, que me  
emociona muito, relacionada a tantos e tantas militantes aguerridos/as e a seus familiares,  
alguns dos quais pude conhecer nessa trajetória de mais de quinze anos à frente do Memórias  
Reveladas. Uma terceira dimensão está, ainda, relacionada à promoção de boas práticas na área  
de arquivos, de integração de instituições na tentativa de construir uma ação da política nacional  
de arquivos. Tudo isso num contexto de limitações orçamentárias, políticas e administrativas.  
Muitas vezes de conflito aberto, outras de ações estratégicas mais reservadas, mas sempre de  
luta e inconformismo. O que eu posso dizer é que, até 2023, o Memórias Reveladas nunca foi  
faz-de-conta.  
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Entrevista com Inez Stampa  
Carina Moljo: Em 2019 você teve a sua vida funcional investigada mediante um PAD  
(processo administrativo disciplinar), indicado pelo então ministro de Justiça e Segurança  
Pública, Sergio Moro, numa nítida perseguição política. Queríamos nos solidarizar com você e  
com os outros funcionários que foram perseguidos. Como você analisa este tipo de  
comportamento num governo eleito pelo voto popular? Quais as diferenças e semelhanças com  
o que aconteceu entre 1964- 1985?  
Inez Stampa: Obrigada. Acho que precisamos fazer dois movimentos. O primeiro, de  
reconhecer que são tempos diferentes, com dinâmicas e desafios diferentes, o que nos sugere  
que precisamos ter algum cuidado com as comparações. Por mais dura que tenha sido a pressão  
contra mim e outros servidores do Arquivo Nacional e do Memórias Reveladas, nós nunca nos  
sentimos em risco físico, e isso faz um mundo de diferença. Por outro lado, a permanência de  
pressões políticas em plena República democrática também não pode ser subestimada, primeiro  
pelo potencial que tem de causar danos a suas vítimas, pois nem toda dor é física, e, em segundo  
lugar, porque esse fato não parece ter sido isolado, mas sim replicado na administração pública  
– veja-se, por exemplo, o que ocorreu na Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), que,  
assim como o Memórias Reveladas e o Arquivo Nacional, também se encontrava, à época,  
vinculado ao Ministério da Justiça durante a gestão Moro. Esses fatos devem nos alertar a  
respeito das limitações democráticas do tempo presente. Octavio Ianni escreveu, no início dos  
anos 1980, um livro sobre a ditadura, que ele qualificou de “ditadura do grande capital”.  
Vivemos hoje uma democracia, mas são muitas as limitações de uma “democracia do grande  
capital” que, apesar de não ser a mesma coisa, tem mais em comum com a ditadura de 1964 do  
que nos seria confortável, talvez, reconhecer.  
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Carina Moljo: Você considera que no Brasil existe uma preocupação pela recuperação  
da memória histórica? Como avalia o momento atual?  
Inez Stampa: Talvez nada ilustre melhor o quadro preocupante que a memória nacional  
enfrenta do que o incêndio que destruiu, em 2018, o Museu Nacional. Num país acostumado  
com desastres em sucessão, quase sempre resultantes de ausência ou de deficiência na  
implementação de políticas públicas, esse foi um golpe duro de aceitar em virtude da  
irreversibilidade e da magnitude do prejuízo que experimentamos.  
A área de arquivos, por seu turno, tem um grave problema de visibilidade. Ela é bem  
menos conhecida e bem compreendida do que, por exemplo, a área de museus.  
O resultado é que, ainda que ela também tenha sofrido graves prejuízos nos últimos  
anos, esses prejuízos se tornam menos evidentes para a sociedade. O Arquivo Nacional,  
Libertas, Juiz de Fora, v. 24, n. 1, p. 359-366, jan./jun. 2024. ISSN 1980-8518  
O Memórias Reveladas e o desmonte da política pública de abertura dos arquivos da ditadura militar  
principal instituição arquivística brasileira, sofreu um princípio de incêndio em 2022,  
felizmente rapidamente controlado. Mas o órgão também perdeu orçamento, competências e  
autonomia, no que parece claramente ser um movimento em direção à privatização efetiva de  
parte de seus serviços – ainda que sob o manto de benignos “repasses à sociedade civil” e com  
discurso “modernizante” e “inclusivo”. Essas perdas, reforçadas no governo Bolsonaro, mas  
ainda em curso, envolvem prejuízos não somente para a memória nacional de forma mais  
ampla, mas, igualmente, para a gestão de arquivos de forma mais específica. Os arquivos são  
instituições complexas, e essa complexidade, infelizmente, nem sempre é bem traduzida pela  
própria área para o debate público.  
Carina Moljo: Ainda existem poucos centros de Documentação e Memoria no âmbito  
do Serviço Social. Quais as estratégias possíveis para construir acervos históricos no âmbito  
das Universidades? Qual o papel das nossas entidades (ABEPSS/CFESS/ENESSO) neste  
processo?  
Inez Stampa: Eu acredito que essa é uma questão extremamente relevante, pelo  
potencial positivo que podem trazer para a autorreflexão da área de serviço social. Mas é bom  
lembrar que a criação de arquivos e centros de documentação deve ser pautada em normas  
técnicas e em boas práticas consagradas. É preciso investimento e compromisso, mas o saber  
fazer é igualmente essencial. Se associarmos conhecimento técnico e saber fazer com as  
modernas tecnologias da informação e comunicação (TICs), teremos arquivos e centros de  
documentação mais baratos e eficientes em nossa área, projetos mais factíveis e duradouros.  
Para tanto, um dos melhores caminhos que eu conheço, com a experiência que tive no Arquivo  
Nacional, é o trabalho em rede, que articula e conjuga esforços e recursos. Acredito que as  
nossas entidades podem ser o lugar perfeito para pautar e lutar pela constituição desses centros  
de documentação. Precisamos, de fato, levar essa discussão para esses espaços e lutar para que  
também no serviço social a memória seja valorizada e preservada.  
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Carina Moljo: Gostaria de deixar uma mensagem, sobretudo, para as novas gerações  
de assistentes sociais e de cidadãos?  
Inez Stampa: Tudo indica que essa será uma quadra histórica de grandes desafios.  
Retrato disso não é somente a ascensão da ultradireita em todo o mundo, mas, igualmente, o  
crescimento de segmentos oportunistas em funções de mando no campo dito progressista.  
Nada disso deve nos levar ao desespero ou à inação, pois, ao mesmo tempo, a classe  
trabalhadora dá sinais evidentes de vitalidade: de ser a classe que, de fato, tem o sol a frente,  
Entrevista com Inez Stampa  
cujos grandes feitos estão no tempo futuro e não no pretérito.  
Nesse contexto complexo – pois somente nas retrospectivas ligeiras o processo histórico  
não tem contradições – é importante lembrar que há, na conjuntura recente no Brasil, a  
desqualificação da produção do conhecimento voltado para a defesa dos direitos do trabalho,  
de negação da centralidade do trabalho, por exemplo. Esse ataque advém de setores que atuam  
fortemente na defesa do capital, e em estreita colaboração e articulação com as classes  
hegemônicas, independente da roupagem conservadora ou progressista de que se utilizam. O  
discurso é diferente, mas esses grupos têm em comum interesses políticos, econômicos e sociais  
pautados em abjeta apologia do capital e do imperialismo, conduzindo a formas similares de  
negacionismo e de irracionalismo nas formas de interpretação da realidade.  
Esses processos podem parecer novos no discurso, mas são, na verdade, antigos, uma  
vez que são funcionais à defesa da ordem burguesa e das frações parasitárias do capital em um  
quadro societário global de grave crise econômica e política, e que em boa medida foram  
aprofundadas com a crise sanitária da Covid-19, ainda não superada em sua totalidade.  
Nesses tempos tão duros que a gente está vivendo, obviamente que são muitos desafios  
e que eles não podem ser tomados como missão exclusiva do serviço social, mas sim devem  
ser articulados com um projeto societário mais amplo que lute pela emancipação humana na  
construção de uma sociedade sem exploração de qualquer ordem de dominação, seja de classe,  
raça, etnia, gênero, orientação sexual e tantas outras; que da crise surjam o mundo novo de que  
nos falou Gramsci3 e o homem do futuro, de que nos falou Brecht4: que possam, finalmente,  
nascer, que possamos construir ou reconstruir um país melhor e uma política autêntica, fruto de  
mudanças profundas e estruturais em nossa sociedade, e que atravessemos esse período de  
grandes atribulações e profundas incertezas, pois tudo parece apontar que vivemos uma época  
de transição, em que as tendências antigas vão desaparecendo enquanto a gente espera pelas  
novas que estão ainda se formando.  
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Cumpre, ao mesmo tempo, lutar contra os “monstros”; o futuro está em aberto. Haverá,  
certamente, outras batalhas, haverá provavelmente outras derrotas sofridas, mas, com base nas  
lições aprendidas, teremos, também, resistências e outras vitórias – tenho muita esperança e,  
com toda a franqueza, estou certa disso. Estamos no jogo, resistindo, e as contradições estão  
presentes e atuando; são elas que determinam o futuro.  
3 Citação de Antonio Gramsci em Cadernos do Cárcere: “O velho mundo agoniza, um novo mundo tarda a nascer,  
e, nesse claro-escuro, irrompem os monstros”.  
4 O poema de Brecht “Aos que vierem depois de nós”, escrito às vésperas da Segunda Guerra Mundial, é dirigido  
a leitores futuros que, tendo nascido num mundo diferente, não conseguirão compreender o que foi vivido naquele  
tempo de crise. Naquele tempo, tão distante e tão próximo, quando “havia só injustiça e nenhuma indignação”.  
Libertas, Juiz de Fora, v. 24, n. 1, p. 359-366, jan./jun. 2024. ISSN 1980-8518