Teoria social de Marx e Serviço Social: aportes  
para uma abordagem histórico-crítica  
Marx's social theory and Social Work: contributions to  
a historical-critical approach  
José Fernando Siqueira da Silva*  
Resumo: Este artigo debate o sentido da  
perspectiva histórico-crítica a partir da teoria  
social de Marx. Propõe dialogar com o Serviço  
Social como profissão no atual estágio de  
Abstract: This article discusses the meaning of  
the historical-critical perspective from Marx's  
social theory. It proposes to dialogue with  
Social Work as a profession in the current stage  
of capitalist accumulation, in the particular  
conditions of Latin America. The text, based on  
Marx's contribution and part of his tradition,  
dialogues with specialized bibliography and  
analyzes the proposed theme-object. To this  
end, it asks: a) what does historical-critical  
mean?; b) would it be possible to establish a  
propositional dialogue between an anti-  
capitalist tradition critical of the expanded  
reproduction of capital and a profession created  
in capitalism, in its monopolistic phase, with the  
aim of intervening in pauperism?; c) how to  
analyze this relationship with Latin America as  
an objective socio-historical basis? The article  
concludes that this debate is pertinent and  
necessary, although it is essential to consider the  
numerous tensions and contradictions inherent  
in this process.  
acumulação  
capitalista,  
nas  
condições  
particulares da América Latina. O texto,  
sustentado na contribuição marxiana e de parte  
de sua tradição, dialoga com bibliografia  
especializada e analisa o tema-objeto proposto.  
Para tanto, indaga: a) o que significa histórico-  
crítico?; b) seria possível estabelecer um  
diálogo propositivo entre uma tradição  
anticapitalista crítica à reprodução ampliada do  
capital e uma profissão criada no capitalismo,  
em sua fase monopolista, com o objetivo de  
intervir no pauperismo?; c) como analisar esta  
relação tendo a América Latina como base  
sócio-histórica objetiva? O artigo conclui que  
este debate é pertinente e necessário, ainda que  
seja fundamental considerar as inúmeras  
tensões e contradições inerentes a este processo.  
Palavras-chaves: Serviço Social; Marxismos;  
Keywords Social Work; Marxisms; historical-  
Histórico-crítico.  
critical.  
*
Assistente social, doutor em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e professor  
associado da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP/Franca - Departamento de Serviço  
DOI: 10.34019/1980-8518.2024.v24.44270  
Esta obra está licenciada sob os termos  
Recebido em: 21/04/2024  
Aprovado em: 24/05/2024  
José Fernando Siqueira da Silva  
Introdução  
Este artigo concentra vários anos de estudos e de pesquisas sobre o conjunto da obra  
marxiana e sua relação com o Serviço Social. Recupera e reorganiza, com certa marca pessoal,  
reflexões coletivamente realizadas em diversos encontros do Grupo de Estudos e Pesquisas  
Marxistas (GEPEM), vários debates que têm sido realizados na roda de conversas dedicada aos  
estudos de “O Capital” com a participação de um coletivo de assistentes sociais  
pesquisadoras(es) (sob a coordenação da professora Dra. Marilda Villela Iamamoto), bem como  
reúne inúmeras reflexões e diálogos travados em diversos espaços socioprofissionais,  
acadêmicos e de militância. Trata-se, portanto, de estudo contínuo, amplo, rigoroso,  
necessariamente incompleto, em pleno movimento, que recupera e amplia analises  
anteriormente sistematizadas pelo autor, inspirado no ponto de vista da categoria da totalidade,  
marcado por acúmulos e revisões, sempre empenhado em apanhar as mediações necessárias  
para o Serviço Social como profissão. Neste texto, foram reorganizadas anotações inicialmente  
sistematizadas para um curso ministrado em 2022 a assistentes sociais de Costa Rica1, bem  
como reflexões expostas em uma mesa de debates, em 2023, na Universidade Nacional del  
Centro de Buenos Aires (UNICEN-Tandil)2.  
Reprodução ampliada do capital, pauperismo e América Latina  
164  
Elucidar a relação entre pauperismo, reprodução ampliada do capital e América Latina  
é uma necessidade histórica. Não se trata, apenas, de um esforço epistemológico, mas de um  
procedimento científico empenhado em capturar a dinâmica do real como “lógica da coisa”  
(Marx, 2005, p. 39), suas múltiplas determinações, reconstruir categorias de análise como  
determinações de existência, formas de ser (Marx, 1989), estabelecer seus nexos causais,  
conexões explicativas (mediações), com o auxílio da razão pensante, orientada por aquilo que  
Lukács caracterizou como ontologia do ser social (Lukács, 2012, 2013 e 2010). As mediações  
não são criações racionais, embora se expressem teórica  
e
racionalmente  
(epistemologicamente), mas conexões reais que nos permitem explicar a realidade estudada, os  
vínculos, os elos que favorecem o conhecimento do objeto para além do que é imediatamente  
visível.  
1
Atividade realizada a partir de um convite feito pelo Colegio de Trabajadores Sociales de Costa Rica  
(COLTRAS).  
2
Mesa de encerramento do “Encuentro Latinoamericano de Profesionales, Docentes y Estudiantes de Trabajo  
Social”, composta juntamente com o professor Dr. Manuel W. Mallardi (UNICEN-Argentina) e a professora Dra.  
Mavi Rodrigues (UFRJ-Brasil).  
Libertas, Juiz de Fora, v. 24, n. 1, p. 163-186, jan./jun. 2024. ISSN 1980-8518  
Teoria social de Marx e Serviço Social: aportes para uma abordagem histórico-crítica  
Sendo assim, o objetivo não é interpretar o mundo impondo-lhe uma lógica que não lhe  
pertence, especulativa e decadente (Lukács, 1981, p. 109-131), mas, ao contrário, perseguir sua  
dinâmica materialmente posta, historicamente determinada, reproduzi-la mentalmente, atuar  
nela para transformá-la. Nisto, recuperar a potência humana como trabalho útil-concreto,  
emancipá-la humanamente (Marx, 2005) voltando-a contra processos de estranhamento social.  
A práxis social, como determinada relação entre teoria e prática tecida na história (Marx;  
Engels, 2007), é um ato humano-genérico possível e necessário, individual-coletivo, ainda que  
inexato e insuficiente, realizado por seres sociais que fazem história a partir do legado recebido  
por gerações. Por tanto, um complexo processo imbricado com a vida real de pessoas, com a  
sua reprodução social que, nas condições históricas do capitalismo, estabelece as classes sociais  
fundamentais, institui a propriedade privada dos meios de produção, separa o(a) trabalhador(a)  
de seus meios de produção, reduz o trabalho à força de trabalho, sua compra como trabalho que  
se aliena/estranha, se exterioriza como um objeto que não lhe pertence.  
Tal procedimento ontológico-científico é essencial para explicar a realidade em si, sua  
dinâmica, é fundamental para refletir criticamente sobre os limites e as potencialidades de uma  
profissão socialmente constituída na transição do século XIX ao século XX para intervir  
naquilo que foi caracterizado, genericamente, pelo pensamento conservador (Escorsim, 2011;  
Silva, 2015), a partir das lutas operárias travadas na segunda metade do século XIX, como  
questão social. Marcada por sua imprecisão, o sentido desta expressão pode ser melhor  
elucidado a partir dos estudos de Marx realizados na primeira metade dos anos 1840. Naquela  
oportunidade, incomodado e penalizado com a repressão realizada pelo governo do monarca  
Frederico Guilherme IV contra às pessoas que recolhiam lenha para se aquecerem do inverno  
alemão, o autor analisou e criticou um texto escrito por Arnold Ruge – identificado como “um  
prussiano” – sobre o rei da Prússia e a reforma social. Debatendo com esse representante da  
filosófica clássica alemã e analisando as propostas do parlamento inglês imbuídas de  
"humanismo" e malthusianismo no tratamento do pauperismo (no contexto marcado pela Lei  
dos Pobres e pelas workhouses), destaca Marx:  
165  
O parlamento inglês não se restringiu à reforma formal da administração. Ele  
detectou a fonte principal da condição aguda do pauperismo inglês na própria  
Lei dos Pobres3. O próprio meio legal contra a indigência social, a  
beneficência, favoreceria a indigência social. Quanto ao pauperismo em  
termos gerais, ele seria uma lei natural eterna (...). O parlamento inglês  
combinou essa teoria de caráter humanitário com o parecer de que o  
pauperismo seria a miséria infligida a si mesmo pelo trabalhador, não  
devendo, em consequência, ser prevenido com um infortúnio, mas reprimido  
e punido como um crime. (...) Depois, ela não encarou o avanço progressivo  
3 Todos o trechos em itálico foram originalmente destacados pelo autor.  
José Fernando Siqueira da Silva  
do pauperismo como consequência necessária da indústria moderna, mas  
como consequência do imposto inglês para os pobres. Ela compreendeu a  
penúria universal como uma mera particularidade da legislação inglesa. O  
que antes era derivado de uma falha na beneficência, passou a ser derivado de  
um excesso de beneficência. Por fim, a miséria foi vista como culpa dos  
miseráveis e, como tal, punida neles mesmos (...) apesar das medidas  
administrativas, o pauperismo foi se tornando a forma de uma instituição  
nacional, tornando-se, em consequência, inevitavelmente em objeto de uma  
administração ramificada e bastante ampla, uma administração que, todavia,  
não possui mais a incumbência de sufocá-lo, mas de discipliná-lo, perpetuá-  
lo (Marx, 2010, p. 34-35).  
Em seus estudos mais densos pautados pela crítica à economia política clássico-  
burguesa, determinado a decodificar a lógica do capital e da sociedade que permite sua  
reprodução ampliada, nisto o pauperismo, Marx analisa a composição orgânica do capital, ou  
seja, a relação entre capital constante (parte do capital investido nos meios de produção) e  
capital variável (aquela outra parte destinada à força de trabalho). Para explicar essa relação,  
Marx aprofunda as noções de composição do valor (como o capital é dividido em sua forma  
constante e variável) e a composição técnica (a dimensão material, a força de trabalho  
necessária para pôr em movimento certa quantidade de meios de produção) (Marx, 2013b, p.  
689-697). Embora inicialmente haja uma tendência inicial crescente de investir parte do capital  
– e, portanto, da mais-valia obtida – na força de trabalho (capital variável), a repetição do  
processo de produção de mercadorias em escala ampliada tende relativamente a diminuir parte  
da mais-valia investida em capital variável e a aumentar a proporção dedicada ao capital  
constante (meios de produção). Ou seja, gradativamente, no processo de intensificação e  
adensamento da produção capitalista, parte do capital acumulado é proporcionalmente maior  
para a tecnologia aplicada ao processo produtivo e menor para a manutenção da força de  
trabalho contratada (salários e despesas necessárias à reprodução dos trabalhadores – por  
exemplo, nas condições atuais, incluindo seus direitos). A consequência não poderia ser outra:  
a criação de um exército industrial de reserva e de segmentos excedentes – com diferentes  
denominações e perfis – da classe trabalhadora (aptos ou não para voltar ao trabalho) (Marx,  
2013b, p. 716-784).  
166  
É óbvio que esse processo não permaneceu o mesmo ao longo de 130 anos e em distintas  
e heterogêneas realidades. O que se propõe, com efeito, é que há uma tendência geral da  
produção capitalista – brilhantemente apontada por Marx – de, relativa e proporcionalmente,  
investir menos em capital variável e mais em capital constante, como uma lei tendencial,  
dinâmica, processo necessário à acumulação permanente de capitais, cuidadosamente  
administrado – nem sempre com sucesso – por meio de uma gestão econômica considerada  
adequada às instabilidades e às imprevisibilidades mundiais. Tudo isso está absolutamente  
Libertas, Juiz de Fora, v. 24, n. 1, p. 163-186, jan./jun. 2024. ISSN 1980-8518  
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conectado ao desenvolvimento da tecnologia e da ciência4. Por isto, o capital pressupõe não  
apenas relações econômicas, mas relações humano-sociais. O capital é relação social de  
expropriação, acumulação e concentração/centralização da riqueza socialmente produzida.  
Isto sustenta o que Marx caracteriza como propriedade privada, ou seja, a relação entre a  
propriedade dos meios de produção postos em movimento por meio de determinada massa de  
força de trabalho comprada como qualquer mercadoria (ainda que seja uma mercadoria  
particular). Ambos potenciados pelo capital monetário inicialmente investido e  
continuadamente reposto pela repetição ampliada do processo produtivo: capital monetário  
inicial que se subdivide na produção (capital produtivo - meios de produção e força de trabalho  
acrescido de mais-valia) e capital mercadoria que se realiza na venda que completa seu ciclo  
(Marx, 2014b, p. 105-231)5. Este processo, como tratado por Marx no livro III de “O Capital”,  
necessariamente articulado ao capital comercial e portador de juros/fictício (Iamamoto, 2007),  
como processo geral que estabelece a taxa média de lucro e o divide entre capitalistas (Marx,  
2017, 175-948).  
Importante ressaltar a unidade-diversa contida nesse processo global, como forma de  
aparição do capital (monetário, produtivo, mercadoria, industrial, comercial e portador de juros  
– este último sua forma mais complexa e estranhada). Aqui, o trabalho excedente, produtor  
direto ou não de mais-valia, é a fonte do valor mistificada por relações fetichizadas,  
imediatamente simplificadas6. Isto estrutura o movimento geral do capital que repõe a sua forma  
monetária percorrendo um complexo processo, não imediatamente visível, cujo ciclo recomeça  
sempre acrescido por um sobrevalor, sem a necessidade de novo aporte inicial do próprio  
capitalista produtivo (Marx, 2014a, p. 233-446).  
167  
O pauperismo constitui o asilo para inválidos do exército trabalhador ativo e  
o peso morto do exército industrial de reserva. Sua produção está incluída na  
produção da superpopulação relativa, sua necessidade na necessidade dela, e  
juntos eles formam uma condição de existência da produção capitalista e do  
desenvolvimento da riqueza. O pauperismo pertence aos faux frais [custos  
mortos] da produção capitalista, gastos cuja maior parte, no entanto, o capital  
4 A sociedade burguesa desde sua fase concorrencial tem demonstrado, de forma não homogênea, uma tendência  
de expulsar a força de trabalho, intensificá-la e precarizá-la, com forte inserção e modernização tecnológica. Os  
dias atuais também reafirmam essa tendência, brilhantemente apontada por Marx já no século XIX. Sobre esse  
debate hoje, ver Antunes (1995; 2018), Mészáros (2002a; 2002b) ou, fora da tradição marxista, tomada como crise  
da sociedade salarial, as observações tecidas por Castel (1996).  
5 Vale lembrar que acumulação originária/primitiva do capital (Marx, 2013a, p. 785-833) – nisto o mercantilismo  
e o escravismo de pessoas negras/indígenas e extermínio dos povos originários -, exerceu e ainda exerce seu papel  
na acumulação, já que não se situa num passado distante –, reeditando-se no processo de concentração de dinheiro  
que funciona como capital monetário.  
6
Não por acaso, Marx adota um procedimento de estudo que perquire a trama dos processos, reconstruindo  
conexões/mediações, categorias e conceitos aparentemente idênticos e progressivamente adensados ao longo de  
sua análise. Por exemplo: trabalho/força de trabalho, as formas do dinheiro, valor/mais-valor, “preço do  
dinheiro”/juros, lucro/lucro médio, entre muitas outras formas aparentemente idênticas.  
José Fernando Siqueira da Silva  
sabe transferir de si mesmo para da classe trabalhadora e da pequena classe  
média (Marx, 2013b, p. 719).  
Os estudos de Marx sobre a sociedade do capital e sua reprodução ampliada, tecida em  
estreita relação com suas pesquisas anteriores desde a juventude, atingem sua maturidade em  
“O Capital”, como crítica da economia-política, dedicado a explicar o processo de produção do  
capital (livro I)7, o processo de circulação do capital (livro II) 8 e o processo global da produção  
capitalista (livro III)9. Longe de ser uma obra estritamente econômica, o livro é um estudo  
genial sobre a economia política que trata da produção e reprodução de determinada sociedade,  
a capitalista, suas diversas fases, em estreita unidade-diversa, que estabelece as bases para a  
produção/criação, circulação e expansão global do capital. Nisto, a formação de seres sociais  
concretos e as lutas travadas para a manutenção e ou ruptura de esta ordem societária, tendo  
como referência as contradições objetivas contidas nessa sociabilidade. Portanto, a revolução é  
uma categoria que se constrói a partir de determinações realmente existentes, sempre como  
possibilidade histórica. Desta forma, ela jamais se reduz a certo tipo de “assalto ao poder”  
(embora seja constituída por insurreições diversas), mas se constitui a partir das contradições  
realmente existentes na própria ordem burguesa, seu colapso geral (Mészáros, 2002a; 2002b).  
A transição do século XIX para o século XX impôs outro fluxo de transformações  
globais. A primeira grande crise de acumulação de capital da era industrial (1873-1896),  
alimentada por revoltas operárias, gerou uma forte reorganização produtiva que fez a transição  
do capitalismo concorrencial ao capitalismo monopolista (Hobsbawn, 1988; Netto, 1992). Esta  
fase da acumulação formou monopólios, reorganizou o capital industrial e bancário (como  
capital financeiro), redefiniu o papel dos estados nacionais e dos fundos públicos no  
desenvolvimento capitalista e na gestão da questão social, priorizando a infraestrutura  
necessária para a retomada da acumulação, bem como rearmou o antigo colonialismo, como  
neocolonialismo, exportando capitais adicionais que foram usados para modernizar ex-colônias  
e expandir os interesses imperialistas. Era o alvorecer da era monopolista do capital, como “fase  
superior do capitalismo” (Lenin, 2012), centrada em alguns pilares essenciais: a) a fusão de  
grandes grupos econômicos até então concorrentes, formando monopólios exercidos por meio  
de cartéis e trustes; b) o adensamento contínuo da financeirização e de seus desdobramentos,  
processo este possível por meio da fusão entre o velho capital bancário e o capital industrial; c)  
168  
7
Mercadoria/dinheiro, a troca, a transformação do dinheiro em capital e a mais-valia absoluta-relativa, salário,  
acumulação do capital (incluindo reprodução simples, lei geral da acumulação e acumulação primitiva/originária)  
8 Metamorfoses e ciclo do capital, sua rotação e reprodução/circulação do capital social total.  
9 Relação mais valor/lucro – taxa de lucro e taxa de mais valor; lucro/lucro médio; a tendência da queda tendencial  
da taxa de lucro; capital mercadoria/capital monetário como capital de comércio de mercadorias e de dinheiro –  
nisto o crédito e o capital fictício.  
Libertas, Juiz de Fora, v. 24, n. 1, p. 163-186, jan./jun. 2024. ISSN 1980-8518  
Teoria social de Marx e Serviço Social: aportes para uma abordagem histórico-crítica  
a captura orgânica dos estados nacionais como elementos intrínsecos à acumulação capitalista,  
momento em que os fundos públicos são fortemente utilizados para incrementar a acumulação.  
Nisso, o cenário do neocolonialismo, a exportação contínua de capitais e as disputas  
imperialistas por matérias-primas que levaram o mundo ao seu primeiro conflito bélico do  
século XX: 1914-1918. Nesse sentido, destaca Lenin (2012, p. 83 e 90):  
A posse de colônias é a única coisa que garante de maneira completa o êxito  
do monopólio contra as contingências da luta com o adversário, mesmo  
quando este procura defender-se mediante uma lei que implante o monopólio  
de Estado. Quanto mais desenvolvido está o capitalismo, quanto mais sensível  
se torna a insuficiência de matérias-primas, quanto mais dura é a concorrência  
e a procura de fontes de matérias-primas em todo o mundo, tanto mais  
encarniçada é a luta pela aquisição de colônias. (...) O imperialismo é o  
capitalismo na fase de desenvolvimento em que ganhou corpo a dominação  
dos monopólios e do capital financeiro, adquiriu marcada importância a  
exportação de capitais, começou a partilha do mundo pelos trustes  
internacionais e terminou a partilha de toda a terra entre os países capitalistas  
mais importantes.  
A gênese do Serviço Social está essencialmente ligada à fase imperialista/monopolista  
da acumulação capitalista (Netto, 1992), etapa que se impôs de forma heterogênea e com  
importantes mudanças nos últimos 140 anos. Nesse contexto, esta profissão tem conquistado  
um espaço na divisão sociotécnica do trabalho que se objetiva também como divisão sexual  
e étnico-racial como especialização do trabalho coletivo (Iamamoto; Carvalho, 1985;  
Iamamoto, 2007), particularmente no campo da regulação do pauperismo. Ou seja, o Serviço  
Social está relacionado às diversas atividades, serviços e políticas sociais voltadas à gestão das  
carências e necessidades da ampla e diversificada classe trabalhadora, especialmente de suas  
frações mais empobrecidas.  
169  
Todavia, estas observações não são suficientes para explicar a constituição do Serviço  
Social na América Latina na sua ampla diversidade, em um continente uno-múltiplo que ocupa  
determinado espaço da divisão internacional do trabalho. É essencial apontar como esse  
processo geral, indicado por Marx na segunda metade do século XIX, transitou à fase  
monopolista e desenvolveu-se ao longo do século XX na periferia do capital como parte de uma  
complexa totalidade social. Nisto, as particularidades da profissão nesta região. Sem esse  
procedimento ontológico-analítico (concreto-racional), que apanha o Serviço Social no  
movimento da história (Iamamoto; Santos, 2021), não é possível explicar sua natureza nessa  
região e o tipo de pauperismo e de opressões aqui objetivadas. Isto impacta as desigualdades  
sociais que constituem a natureza do capital nas periferias, altera o social, determina os serviços  
destinados à gestão do pauperismo, modifica decisivamente as condições objetivas para que se  
realize o trabalho profissional. Como insiste Iamamoto (1992), altera as condições objetivas do  
José Fernando Siqueira da Silva  
trabalho profissional e subjetivas das(os) assistentes sociais.  
Resumidamente, a América Latina tem particularidades que a marcam  
estruturalmente: foi impactada econômica, social e culturalmente, enquanto o mercantilismo  
solapava o feudalismo na Europa, especificamente a partir do século XVI10. A lógica  
mercantilista, centrada na pilhagem formalizada no pacto colonial, dizimou as culturas nativas,  
impôs o escravismo e o racismo contra negros e indígenas e destruiu culturas e povos muito  
heterogêneos. Além disso, estabeleceu uma lógica centrada na acumulação monetária  
comercial, especialmente nas fontes financeiras obtidas por meio de uma relação comercial  
desigual, que permitia que os recursos coloniais fossem extraídos a baixos custos e vendidos a  
preços muito mais elevados. Esse tipo de exploração de perfil comercial-original sustentou o  
mercantilismo e a acumulação primitiva do capital (Marx, 2013a, p. 785-833), essencial para a  
fase seguinte da revolução burguesa (a concorrencial/industrial), principalmente a partir da  
segunda metade do século XVIII (que eliminou ou subjugou as monarquias). Isto gerou uma  
mudança estrutural global ao generalizar o trabalho assalariado, concentrar trabalhadores(as)  
nas fábricas, explorar a força de trabalho de diferentes maneiras e transferir o centro da  
acumulação capitalista para a produção de mercadorias como capital monetário investido na  
produção, ou seja, capital produtivo subdividido, em determinada proporção, na compra de  
meios de produção e de força de trabalho.  
170  
Após a independência política dessa parte do Continente Americano situada, no geral,  
nos primeiro 40 anos do século XIX, parte da riqueza aqui produzida deixou de ser drenada às  
metrópoles pelo pacto colonial (Fernandes, 1987; 2009). Ao longo do século XIX, essa  
economia foi reorganizada a partir do legado colonial. Isto determinou os caminhos que foram  
trilhados pela diversa e heterogênea revolução burguesa e todo processo de modernização na  
América Latina e no Caribe, a partir das primeiras décadas do século XX. Este tipo de  
economia, na sua diversidade, tem reproduzido algumas características importantes que  
precisam ser aqui sumariadas.  
Após a Revolução Russa (1917) e duas guerras mundiais imperialistas (1914-1918 e  
1939-1945 – nas quais a extrema direita nazifascista prevaleceu até ser derrotada em 1945), o  
crescimento e o desenvolvimento da América Latina e do Caribe tornaram-se objeto de amplo  
debate e formulação de propostas de desenvolvimento, especialmente a partir da década de  
10 É preciso lembrar que esse processo não se impôs apenas como movimento econômico (embora ele tenha sido  
decisivo). Impactou as artes, o teatro, a música, a cultura em geral, a religião, a visão de mundo, entre outros  
aspectos da vida humana, processo que se expressou no que é universalmente caracterizado como o Renascimento.  
Nicolau Maquiavel, Leonardo Da Vinci e William Shakespeare são exemplos clássicos dessa época.  
Libertas, Juiz de Fora, v. 24, n. 1, p. 163-186, jan./jun. 2024. ISSN 1980-8518  
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195011. Os estudos organizados pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe  
(Cepal), insistiam que as dificuldades para o desenvolvimento da América Latina estavam  
relacionadas à ausência de estímulo contínuo à industrialização, processo que deveria ser  
coordenado, organizado, provocado e administrado pelos estados nacionais, contra o  
subdesenvolvimento. Esta orientação, cujo principal expoente no Brasil é Celso Furtado (2009),  
foi rejeitada pelos estudos de Cardoso e Faletto (1973) que insistiram na tese de que a existência  
da dependência externa impediria o desenvolvimento proposto pela Cepal. Reproduzindo certo  
tipo de crítica resignada, os autores reconhecem a dependência como marca estruturante da  
economia brasileira e, ao mesmo tempo, a tomam como algo dado na divisão internacional do  
trabalho. Sendo assim, a combinação econômica entre o interno e o externo, entre o centro e a  
periferia, seria procedimento necessário ao desenvolvimento extraindo “possíveis vantagens”  
desta relação. Em oposição a estas propostas, o grupo formulador da teoria marxista da  
dependência (TMD)12, ao contrário, com ênfase no que é caracterizado por essa tradição como  
superexploração do trabalho13, formula uma análise essencialmente anticapitalista: a superação  
do subdesenvolvimento exige uma ruptura socialista, já que a dependência somente pode  
produzir dependência (jamais seu oposto).  
A periferia do capitalismo foi estruturada como capitalismo dependente (Marini, 1973;  
Fernandes, 2009; Katz, 2020), impactada por uma formação social colonial (Chasin, 2000;  
Moura, 1988), embora seja relevante destacar que a dependência tenha se materializado como  
desenvolvimento desigual-combinado (Oliveira, 2003), explicitamente como modernização  
conservadora (Ianni, 2019). As bases desse complexo processo foram lançadas desde a primeira  
acumulação primitiva do capital, sob as condições do mercantilismo e do capitalismo  
comercial-original. Essa modernização do capital de perfil monopolista transformou a América  
Latina em um território que deveria fornecer matérias-primas baratas para a produção mundial  
a preços administrados e acessíveis, especialmente produtos agro mineiros, o que impacta a  
parcela da mais-valia investida como capital constante destinado à compra dos meios de  
produção nas regiões ditas centrais. Ou seja, é preciso buscar matérias-primas baratas em  
regiões "destinadas" a esse tipo de produção na divisão internacional do trabalho. Além disso,  
ofertar força de trabalho abundante e mais barata, categorizada pela Teoria Marxista da  
171  
11 Esse debate percorreu os governos de países da região entre as décadas de 1930 e 1950: Getúlio Vargas (Brasil),  
Perón (Argentina) e batllismo/neobatllismo (Uruguai) são exemplos importantes.  
12  
São expoentes deste grupo: Ruy Mauro Marini, André Gunder Frank, Theotonio dos Santos, Vania Bambirra,  
Orlando Caputo, Riberto Pizzarro, entre outros(as).  
13 Para a TMD, a categoria superexploração do trabalho constitui a natureza do capitalismo dependente e possui  
um sentido muito preciso: o pagamento da força de trabalho abaixo do valor médio necessário à sua reprodução,  
isto como mecanismo que compensa as perdas das burguesias nativas em relação às centrais.  
José Fernando Siqueira da Silva  
Dependência como superexploração.  
O que tem se constituído na periferia do capital, ainda que diversamente, são  
economias fundamentalmente agro mineiras destinadas à exportação, comprometidas com  
interesses econômicos externos. Essa é uma característica estruturante que permanece  
marcando essas regiões na atualidade, sustentada pela modernização permanente do  
agronegócio e da mineração extrativistas. Importante pontuar a diversidade deste complexo  
contexto. Países como Brasil, México14 e Argentina experimentaram, ao longo da história,  
surtos instáveis de industrialização, com maior ou menor ênfase na agricultura modernizada: o  
agrobusiness como indústria agrícola de alta tecnologia e produtora em larga escala. Outras  
realidades são bem diversas: as minas e as frutas chilenas; a carne bovina Uruguaia e Argentina;  
o gás natural e a mineração na Bolívia; o petróleo venezuelano; as frutas da América Central; a  
agricultura colombiana (café e pecuária); a pesca peruana (exportadora de óleo de peixe) e sua  
mineração; o Caribe essencialmente frutífero, canavieiro e turístico. Apenas alguns exemplos  
entre outros países que têm transitado por caminhos próximos ainda que diversos.  
As classes dominantes que se constituíram após a independência política do início do  
século XIX, continuaram vinculadas aos interesses externos e desconectadas das demandas  
nacionais (Fernandes, 2009; 1987)15. Esse processo tem sido reproduzido com o peso colonial  
do racismo, do patriarcalismo e do preconceito contra os povos indígenas, que impõe um perfil  
particular à questão social latino-americana na articulação entre classe, raça, etnia, gênero e  
diversidade sexual (e outras formas de opressão/discriminação)16. AAmérica Latina e o Caribe,  
então, reatualizaram sua inserção na divisão internacional do trabalho, reorganizando-se a partir  
do legado colonial (com desigualdades internas), em tempos imperialistas-monopolistas. Não  
há dúvida de que todo processo de modernização conservadora que sustentou a revolução  
burguesa diversificada em toda a região, é caudatária da tradição colonial (e não poderia ser de  
outra forma). É preciso dizer, não por acaso, que o Serviço Social teve sua gênese como  
profissão em toda a América Latina e Caribe, exatamente naquele período de intensas  
transformações e intensificação das lutas dos(as) trabalhadores(as), sob o peso histórico do  
172  
14 As conhecidas “maquilas” são exemplos da realidade mexicana de fronteira com o império. Expressam e se  
sustentam na lógica dependente. Consultar: https://www.youtube.com/watch?v=WUQgFzkE3i0  
15 Parte do progressismo latino-americano, especialmente os governos de países com importante mercado interno  
(Brasil, México e Argentina, por exemplo), têm estimulado propostas neodesenvolvimentistas articuladas a um  
fluxo industrial historicamente instável ou ausente na região. Isto tem gerado tensões internas significativas que  
impactam as economias locais, sem afetar, de forma alguma, a centralidade do mercado externo. Trata-se de um  
limite estrutural das economias dependentes (Marini, 1973), ainda que elas necessitem ser analisadas a partir de  
determinações contemporâneas.  
16  
De nossa parte, a luta antirracista compõe as lutas anticapitalistas. Nisso, a luta anticolonial nos parece mais  
frutífera, densa e ampla, quando comparada com as abordagens decoloniais e descoloniais, mais ou menos avessas  
à tradição europeia.  
Libertas, Juiz de Fora, v. 24, n. 1, p. 163-186, jan./jun. 2024. ISSN 1980-8518  
Teoria social de Marx e Serviço Social: aportes para uma abordagem histórico-crítica  
colonialismo e sua estrutura escravista, particularmente a partir dos anos vinte do século  
passado. Por isso, a profissão e a questão social aqui materializadas sofreram o impacto dessa  
tradição colonial.  
O que de fato prevaleceu na região a partir da segunda metade dos anos 1960 e início  
dos anos 1970, em diferentes momentos e formas, mas continuamente, foi o projeto imperialista  
liderado pelos Estados Unidos. Os golpes militares-empresariais em toda a região, também em  
resposta à Revolução Cubana de 1959 (Paraguai/Guatemala – 1954, Brasil/Bolívia – 1964, Peru  
– 1968, Uruguai e Chile – 1973, Argentina, 1962 e 1976, República Dominicana, 1978, por  
exemplo), reafirmaram uma espécie de modernização conservadora (Ianni, 2019), como  
desenvolvimento desigual-combinado (Oliveira, 2003), ou seja, um tipo de economia que gera  
certo tipo de riqueza com forte concentração que reafirmou profundas desigualdades, adaptou-  
se ao capitalismo mundial dos anos 1970, eliminou a oposição socialista ou os mais perigosos  
seguimentos democráticos, massacrou a oposição operária e promoveu um arrocho salarial  
significativo.  
Da mesma forma, cabe destacar que o processo de reconceituação latino-americano  
(1965-1975 – não exatamente), obviamente não nasceu de uma iniciativa endógena, apenas  
profissional, mas formou-se a partir de demandas concretas que constituem o movimento da  
história, objetivamente postas por uma sociedade periférica tensionada pela luta de classes, que  
se expressaram em carências e necessidades humano-sociais identificadas como questão social.  
Isso repercutiu na profissão, no seu espaço sócio-ocupacional, nos estudantes, nas  
universidades e na formação profissional. Portanto, o pauperismo, caudatário da gênese,  
expansão e consolidação da sociedade burguesa mundial, aqui se constituiu diferentemente das  
regiões ditas centrais, da “via clássica” (inclusive suas formas mais tardias), como parte de uma  
totalidade social estruturada como unidade-diversa.  
173  
É verdade, como assinalou Marini (1973), que a dependência somente pode gerar  
dependência. Ainda assim, não é menos importante frisar que esse processo criou algo muito  
particular que evidenciou profundas desigualdades que têm reafirmado, nos diferentes  
territórios latino-americanos (e, diversamente, em toda a periferia do capital), certo tipo de  
desenvolvimento – necessário à produção mundial – marcado pela desregulamentação,  
informalização, intensificação e exploração da força de trabalho. A partir dessa dura realidade,  
típica do atual processo de acumulação e de sua crise permanente, constituiu-se o que é hoje a  
questão social, suas múltiplas determinações e refrações.  
A dependência como modernização conservadora e desenvolvimento desigual-  
combinado, marca atual e produto sócio-histórico, tem enfrentado um cenário ainda mais  
José Fernando Siqueira da Silva  
complexo desde a crise capitalista dos anos 1970 e a crescente e gradual dominação neoliberal  
que foi objetivada nessa parte da América, a partir dos anos 1990 (modelo radicalmente  
aplicado no governo deAugusto Pinochet – Chile). São muito bem conhecidas as consequências  
imediatas disso: golpes brutais nos direitos da heterogênea classe trabalhadora; reestruturação  
das relações de trabalho (intensificação, precarização, terceirização, informalidade, uberização  
e digitalização – Antunes, 1995; 2018); transformação da classe trabalhadora em  
"colaboradora" ou pessoa jurídica (PJ); reorganização dos Estados, com profundas restrições  
ao financiamento das políticas sociais; amplo e complexo domínio das finanças como  
aprofundamento da era do monopólio (inclusive envolvendo a gestão de recursos destinados à  
pobreza); cortes de gastos voltados aos direitos sociais expressos em discursos governamentais  
sobre responsabilidade fiscal e teto de gastos (sempre em relação ao social); privatização  
intensa e radical (ou, pelo menos, incentivo explícito às parcerias público-privadas); a  
mercantilização dos direitos básicos e fundamentais (saúde, educação e aposentadorias – entre  
outros); programas sociais específicos voltados à extrema pobreza, por tempo determinado,  
com avaliação permanente, visando não estimular a "vagabundagem" dos desempregados; isto,  
certamente, sustentado em uma economia dependente, modernizada, desigual-combinada e  
produtora de desigualdade extrema.  
Caberia, então, insistir que o estudo desta complexa realidade e a formulação de  
alternativas no campo da práxis social e profissional (diferentes, mas articuladas), precisam  
estimular a crítica permanente, reconstruir processos materialmente postos, perseguir o  
movimento da realidade inspirado no ponto de vista da totalidade, portanto, saturar esse  
processo de história e de historicidade. Sendo assim, análises mecânicas e “chapadas”, feitas  
acriticamente desde “modelos teóricos”, precisam ser questionadas ou, pelo menos, revisitadas  
criticamente. É preciso retomar abordagens e propostas que têm orientado os estudos recentes,  
mesmo aquelas que possuem validade atual e se situam explicitamente no campo da  
emancipação humana (incluindo o próprio Marx, considerando suas pistas geniais e  
inelimináveis). Como analisar, no atual estágio de acumulação capitalista, a realidade da  
periferia do capital com suas marcas indeléveis e a crise estrutural do capital (Mészáros,  
2002b)? Como situar a profissão e o Projeto Ético-Político Profissional do Serviço Social  
brasileiro, construído a partir das condições objetivas do final século XX, nesse contexto de  
avanço do complexo e não homogêneo conservadorismo reacionário (Sant’Ana; Silva, 2020)?  
Nisto, defesas bem-intencionadas deste legado crítico da profissão no Brasil são relevantes, mas  
inofensivas se não estiverem contaminadas pela concretude da história.  
174  
Ao contrário do que anunciou Francis Fukuyama, estimulado pela queda da URSS e  
Libertas, Juiz de Fora, v. 24, n. 1, p. 163-186, jan./jun. 2024. ISSN 1980-8518  
Teoria social de Marx e Serviço Social: aportes para uma abordagem histórico-crítica  
pelo êxtase neoliberal, a história não acabou! O neoliberalismo não é outro capitalismo: trata-  
se da forma histórica concreta que impõe receitas necessárias à acumulação continuada,  
concentrada e centralizada do capital. Sendo assim, não existe outro capitalismo mais humano,  
“não selvagem”, que alimenta os sonhos reformistas e teses de que a revolução seria  
desnecessária. Criticar o neoliberalismo é importante, mas tendo como foco o capitalismo e o  
capital. Esse deve ser o sentido exato do anticapitalismo. O que existe atualmente é o  
capitalismo sem roupagens, supostamente “livre” das ameaças anticapitalistas, genuíno, sem  
“papas nas língua”; o capitalismo sendo capitalismo, valorizando o valor, o capital como  
relação social que expropria e privatiza continuadamente. E isto se expressa na luta e na  
consciência de classe, reedita o estranhamento social junto aos(às) trabalhadores(as), reorganiza  
as ideias defendidas pelas classes dominantes e suas frações. Não por acaso os setores mais  
reacionários da burguesia têm enfatizado o ódio e o autoritarismo, distorcendo valores como a  
liberdade e a democracia. O fazem como se fossem defensores radicais da moral, da  
anticorrupção e da antipolítica, reduzindo a zero qualquer tipo de explicação minimente  
comprometida com a verdade da realidade objetivamente existente. Não se impõem apenas  
como ideologias, mas como mentiras explícitas.  
Mas existe algo muito importante nesses tempos históricos extremos (Hobsbawn,  
1996): o capital e a sociedade que permite sua reprodução ampliada (o capitalismo), em uma  
era de radicalização das pautas monopolistas-liberais comandados pela fração financeira do  
capital, não têm demonstrado capacidade de administrar a crise estrutural. As ondas longas  
de crescimento, seguidas de crises e forte recuperação econômica – como se viu na segunda  
metade do século XIX e até os trinta gloriosos anos (1945-1975) – foram substituídas por crises  
constantes e baixíssimo crescimento global (Mészáros, 2002a; Silva, 2020). Além disso, a crise  
175  
ambiental se impõe como gravíssima,  
o
pauperismo,  
o
desemprego  
e
a
precariedade/intensificação do trabalho se aprofundaram em várias partes do mundo (para além  
da periferia do capitalismo). Esta tensão, inconciliável, se impõe como social, política, cultural,  
ambiental e econômica, ao mesmo tempo. Não estamos apenas vivendo a superexploração na  
periferia do capital desde nossas marcas históricas, mas também a profunda precarização  
laboral e o crescimento das desigualdades nas regiões tradicionalmente centrais, um tipo de  
exploração que reafirma, ao mesmo tempo, a superexploração e a aniquilação de importantes  
setores da classe trabalhadora que vendem sua força de trabalho, processo este amplo e  
diverso, com características ainda mais densas nas zonas periféricas. A consequência é real e  
trágica: o crescimento da extrema direita, a polarização, o culto à guerra, a negação dos traços  
mínimos que compõem a democracia política, o recrudescimento do autoritarismo de classe, a  
José Fernando Siqueira da Silva  
negação de direitos básicos, a reedição de formas de xenofobia, racismo, discriminação de  
diferentes tipos, destruição da natureza, fundamentalismo religioso e a defesa dos mais fortes e  
"predestinados ao sucesso" como empreendedores livres. Isto tem nome: barbárie em tempos  
marcados por grandes mudanças geopolíticas, em que as peças de xadrez ainda são movidas  
principalmente pelo "velho" Tio Sam, embora seguidas de perto pelo Frankenstein asiático-  
chinês. Nisso, a pandemia é apenas a cereja de um complexo bolo!  
Nesse ponto, vale perguntar: o que o Serviço Social tem a ver com tudo isso? Como  
temos lidado com esse cenário complexo? Que tipo de abordagem profissional seria apropriada  
considerando o legado sócio-histórico latino-americano e caribenho e o atual cenário de crise  
estrutural do capital? Como reposicionar o Projeto Ético-Político Profissional do Serviço Social  
brasileiro nessas condições sócio-históricas? A defesa dele não pode ser um protocolo de boas  
intenções que reafirmam a especulação e o idealismo. E esta é uma lição já ressaltada pelos  
jovens Marx e Engels (2007).  
Perspectiva histórico-crítica e Serviço Social: o debate de raiz marxista  
O debate histórico-crítico no Serviço Social de base marxista precisa reconhecer uma  
importante característica registrada há décadas por José Paulo Netto (1989): não existe um  
Serviço Social marxista17. O que existe é uma profissão, composta por profissionais  
historicamente determinadas(os), como sujeitos históricos possíveis, que atuam em condições  
particulares, inseridas(os) na divisão social do trabalho capitalista, que se revela diversamente  
e desigualmente como força de trabalho de homens, mulheres, brancos(as), negros(as),  
indígenas, entre outros perfiz, cuja ação profissional lida prioritariamente com os setores mais  
expostos da diversa classe trabalhadora que se universaliza e se unifica na classe social. Isto,  
obviamente, não significa que não se possa imprimir um sentido às profissões a partir de  
tradições teóricas heterogêneas, com maior ou menor fidelidade a uma delas (Silva, 2022). Ou  
seja, não são as profissões que assumem certa tradição teórica, mas os sujeitos que colocam  
essa profissão em prática, inspirados por certa contribuição teórica para descrever ou explicar  
a realidade.  
176  
É preciso reconhecer, ainda, a tensão permanente entre uma profissão cuja gênese  
vincula-se a grupos conservadores e/ou reacionários, essencialmente de perfil religioso-  
fundamentalista e médico-higienista no contexto da luta de classes, e uma teoria social  
comprometida com a crítica radical e a superação da ordem do capital. O Serviço Social é uma  
17  
Nem positivista, fenomenológico, pós-moderno, entre outras denominações articuladas a tradições racionais,  
irracionais, estruturalistas ou pós-estruturalistas (Silva, 2022).  
Libertas, Juiz de Fora, v. 24, n. 1, p. 163-186, jan./jun. 2024. ISSN 1980-8518  
Teoria social de Marx e Serviço Social: aportes para uma abordagem histórico-crítica  
profissão que possui limites objetivos cujos profissionais operam políticas que regulam o  
pauperismo, as desigualdades estruturais, nas condições particulares da América Latina. O  
trabalho profissional das(os) assistentes sociais tem sido desenvolvido em condições muito  
particulares, levando em conta demandas sociais complexas inscritas na luta permanente entre  
capital e trabalho, no processo de acumulação capitalista que concentra e centraliza  
permanentemente a riqueza socialmente produzida.  
Dito isto, caberia perguntar: qual a utilidade de uma teoria social do porte do marxismo  
para uma profissão que lida com a gestão do pauperismo? Esse caminho não enfatizaria o  
diálogo com uma tradição teórica oposta ao que seria necessário a essa profissão? Não seria  
romântico, um ato de pura especulação, tentar articular uma teoria social crítica ao capital,  
revolucionária, e uma profissão que se justifica e se legitima exatamente no capitalismo, na fase  
da acumulação explicitamente monopolista, na gestão das desigualdades socialmente  
produzidas (Siqueira, 2020)?  
É preciso considerar, desde a perspectiva histórico-crítica de raiz marxista, que as  
profissões têm limites específicos que não podem ser apagados pela força do desejo. Elas estão  
inscritas no mercado de trabalho capitalista que, por sua vez, estabelece as bases materiais para  
a atuação das(os) assistentes sociais que vendem sua força de trabalho, mediada pelo estado  
capitalista no campo contraditório das políticas sociais e/ou da gestão da pobreza extrema  
(Iamamoto, 2007). Mas será que as(os) profissionais só reproduzem essa base material? Estão  
condenadas(os) a serem dominada(os) por ela? Não necessariamente. Isso também depende da  
capacidade delas(es) exercerem seu poder criativo-relativo como sujeitos possíveis, que  
intervém na realidade concreta como sujeito/objeto, considerando as condições estabelecidas  
pelo seu espaço sócio-ocupacional e processos sociais complexos que afetam as(os)  
profissionais objetiva e subjetivamente.  
177  
Sabe-se que as intenções das(os) profissionais podem ser diferentes daquelas que  
compõem os espaços institucionais. Reconhecer isto é relativamente simples, mas certamente  
importante. Não se deseja profissionais que sejam reprodutores passivos da ordem, nem parece  
adequado acreditar em profissionais idealistas que especulativamente se sobrepõem a limites  
objetivos apagando-os por decreto (Silva, 2013). Então, que tipo de relacionamento seria  
oportuno? Impõe-se aqui a relevância da abordagem histórico-crítica, de raiz marxista, embora  
essa tradição teórica possa imediatamente parecer inadequada, especialmente aos olhos  
daqueles que desejam adaptar-se a ordem, “administrá-la responsavelmente”. Ou seja, a  
capacidade de ler criticamente essa realidade, de reconstruí-la revelando sua própria lógica e  
verdade, oferece melhores condições para que as(os) assistentes sociais proponham alternativas  
José Fernando Siqueira da Silva  
interessantes. Isto é possível e necessário e se constitui contraditoriamente. Explicitar as  
desigualdades sociais, suas múltiplas refrações, perscrutá-las, explorá-las teórica e praticamente  
a partir de suas bases materiais, mesmo nos espaços criados para gerenciá-la, é a forma mais  
produtiva de questioná-las no próprio espaço profissional. A tradição dialética de Marx oferece  
excelentes condições para isto, orientada pela perspectiva da totalidade (Marx, 1989; Lukács,  
2012).  
O Serviço Social inspirado na perspectiva histórico-crítica-marxista, não opera apenas  
o instituído, não admite modelos de aplicação previamente elaborados pela "lógica iluminada”  
da ciência burocratizada e decadente. O "modelo" não é ter modelos que sejam aplicados, mas  
profissionais que pensem/proponham ações desde a realidade com a qual lidam cotidianamente,  
parte constituinte da totalidade social, uma realidade repleta de múltiplas mediações e  
complexos sociais não imediatamente visíveis. Por isto, é preciso reconstruir determinações  
objetivamente dadas, inicialmente invisíveis, para propor um trabalho profissional capaz de  
criar espaços criativos, ricos, mas contraditórios e originalmente estabelecidos para manter a  
ordem. Ou seja, não se trata de apagar magicamente o vínculo estrutural entre capitalismo,  
capital, instituições e o próprio espaço sócio-ocupacional do Serviço Social, mas de explicitar  
suas contradições, agindo com e nelas, revelando-as, debatendo-as, extraindo delas demandas  
genuinamente humanas ocultas pela "gestão responsável e possível da pobreza", por propostas  
empresariais ditas "emancipatórias" (Silva, 2013; Moljo; Silva, 2020). Se, por um lado, as  
profissões e os profissionais não podem ser idealizados e supervalorizados, por outro é  
igualmente problemático atribuir-lhes um cunho exclusivo de dominação e reprodução da  
ordem.  
178  
Do ponto de vista histórico-crítico-marxista, a(o) assistente social não lida com  
“problemas sociais”, como “questões profissionais e sociais”, mas com demandas materiais de  
sujeitos sociais, como seres sociais que se constituem a partir de processos históricos complexos  
gestados na ordem do capital monopólico e não plenamente dominados pelos seres sociais nele  
inseridos. O "objeto da profissão" não está na mente das(os) profissionais que atuam na gestão  
direta do pauperismo e das diversas opressões ali colocadas, nem é determinado pelas(os)  
profissionais que cientificamente investigam esses processos. O que tem sido caracterizado  
como questão social e suas refrações, existe objetivamente na realidade independentemente das  
intenções e do que pensam as(os) assistentes sociais. Portanto, não se trata de um esforço  
marxista-epistemológico reconhecer os vínculos estruturais entre o pauperismo, o capital e a  
sociedade que possibilita a sua produção e reprodução social. Esta é uma imposição ontológico-  
real (Lukács, 2012).  
Libertas, Juiz de Fora, v. 24, n. 1, p. 163-186, jan./jun. 2024. ISSN 1980-8518  
Teoria social de Marx e Serviço Social: aportes para uma abordagem histórico-crítica  
As demandas com as quais assistentes sociais trabalham – violências diversas, as  
pessoas que vivem nas ruas, a falta de recursos para viver, os inúmeros conflitos que se  
expressam imediatamente nos núcleos familiares, as migrações/imigrações, as diversas  
opressões, a ausência de direitos, os problemas relacionados ao trabalho (desemprego,  
informalidade, precariedade, intensificação e desregulamentação), entre outras tensões  
cotidianas (imediatamente apresentadas como "problemas sociais", isolados e individuais) –,  
possuem dinâmicas que independem dos desejos das(os) profissionais e precisam ser  
devidamente explicadas. Este processo teórico-prático não pode ser simplesmente apagado  
(como se fosse um problema de "gestão prática da pobreza"), nem pode ser descrito apenas por  
profissionais da "teoria", pelo conhecimento produzido por cientistas completamente distantes,  
"neutros" e desconectados dos assuntos que se propõem a estudar e/ou intervir.  
Aqui se impõe outra característica essencial da orientação histórico-crítica de raiz  
marxista: a ciência e o conhecimento não são teóricos e práticos, mas teórico-práticos, pois a  
práxis social e profissional exigem a explicação da dinâmica da realidade, a análise de  
complexos sociais ricos em determinações, considerando as particularidades profissionais e a  
dimensão ético-política desse processo. Não separa quem estuda e quem pratica, embora se  
reconheça, na divisão social, sexual e étnico-racial do trabalho, por necessidades objetivas, a  
ênfase em uma ou outra dimensão. Mais do que isso, não se trata de impor a teoria à prática (ou  
o contrário), estabelecendo "modelos de intervenção", mas de estimular um processo que visa  
conhecer a realidade, sua dinâmica e lógica, com a qual as(os) assistentes sociais lidam  
cotidianamente. Isto requer um esforço teórico-prático que teoriza a prática e, ao mesmo tempo,  
praticamente desafia abordagens teóricas que não são fechadas, estáticas. A teoria, então, não  
deve ser "aplicada", mas sim iluminar o estudo da dinâmica real, seu movimento historicamente  
reconstruído e existente, explicá-la a partir de sua própria lógica e, desde aí, repensar a prática  
com suas devidas mediações profissionais.  
179  
Considerando o que foi aqui proposto e valorizando a capacidade crítica de profissionais  
atuarem em espaços contraditórios, sem arranjos ingênuos, especulativos e românticos, a  
abordagem histórico-crítica inspirada em Marx e em sua tradição requer alguns pressupostos  
essenciais18:  
a) profissionais intelectualmente preparadas(os), culturalmente ricas(os), amplamente  
18  
Os tópicos que serão apresentados a seguir, foram resumidamente apresentados em um mesa de debates no  
“Encuentro Latinoamericano de profesionales, docentes y estudiantes de Trabajo Social”, realizado em maio de  
2023 na Universidade Nacional del Centro de Buenos Aires (UNICEN-Tandil). Esse conteúdo, sistematizado e  
publicado em castelhano, foi aqui retomado e adensado a partir das anotações originais (Silva, 2023).  
José Fernando Siqueira da Silva  
ligadas(os) à vida social para além das profissões (Netto, 1996). Aqui surge um problema  
concreto relacionado a uma formação quase sempre limitada, condições materiais precárias  
para a dedicação ao estudo e à pesquisa, bem como processos de alienação/estranhamento social  
que moldam e limitam a consciência do ser social, restringindo-a à esfera imediata da vida. Por  
esta razão, o cuidado com a formação profissional e intelectual das(os) assistentes sociais tem  
sido objeto de preocupação também da tradição histórico-crítico-marxista na profissão;  
b) conexão com problemas genuinamente humanos, intenção e capacidade de  
reconstruir mentalmente, histórica e criticamente, a lógica da própria realidade (Marx, 1989;  
2005a; 2005b), a verdade que a constitui, sua dinâmica objetivamente existente  
independentemente do que pensam as(os) profissionais. Vale perguntar: quem são as pessoas  
com quem trabalhamos? Essa tentativa não deve ser apenas acadêmica, mas intelectual, ou seja,  
não pode se limitar à formação de acadêmicos isolados no mundo universitário, estimuladores  
da "decadência ideológica" (Lukács, 1981). Deve dialogar criticamente com as diversas  
instâncias da vida profissional e social – sindicatos, movimentos sociais, lutas sociais  
comprometidas com problemas genuinamente humanos – como práxis profissional e social,  
como seres humano-sociais;  
c) é fundamental articular, mas não confundir, as competências necessárias e as  
condições objetivas existentes nos espaços de atuação profissional e de militância. Estas  
instâncias são necessariamente articuladas, ainda que não sejam idênticas. A experiência  
profissional contamina a prática militante e vice-versa. Mas, embora a crítica radical seja uma  
necessidade para qualquer situação, a posição ocupada por profissionais/militantes, o nível de  
abrangência e as possibilidades dessas dimensões intervirem na realidade não são as mesmas.  
As estratégias e os instrumentos são igualmente diferentes. Por essa razão, as mediações  
objetivamente existentes e reconstruídas mentalmente para orientar o trabalho profissional e a  
atuação militante, são diferentes, ainda que lidem com a mesma sociabilidade: a sociedade do  
capital. Isto requer habilidade e cuidado intelectual, teórico-prático, para analisar a relação  
dinâmica, de ampla unidade-diversa, entre as singularidades imediatamente colocadas, ou seja,  
o modo como processos complexos aparecem, a universalidade que estabelece determinações  
universais-gerais que informam todas as realidades e as particularidades que revelam processos  
específicos imediatamente postos e universalmente articulados, objetivados em um  
determinado espaço e contexto sócio-histórico (Lukács, 2012). Impõe-se, aqui, a totalidade  
composta por múltiplas mediações que necessitam ser reconstruídas, perquiridas e  
cuidadosamente analisadas;  
180  
d) embora se reconheça que as(os) assistentes sociais têm sido chamadas(os) a intervir  
Libertas, Juiz de Fora, v. 24, n. 1, p. 163-186, jan./jun. 2024. ISSN 1980-8518  
Teoria social de Marx e Serviço Social: aportes para uma abordagem histórico-crítica  
nas diversas refrações da questão social, muitas vezes de perfil terminal, é preciso reconhecer  
que elas(es) podem atuar diversamente nestes contextos. Uma mulher negra ou indígena,  
impactada pelo pauperismo, atingida por múltiplas opressões, que busca um atendimento  
pontual nos Centros de Referência de Assistência Social (proteção básica ou especial) na  
periferia do capital, certamente quer resolver/amenizar uma carência imediata. Apesar de essa  
pessoa se apresentar dessa forma a partir das circunstâncias necessárias para sobreviver, ela é  
um ser social rico em determinações, com demandas e necessidades diversas, mediatamente  
colocadas, ou seja, não necessariamente reveladas-visibilizadas no momento da busca por um  
recurso individual para satisfazer carências aparentemente pontuais. A(o) assistente social  
pode simplesmente conceder ou não o recurso solicitado, fazer o que lhe foi pedido  
institucionalmente, sentindo-se feliz ou não com isto, acreditando que está exercendo sua  
atividade profissional com competência. Ou, por outro lado, atender o que é objeto inicial da  
atenção não apenas porque a instituição lhe demanda para isto, mas porque se trata de uma  
carência humana objetiva que não pode ser explicada apenas a partir de “problemas sociais  
individuais”. Pode-se perguntar: isso muda alguma coisa? Evidente que sim! Muda a forma  
como se lê a realidade, como a explicamos, a maneira como nos colocamos diante do  
imediatamente apresentado. Este procedimento certamente tem impacto no trabalho  
profissional (do atendimento inicial básico aos encaminhamentos sugeridos), nas propostas  
elaboradas, ajuda a levar a profissão aos seus limites, a criar e recriar alternativas, a indicar  
demandas que não foram imediatamente expostas, considerando as condições objetivas e  
subjetivas para tal (Iamamoto, 1992). Além disso, permite que a(o) profissional articule as  
forças potenciais, locais ou não, ligadas ao espaço profissional em que se atua indicando a  
necessidade de estudos e de pesquisas permanentes;  
181  
e) as(os) assistentes sociais, em seus diversos espaços sócio-ocupacionais, não podem  
simplesmente negar as demandas instituídas, produto de complexas articulações entre as reais  
necessidades sociais e o desejo de controle da luta de classes e das desigualdades. Ao mesmo  
tempo, e isso é igualmente importante, o histórico-crítico não pode ser reduzido a uma proposta  
acriticamente conformada a uma determinada prática instituída, como se ecleticamente o  
método de análise da realidade pudesse ser diferente do método de intervenção sobre ela.  
Portanto, o histórico-crítico, de raiz marxista, requer práticas coerentes com esta tradição,  
mesmo que se considere o contexto altamente contraditório. Como lidar com isso, considerando  
que as(os) assistentes sociais são assalariadas(os) e cobradas(os) para cumprir obrigações  
institucionais? Trabalhar a contradição, a partir do que é imediatamente apresentado pelas  
pessoas que buscam um serviço, perscrutá-lo, negá-lo e superá-lo, revelá-lo a partir de suas  
José Fernando Siqueira da Silva  
demandas genuinamente humanas, mediatamente presentes em um pedido individual, é a chave  
para um trabalho profissional histórico-crítico. Isso não elimina os problemas, que são  
estruturais, mas os tensiona permanentemente desde o trabalho profissional. Por exemplo:  
embora a fome seja uma carência humana que precisa ser satisfeita imediatamente (algo  
essencial), é importante que a abordagem profissional vá além disto, articulando-a com outras  
carências e necessidades que expliquem o que foi imediatamente apresentado. Ainda que comer  
seja essencial, alimentar-se corretamente, saudavelmente, expandir o debate para a qualidade  
dos alimentos, como são produzidos e com qual finalidade, é absolutamente importante  
(Sant’Ana, et al., 2021). Isto possibilita não só o enfrentamento da fome imediata, mas também  
contribui com a elucidação da complexidade do tema e de qual ser social estamos falando, seus  
determinantes: mulher, periférica, indígena, negra ou branca, com filhos, que vive certo  
cotidiano, desempregada, subempregada, precária, explorada, que sofre diversas formas de  
violência, com carências e necessidades unidas heterogeneamente como classe trabalhadora. O  
trabalho profissional deve revelar isso, permitir que tais demandas sejam expostas e trabalhadas  
como potências criativas que explorem vácuos informativos/formativos vistos como  
desnecessários. O que fazemos e o que não devemos fazer? O que deixamos de fazer e  
poderíamos fazer? Quais outras(os) profissionais dividem o espaço de trabalho profissional? É  
possível contar com elas(es)? Em que medida? Quais as regras institucionais e suas demandas?  
Como lidar com elas? Desconsiderar isto significa, com efeito, abandonar a profissão às traças,  
desconsiderá-la como instância potencialmente interessante, necessária, ainda que ela  
efetivamente tenha alcance restrito. A questão central é saber lidar com demandas  
imediatamente postas desde o ponto de vista histórico-crítico, sempre, gostemos ou não, de  
forma imperfeita, limitada e contraditória, contribuindo para que as pessoas formem suas  
consciências sobre a sociabilidade que vivem (incluindo as(os) profissionais), revelando as  
causas que impedem níveis crescentes de emancipação social;  
182  
f) a perspectiva histórico-crítica aqui destacada, deve analisar e conhecer todas as  
tendências teóricas que informam a profissão (mesmo as mais conservadoras-reacionárias). Não  
há dúvidas: o conhecimento é essencial para debater e propor, criticar concretamente, sem  
especulações idealistas. Em outras palavras, para atuar como profissional-militante, no sentido  
aqui proposto, é necessário conhecer as diferentes perspectivas, debater suas teses,  
posicionando-se diante delas teórica e praticamente (Silva, 2022, p. 61-106). O pluralismo  
(Coutinho, 1991), em seu sentido amplo e profundo, requer o conhecimento dos diferentes, não  
para propor uma síntese eclética, mas para estabelecer os limites dos diferentes, suas fronteiras,  
estimular a crítica permanente, indicar e defender alternativas com orientação social explícita.  
Libertas, Juiz de Fora, v. 24, n. 1, p. 163-186, jan./jun. 2024. ISSN 1980-8518  
Teoria social de Marx e Serviço Social: aportes para uma abordagem histórico-crítica  
A profissão Serviço Social está em disputa e expressa, reflete, projetos societários  
concretamente em tensão na realidade. Ressaltar a necessidade de conhecer as perspectivas que  
compõem a realidade, não significa acreditar na unidade acrítica entre elas como uma “colcha  
de retalhos” ou uma “caixa de ferramentas” utilizada sem critérios. Ao contrário, o pluralismo  
exige tensionar, teórica e praticamente, permanentemente, dissensos, incoerências,  
inconsistências e projetos diferentes, seu elo de classe, negando o caminho fácil da síntese  
eclética (Silva, 2022; 2013). Além disso, é preciso ter em mente que conhecer as diferentes  
teses, inclusive as mais regressivas e reacionárias, tem o sentido exato de criticá-las ou combatê-  
las adequadamente, pois não há espaço para, no sentido do pluralismo aqui proposto, relativizar  
posições, justificar preconceitos e proposições fascistas, ou inspiradas neles, que impedem a  
emancipação humana do ser social: xenofobia, homofobia, machismo, racismo, entre outras  
formas de opressão.  
Portanto, é preciso insistir que o trabalho profissional não está previamente estabelecido,  
mas deve ser construído a partir de uma dinâmica complexa que articule a realidade  
institucional, as demandas das pessoas que buscam determinado serviço, os elementos que  
estruturam a sociabilidade, a capacidade crítica que exige profissionais preparadas(os) e a  
articulação com as lutas sociais anticapitalistas. Não há dúvida sobre um aspecto decisivo: uma  
formação mais ou menos rica, articulada a condições objetivas melhores ou pouco favoráveis a  
um trabalho profissional criativo, certamente tem influência positiva ou negativa nesse cenário.  
A ausência destes elementos ou a falta de articulação entre eles compromete a abordagem  
histórico-crítica de base marxista, reduzindo o trabalho profissional exclusivamente à gestão de  
tensões estruturais (Esquivel, 2005 e 2021). O que se deve medir como capacidade profissional?  
A sua potência para operar o instituto adequadamente? Do ponto de vista aqui analisado as  
demandas institucionais não são insignificantes, mas imediatas e acríticas. O que foi instituído  
precisa ser dessecado, superado, revelado, criticado e elucidado a partir de suas intenções, de  
sua ideologia.  
183  
Considerações finais  
A perspectiva histórico-crítica de raiz marxista é essencial para o Serviço Social. Esta  
necessária interlocução se impõe para aquelas(es) assistentes sociais que consideram  
importante, no processo de formação e do trabalho profissional, ocupar criticamente e  
prepositivamente o contraditório e complexo espaço sócio-ocupacional da regulação da pobreza  
na ordem monopolista do capital. Isto, todavia, não pode se realizar sem a reconstrução das  
mediações que constituem a América Latina e o Caribe como parte da periferia do capital, no  
José Fernando Siqueira da Silva  
atual estágio de acumulação capitalista. Nisto, o que vem sendo caracterizado como questão  
social, suas refrações.  
Qual é o modelo, ou quais são os modelos, para o Serviço Social? O modelo não é ter  
modelos, mas exercer a potência do sujeito histórico relativo incluindo as possibilidades  
contraditórias e os limites reais que compõem os espaços profissionais. Ou seja, o histórico-  
crítico, de raiz marxista, não é mais um modelo a ser aplicado. Ao contrário, nega modelos,  
receitas, aplicações de qualquer espécie, exige um sujeito ativo que atue na história – onde se  
situa a profissão – sempre de forma relativa (não plena), construindo conhecimentos a partir da  
realidade, analisando sua dinâmica, reconstruindo categorias que expliquem o ser social. Desde  
aí, decodifica mediações, exerce a práxis – como relação de unidade-diversa entre teoria e  
prática – também profissional, não isoladamente, compromete-se com a realidade e com a  
defesa da vida de seres sociais concretos, suas carências e necessidades. Por isto, é também um  
compromisso ético-político – incluindo profissional – que rejeita “neutralidades”, questiona  
diversas formas de ciências descritivas e opõe-se a todas as orientações e posturas  
obscurantistas e de base fascista.  
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