Totalidade concreta, capitalismo e Serviço Social  
Concrete totality, capitalism and Social Work  
Alexandra Aparecida Leite Toffanetto Seabra Eiras*  
Resumo: O artigo evidencia a relação entre  
totalidade concreta e capitalismo, a partir da  
argumentação de Marx e Engels e do diálogo  
com pesquisadores marxistas na atualidade.  
Trata-se de um estudo preliminar para  
compreender os fundamentos históricos das  
perspectivas críticas/contestatórias ao Serviço  
Social Tradicional, emergentes nas décadas de  
1960-1970, no plano desta totalidade, de um  
modo global. Parte-se da análise da produção  
teórica da pesquisa em rede “Movimento de  
Reconceituação do Serviço Social na América  
Latina: determinantes históricos, interlocuções  
internacionais e memória” (Argentina, Brasil,  
Chile, Colômbia, Espanha, EUA, Portugal e  
Abstract: The article highlights the relationship  
between concrete totality and capitalism, based  
on the arguments of Marx and Engels and the  
dialogue with current Marxist researchers. This  
is a preliminary study to understand the  
historical foundations of critical/contestatory  
perspectives on Traditional Social Work,  
emerging in the 1960s-1970s, at the level of this  
totality, in a global way. It starts from the  
analysis of the theoretical production of the  
network  
research  
“Social  
Work  
Reconceptualization Movement in Latin  
America: historical determinants, international  
interlocutions and memory” (Argentina, Brazil,  
Chile, Colombia, Spain, USA, Portugal and  
United Kingdom) carried out during the senior  
post-doctorate – CNPq/PUC-SP.  
Reino Unido) realizada durante  
doutorado sênior – CNPq/PUC-SP.  
o
Pós-  
Palavras-chaves:  
Totalidade  
concreta;  
Keywords: Concrete totality; Capitalism;  
Capitalismo; Serviço Social; Fundamentos  
históricos.  
Social Work; Historical foundations.  
Introdução  
A motivação para redigir este texto originou-se da proposta de investigação de pós-  
doutorado1 sobre o tema “Ação profissional crítica2 no Serviço Social: fundamentos históricos  
e teórico-metodológicos”.  
*
Assistente social, doutora em Serviço Social (UFRJ). Pós-doutorado em Serviço Social, (PUC-SP), bolsista PDS-  
CNPq, 2022/2023. Professora titular Faculdade de Serviço Social (Graduação e Pós-graduação) da Universidade  
Federal de Juiz de Fora. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4095-7950  
1 Vínculo com o Programa de Estudos Pós-graduados da PUC-SP, sob a supervisão da Profa. Dra. Maria Carmelita  
Yazbek com acesso à bolsa, no período de dezembro de 2022 a agosto de 2023, através de concorrência ao Edital  
CNPq 25/2021, PDS.  
2 Aação profissional crítica é aqui compreendida como expressão sintética da orientação profissional, consideradas  
as dimensões teórico-metodológica, ético-política e técnico-operativa nela contidas.  
DOI: 10.34019/1980-8518.2024.v24.44257  
Esta obra está licenciada sob os termos  
Recebido em: 20/04/2024  
Aprovado em: 11/06/2024  
Alexandra Aparecida Leite Toffanetto Seabra Eiras  
Um dos objetivos dessa proposta foi a análise do material bibliográfico produzido pela  
pesquisa “O Movimento de Reconceituação do Serviço Social na América Latina (Argentina,  
Brasil, Chile e Colômbia): determinantes históricos, interlocuções internacionais (Espanha,  
EUA, Portugal, Reino Unido) e memória (1960-1980)3.  
Parti da constatação elaborada no decorrer de minha inserção nos debates e simpósios4  
realizados no âmbito dessa pesquisa, de que os processos sociais que engendram a perspectiva  
crítica – contestatória ao Serviço Social Tradicional5 são semelhantes e articulam-se ao  
desenvolvimento das relações sociais capitalistas. Esta análise exigia a compreensão desses  
processos de modo articulado, tomados em sua totalidade.  
Deste modo, a compreensão da perspectiva crítica ao SST tem como fundamento  
histórico a análise da totalidade das relações sociais capitalistas e consistiu no objeto da  
pesquisa de pós-doutorado, cuja hipótese norteadora indicava a possibilidade de caracterizar o  
“Serviço Social crítico” enquanto expressão desta dinâmica, em um plano global (Eiras, 2022,  
p. 16).  
Durante a pesquisa de pós-doutorado retomei algumas elaborações no âmbito da teoria  
social de Marx, para o que foi crucial a participação no segundo ciclo do Seminário de Estudos  
sobre o Capital6 e percebi a necessidade de apreensão da totalidade não somente como  
referência a um processo articulado e conectado a outros complexos mais amplos (totalidade  
enquanto complexo de complexos), mas como uma instância contraditória, que desde o  
capitalismo, tornou-se observável em si mesma, através das mediações e objetivações em um  
plano global, que envolvem todos os territórios deste planeta, seus povos e culturas, o que  
constitui uma totalidade concreta.  
188  
Neste artigo, desenvolverei alguns aspectos dessa argumentação, expostos no item 1, e  
no segundo item, apresentarei uma síntese da análise realizada sobre a profissão, a partir da  
produção da pesquisa sobre o Movimento de Reconceituação do Serviço Social na América  
3 Conforme explicarei adiante, neste artigo.  
4 A referida investigação foi coordenada pelas Profas. Dras. Marilda V. Iamamoto e Cláudia Mônica dos Santos no  
período de 2016 a 2021, financiada pelo CNPq. Foram realizados quatro simpósios internacionais, 02 na  
FSS/UFJF, 01 na Universidade de Caldas, Colômbia, 01 na FSS/UFJF e ESS/UERJ. Além desses simpósios,  
aconteceram três workshops, realizados virtualmente, durante o ano de 2021, com registro dos debates suscitados  
pelo material já elaborado pelas diferentes equipes.  
5 “A prática empirista, reiterativa, paliativa e burocratizada dos profissionais, parametrada por uma ética liberal-  
burguesa e cuja teleologia consiste na correção desde um ponto de vista claramente funcionalista de resultados  
psicossociais considerados negativos ou indesejáveis, sobre o substrato de uma concepção (aberta ou velada)  
idealista e/ ou mecanicista da dinâmica social, sempre pressuposta a ordenação capitalista da vida como um dado  
fatual ineliminável” (Netto, 1991, p. 118).  
6
Iniciativa acadêmica da professora Marilda V. Iamamoto, coordenado por uma equipe interinstitucional,  
vinculada à pesquisa em rede “O Serviço Social na história: questão social e movimentos sociais – América Latina  
e Europa”, desdobramento da investigação anterior sobre o MRLA.  
Libertas, Juiz de Fora, v. 24, n. 1, p. 187-211, jan./jun. 2024. ISSN 1980-8518  
Totalidade concreta, capitalismo e Serviço Social  
Latina (MRLA) e suas interlocuções internacionais, abrangendo o período de 1960 a 1980,  
durante o qual as perspectivas críticas ao SST emergiram nos países analisados.  
Dada a densidade do tema, sobretudo no item 1, recorri à inserção de referências teóricas  
e comentários explicativos em notas de rodapé.  
Capitalismo e totalidade concreta  
Já no século XIX, Marx e Engels (2001) indicaram que o desenvolvimento universal das  
forças produtivas atingira uma “existência empírica real” no capitalismo. Tal desenvolvimento  
implicou no fato de que a história dos seres humanos passou a se desenrolar no plano da história  
mundial. Para os autores,  
[o desenvolvimento das forças produtivas7,8] é uma condição prática prévia  
absolutamente indispensável, pois, sem ele, a penúria se generalizaria, e,  
com a necessidade, também a luta pelo necessário recomeçaria, e se cairia  
fatalmente na mesma imundície anterior. Ele é também uma condição prática  
sine qua non, porque unicamente através desse desenvolvimento universal das  
forças produtivas é possível estabelecer um intercâmbio da massa ‘privada de  
propriedade’ simultaneamente em todos os povos (concorrência universal) e  
torna cada um deles dependente das revoluções dos demais; e porque,  
finalmente, coloca homens que vivem empiricamente a história universal em  
lugar de indivíduos que vivem num plano local (Marx e Engels, 2001, p. 31-  
33).  
Essa perspectiva enunciada por Marx e Engels evidencia a particularidade histórica que  
se processa, sobretudo, a partir do desenvolvimento das forças produtivas sob o capitalismo9.  
Tal desenvolvimento se expressa em um plano que extrapola “o local”.  
189  
7 “Produzir a vida, tanto a sua própria vida pelo trabalho, quanto a dos outros pela procriação, nos aparece, portanto,  
a partir de agora, como uma dupla relação: por um lado como uma relação natural, por outro como uma relação  
social – social no sentido em que se entende com isso a ação conjugada de vários indivíduos, sejam quais forem  
suas condições, forma e objetivos. Disso decorre que um modo de produção ou um estágio industrial determinados  
estão constantemente ligados a um modo de cooperação ou a um estágio social determinados, e que esse modo de  
cooperação é, ele próprio, uma “força produtiva’; decorre igualmente que a massa das forças produtivas acessíveis  
aos homens determina o estado social, e que se deve por conseguinte estudar e elaborar incessantemente a ‘história  
dos homens’ em conexão com a história da indústria e das trocas” (Marx e Engels, 2001, p. 23-24).  
8
“O poder social, isto é, a força produtiva multiplicada que nasce da cooperação dos diversos indivíduos,  
condicionada pela divisão do trabalho, não aparece a esses indivíduos como sendo sua própria força conjugada,  
porque essa própria cooperação não é voluntária; [..] ela lhes aparece, ao contrário, como uma força estranha,  
situada fora deles, que não sabem de onde ela vem nem para onde vai, que, portanto, não podem mais dominar e  
que, inversamente, percorre agora uma série particular de fases e de estágios de desenvolvimento, tão  
independentemente da vontade e da marcha da humanidade, que na verdade é ela que dirige essa vontade e essa  
marcha da humanidade” (Marx e Engels, 2001, p. 30).  
9 Pierre Villar (1980) indica duas passagens do livro A ideologia Alemã, às quais não pude identificar igualmente,  
na versão que utilizo em português. Essas passagens trazem elementos para a compreensão das forças produtivas  
e da divisão do trabalho, em um plano que extrapola o nível local. “Não apenas a relação de uma nação com outra,  
mas também inteira organização interna dessa mesma nação depende do grau de desenvolvimento da sua produção  
e das suas relações internas e externas. O grau de desenvolvimento das forças produtivas de uma nação é indicado,  
do modo mais claro, pelo grau de desenvolvimento a que chegou a divisão do trabalho. Toda nova força produtiva  
(...) traz como consequência um novo desenvolvimento na divisão do trabalho (...). Os diversos estágios de  
desenvolvimento da divisão do trabalho são igualmente formas diversas de propriedade; ou seja, cada novo estágio  
Alexandra Aparecida Leite Toffanetto Seabra Eiras  
Os autores anteviram no modo de produção capitalista, uma dada materialidade  
fundante de uma “história universal”10 e as possibilidades abertas neste processo, para o  
conjunto dos povos, com impacto em termos da liberdade e autonomia individuais, em uma  
perspectiva emancipadora para os seres humanos, tomados coletiva e individualmente.  
Assim, evidencia-se que a emergência da totalidade concreta está relacionada ao  
processo histórico assentado material e objetivamente no desenvolvimento das forças  
produtivas sob o capitalismo, que envolve nessa dinâmica, o planeta, integrando no processo  
de produção/reprodução social, as diferentes regiões/territórios.  
No plano teórico-analítico, a compreensão dessa objetivação ocorre pela Economia  
Política e pela Crítica à Economia Política elaborada por Marx e Engels.  
A partir desses pressupostos, observa-se através de Rubin (2014), que a gênese deste  
processo aconteceu no decorrer do período conhecido como “mercantilismo” (séculos XVI e  
XVII)11.  
Nesta direção, Rubin (2104, p. 40) argumenta:  
No final da Idade Média já se apresentavam os sinais de que a economia  
regional ou citadina estava em fase de declínio [...] A economia regional era  
baseada numa combinação do manso senhorial rural com as guildas urbanas;  
[...] a decomposição se deu [pelo] rápido desenvolvimento de uma economia  
monetária, a expansão do mercado e a força crescente do capital mercantil.  
190  
da divisão do trabalho determina também as relações entre os indivíduos e o material, o instrumento e o produto  
do trabalho” (Marx e Engels in Villar, 1980, p. 106). “O desenvolvimento da força produtiva do trabalho pressupõe  
uma cooperação em ampla escala; como tão-somente partindo desse pressuposto é possível organizar a divisão e  
a combinação do trabalho, economizar os meios de produção concentrando-os em massa, criar meios de trabalho  
que já materialmente só podem ser empregados em comum, por exemplo, os sistema de máquinas; como forças  
imensas da natureza podem ser obrigadas a servir à produção em aplicação tecnológica da ciência” (Marx – O  
Capital, in Villar, 1980, p. 125).  
10 Após analisar a obra de Marx, buscando sua relação com o campo de pesquisa da história, na perspectiva do  
historiador, Villar conclui: “Marx combina em cada uma de suas páginas não apenas – como observou Schumpeter  
– teoria econômica e análise histórica, mas também, numa intrincadíssima rede, a teoria da história e a história da  
teoria, um conjunto que o próprio Schumpeter não conseguiu alcançar, apesar do poder de seu pensamento e de  
sua grande erudição; Schumpeter só teve êxito na história da teoria. [...] Também para O Capital – se quisesse  
defini-lo com relação ao tema ‘Marx e a história’ – deveria dizer, como para a Ideologia Alemã, que não é um livro  
de história, mas é obra de um historiador” (Villar, 1980, p. 126). É interessante que Villar termina esse artigo  
indicando no item 5, o título, “A história universal como resultado”. Embora ele não explique essa concepção  
(ainda que a tenha exposto a partir da análise dos textos de Marx, dentre os quais se destaca a Ideologia Alemã),  
fica subentendido que esse é o caminho para ele, enquanto historiador marxista. Aesse respeito, também me parece  
que a obra de Hobsbawm, sobretudo, o estudo sobre as “Eras” (Das Revoluções, Do Capital, Dos Extremos) foi  
elaborada buscando uma amplitude histórica (de análise de dados e processos) no nível global.  
11  
“A era do capital mercantil (ou capitalismo primevo) abrange os séculos XVI e XVII, tendo sido uma era de  
enormes transformações na vida econômica da Europa Ocidental, com o desenvolvimento extensivo do comércio  
marítimo e o predomínio do capital comercial” (Rubin, 2014, p. 39) “Assim como uma compreensão completa da  
economia capitalista é impossível sem o conhecimento da época da acumulação capitalista primitiva, tampouco  
pode haver uma compreensão correta da evolução da economia política contemporânea sem um conhecimento  
geral dos economistas da era mercantilista” (Rubin, 2014, p. 35) “Embora isso possa ocorrer de modo menos  
visível e com maior complexidade, ainda pensamos que as exigências da política econômica concreta exercem um  
poderoso impacto sobre a orientação das ideias econômicas” (Rubin, 2014, p. 30).  
Libertas, Juiz de Fora, v. 24, n. 1, p. 187-211, jan./jun. 2024. ISSN 1980-8518  
Totalidade concreta, capitalismo e Serviço Social  
Naquele período, as trocas comerciais foram intensificadas e o mercado tornou-se uma  
esfera importante para as transações monetárias, expandindo-se “além-mar”. A disputa pelas  
melhores condições para a venda e comercialização de mercadorias ampliou-se na relação entre  
diferentes regiões, envolvendo a disputa pelas rotas e territórios.  
De acordo com Rubin (2014, p. 41), “o comércio colonial trouxe enormes lucros aos  
mercadores europeus e permitiu-lhes acumular consideráveis capitais monetários, adquirindo  
matérias-primas coloniais a preços irrisórios e vendendo-as na Europa a um preço muito maior”.  
Além disso, possibilitou uma “fluência de metais preciosos, um aumento nas trocas comerciais  
e o estabelecimento de uma economia monetária” (Rubin, 2014, p. 42).  
Rubin (2104) destaca o rápido enriquecimento da burguesia comercial e o declínio no  
padrão de vida dos camponeses, artesãos e operários, face ao aumento dos preços (encarecendo  
as provisões) motivado pela depreciação da moeda, cujo valor caíra pela facilidade de extração  
dos metais preciosos. Os salários por sua vez, não acompanharam o aumento real dos preços.  
Para o autor “o empobrecimento dos camponeses e dos artesãos apareceu como um resultado  
inevitável da dissolução da ordem feudal no campo e das guildas nas cidades” (Rubin, 2014, p.  
43).  
Em síntese,  
191  
o que ocorreu na era do capital mercantil (os séculos XVI e XVII) foi a  
acumulação de enormes quantias de capital nas mãos da burguesia comercial  
e um processo de separação dos produtores diretos (artesãos e, em parte,  
camponeses) em relação aos meios de produção – isto é, a formação de uma  
classe de trabalhadores assalariados. Uma vez obtido o domínio no campo do  
comércio exterior, a burguesia penetrou naqueles ramos da indústria voltados  
à exportação. Os trabalhadores artesãos dessas indústrias foram subordinados  
ao mercador-empreendedor que, com a ajuda do comércio exterior, impondo  
seu controle sobre a indústria caseira, proporcionou ao capitalismo celebrar  
suas primeiras vitórias (Rubin, 2014, p. 45)12.  
Segundo Rubin (2014, p. 55),  
as políticas do período mercantilista posterior, implementadas para expandir  
o comércio exterior e promover o desenvolvimento dos transportes e das  
indústrias orientadas à exportação – desenvolvimento do qual aquele comércio  
dependia –, eram mais adequadas a um grau superior do desenvolvimento do  
capitalismo mercantil do que as políticas da primeira fase do mercantilismo  
[...] o mercantilismo desenvolvido era expansionista, visando à máxima  
extensão do comércio exterior, à conquista de colônias e à hegemonia do  
12  
“Processualmente, alteram-se a escala e as concepções que envolveriam as trocas mercantis, inaugurando as  
formulações que precederam à Economia Política. Ao contrário da visão liberal, que veria as relações de comércio  
internacional de maneira idêntica às relações do comércio interno, isto é, como relações entre indivíduos, os  
mercantilistas concebiam as relações de comércio externo como relações entre nações, uma lógica que não  
dispensava o uso da força, do poderio militar e da expansão do domínio colonial, marcada por exploração,  
dominação e violência” (Calabrez, 2020, p. 51).  
Alexandra Aparecida Leite Toffanetto Seabra Eiras  
mercado mundial” (grifos meus).  
Assim, durante o mercantilismo instaura-se um novo patamar de interação,  
objetivamente, no plano de uma totalidade concreta, ultrapassadas as fronteiras continentais,  
pela via marítima. Rubin (2014) analisou historicamente esse processo e indicou os elementos  
(resumidos anteriormente) que já estavam em desenvolvimento e que abriram alternativas  
exploradas pela nova classe e pelos países (Estados-Nação) em formação.  
Por conseguinte, a expansão dos territórios sob hegemonia europeia significou a  
abertura de um caminho para o conhecimento do planeta em sua totalidade e para a anexação  
de domínios; asseverou o desenvolvimento dos transportes marítimos e o estabelecimento de  
relações mercantis no plano internacional que fundaram a possibilidade da divisão internacional  
do trabalho e a necessidade de “cooperação” e interdependência no plano da produção material.  
Por sua vez, na análise de Marx (2020) é inerente ao capitalismo a finalidade precípua  
de valorização e acumulação. Assim, a expansão da produção engendra várias “necessidades”,  
dentre elas, a aquisição de matéria-prima a baixo custo e a conquista de novos mercados para  
venda das mercadorias produzidas (circulação). A consolidação do modo de produção  
capitalista ocorrerá consoante aos processos de produção e circulação de mercadorias nas  
diferentes formas de organização analisadas por Marx (2020) – manufatura, maquinaria e  
grande indústria, com as exigências inerentes a elas e seus impactos nas relações entre as  
diferentes regiões13.  
192  
A reprodução ampliada do capitalismo significou também reprodução em nível  
planetário, na configuração de uma totalidade concreta articulada materialmente às forças  
produtivas sob o domínio do capital, com a objetivação de instâncias em um plano global:  
“Mercado Mundial”, “Divisão internacional do trabalho” são instituições objetivamente  
relacionadas a esse processo histórico.  
Torna-se relevante indicar que os lugares de territórios, povos e culturas foram alterados  
pelo processo de expansão das relações sociais capitalistas e a elas submetidos –, América  
Latina, América do Norte e Europa ocupam posições bem distintas, mas, integradas à dinâmica  
de produção/apropriação da riqueza, à produtividade do trabalho sob a lógica capitalista, que  
abriu possibilidades inéditas para o desenvolvimento do gênero humano14.  
13 A esse respeito, a análise de James O’ Connor (1977) sobre o século XX é bem instigante, no sentido de destacar  
a presença de organizações empresariais vinculadas a setores diferentes da economia, interligados entre si, mas  
com particularidades nas condições de produção e organização do trabalho e na disputa política entre a própria  
classe burguesa/capitalista. São eles: o setor concorrencial, o monopolista e o estatal, indicando a complexidade  
interna na organização da produção, na particularidade dos países e a centralidade político-econômica dos setores  
monopolistas, nas relações internacionais entre as nações.  
14 Algumas das reflexões que permeiam este artigo explicitam a influência da produção de Lukács (Para uma  
Libertas, Juiz de Fora, v. 24, n. 1, p. 187-211, jan./jun. 2024. ISSN 1980-8518  
Totalidade concreta, capitalismo e Serviço Social  
Totalidade concreta, contradição e correlação de forças  
A totalidade evidenciada nesta argumentação é permeada pela contradição, na unidade  
e antagonismo entre capital e trabalho, como explicitarei durante este tópico. Ela é constituída  
também por correlações de forças assimétricas, de domínio e submissão, “intra” e “entre” as  
classes fundamentais, atravessadas pelas disputas entre países e territórios. Tal dinâmica  
“exigiu” o desenvolvimento estratégico de aparatos institucionais, jurídico-normativos e  
políticos-militares, no plano global, mundial.  
Entretanto, esta totalidade concreta é constituída pelo desenvolvimento das forças  
produtivas em um plano global, atrelado a um processo novo: a produção e apropriação da  
riqueza a partir da divisão internacional do trabalho, envolvendo o conjunto dos países,  
territórios e continentes. Não obstante a contradição fundante e as assimetrias na correlação de  
forças, a totalidade concreta é uma produção coletiva, e mantém-se continuamente, neste  
âmbito, permeando simultaneamente, todas as formas de vida e a existência humana neste  
planeta.  
Observa-se, como argumentei no item anterior, que nas relações sociais capitalistas  
ocorreram interações e intercâmbios com a natureza, em nível planetário. Desenvolveram-se a  
cooperação e a interdependência submetidas à finalidade de valorização e à acumulação de  
capital, que simultaneamente, atrelou as alternativas e as escolhas locais/regionais coletivas e  
individuais ao plano da totalidade. Esta totalidade tornou-se concreta, a partir e para a  
continuidade dessas relações sociais, dirigindo-as e regulando-as, por complexos processos  
econômicos, políticos, normativos, construídos historicamente15.  
193  
Assim, a expansão e a consolidação das relações sociais capitalistas, envolvendo todo o  
planeta, engendrou uma totalidade concreta complexa e contraditória, prenhe de disputas e  
tensões16, que se tornaram constitutivas dos demais complexos nela implicados.  
ontologia do ser social). Embora eu não seja especialista na leitura e compreensão de sua obra, dela me apropriei  
em algumas referências fundamentais, como a concepção de ser social e a particularidade histórica do gênero  
humano.  
15  
Institucionalização de complexos, normas e procedimentos que regulam as trocas entre povos, territórios e  
nações, em termos das mercadorias e do trabalho humano nelas contido (aqui entendidos conforme a concepção  
marxiana). Complexos contraditórios, voláteis, atravessados pelas correlações de forças que também exigem novas  
estratégias econômico-político-militares para conquista, ampliação e/ou manutenção do poder.  
16 Ainda que a organização dos Estados Nacionais, atrelada às necessidades mercantis de regulação e domínio  
entre países e territórios, bem como a emergência de sindicatos e partidos políticos delimite campos de ação  
internamente aos países, a materialidade e a dimensão das relações sociais capitalistas assentam-se na estruturação  
e consolidação de uma totalidade concreta, a partir da qual os países, as classes fundamentais – burguesia e  
proletariado, se movimentam.  
Alexandra Aparecida Leite Toffanetto Seabra Eiras  
Alterou-se a materialidade a partir da qual se assenta a existência e a experiência  
humanas, implicando no desenvolvimento do ser social em uma perspectiva de universalidade,  
fundada nesta materialidade.  
O modo de vida no plano local/regional, econômico-sociocultural de cada território  
desta “Terra”, tornou-se parte dessa nova condição material que passa a constituir a história dos  
povos e a impor constrangimentos.  
Desse modo, no período mercantilista permeado pela expropriação da terra, durante a  
acumulação primitiva (Marx, 2018, 2020), a burguesia, classe nascente, exerceu um papel  
econômico-político fundamental no enfrentamento ao Antigo Regime e às monarquias  
absolutistas. Embora as particularidades dos processos evidenciem as diferenças na constituição  
da burguesia enquanto classe, operou-se uma transformação objetiva que constituiria novas  
relações sociais e novas instituições políticas. E a burguesia emergirá enquanto classe  
hegemônica no plano mundial, cujos interesses foram transformados em “interesses universais”  
para o “desenvolvimento e progresso das sociedades”, através do capitalismo17.  
Todavia, Marx (2018, 2020) evidenciou de modo preciso, a relação de unidade e de  
antagonismo entre capital e trabalho: no processo de produção (indicando a relação entre capital  
constante e capital variável e a apropriação do mais valor) e nas relações sociais capitalistas  
(constituição das classes sociais, burguesia e proletariado). Também identificou as tensões e  
disputas entre interesses no interior da classe burguesa, derivados da concorrência inerente ao  
modo de produção capitalista.  
194  
A criação de mecanismos de resistência e de enfrentamento, diante das contradições  
postas pelo capitalismo engendra possibilidades de consciência e subjetivação, que foram  
relevantes para a organização do proletariado em sindicatos e partidos políticos. Considera-se  
ainda, que o processo de constituição da burguesia enquanto classe e o seu protagonismo  
revolucionário (Coutinho, 1972) impulsionaram novos horizontes de ação que estimularam as  
reivindicações e lutas por liberdade e igualdade, pleiteando sua extensão real a cada indivíduo.  
A esse respeito, Shlomo Sand (2023) descreve a década de 1840 como um período de  
crise, destacando que o inverno de 1847 foi muito rigoroso em todo o continente e houve  
escassez de alimentos. Nesse contexto, os protestos sociais eclodiram e houve uma ampla  
disseminação da propaganda liberal e democrática, sendo que a igualdade cívico-política foi  
17 NaAmérica Latina, ainda durante o século XX, a estratégia e ideologia desenvolvimentista destacam o progresso  
urbano-industrial para promover a superação do “atraso” e do “subdesenvolvimento” dos países em nosso  
continente, aparentemente, privilegiando os interesses nacionais de elevação ao patamar civilizatório dos países  
centrais.  
Libertas, Juiz de Fora, v. 24, n. 1, p. 187-211, jan./jun. 2024. ISSN 1980-8518  
Totalidade concreta, capitalismo e Serviço Social  
reivindicada e promovida por novos movimentos, que fizeram com que o ano de 1848 ficasse  
conhecido como a “Primavera dos Povos”. O autor relata que na Suíça os cantões liberais  
impuseram-se aos conservadores, eclodindo revoltas em várias regiões da península italiana,  
nas principais cidades da Confederação germânica (Berlim e Império Austro-húngaro, Polônia  
e Boêmia), além de França.  
Assim, toda a Europa, à excepção da Rússia experimentou uma agitação  
intensa em que se entrelaçavam reivindicações sociais, políticas e  
nacionalistas. Mas esses acontecimentos não permitiram ver surgir uma  
esquerda organizada e claramente identificada, nem qualquer movimento  
político importante capaz de canalizar os protestos e de provocar uma  
mudança de regime (Sand, 2023, p. 59)18.  
A “Primavera dos povos”, no ano de 1848 e a “Comuna de Paris”, em 1871, evidenciam  
as tensões e contradições em curso, movendo-se nesta nova materialidade posta pelo modo de  
produção/reprodução capitalista. Os horizontes revolucionários pautados na noção de igualdade  
coadunam-se com processos de organização sindical e político-partidária do proletariado.  
A classe operária em expansão enfrenta a burguesia em condições desiguais de poder e  
sofre violências e repressões desmensuráveis, em proporção aos atos revolucionários durante a  
Primavera dos Povos19 e a Comuna de Paris. Aburguesia impõe-se pelo uso da força e distancia-  
se de seu papel progressista (Coutinho, 1972). E, conforme a análise de Ianni “a comuna não  
foi derrotada pela burguesia francesa. Esta se revelou incapaz de derrotá-la. Precisou chamar as  
tropas alemãs. Os exércitos inimigos de ontem, nas batalhas de Verdun e Metz, aliaram-se na  
luta contra o proletariado” (1988, p. 99).  
195  
Contudo, a unidade entre capital e trabalho, a exigência de valorização e acumulação  
engendrada pelo capitalismo, não permitia eliminar a classe operária, sendo preciso forjar  
estratégias para legitimação dos interesses hegemônicos no capitalismo e manutenção da sua  
força de trabalho.  
Assim, a unidade e antagonismo entre capital e trabalho também engendraram um  
campo de possibilidades, oscilando entre os interesses e exigências de valorização/acumulação  
e os processos de organização da classe operária, através dos quais obtiveram-se as conquistas  
e melhorias nas condições de trabalho e de vida, nas sociedades capitalistas; não como algo  
linear, mas como resultado de reivindicação, organização, embates políticos e enfrentamentos  
reais, inclusive com estratégias de paralisação e greves.  
18 O que se explica também, a meu ver, pela bárbara repressão que se seguiu aos protestos.  
19 “O espectro do comunismo já assustava a Europa por volta de 1848. E foi exorcizado nesse mesmo ano. Depois  
disso, durante muito tempo ficaria impotente como o são de fato os espectros” (Hobsbawm, 2005, p. 19).  
Alexandra Aparecida Leite Toffanetto Seabra Eiras  
A unidade e o antagonismo simultâneos colocaram alternativas que se assentavam na  
defesa, horizonte e construção da democracia, sobretudo, como argumenta Sand, na perspectiva  
e disputa pela efetivação da igualdade (Sand, 2023), que para o autor, constitui um ponto de  
convergência – que ele evidencia em sua análise, entre os diferentes movimentos e partidos de  
esquerda, desde o século XVIII20.  
É importante destacar que também foram criadas formas de organização e resistência  
combinadas com estratégias de internacionalização e de superação das perspectivas localistas e  
regionais, que se expressam, inclusive, de modo evidente, no Manifesto do Partido Comunista,  
em 1848 e nas “Internacionais Comunistas”.  
De acordo com Shlomo Sand, “o primeiro comunismo de Marx e Engels, embora  
reconheça as entidades nacionais, tem aspiração global: começará por germinar, claro, no  
interior de cada nação, mas resultará num triunfo universal” (Sand, 2023, p. 79, grifos meus).  
Sand (2023) distingue a heterogeneidade de perspectivas no âmbito da Primeira  
Internacional, o que levará a rupturas posteriores naquele movimento, sobretudo entre  
socialistas e anarquistas. Embora ele evidencie a expansão das concepções críticas ao  
capitalismo e das posições anticapitalistas, também crescem aquelas social-democratas, de  
cunho reformista (Netto, 2001).  
Sand (2023) também destaca o protagonismo de Marx e Engels na Internacional  
Comunista e a influência do marxismo nos partidos políticos presente na primeira assembleia  
da Segunda Internacional, em 1889, presidida por Engels. Ele afirma que “a maioria dos  
partidos representados já se definiam como marxistas e aparentemente tinham feito da luta de  
classes a sua orientação estratégica”. Conclui que “o velho sonho de Marx de um movimento  
operário internacional, com a revolução socialista gravada no seu estandarte, parecia estar a  
materializar-se” (Sand, 2023, p. 86)21.  
196  
É notório que junto à consolidação do capitalismo, à medida em que a produção e  
circulação de mercadorias exigia força de trabalho e expansão do consumo, e a regulação das  
trocas consolidava a objetivação do mercado com o uso do dinheiro, submetendo as demais  
formas de produção à lógica capitalista, vai se materializando naquela relação de unidade e  
20 Embora o autor analise a trajetória da esquerda no plano internacional centrando-se na análise da igualdade, ele  
também reconhece que “continua hoje inteiramente válida a brilhante análise que faz [Marx] da diferença entre  
valor de uso e valor de troca, com a hegemonia absoluta deste último, uma análise segundo a qual o capital não  
tem por vocação satisfazer as necessidades dos seres humanos, mas antes produzir cada vez mais capital. A sua  
visão da mais-valia, produzida pelos trabalhadores e extorquida pelos patrões, que é fonte da acumulação de  
capital, tornou-se dominante e foi retomada por todas as correntes do socialismo nas suas críticas à exploração”  
(Sand, 2023, p. 83).  
21  
“Ao longo desse período, o marxismo não parou de se desenvolver: por toda a Europa, havia pensadores a  
afirmarem-se abertamente marxistas” (Sand, 2023, p. 85).  
Libertas, Juiz de Fora, v. 24, n. 1, p. 187-211, jan./jun. 2024. ISSN 1980-8518  
Totalidade concreta, capitalismo e Serviço Social  
antagonismo, um novo modo de vida e de integração social tendo o trabalho assalariado um  
papel crucial. Capital e trabalho crescem e tornam-se centrais nas sociedades capitalistas, e as  
classes fundamentais são as protagonistas e disputam, em uma correlação de forças assimétrica,  
a direção da sociedade e/ou Estado e/ou a superação do capitalismo.  
No plano da Economia, Hobsbawm (2004, p. 418-419) destaca quatro alterações  
fundamentais, no período de 1870 em diante: a nova era tecnológica (baseada na eletricidade e  
no petróleo, turbinas e motor a explosão e maquinaria com uso do ferro, ligas, metais não-  
ferrosos, indústria química); economia de mercado de consumo doméstico (à exemplo dos  
EUA, com o aumento da população e da renda); deslocamento do monopólio da Inglaterra  
(competição internacional entre economias industriais rivais – inglesa, alemã, norte-americana  
pelas dificuldades de lucratividade), levando à concentração e ao controle de mercado.  
Tal rivalidade desembocou na divisão do globo, entre as potências rivais, como reserva  
para os negócios. De acordo com Hobsbawm,  
Numa escala global, esta dicotomia entre áreas desenvolvidas e  
subdesenvolvidas (teoricamente complementares), embora não nova em si  
mesma, começou a tomar uma forma reconhecidamente moderna. O  
desenvolvimento da nova forma de desenvolvimento/dependência iria  
continuar com apenas breves interrupções até a queda geral na década de 1930  
[...]. [Altera-se a configuração política, afetando o livre-comércio, a partir de  
1880. E, junto a esse processo, novas demandas impactaram os Estados  
nacionais], vindas de baixo por proteção contra os capitalistas, por segurança  
social, por medidas públicas contra o desemprego e um salário-mínimo por  
parte dos trabalhadores, tornaram-se audíveis e politicamente eficazes [...]  
Três novas tendências emergentes nas tensões confusas da depressão  
econômica [...] emergência de partidos e movimentos de classe operária,  
geralmente com uma orientação socialista (cada vez mais marxista); partidos  
demagógicos antiliberais e antissocialistas; e a terceira tendência a  
emancipação dos partidos e movimentos nacionalistas de massa de sua antiga  
identificação ideológica com o radicalismo liberal (Hobsbawm, 2004, p. 419-  
422).  
197  
As relações sociais capitalistas comportam assim, um movimento dialético, assente na  
materialidade do processo de produção e reprodução do capital, que também se manifesta no  
plano de organização das classes fundamentais, na perspectiva de defesa de seus interesses e de  
disputa sobre a riqueza socialmente produzida.  
Para a burguesia, trata-se de manter a lucratividade nos negócios e sobreviver às  
oscilações inerentes ao sistema capitalista, e nesse esforço, angariar força política em prol dos  
seus interesses particulares. Para o operariado/proletariado, trata-se de conquistar condições  
para a sua sobrevivência, e ao mesmo tempo, disputar os resultados do trabalho coletivo, pelo  
acesso à riqueza socialmente produzida.  
Alexandra Aparecida Leite Toffanetto Seabra Eiras  
Ao mesmo tempo, a obra de Marx e Engels, na análise rigorosa do movimento do  
capital, indicou os limites inerentes ao capitalismo, e apontou a necessidade de sua superação.  
Essa análise possibilitou entender o capitalismo em suas contradições e alimentou o horizonte  
de lutas em prol de outro projeto societário, opondo-se diretamente ao reformismo e à social-  
democracia, e de modo contundente, ao liberalismo.  
A totalidade concreta assente na consolidação do capitalismo, complexifica-se pela  
unidade e antagonismo entre as classes, e a luta de classes, embora mais evidente nos países e  
“territórios nacionais”, se estende, através de estratégias que também expressam um movimento  
global, de internacionalização, o que irá se intensificar, durante o século XX, não obstante os  
“nacionalismos” que caracterizam as duas guerras mundiais.  
A revolução russa (1917) e a construção do socialismo soviético relacionam-se a esse  
acúmulo de forças no âmbito das lutas do operariado, e de sua organização no plano político-  
sindical-partidário nacional e internacional, e impactou de modo significativo na correlação de  
forças que enfrentou o projeto capitalista, sobretudo no período posterior à segunda Guerra  
Mundial, no século XX.  
Por sua vez, o Estado de Bem-estar social, associado às lutas reformistas, às estratégias  
de reivindicação e lutas social-democratas, teve a sua expansão nesse período (1945 em diante)  
e evidenciou-se nas conquistas obtidas pela classe trabalhadora nos países centrais, justamente  
em uma conjuntura na qual a correlação de forças entre as classes fundamentais esteve posta  
no plano global/mundial, a partir do enfrentamento entre os projetos socialista e capitalista.  
A disputa entre a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) e o bloco  
capitalista liderado pelos Estados Unidos da América (EUA) constituiu uma correlação de  
forças no plano político-militar, em uma conjuntura que foi favorável também para o projeto  
social-democrata, para a difusão do Estado de Bem-estar social, de suas premissas e horizontes  
democráticos.  
198  
Neste sentido, a estratégia desenvolvimentista para a América Latina, desde o período  
posterior à segunda Guerra Mundial, foi uma resposta econômica-político-ideológica ao projeto  
socialista, no intuito de promover os interesses, estilo de vida e horizontes próprios ao  
capitalismo.  
Contudo, pela configuração da totalidade concreta  
e
seus complexos  
institucionalizados, fica patente a hegemonia das relações sociais capitalistas, objetivamente,  
na relação de subordinação das transações no mercado mundial, à lógica e à finalidade de  
acumulação crescente de capital. Conforme Mészáros (2002), o socialismo soviético não foi  
além do capital, o que, a meu ver, coaduna com a percepção do autor, segundo a qual, não é  
Libertas, Juiz de Fora, v. 24, n. 1, p. 187-211, jan./jun. 2024. ISSN 1980-8518  
Totalidade concreta, capitalismo e Serviço Social  
possível construir o socialismo isoladamente, nem mesmo como projeto articulado a diferentes  
países e regiões. A superação das relações sociais capitalistas exigiria, então, entendimentos,  
estratégias e ações articuladas globalmente?  
A análise aqui desenvolvida evidenciou que o capitalismo é uma relação social em um  
plano global, levando-me a supor que, para superá-lo é necessária uma alteração nessa  
magnitude que incorpore a riqueza socialmente produzida e o grau de desenvolvimento das  
forças produtivas articuladas mundialmente, ou senão, essas conquistas humano-genéricas  
estarão sujeitas ao retrocesso, à fragmentação e isolamento entre os países e regiões,  
retrocedendo-se historicamente.  
Para os países periféricos, essa situação os colocaria em uma posição ainda mais difícil.  
Dado o processo histórico, contínuo, de exploração/apropriação de suas riquezas pelos países  
centrais e o aumento populacional para atender às necessidades de mão-de-obra, um grande  
contingente de pessoas estaria exposto ao caos de uma provável derrocada econômico-  
financeira, sujeitas a relações de poder violentas e/ou anômicas, ou à “barbárie”.  
Se esta análise estiver correta, a alternativa histórica a ser construída está na articulação  
internacional, global, alterando a correlação de forças hegemônicas e vertendo os resultados  
dessas conquistas para os países periféricos, para a classe trabalhadora e subalternizada desses  
países e dos países centrais, em busca de equalizar as condições de vida, acesso à alimentação,  
saúde, moradia, locomoção e tempo livre (liberado pelos avanços na produção) em um plano  
internacional.  
199  
Em síntese, a argumentação anterior permite indicar a particularidade das relações  
sociais capitalistas no sentido de criar, historicamente, uma interação global, interdependente,  
constituindo instâncias e organizações em uma totalidade concreta. Ou seja, a particularidade  
histórica das relações sociais capitalistas se expressa em um plano universal, concreto,  
envolvendo a totalidade do planeta.  
Isso ocorreu progressivamente e expressa uma tendência que continua se desdobrando,  
historicamente e que se objetiva, através da:  
1. Estruturação do mercado internacional, mundializado  
2. Divisão internacional do trabalho, cooperação e interdependência na  
produção/reprodução social  
3. Controle político-militar estratégico em um plano global, sob o domínio das  
nações “mais desenvolvidas”  
4. Instituições Políticas e pactuações internacionais que regulam as relações entre  
países e territórios  
5. Contradições entre as classes, em um plano global  
6. Disputas e correlação de forças intraclasses, em um plano global  
Alexandra Aparecida Leite Toffanetto Seabra Eiras  
7. Subordinação dos Estados nacionais aos processos econômicos e político-  
estratégicos orientados pelo interesse global de manutenção das relações sociais  
capitalistas  
Por sua vez, o Serviço Social vincula-se às demandas históricas de manutenção e  
reprodução da força de trabalho, em um período de consolidação das relações sociais  
capitalistas, desde o final do século XIX, e, constitui-se enquanto profissão na divisão social e  
técnica do trabalho a partir da estruturação de serviços e políticas sociais direcionadas aos  
trabalhadores, à massa da população, com perfis diferenciados de acesso ao trabalho, ou dele  
alijada, ou já sem condições de exercê-lo (Iamamoto e Carvalho, 2005; Netto, 2001; Faleiros,  
1982).  
A profissão se institucionalizou e expandiu durante o século XX, e, naquele contexto,  
no período de 1960 a 1980, colocaram-se as possibilidades para a emergência de perspectivas  
críticas ao SST, simultaneamente, em diferentes países. No próximo item, indicarei algumas  
das razões que explicam essa emergência em todos os países analisados na referida pesquisa  
sobre o MRLA.  
Totalidade concreta e a emergência simultânea de perspectivas críticas no Serviço  
Social (1960-1980)  
200  
Adotei a perspectiva teórico-metodológica histórico-crítica no intuito de apreender as  
conexões entre os processos, no plano da totalidade concreta das relações sociais capitalistas,  
uma vez que a proposta do estágio pós-doutoral foi de apreender os fundamentos históricos que  
tornaram possível a emergência de perspectivas críticas ao SST, nos sete países analisados, na  
América Latina, nos EUA e na Europa, no lapso temporal de 1960 a 1980.  
Analisei 32 materiais, entre artigos, capítulos de livros e livros publicados22 (Tabela 01),  
em relação à investigação realizada no período de 2017-2021. Utilizei um roteiro contendo os  
itens: título, autores, país analisado, ano de publicação e veículo de divulgação; e em termos de  
conteúdo, observei as referências à perspectiva de totalidade e os autores mencionados; a  
análise sobre o Serviço Social na relação com o país e o MRLA, e a caracterização ou descrição  
da perspectiva crítica feita pelos autores.  
22  
Capítulos dos livros: Perpspectivas histórico-críticas no Serviço Social – América Latina, Europa e EUA; A  
história pelo avesso; La reconceptualización del Trabajo social em Colombia: analisis histórico-crítico de las  
décadas 1960-1970 e El movimiento de la reconceptualización del Trabajo Social en Colombia.  
Libertas, Juiz de Fora, v. 24, n. 1, p. 187-211, jan./jun. 2024. ISSN 1980-8518  
Totalidade concreta, capitalismo e Serviço Social  
Tabela 01: Textos analisados por país.  
País  
Argenꢀna  
Chile  
Material analisado  
06  
07  
05  
06  
03  
01  
01  
02  
01  
32  
Colômbia  
Portugal  
Espanha  
EUA  
RU  
EUA e RU  
MRLA e SSR  
Total  
Fonte: artigos e capítulos de livros publicados/pesquisa em rede sobre o MRLA, tabela organizada pela autora,  
agosto de 2023.  
Inicialmente, ative-me à “dimensão de totalidade” e ao modo como ela foi referenciada  
no material analisado, identificando as mediações postas em evidência pelos autores no texto  
ou pela bibliografia utilizada por eles, para explicar a relação do Serviço Social com a totalidade  
das relações sociais capitalistas.  
201  
Neste sentido, a produção da pesquisa sobre o MRLA já continha apropriações do  
Serviço Social na particularidade histórica das relações sociais capitalistas, na perspectiva de  
análise dos processos em sua totalidade. As mediações históricas também foram explicitadas  
pelos(as) investigadores(as), expostas na relação com a profissão em cada país.  
Assim, no relatório de pós-doutorado (Eiras, 2023)23, evidenciei as mediações históricas  
e os conteúdos transversais, considerando o movimento peculiar das relações sociais  
capitalistas que envolve o conjunto dos países e regiões, em uma história que se tornou universal  
(Marx e Engels, 2001).  
Deste modo, no período posterior ao término da Segunda Guerra Mundial, criaram-se  
estratégias político-econômicas expressas na institucionalização de organizações (ONU, OEA,  
UNESCO, FMI, Banco Mundial etc.), que atuaram em um plano global, ensejando uma  
articulação econômico-social e político-ideológica, alinhada aos interesses do capitalismo, sob  
a liderança dos EUA. Tais organizações foram muito eficientes na divulgação de referências  
23 O conteúdo que exponho neste item é parte das considerações finais do relatório de pós-doutorado, inédito.  
Alexandra Aparecida Leite Toffanetto Seabra Eiras  
democráticas, como a concepção de bem-estar social, e combinaram-se com a estratégia  
desenvolvimentista.  
O Serviço Social já estava consolidado em alguns países, como nos EUA e no Reino  
Unido, e, intensificou sua organização no plano internacional, criando espaços coletivos de  
articulação, no plano mundial24. Além disso, participou junto aos organismos internacionais  
(ONU, OEA, UNESCO) da divulgação das concepções de bem-estar e paz social, associados à  
noção de bem-comum.  
Nos países periféricos, a profissão foi demandada a se inserir nos processos de  
organização e desenvolvimento de comunidade (Argentina, Chile, Colômbia, Espanha e  
Portugal), em um período de alterações na organização do trabalho no campo e nas cidades, e  
de grande movimentação de pessoas para os centros urbanos face à industrialização.  
No âmbito da totalidade concreta, já nos anos 1960 havia indícios dos limites das  
relações sociais capitalistas, em termos de cumprir as promessas de levar o desenvolvimento,  
progresso/modernização e o bem-estar a “todos os países e regiões”, conforme as referências  
e experiências feitas nos países centrais. Assim também, na produção material, no que se refere  
à finalidade contínua de valorização do capital, atinge-se alguns dos limites, já analisados por  
Marx (2020, 2018) como tendências do processo de produção/reprodução capitalista, que se  
materializam nesta fase do capitalismo tardio (Mandel, 1982). Em relação à essa crise de  
valorização, os(as) pesquisadores(as) referenciam-na apropriando-se da argumentação de  
Mandel, O capitalismo tardio, e sua explicação das ondas longas de crescimento, das crises  
cíclicas e do esgotamento/limite do processo de valorização, colocando-se a condição de crise  
estrutural25, desde o final da década de 1960.  
202  
Nesta direção, apesar de os países centrais terem usufruído de melhores condições de  
vida – pleno emprego, salários maiores, acesso ao consumo (status de classe média), acesso à  
habitação, educação, saúde, previdência e assistência social, tendo um conjunto de proteções  
sociais com capacidade para efetivação e universalização nalguns países da Europa –, a  
totalidade desse processo não se sustentaria indefinidamente e colocaria novas inflexões já nos  
24 A UCISS foi criada em 1922, em Bruxelas, na Bélgica, enquanto “entidade confessional” já reunia “escolas  
católicas de Serviço Social, associações católicas de assistentes sociais e membros individuais [...] com “status  
consultivo junto ao Conselho Econômico e Social da ONU, UNESCO, FAO e OEA” (VIEIRA, 1980, p. 51). A  
Primeira Conferência Internacional de Serviço Social (C.I.S.S), ocorreu em Paris, 1928 e possibilitou a criação da  
Associação Internacional de Escolas de Trabalho Social (AIETS ou IASW) e da Federação Internacional de  
Trabalhadores Sociais (FITS ou IFSW), organizações autônomas em relação às igrejas cristãs.  
25 Cessa a alternância entre ondas de crescimento, seguidas de crise, conforme análise de Mandel (1982). As crises  
tornam-se constantes, estruturais. Nesse sentido, pode-se observar que o desenvolvimento (econômico-social),  
associado ao modo de produção capitalista, como progresso e modernização cede lugar a um processo complexo  
de estagnação e destruição de recursos humanos e ambientais. Torna-se evidente o caráter autofágico e destrutivo  
em nível global que subordina pessoas e natureza à finalidade de valorização e acumulação.  
Libertas, Juiz de Fora, v. 24, n. 1, p. 187-211, jan./jun. 2024. ISSN 1980-8518  
Totalidade concreta, capitalismo e Serviço Social  
anos 1970, em uma conjuntura desfavorável para o enfrentamento ao capitalismo, com o  
progressivo descrédito do socialismo enquanto projeto societário e a dissolução da URSS,  
durante os anos 1980.  
É importante destacar que houve até o início dos anos 1970, uma preocupação  
estratégica em manter a hegemonia político-econômica do capitalismo, na disputa com o  
socialismo. Nessa tensão, a contradição e a correlação de forças entre capital e trabalho (no  
plano da totalidade concreta das relações sociais capitalistas, em nível global) tendeu a um  
certo equilíbrio, condição que possibilitou/engendrou a alternativa social-democrata, expressa  
no Estado de Bem-Estar Social. Parecia possível articular capitalismo e democracia e, seria  
preciso apenas alcançar o nível de industrialização e desenvolvimento, existente nos países  
centrais.  
Essa concepção, presente na estratégia desenvolvimentista promoveu,  
contraditoriamente, a divulgação de referências ideológicas como igualdade, liberdade e  
autonomia individual, associadas à concepção de bem-estar social. E, penso que o  
tensionamento entre projetos societários distintos (capitalismo X socialismo) foi fundamental  
para o favorecimento de pautas coletivas, disputadas na luta de classes, em cada país. Sob tais  
condições, parecia possível alcançar uma civilidade, para o conjunto das nações, estendendo  
os benefícios do progresso e da industrialização aos países periféricos.  
203  
Todavia, no cerne da “unidade/antagonismo” entre capital e trabalho, as lutas e  
movimentos sociais dos anos 1960 e 1970 também estavam em sintonia com o acúmulo  
político-organizativo da classe trabalhadora (no âmbito político-partidário-sindical), suas  
aspirações sociais – cidadania e democracia, inclusive no âmbito da disputa pelas condições de  
trabalho e salário, e emergência de valores ético-morais contestatórios à moral burguesa  
hegemônica (contestação da família patriarcal, reivindicação de igualdade entre gênero, etnia,  
respeito às diferenças étnicas, etárias, de gênero e sexualidade).  
Na América Latina o acúmulo político-organizativo da classe trabalhadora no século  
XX, desde à industrialização (ainda que movida pelo processo de substituição de importações  
do período das guerras mundiais e ao impulso desenvolvimentista liderado pelos EUA, no pós-  
segunda Guerra Mundial) resultou em lutas efetivas. Os embates para o desenvolvimento de  
sociedades com cidadania e democracia não cessaram, desde então. Enfrentaram, inclusive os  
golpes e as ditaduras forjadas para reprimir as pautas progressistas e/ou a expansão do  
socialismo.  
Ou seja, além da disputa político-militar por territórios (da Guerra Fria, entre EUA e  
URSS) intensificou-se a disputa no plano ideológico engendrando-se alternativas políticas que  
Alexandra Aparecida Leite Toffanetto Seabra Eiras  
impulsionaram as concepções de “bem-estar social”, de “paz social” e integração harmoniosa  
dos indivíduos à sociedade.  
A “integração entre os povos” torna-se um horizonte, em um plano internacional,  
partilhando de referências democráticas, progressistas; a ONU, a OEA são construções próprias  
desse processo, e constituem-se porta-vozes dessa ideologia. Por elas, diz-se que o  
desenvolvimento precisa alcançar a todos e isso deveria repercutir em melhoria das condições  
de vida e acesso a condições de sobrevivência para todos os povos.  
Nesse processo histórico, desenvolvem-se políticas de bem-estar social, em ressonância  
com as necessidades de manutenção, formação e qualificação da força de trabalho, próprias da  
fase monopolista neste período do capitalismo tardio (nos termos de Mandel, 1982), mas  
também nutridas por referências ideológicas democráticas vindas dos países centrais enquanto  
alternativas tensionadas pela conjuntura de disputa entre socialismo e capitalismo. Dentre elas,  
as políticas de seguridade social e de assistência social são reconhecidas e torna-se possível a  
institucionalidade e legitimidade do Serviço Social, enquanto profissão, vinculada ao interesse  
e/ou âmbito público, à defesa do “bem-comum” / “bem-estar” e da integração à ordem social  
hegemônica.  
Tais condições históricas explicam a expansão da profissão no período posterior à  
segunda Guerra Mundial, e a partir de suas contradições, a emergência de perspectivas  
críticas no Serviço Social pode ser compreendida na dinâmica desta totalidade concreta,  
enquanto expressão da falência do modelo de “bem-estar” e de seus horizontes democráticos.  
204  
Serviço Social e perspectivas críticas  
A partir das informações e análises realizadas com base na pesquisa sobre o MRLA e  
suas interlocuções internacionais, tornou-se evidente que as bases históricas que explicam as  
formulações do SST estiveram relacionadas à expansão das políticas e dos serviços sociais via  
Estado Social ou Estado de Bem-estar social.  
É nessa esfera que se processou a relação da profissão com a perspectiva de integração  
do indivíduo à sociedade pela via do trabalho, da qualificação, da manutenção da força de  
trabalho (previdência e assistência social) ou acesso à sobrevivência e o flagrante alinhamento  
dessas concepções com as perspectivas teórico-metodológicas do positivismo-funcionalismo.  
Nessas bases, o Serviço Social tornou-se uma profissão autônoma em relação às suas  
protoformas, anteriormente vinculadas às instituições religiosas e às suas ações  
caritativas/filantrópicas.  
Libertas, Juiz de Fora, v. 24, n. 1, p. 187-211, jan./jun. 2024. ISSN 1980-8518  
Totalidade concreta, capitalismo e Serviço Social  
Nos países europeus o Estado de Bem-Estar Social foi a esfera pela qual a profissão  
cresceu, ocupando os espaços sócio-ocupacionais abertos, nessa nova formatação da divisão  
social e técnica do trabalho, no âmbito da prestação de serviços sociais.  
Nas perspectivas críticas26 os(as) assistentes sociais evidenciam os problemas efetivos  
em promover a integração e a adaptação do indivíduo à sociedade, em uma conjuntura de  
alterações nos processos de trabalho, mercado de trabalho e nas políticas sociais, que vão se  
adensando desde a metade dos anos 1960 27.  
Aesse respeito, nos países aqui analisados (EUAe RU) os métodos clássicos do Serviço  
Social estadunidense, alinhados com o referencial teórico-positivo-funcionalista, tornam-se  
incompatíveis com essa nova condição histórica.  
No RU abrem-se alternativas para a intervenção profissional com coletivos e os  
problemas atingem uma magnitude diferente, com lutas, manifestações e disputas de recursos,  
que tensionam as respostas institucionais do Estado e os posicionamentos das diferentes  
profissões28.  
Nos EUA, as concepções críticas também são elaboradas e difundidas, denunciando os  
limites da política social estadunidense e o comprometimento dos assistentes sociais com as  
agências de prestação de serviços, em detrimento dos interesses dos(as) “clientes” (Eiras et al,  
2017; 2021).  
205  
Na América Latina o Estado Social se organizou de modo mais restrito, através da  
mediação e “comprometimento” com uma legislação social que regulava as relações entre  
capital e trabalho, e por institucionalizar mecanismos de proteção social, ainda muito seletivos  
e focalizados. Na Argentina, Chile e Colômbia as vertentes críticas explicitam o lugar de  
subordinação e dependência da América Latina, em relação aos países centrais, opondo-se aos  
EUA e ao “imperialismo”.  
26 Em cada país houve peculiaridades e distinções em relação às perspectivas críticas ao SST que não constituíram  
objeto de análise neste artigo, mas podem ser apreendidas na produção da pesquisa, sobretudo nos livros  
organizados por Iamamoto e Santos (2021); Eiras, Moljo e Duriguetto (2022). Isso transparece inclusive nas  
denominações do Serviço Social Crítico ou Serviço Social Radical, nos EUA e no RU e nas propostas de  
reconceituação do Serviço Social na América Latina. Reitero que destaquei a emergência dessa crítica, como algo  
comum e transversal aos países analisados.  
27 O investimento das empresas multinacionais na produção industrial em países periféricos, atraentes pela matéria  
prima e abundância de força de trabalho de baixo custo, incentivadas pela política de favorecimento da estratégia  
desenvolvimentista, bem como o salto tecnológico-industrial do Japão na microeletrônica terão impacto  
significativo sobre os países centrais, tanto na competição entre as empresas monopolistas, como na redução de  
ofertas de postos de trabalho, na indústria, para os trabalhadores dos países centrais.  
28 A análise da revista Case Com evidencia as concepções críticas do Serviço Social Radical, no decorrer dos anos  
1970 (Bognono, 2020).  
Alexandra Aparecida Leite Toffanetto Seabra Eiras  
Já em Portugal e Espanha, também situados na periferia do desenvolvimento capitalista,  
há particularidades que evidenciam a funcionalidade da profissão aos regimes autoritários de  
Salazar e Franco, e o engajamento de assistentes sociais nas lutas pela democratização dos  
respectivos países (Silveira; Silva, Martins, Carrara, Perelló, 2021).  
Ali, diferente do Serviço Social latino-americano, a formação dos profissionais ainda  
não havia reivindicado uma condição de autonomia em relação a produção de conhecimentos e  
pelo reconhecimento de seu espaço acadêmico e profissional. Essa condição aliada à  
aproximação linguística (português e espanhol) explicam a interlocução dos profissionais  
portugueses e espanhóis com a produção do MRLA, e, através dela, a assimilação do conteúdo  
crítico ao SST, sobretudo nas décadas de 1960 e 1970.  
Desse modo, recusa-se, de modo semelhante, na periferia do capitalismo, a influência  
teórica do Serviço Social estadunidense, mantendo-se a ênfase na busca de conhecimentos  
próprios do Serviço Social, sua especificidade, teoria, metodologia, agora alinhados com a  
realidade nacional, periférica, e com as suas perspectivas de reforma ou transformação. Ou  
seja, as vertentes críticas na América Latina (Argentina, Chile e Colômbia) e Europa ibérica  
também se dividem entre o horizonte social-democrata (na luta por reformas e implementação  
do Estado de Bem-Estar Social) e o horizonte socialista29.  
Nesses países, não foi possível realizar a integração via mercado de trabalho ou via  
políticas sociais, pois em ambos os casos, as condições de empregabilidade e de proteção social  
eram muito diferentes dos países centrais.  
206  
Já o assistencialismo criticado pelo MRLA referencia-se mais ao caráter filantrópico da  
assistência social (extremamente focalizado) diante das necessidades sociais existentes, bem  
como face à perspectiva de efetivação real de direitos sociais na América Latina.  
Enquanto nos EUA e no RU há pressões para a manutenção das políticas de emprego e  
expansão da cidadania, incluindo a diversidade de trabalhadores, de gênero e étnico-racial, na  
América Latina há enfrentamentos e pressões para o reconhecimento dos direitos sociais, da  
cidadania e da democracia, diante de conjunturas e governos que “convergem” para o  
autoritarismo, através de golpes e instauração de ditaduras violentas, repressoras dos  
movimentos progressistas e/ou socialistas (como na Argentina e no Chile).  
As relações sociais capitalistas se mostraram limitadas para o desenvolvimento global  
da democracia – igualdade, liberdade, autonomia individual. A estratégia desenvolvimentista  
29 Por sua vez, as lutas pelo projeto socialista na América Latina (sobretudo no Chile, com Allende) e em Portugal  
(Revolução dos Cravos) evidenciaram as limitações do socialismo implementado/reivindicado isoladamente.  
Libertas, Juiz de Fora, v. 24, n. 1, p. 187-211, jan./jun. 2024. ISSN 1980-8518  
Totalidade concreta, capitalismo e Serviço Social  
mostrou-se irrealizável. E, diante do arrefecimento do antagonismo entre capital e trabalho no  
plano global, ocorreu o avanço das forças reacionárias, impactando no declínio das forças  
progressistas e das referências democráticas do Estado de bem-estar social.  
Termina-se o período analisado, com a vitória da estratégia neoliberal, que nega a social-  
democracia e ataca o socialismo, disputando e minando as condições concretas para o exercício  
democrático; desfazendo as concepções de igualdade, liberdade e autonomia individual,  
enquanto horizontes político-ideológicos vinculados ao capitalismo.  
Considerações finais  
Uma das intenções da pesquisa de pós-doutorado, exposta neste artigo, foi compreender  
os fundamentos históricos presentes na emergência da perspectiva crítica ao SST na Argentina,  
Chile, Colômbia, Espanha, EUA, Portugal, Reino Unido, através das informações e da  
produção elaborada na pesquisa em rede sobre o Movimento de Reconceituação do Serviço  
Social na América Latina e suas interlocuções internacionais.  
Partiu-se da hipótese que a emergência da perspectiva crítica/contestatória ao SST  
nesses países, no período de 1960-1980, teve como fundamento histórico a inserção da  
profissão na totalidade concreta das relações sociais capitalistas.  
Foi necessário explicitar a compreensão desta totalidade concreta para entender o  
processo nesta dimensão transversal aos países analisados, por isso, recorremos à Marx e  
Engels, e aos historiadores no campo do marxismo, para formular, ainda que de modo inicial,  
essa explicação sobre o processo histórico global que se instaura com o desenvolvimento das  
relações sociais capitalistas perpassado pela contradição (unidade e antagonismo) entre capital  
e trabalho.  
207  
Neste sentido, esta compreensão da totalidade concreta visa explicar o vínculo da  
profissão com a globalidade das relações sociais capitalistas. Na segunda metade do século XX,  
a dinâmica desta totalidade envolveu as estratégias institucionais de difusão das concepções de  
bem-estar, bem-comum e paz social, sobretudo através da ONU, UNESCO, OEAe a vinculação  
das organizações do Serviço Social a esse processo, as quais também se configuraram em um  
plano internacional. Não obstante as distinções entre os países, em sua inserção central ou  
periférica, os debates presentes no Serviço Social estiveram fixados em torno de dois projetos  
centrais: a defesa do projeto desenvolvimentista articulado às concepções de bem-estar social,  
e a contestação ou a crítica mais radical dos limites deste projeto dada a dinâmica das relações  
sociais capitalistas.  
Alexandra Aparecida Leite Toffanetto Seabra Eiras  
Aanálise apresentada neste artigo contribui para a apreensão dos fundamentos históricos  
da profissão nesta totalidade concreta. Evidenciou-se, assim, o caráter global das necessidades  
humanas e sociais da classe trabalhadora e das requisições postas historicamente para a  
profissão durante o século XX que se concretizam em uma totalidade, permeando o conjunto  
dos países conectados a essa dinâmica. A semelhança na institucionalização da profissão e na  
estruturação das respostas profissionais, bem como na contestação e na emergência de  
perspectivas críticas ao SST, deve-se ao compartilhamento histórico de uma realidade comum,  
na qual o intercâmbio e a difusão ideológica das concepções de bem-estar social, paz social e  
bem-comum e a organização do Serviço Social no plano internacional também evidenciam a  
interação e comunicação entre esses processos.  
Anovidade deste artigo está na análise global desses processos e na explicitação de suas  
características comuns, postas em evidência. Penso ter contribuído para a análise das  
perspectivas críticas no Serviço Social, em estreito diálogo com as formulações de Iamamoto e  
Carvalho (2005), Iamamoto (2007), Netto (2001) e Yazbek (2018), sobretudo na assimilação  
do escopo teórico-metodológico adotado por esses(as) destacados(as) pesquisadores(as).  
Por sua vez, analisei a produção sobre os países de língua hispânica, na América Latina.  
Não fiz a análise da relação entre Serviço Social brasileiro e o MRLA30. Ao que parece, pela  
investigação realizada até o momento, a institucionalidade do Serviço Social brasileiro, sua  
organização político-profissional e alianças explícitas com os interesses da classe trabalhadora,  
bem como sua inserção e produção acadêmica em estreito diálogo com a teoria social marxista,  
é uma situação singular, no plano internacional, que não ocorreu em nenhum outro país. É uma  
peculiaridade de nosso país, que no decorrer dos anos 1980 construiu uma posição ético-política  
hegemônica, de cunho emancipatório e anticapitalista 31.  
208  
A análise dessa particularidade histórica do Brasil seguirá sendo tratada pelos(as)  
pesquisadores(as) brasileiros(as), na fase atual da pesquisa em rede. E, certamente, teremos  
mais elementos para refletir a esse respeito, dentro dos próximos anos.  
Concluo este artigo, ratificando a compreensão de que as relações sociais capitalistas  
não permitiram avanços em prol de interesses coletivos e comuns ao gênero humano. A partir  
dos anos 1970 os limites no processo de valorização do capital (conforme a apreensão da teoria  
30  
Neste pós-doutorado analisei a relação entre o Serviço Social no Brasil e em Portugal, conforme capítulo de  
livro elaborado em coautoria com Carla F. Carrilho, intitulado, Perspectivas histórico-críticas: interações entre  
Brasil e Portugal (1974-1995) (no prelo, Editora UFJF-Selo PPG-SS).  
31 Essa posição consolida-se no início da década de 1990, confirmando sua legitimidade enquanto direção social,  
junto à categoria profissional. Ganha institucionalidade, colocando-se como referência para a formação e para a  
produção no âmbito profissional.  
Libertas, Juiz de Fora, v. 24, n. 1, p. 187-211, jan./jun. 2024. ISSN 1980-8518  
Totalidade concreta, capitalismo e Serviço Social  
do valor trabalho em Marx, 2020, 2018) são enfrentados pelo capital, extrapolando a esfera  
produtiva/industrial, subordinando outras esferas da vida social e do trabalho ao processo de  
valorização, tornando necessária uma nova lógica e hegemonia, no âmbito da financeirização,  
a qual cria outra institucionalidade na relação de dominação entre os países centrais e  
periféricos. Os organismos internacionais, ONU, UNESCO, OEA, perdem o protagonismo, e o  
FMI e o Banco Mundial passam a atuar de modo incisivo e recorrente para a difusão da  
estratégia neoliberal.  
Ao que parece, a difusão desses horizontes para todos os povos foi a alternativa  
construída como resultado da contradição posta na unidade/antagonismo entre capital e  
trabalho, em um plano global, em uma correlação de forças que disputava um projeto alternativo  
ao capitalismo. Sem essa correlação de forças e essa disputa, a democracia assentada na  
concepção de bem-estar social, no âmbito das relações sociais capitalistas, encontra-se  
ameaçada.  
Ao reconhecer o avanço material e tecnológico, constante no desenvolvimento das  
forças produtivas sob o capitalismo, constituinte de uma história universal, nos termos de Marx  
e Engels (2001), expressos na configuração de uma totalidade concreta, não coaduno com as  
violações e destruições efetuadas sob sua hegemonia. Não posso deixar de mencionar a  
violência e a destruição processada, sobretudo nos países do continente americano e africano  
(mas não só), com a aniquilação e submissão dos povos indígenas, a inescrupulosa escravização  
dos povos africanos e todo o aparato de controle e subordinação do trabalho humano ao  
interesse precípuo do mercado e depois, da reprodução/acumulação do capital, com as terríveis  
violações da vida humana dos trabalhadores e das trabalhadoras nos países centrais e  
periféricos, em relação à economia capitalista.  
209  
Considero tal realização histórica como resultado complexo, que ao promover a  
subsunção do trabalho ao capital (Marx, 2020), construiu, contraditoriamente, a possibilidade  
material de liberação do gênero humano em relação ao trabalho, de diminuição do tempo  
dedicado à sobrevivência, criando-se alternativas de autonomia individual e coletiva (Lukács,  
2012; Mandel, 1982).  
Até os anos 1960, a disputa entre os dois projetos societários no plano global  
possibilitava que alianças fossem formadas em um desses campos. Mas, a bipolarização esteve  
subordinada às relações sociais capitalistas, ou seja, no plano da totalidade concreta, não houve  
superação do capital.  
Desde os anos 1980 lidamos com a predominância das relações sociais capitalistas, em  
um plano de interdependência (que inclui centro e periferia) no qual o “progresso” não é mais  
Alexandra Aparecida Leite Toffanetto Seabra Eiras  
um horizonte para todos. Embora a dinâmica das relações sociais capitalistas no plano da  
totalidade se expresse na exploração do trabalho, de recursos ambientais de amplos territórios,  
de tantos povos e culturas, subsumidos à lógica de mercado e à valorização/acúmulo contínuo  
de capital, ainda assim, esse complexo assimetricamente interdependente constitui um  
patrimônio do gênero humano. Trata-se, então, de reconhecer e reivindicar o patrimônio  
histórico-material construído com o trabalho, a morte, o suor e as lágrimas de milhões de  
pessoas?  
Finalizo agradecendo às e aos integrantes da pesquisa em rede: esta análise tornou-se  
possível em virtude da produção deste coletivo de pesquisadores(as), da América Latina e da  
Europa, que se dedicaram a compreender o MRLA na Argentina, Brasil, Chile e Colômbia e  
suas interlocuções internacionais, com Portugal, Espanha, Reino Unido e Estados Unidos.  
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