Tânia Maria Ramos de Godoi Diniz; Caroline Magalhães Lima; Raphael Martins de Martins
floresta, do campo e repercutem diretamente nas cidades. Além disso, a produção poluente, o
descarte irregular de resíduos e o consumo exacerbado reproduzem uma dinâmica produtiva
insustentável, em que a extração da mais-valia é o foco, a qualquer custo, provocando
consequências nefastas, com deslizamentos de terras, enchentes, disseminação de doenças,
secas e fome, isolamento de comunidades, envenenamento dos solos, águas e ar etc.
A fome é outro reflexo da contradição do capital, própria à sua lógica produtiva
destrutiva e que se acentua como contradição no tempo presente, uma vez que nunca tivemos
tantos artefatos tecnológicos e produção alimentícia, suficiente e sobrante, para satisfazer as
necessidades humanas em nível planetário, mas concentrada e controlada por grandes
conglomerados internacionais, como Nestlé, AB Inbev, PepsiCO, Danone, General Mills,
Mondelez, Tyson Foods, JBS e Kraft-Heinz (Forbes, 2023), que no último ano lucraram 4,4
trilhões de dólares e movimentaram US$ 50,8 trilhões. Contraditoriamente, estima-se que no
início do século XXI, um terço da população mundial vivia em situação de fome e/ou pouco
acesso à água potável (Ziegler, 2013). No caso do Brasil, segundo a Organização das Nações
Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), 70,3 milhões de pessoas vivem em situação
de insegurança alimentar moderada e 21,1 milhões em situação grave, ou seja, mais de 40% da
população brasileira convive com a fome (Brasil, 2023).
Segundo a Oxfam (2022), no período da “crise sanitária” houve uma exacerbação da
concentração de renda e das desigualdades sociais em todo o planeta, em que empresas dos
setores alimentício, farmacêutico, energético e tecnológico extraíram superlucros às custas do
sofrimento de contingentes de trabalhadores, desempregados, adoecidos, enfrentando a fome e
alta nos preços, recorrendo ao endividamento e/ou vivenciando a extrema necessidade. A
pandemia ainda evidenciou outro processo crítico do capital: a expropriação do fundo público,
que, no Brasil, é formado principalmente pela renda oriunda do trabalho, a partir de impostos
indiretos, de caráter regressivo (Behring, 2021). Afirmamos, assim, que os processos de
expropriação se dão de forma primária e secundária (Fontes, 2018), tanto na captura à força de
riquezas, quanto naquelas construídas a partir de mecanismos normativos, ideológicos e bélicos
(Lima, 2023), desenvolvidos a fim de garantir a produção anárquica de mercadorias.
Tais expropriações somam-se ao processo de produção e realização do valor produzido
pelo trabalho vivo, cada vez mais subsumido, submetido à superexploração, com a certificação
do Estado a partir da retirada de direitos, das flexibilizações e precarizações, do estímulo ao
individualismo e à concorrência empreendedora, da constante ofensiva ideológica e política de
disseminação da cultura do consumo. Amplia-se a obsolescência programada, a
descartabilidade, o desperdício, o desencantamento e desesperançar provocados pela sensação
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Libertas, Juiz de Fora, v. 24, n. 1, p. 126-145, jan./jun. 2024. ISSN 1980-8518