Neoliberalismo: a lógica irracional do  
capitalismo em decadência1  
Neoliberalism: the irrationality of decaying capitalism  
Natália Perdomo dos Santos*  
Resumo: Este artigo propõe analisar, a partir de  
uma perspectiva pautada na tradição inaugurada  
pela obra marxiana, os fundamentos  
Abstract: This article aims to analyze, from a  
perspective grounded in the tradition  
inaugurated by Marx's work, the constitutive  
foundations of neoliberalism, which configure it  
as a strategy of reproduction of late capitalism.  
Stemming from the maturation process of  
bourgeois society, neoliberalism reformulates  
State's action to adapt it to the needs imposed by  
the new forms of accumulation management,  
wich, in face of the hegemony of interest-  
bearing capital, can only guarantee the  
valorization of value with an uncontrollable  
destructive power. It reveals the barbarism that  
constitutes this mode of production, especially  
in dependent capitalist. This stage results in the  
reconfiguration of the entirety of relations and  
social beings, which come to express the  
irrationalism of decaying capitalism in customs.  
This is the framework from which a critique will  
be woven of the mystifying thought formulated  
by the Foucauldians Dardot and Laval, as  
exposed in the book 'The New Reason of the  
World.' Despite purporting to be critical of  
neoliberalism, the book only scratches the  
surface of the problem to safeguard bourgeois  
society, representing, in this sense, the typical  
ideological deformation of this current stage.  
constitutivos do neoliberalismo, que  
o
configuram como uma estratégia de reprodução  
do capitalismo tardio. Emergente no processo  
de maturação da sociedade burguesa, o  
neoliberalismo reformula a ação do Estado para  
adaptá-lo às necessidades impostas pelas novas  
formas de gestão da acumulação que, diante da  
hegemonia do capital portador de juros, só pode  
garantir a valorização do valor com um poder  
destrutivo incontrolável. Este movimento revela  
a barbárie que constitui este modo de produção,  
e
especialmente exposta nos países de  
capitalismo dependente. Resulta desta etapa a  
reconfiguração das relações e dos seres sociais  
em suas múltiplas dimensões, que incorporam  
nos costumes o irracionalismo do capitalismo  
em decadência. Este é o marco a partir do qual  
será tecida uma crítica ao pensamento  
mistificador formulado pelos foucaultianos  
Dardot e Laval, exposta no livro 'A Nova Razão  
do Mundo'. O livro, apesar de propor-se crítico  
ao neoliberalismo, limita-se à epiderme do  
problema para salvaguardar a lógica estrutural  
da sociedade burguesa, representando, neste  
sentido, a típica deformação ideológica desta  
etapa corrente.  
Palavras-chaves: Neoliberalismo; Capitalismo  
Keywords: Neoliberalism; Late capitalism;  
tardio; Marxismo; Dardot e Laval.  
Marxism; Dardot & Laval.  
1
Esta análise foi elaborada a partir da revisão bibliográfica trabalhada na disciplina Política Social e Serviço  
Social, integrante do curso de doutorado da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e ministrada pela professora  
Dra. Elaine Rosseti Behring.  
*
Mestre em Serviço Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e doutoranda em Serviço Social pela  
Universidade do Estado do Rio de Janeiro. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2439-8474  
DOI: 10.34019/1980-8518.2024.v24.43747  
Esta obra está licenciada sob os termos  
Recebido em: 01/03/2024  
Aprovado em: 19/06/2024  
Neoliberalismo: a lógica irracional do capitalismo em decadência  
Introdução  
Este artigo propõe analisar os fundamentos constitutivos do neoliberalismo que, no  
curso do processo de maturação da sociedade burguesa, configuram-no como a expressão  
irracional do processo de reprodução do capitalismo tardio e revelam a barbárie constitutiva  
dessa sociabilidade.  
A análise que o sustenta foi elaborada no curso dos trabalhos da Comissão Parlamentar  
de Inquérito, responsável pela investigação dos atos golpistas que, no dia 8 de janeiro de 2023,  
buscaram dar continuidade ao governo neofascista que estava em curso. Os acontecimentos  
desse período sugeriam a suposta derrota da ultradireita, responsável pelo recrudescimento  
genocida do neoliberalismo no Brasil. A história demonstra, contudo, que a conservação das  
relações burguesas está intrinsecamente atada à violência como expressão do irracionalismo  
que norteia a etapa em curso e que extrapola as fronteiras nacionais.  
A partir do mirante (Lowy, 1998) da emancipação da classe trabalhadora como  
pressuposto à emancipação humana, será tecida, na segunda parte do texto, uma crítica ao  
pensamento mistificador formulado pelos foucaultianos franceses Pierre Dardot e Christian  
Laval, exposta em A Nova Razão do Mundo. O livro, que identifica manifestações imediatas  
do tempo corrente e que se propõe crítico ao neoliberalismo, tem ganhado relevância, inclusive  
no serviço social. Seus limites, todavia, o mantêm circunscrito às estreitas fronteiras  
fenomênicas das transformações societárias, incutindo-lhe contornos incognoscíveis que  
salvaguardam a sociedade burguesa.  
105  
É neste rastro que “a categoria da totalidade como pedra angular da gnose social” (Netto,  
1981, p. 41) segue como pressuposto que leva à defesa da tradição teórico-metodológica  
inaugurada por Marx, cuja ortodoxia, distante de negar a necessidade permanente de  
elaborações teóricas capazes de dar conta das novas manifestações do real, extrai do seu  
movimento histórico a sua verdade.  
1 - A longa etapa neoliberal e a espiral da violência no capitalismo tardio  
A derrota eleitoral do governo Bolsonaro foi a luz no final de mais um longo túnel  
atravessado pelos trabalhadores na história brasileira. A intentona golpista repetia em Brasília  
o fracasso de Donald Trump e seus asseclas no Capitólio. As investigações subsequentes  
resultaram em escândalos diários, que permitem demonstrar aos que insistem em não saber –  
que o finado governo fora um esquema de espoliação e superexploração (Marini, 2022)  
articulado sob a gerência de uma horda que congregava estirpes que não se pode adjetivar.  
Natália Perdomo dos Santos  
As notícias parecem a muitos “compensadoras”, como pílulas de esperança, figuradas  
na possibilidade de, como diria Herbert Vianna (1995), “fazer justiça uma vez na vida”. Isso se  
dava ainda que o legado de sua destruição se perpetuasse em distintas dimensões de nossa  
sociabilidade, como na subsunção do Estado ao capital portador de juros, expressa no Novo  
Arcabouço fiscal de 2023, que, apesar de mitigar a insanidade austericída (Granemann, 2019)  
do Teto de gastos de Bolsonaro, mantém a condição permanente de ajuste fiscal (Bhering,  
2018), sangrando o fundo público e as políticas sociais em nome do pagamento de dívidas  
infindáveis e não auditadas.  
O alívio, contudo, não é à toa. Sem precisar de um só disparo, foram cerca de 700 mil –  
e subnotificadas mortes por covid-19, até o ano de 2022. Tamanho desterro resultou não do  
movimento reprodutivo do RNA viral, mas de um governo irracionalista, cujo projeto de  
extermínio encontrou respaldo profícuo para sua tarefa no combate à ciência, à confiabilidade  
popular na capacidade preventiva das vacinas e às medidas protetivas garantidoras do  
isolamento social. Contudo, é preciso atentar-nos: o irracionalismo é característica não de um  
dado governo, mas de uma longa etapa2 de desenvolvimento da sociedade burguesa, na qual  
sucumbem as categorias forjadas pela Modernidade. Para o pensamento liberal, não há mais  
espaço para o humanismo, para o historicismo concreto, para a dialética e nem tampouco para  
a razão (Coutinho, 2010).  
106  
E se o reacionarismo virulento que se expressou política, econômica e ideologicamente  
em Bolsonaro não será com ele enterrado, tampouco o avanço do neofascismo (Boito, 2020) se  
faz particularidade nacional para dar-se por derrotado. Nos mesmos canais que noticiam a  
revenda e a recompra das joias sauditas em nome do inelegível ex-presidente, assistimos nossos  
vizinhos argentinos rumarem ao abismo no qual, a menos de um lustro, caímos.  
Seguramente, a vitória nas prévias eleitorais da tosca figura de Javier Milei não se  
sustenta sobre as excentricidades de um candidato tão ultra(neo)liberal a ponto de defender a  
comercialização de órgãos3, para compensar o despojo dos direitos. Os projetos políticos que  
radicalizam seu modus operandi, localizando-se à direita dos liberais clássicos, refletem o  
“espírito deste tempo”, ainda que portem diferentes traços, variáveis de acordo com o terreno  
no qual emergem. Podem ser abertamente xenofóbicos na Europa, como não poderiam ser no  
Brasil; revelam aqui um peso militarista explícito, como não seria aceito na Argentina. Podem  
2 Etapa esta que não demora a revelar-se na história da burguesia, que encontra os limites de seu sistema filosófico  
na contradição da sociedade de classes, que a partir de 1848, tornava-se inconteste.  
3 Liberdade que não comtempla a legalização do aborto, que há tão pouco tempo poderia ter encontrado seu rumo  
na Argentina para salvar as vidas das mulheres postas na clandestinidade.  
Libertas, Juiz de Fora, v. 24, n. 1, p. 104-125, jan./jun. 2024. ISSN 1980-8518  
Neoliberalismo: a lógica irracional do capitalismo em decadência  
até ser autodeclarados anarco-capitalistas, como Milei; mas, em última instância, convergem  
sempre em uma mesma desembocadura: na radicalização neoliberal, amplificadora do conjunto  
das desigualdades. Para tal, podem admitir cariz neofascista, sustentados na apologia à  
violência e na defesa do extermínio dos inimigos, na crítica superficial ao sistema, em que  
suportam o autoritarismo e o engessamento das instituições liberais e na existência de um  
movimento social que apoia suas características. Foi assim com Bolsonaro e com aquele que,  
no pior e mais provável cenário, venha a ser o próximo presidente argentino.  
Embora este breve comentário não trate de uma análise da conjuntura, ela corrobora o  
debate porque, quando analisada criticamente, expressa a trajetória societária na qual se  
articula. Tratamos, sim, da análise do movimento da lógica irracional da sociedade burguesa,  
agudizada pela etapa chamada tardocapitalismo por Mandel (1982). Esta foi inaugurada pelas  
transformações societárias que eclodem na década de 1970, ainda que previamente germinasse  
no processo metabólico da sociedade da mercadoria, e agrega contradições que incorporam e  
vão além daquelas discutidas por Lenin na análise do Imperialismo clássico (Netto, 2011).  
Este estágio de desenvolvimento do capital, que só pode ser superado pela própria  
superação do capitalismo, permanentemente admite novas e distintas formas, que se tornam  
cada vez mais violentas, conforme se generalizam. Sua reprodução traz consigo um caminho  
para sua viabilização: o Neoliberalismo, que, em 1973, ensaia no golpe militar de Pinochet sua  
ascensão e hegemonia, é expressão da urgência em acelerar os processos de rotação de capitais,  
no curso da incontornável tendência decrescente da taxa média de lucros. Esta condição vai  
atravessar a idade dos monopólios e se tornará mais profunda a cada nova depressão econômica,  
ainda que os fatores contrarrestantes do capital (Marx, 2017) possam criar ondas ascendentes  
107  
em determinados intervalos históricos.  
O neoliberalismo, e a violência que o caracteriza, toma força no processo de maturação  
e apodrecimento das relações tipicamente burguesas, e impõe a reformulação da economia e da  
ação do Estado, que serão capazes de criar o caldo cultural necessário à constituição de um  
novo ser social, adequado às novas demandas da produção e reprodução social do  
tardocapitalismo. O desencadeamento da neoliberalização, no curso do desenvolvimento  
desigual e combinado da sociedade (Trotsky, 1977), conforme o próprio Estado, admitirá  
formas particulares de manifestação nas distintas regiões do mundo. Tais diferenças, no entanto,  
serão costuradas por determinações de caráter universalizante, sendo o fortalecimento da fração  
Natália Perdomo dos Santos  
parasitária da burguesia, que ascende com a hegemonia do capital portador de juros4, a mais  
incontestável.  
A tomada da direção societária por essa forma capital engendra uma incompatibilidade  
insustentável entre as transações financeiras da riqueza imaterial e aquela que se pode de fato  
enfiar nos bolsos. Este cenário leva à busca constante por novos nichos de acumulação que  
permitam a captura de valores reais, capazes de sanear, ainda que temporariamente, o  
desequilíbrio entre a ficção e o valor real socialmente produzido. A resultante objetiva na vida  
do trabalhador é a agudização da precariedade, que se consolida não apenas no Brasil, ou no  
conjunto dos países dependentes, como é de costume, mas que embrenha suas raízes pelo  
mundo como uma incontrolável avalanche de destruição.  
Apesar da aceleração dos motores expansionistas da burguesia monopolista, o capital  
funcionante encontra óbices cada vez maiores à extração do valor capaz de remunerar a si  
mesmo e ao capital portador de juros. Por isso, a captura do fundo público formado pelo  
trabalho e sua conversão em capital torna-se essencial ao processo ampliado de reprodução  
capitalista, atingindo, conforme Behring (2021), níveis qualitativamente distintos das etapas  
anteriores. Este mecanismo se demonstrou, depois do desenvolvimento da indústria bélica e das  
guerras necessárias à realização de suas mercadorias, como a melhor alternativa para tentar dar  
corpo aos fantasmas da especulação (Marx, 2017), os quais, por mais que se esforcem, não  
encontram lastro equivalente na realidade.  
108  
Esta “tarefa” não é simples e impõe a subordinação geral do conjunto social, como  
sinaliza Fontes (2010). É preciso converter bens naturais em commodities, assalariados em  
empreendedores individuais que recorrem ao capital portador de juros na tentativa de abrir ou  
desafogar seus negócios. Direitos são convertidos em privilégios, empregados em  
colaboradores, solidariedade em concorrência. Valores decrépitos se insinuam como novos, o  
que só é possível a partir de uma profunda alteração da morfologia do trabalho (Antunes, 2013)  
transformadora da própria classe que, fragmentada, é condicionada a uma práxis  
individualizada e estéril. Para tal condução, constitui-se, a despeito da ideologia do  
minimalismo, um Estado que é mais forte do que nunca. Mais que isso, um Estado que é  
máximo para o capital (Netto, 2011), que, em nome de sua gigantesca corpulência, tudo engole,  
deixando para o trabalho, e só para ele, o Estado mínimo.  
4
Importa salientar que essa hegemonia do capital portador de juros não resulta de uma disputa entre frações da  
burguesia, mas sim do limite imposto pelo próprio desenvolvimento da sociedade à realização de mercadorias, que  
encontram cada vez mais dificuldades para efetuar seu "salto mortal" (Marx, 2014, p. 180) e garantir o metabolismo  
societário.  
Libertas, Juiz de Fora, v. 24, n. 1, p. 104-125, jan./jun. 2024. ISSN 1980-8518  
Neoliberalismo: a lógica irracional do capitalismo em decadência  
Por isso, as novas manifestações do neofascismo ainda que decaiam numa nação,  
reerguem-se em outras, seja através de um mandato ou de uma nova guerra, sem nunca tornar  
a violência prescindível, se considerarmos o complexo em processo de totalização (Lukács,  
2003) que internacionalmente caracteriza a sociedade burguesa. A violência multifacetada é a  
força motriz principal da permanência da sociedade da mercadoria, sejam elas concretas ou  
intangíveis, e ainda que sua brutalidade opere nos marcos dos regimes democráticos. Desvela  
assim os limites históricos atingidos por uma sociabilidade que, para garantir sua reprodução  
tardia, hipertrofia sua condição predatória, adquirindo tamanha capacidade destrutiva, que  
assume contornos autofágicos.  
Certamente, não se discute que a sociedade do capital e seu Estado se equilibram entre  
a coerção e o consenso para manter a sua ordem anárquica. Esta é a marca das relações sociais  
fundadas na antinomia do capital e trabalho, desde que a classe operária se tornou capaz de  
buscar sua projeção societária particular, que é nada mais do que a destruição de todo  
particularismo de classes. Mesmo os regimes declaradamente autocráticos tiveram de caminhar  
por estes atilhos contraditórios e complementares. E é esta antinomia que não deixa alternativa:  
se a necessidade de valorização dos capitais não permite concessões à classe trabalhadora, ainda  
que como tal esta não se reconheça, é preciso engrossar o caldo da força bruta. O consenso,  
originalmente materializado nas políticas sociais que internacionalmente são resumidas pela  
privatização, focalização, descentralização neoliberal (Behring, 2003) é cada vez garantido  
pela ideologia irracionalista.  
109  
Encontramos assim a existência de um fio condutor que conecta não apenas os traços  
da barbárie burguesa, que na década de 1970 cria novos e mais profundos modos de ser, à  
barbárie contemporânea. As autocracias, que outrora tomaram os países de capitalismo  
dependentes para conter a ação revolucionária ascendente, foram pressupostos necessários à  
nova onda neoliberalizante, por terem sido capazes de aniquilar não apenas as organizações do  
trabalho, mas os seus oponentes e os espaços de sociabilidade que cultivavam as novas gerações  
de lutadores. Permitiram ao capital um ganho de tempo indispensável para seu rearranjo.  
Neste percurso, os regimes democráticos são convertidos em regimes suficientes para o  
desenvolvimento da violência neoliberal em toda a sua essência e o neofascismo, como  
fenômeno novo (Boito, 2020), não emerge como resposta a uma ameaça revolucionária a ser  
derrubada; mas como meio de garantir o avanço da acumulação capitalista para além das  
barreiras da superexploração, eliminando as reminiscências da velha socialdemocracia, dentro  
dos próprios marcos do seu regime.  
Natália Perdomo dos Santos  
O neoliberalismo consolida-se como estratégia fundamental de conservação da  
sociedade burguesa, sem a qual não seria possível garantir o equilíbrio, cada vez mais instável,  
do processo de valorização do valor e neutralizar a revolta, mesmo que despolitizada,  
desorganizada e em estado de pulverização, que se expressará frente a um modo de produção e  
reprodução social que esgotou suas capacidades civilizatórias (Mészáros, 2002). E não  
necessariamente por sua eficácia, mas pela falta de alternativas haja vista a incapacidade de  
reverter uma crise que passa a portar caráter estrutural (Mészáros, 2009) tornou-se, até então,  
incontornável à permanência do tardocapitalismo.  
Tal afirmação está, contudo, distante de sugerir que os fenômenos sociais típicos do  
neoliberalismo contemporâneo se apresentem como na década de 1970. Outrossim, diante de  
crises cada vez mais profundas e longas, que não apenas se defrontam com a queda das taxas  
de lucro, mas também com a queda da massa de lucros, como ocorrido na crise dos subprimes  
de 2008, o capital é obrigado a reinventar-se. E, sem dúvidas, é pleno de capacidades para tal,  
ainda que revele sua essência destrutiva. Essa se expressa não somente na economia, mas no  
meio ambiente, na política, na decadência ideologia, nas capacidades intelectivas e práticas da  
humanidade, em seu estado psicofísico, na estética, na vida do novo ser social, forjado à  
imagem e semelhança do capitalismo decadente.  
Essa base material sobre a qual sustentamos a crítica ao neoliberalismo, no entanto, não  
é consensual mesmo entre seus críticos. A própria cultura herdeira do estruturalismo, que é  
expressão teórica e ideológica da etapa decadente do capital, é capaz de olhar-se no espelho e,  
ao contrário de Narciso, achar feio o que vê. Só não pode perscrutar sua imagem a ponto de  
reconhecer nela um conteúdo que também faz parte do problema.  
110  
Como todo produto social, o neoliberalismo se transforma no curso de seu  
desenvolvimento, mas somente a partir de seus fundamentos ontológicos e não dos discursos  
produzidos sobre si mesmo, pode ser compreendido e enfrentado. Esse é o caminho teórico-  
metodológico oposto ao percorrido pela crítica romântica, avessa não à sociedade de classes,  
mas à razão moderna, e que, ao livrar-se “das categorias capazes de apreender subjetivamente  
essa racionalidade objetiva, categorias que englobam, superando, as provenientes do "saber  
imediato" (intuição) e do "entendimento" (intelecto analítico)” (Coutinho, 2010, p. 28), não é  
capaz de extrair a essência da realidade, que é senão expressa por seu movimento.  
Libertas, Juiz de Fora, v. 24, n. 1, p. 104-125, jan./jun. 2024. ISSN 1980-8518  
Neoliberalismo: a lógica irracional do capitalismo em decadência  
2 - Dardot, Laval e a Razão dos franceses  
A obra A nova razão do Mundo, dos foucaultianos franceses Pierre Dardot e Christian  
Laval, publicada na França em 2009, chega ao Brasil em um momento sui generis de nossa  
história. O golpe de novo tipo (Demier, 2017) ocorreu em um país cuja ideia de nação foi forjada  
à base de sucessivos golpes de Estado, mas que, no ano de 2016, testemunhou a capacidade  
renovadora de “suas tradições”. A derrubada de um governo democraticamente eleito se  
sustentou não pela força dos canhões, mas sobre os próprios alicerces do regime democrático.  
Deu-se fim ao segundo mandato de Dilma Rousseff, sem que ataques misóginos fossem  
poupados. Foi interrompida a sequência de governos petistas, deterioradas as já rarefeitas  
conquistas deste período e destruídos os direitos históricos, ainda que insuficientes, que o  
antecederam.  
Neste cenário, as teses de Dardot e Laval ganham eco considerável no campo crítico à  
viragem da burguesia, que assume a gestão do Estado a partir de seus representantes diretos.  
São especialmente insufladas pela necessária imposição de pensarmos as transformações do  
neoliberalismo, diante de um cenário de generalizada insegurança e dilaceração vertiginosa das  
condições de vida.  
O ensaio dos franceses propõe analisar o que seria o processo de continuidades e roturas  
ocorridas desde a naturalização das teorias constituídas pelos liberais clássicos do século XVIII.  
Apontam que a exacerbação do Laissez-faire teria sido interrompida pelo que os autores  
chamam de “crise de governamentalidade do liberalismo”, desdobrada do que chamamos nós  
de emergência da “questão social”. Essa crise de legitimidade teria compelido o remanejamento  
teórico e interventivo do papel do Estado, que precisava dar respostas políticas para enfrentar  
os processos de disputa que, especialmente a partir da Comuna de Paris de 1871, musa  
inspiradora da vitoriosa Revolução Soviética de 1917, ameaçavam a reprodução da sociedade  
burguesa.  
111  
Este movimento gerou uma rápida reação, que teve como marco o Colóquio Walter  
Lippmann, de 1938, quase dez anos antes da formação da Sociedade Mont Pèlerin, como bem  
sinalizam os autores. No Colóquio, surge um conjunto de elaborações que permaneceria  
marginal por mais de 30 anos, mas que bem definiu duas correntes de um nascente pensamento  
neoliberal: o ordoliberalismo alemão, encabeçado por Walter Eucken e Wilhelm Röpke, e o  
neoliberalismo austro-americano, que teve Friedrich Hayek como principal expoente. Essas  
correntes não pretendiam reabilitar o liberalismo clássico, como demonstrou Friedman (2003)  
com a popularização da renda básica universal, na década de 1960. Prenunciavam uma política  
Natália Perdomo dos Santos  
que refletiria o porvir, mas que somente se expressaria no fim da onda longa ascendente que  
marcou a década de ouro do capitalismo.  
Os autores, todavia, não apenas declaram suas intenções de pensar o neoliberalismo  
desde as raízes até a sua morfologia contemporânea. Eles se ocupam, antes de mais nada, da  
crítica aos seus analistas, ou mais precisamente aos analistas marxistas, como exposto na  
introdução do livro. Neste primeiro momento, anunciam o propósito de enfrentar o que,  
segundo eles, caracterizaria um erro de diagnóstico realizado acerca do Neoliberalismo.  
Dardot e Laval parecem admirados com a longevidade neoliberal ao identificarem sua  
permanência, ainda que em meio à crise de 2008, famosos neoliberais, como Joseph Stiglitz,  
anunciassem prematuramente a derrocada do projeto que defenderam. Levantam, assim, com  
inegável truísmo, a questão que não quer calar: como é possível que apesar das tão perversas  
consequências das políticas neoliberais, elas sigam existindo, sem encontrar pelo mundo  
maiores resistências?  
A chave de resposta desta questão não tarda a aparecer em A Nova Razão do mundo.  
Ela estaria exatamente na política, mas não na macropolítica. Propõem os autores a noção  
biopolítica de Foucault5, que enfatiza a influência do poder sobre os corpos, que são tanto alvo  
quanto agentes das relações de poder, gerando um estado de sujeição dos indivíduos entre si e  
consigo mesmos, independentemente da própria ação do Estado. Dardot e Laval discutem o  
neoliberalismo pela via da reflexão sobre o modo de governo e suas estratégias, abordando não  
apenas o que chamam de aspectos negativos como os direitos que ele destrói , mas o que ele  
é capaz de criar no campo das relações sociais, e que determinará uma forma de existência, uma  
dada subjetividade produzida pelo “admirável mundo novo”6, que é o seu neosujeito.  
É a partir do marco do problema da governamentalidade7, desenvolvido por Foucault  
no curso Segurança, território, população, e apresentado no Collège de France (1977-1978),  
que Dardot e Laval acreditam traçar o diagnóstico correto sobre o neoliberalismo,  
desconstruindo “os limites do marxismo”; ou daquilo que a parelha acredita ter entendido das  
correntes múltiplas, distintas e muitas vezes divergentes que do pensamento Marxiano  
derivam, mas que, como batatas, são por eles postas no mesmo saco.  
112  
5 Michel Foucault foi um historiador e filósofo pós-estruturalista francês.  
6 O romance de Aldous Huxley foi publicado em 1932 e apresenta um mundo distópico, que combina tecnologia,  
manipulação psicológica e uma profunda alteração das relações sociais.  
7
A questão da governamentalidade não se finda apenas na ação do Estado, mas compreende o conjunto de  
instituições e articulações capazes de gerar uma conduta disciplinadora das ações individuais, que resultam na  
gestão do corpo social.  
Libertas, Juiz de Fora, v. 24, n. 1, p. 104-125, jan./jun. 2024. ISSN 1980-8518  
Neoliberalismo: a lógica irracional do capitalismo em decadência  
Teremos assim a proposição de que os marxistas se fecham na concepção “que faz da  
‘lógica do capital’ um motor autômato da história”; “reduzem a história a uma repetição dos  
mesmos roteiros, com as mesmas personagens vestidas com novos figurinos”. Os franceses  
afirmam ainda que a tendência à centralização de capitais exposta em O capital caracterizaria  
uma lei natural, e encontram no marxismo o suposto e requentado determinismo da “ruína final”  
e do socialismo como desaguadouro inevitável da história. Em síntese, e conforme os próprios,  
não seria possível contentar-nos com Karl Marx e Rosa Luxemburgo para desvendar os  
mistérios da contemporaneidade, pois insuficiente seria “a interpretação marxista, por mais  
atual que seja” (Dardot; Laval, 2023, p. 21).  
Apesar de buscarem uma posição original, supostamente destacada tanto do pensamento  
dominante quanto da tradição marxista, a posição “não ortodoxa” dos autores combina  
ecleticamente matrizes teórico-metodológicas absolutamente distintas. Independente dos vieses  
que daí derivam, é notório que a defesa de sua tese é precedida da crítica a Marx, ainda que  
com a superficialidade dos liberais. Incidem assim na mesma vulgata que vem sendo utilizada  
desde o século XIX, para deformar e falsificar a teoria Marxiana e assim justificar a ordem do  
capital. E o fazem, ainda que não se declarem defensores da sociedade burguesa, mas por  
considerarem que este não é mais o ponto central ou por desconsiderarem qualquer horizonte  
que a ultrapasse, como fica expresso no fatalismo que norteia a obra.  
113  
2.1 - O Estado e o neoliberalismo  
Os franceses afirmam que, ao contrário da visão simplista de que os mercados teriam  
conquistado o Estado e, a partir disto, dominado a sua política, teria sido justamente através  
deste que se daria a universalização do modelo empresarial na economia. Põem-se, desta forma,  
a desenvolver uma discussão assemelhada ao velho questionamento sobre se o primeiro a  
chegar teria sido o ovo ou a galinha, quando já há muito se sabe que galinhas não podem  
anteceder a existência dos ovos.  
Não obstante, e buscando acordos com os próprios autores, que recuperam corretamente  
a concepção de que o mercado não pode atuar sozinho, sendo do Estado a mão não tão invisível  
que garante sua motilidade, podemos afirmar que tampouco atuaria o Estado como ser flutuante  
sobre as classes e dotado de interesses próprios. Nos demonstra a história e desta não se pode  
abrir mão que é a disputa de projetos societários e a correlação de forças estabelecida em cada  
particularidade do tempo e do espaço a determinante não apenas do tipo de governo, mas do  
tipo de regime e, em situações especiais, do tipo de Estado que será instituído.  
Natália Perdomo dos Santos  
Certamente, devemos enfatizar o papel decisivo do Estado para o que chamou Chesnais  
(1996) de “mundialização do capital”, mas não se pode perder de vista que a constituição das  
sociedades produtoras de excedentes, antecede o Estado como forma de organização social.  
Destaca-se ainda que o Estado não é uma coisa como bem dizia Marx sobre o próprio capital  
(2014), nem um ser monolítico. Deve ser entendido, conforme Harvey (2006), como uma  
relação social em processo, que se materializa historicamente através de um conjunto de forças  
e instituições que determinam e normatizam elementos da sociabilidade, inclusive daquilo que  
caracteriza a transgressão. Mandel (1985, p. 335) afirma que “suas funções não podem ser  
derivadas diretamente das necessidades da produção e da circulação de mercadorias”, pois  
muito antes da sociedade das mercadorias, também o Estado estava posto, nas suas distintas  
formas, respondendo pela manutenção de uma dada ordem, que preponderava socialmente.  
Os Estados não assumem, nem tampouco ditam por conta própria diretrizes políticas ou  
econômicas conflitantes com aquelas que se tornam dominantes na vida social. Às barbas da  
Fiesp8 não seria possível legislar sobre a socialização dos meios de produção, como fizeram os  
soviéticos, pois o Estado é um produto histórico posto no desenvolvimento societário, que atua  
sobre os conflitos de interesses particulares de classes, com a premissa de proteger aqueles que  
se constituíram como dominantes. O Estado feudal garantia assim o domínio dos proprietários  
de terra e atrasou em diversas nações o processo de desenvolvimento de uma burguesia  
mercantil. Para que chegasse, portanto, a trabalhar em prol da universalização da “lógica da  
concorrência e [d]o modelo de empresa” (Dardot; Laval, 2023, p. 19), a direção do Estado  
precisou ser tomada pela burguesia por meio de uma revolução. Revolução que inaugura a  
existência de uma autonomia relativa do Estado frente à nova dinâmica societária, e cujas  
funções, como demonstrou Mandel (1982, p. 333), não poderiam ser “puramente  
superestruturais”9.  
114  
É no capitalismo que a economia e a política aparecem pela primeira vez como esferas  
separadas, através de um processo de despolitização da vida social, mediada pela erosão das  
antigas feudalidades (Marx, 2017). Esta conformação, contudo, se dá através de um  
destacamento entre a forma jurídico-política e o conteúdo societário. O Estado moderno institui  
uma universalidade abstrata, expressa nos “direitos iguais”. A supressão do particularismo  
estamental legalmente determinado nas sociedades feudais10, emancipou politicamente a  
8 Federação das indústrias do estado de São Paulo.  
9
Importa lembrar que a alegoria da estrutura e superestrutura tem finalidade pedagógica e trata de relações se  
articulam na realidade.  
10 Particularismo legal também presente nas sociedades escravagistas, como o Brasil.  
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Neoliberalismo: a lógica irracional do capitalismo em decadência  
burguesia, e garantiu a manutenção das desigualdades concretas postas na estrutura social e que  
se tornaram cada vez mais complexas.  
Mandel (1982) vai demonstrar ainda que o Estado Moderno é a forma organizativa da  
burguesia. Na idade dos monopólios, ele robustece sua ossatura, na medida em que a  
constituição do proletariado como classe para si (Marx, 2018) impõe a admissão de novas  
funções que, para além da ação coercitiva pura, sejam capazes de criar consenso. Esse  
alargamento faz também com que a autonomia do Estado se expanda, inclusive para protegê-lo  
em seu parlamento da disputa por políticas sociais, mas sem que seu caráter “relativo” seja  
suprimido.  
A despolitização da sociedade e a deseconomização do Estado não podem, assim,  
impedir que a política seja obra da sociedade, nem que a economia seja alvo de intervenção do  
Estado, pois essa divisão de tarefas oculta relações que se entrecruzam na totalidade da vida  
social, ainda que tal articulação não seja manifesta na aparência imediata dos fenômenos. No  
entanto, o esforço realizado para defender a existência de uma primazia da política sobre a  
economia, ou ainda mais, um destacamento entre ambas, é tamanho em Dardot e Laval, que os  
impedem de perceber que o Estado “foi capturado pela lógica monopolista – ele é o seu Estado;  
tendencialmente, o que se verifica é a integração orgânica entre os aparatos privados dos  
monopólios e as instituições estatais” (Netto, 2011, p. 26).  
115  
Isto foi bem demonstrado pela onda de estatizações operada pelo “Estado mínimo”  
norte-americano que, em 2008, e a despeito da defesa do não intervencionismo, salvou da  
bancarrota instituições financeiras tais quais Fannie Mae e Freddie Mac. O Estado no  
tardocapitalismo é o Estado de uma forma capital despreocupada com a criação de empregos  
em massa, que impulsionem o consumo também massivo de mercadorias. É o Estado do capital  
portador de juros, preocupado em facilitar a migração internacional de capitais, a venda de  
títulos e “papéis podres”, e a conversão do fundo público formado pelo trabalho em capital.  
Mas, Dardot e Laval incorporam no seu discurso o divórcio entre forma e conteúdo que  
particularizam a sociedade burguesa e admitem que não é o enfrentamento à burguesia o  
problema contemporâneo, pois os corpos convertidos em empresas que dominam a si mesmos  
constituem novos poderes. Aqui demonstra-se o direcionamento teórico-metodológico dos  
autores, que invocam Foucault em toda a sua essência proto pós-moderna (Rodrigues, 2006)  
E o que é o neoliberalismo para Dardot e Laval? Para os franceses, o neoliberalismo ou  
a “racionalidade neoliberal” teria se desenvolvido a partir da década de 1980, e não resultaria  
da aplicação prática das elaborações da década de 30. Estaria voltado para a gestão de uma  
Natália Perdomo dos Santos  
nova tecnologia de controle social que, para além do Estado, produzisse o que chamam de  
“novo sujeito” e a “racionalização do desejo”. (Dardot; Laval, 2023, p. 333).  
É interessante notar como nesta síntese nossos autores negam a relevância da  
experiência chilena que, ao sul do mundo, qualificou a ascensão de Reagan e Thatcher, e abriu  
caminho ao que chamam Dardot e Laval (2023, p. 17) de “o conjunto de discursos, práticas e  
dispositivos que determinam um novo modo de governo dos homens segundo o princípio  
universal da concorrência”. Afirmam ainda, que o modus operandis admitido “neste caso”, teria  
sido um “método particular” de uma situação particular (Dardot; Laval, 2023, p. 20). Caberia  
ao argumento dos franceses que hoje não é mais necessário queimar, à luz do dia, os corpos  
vivos de seus adversários, como fez no Chile a patrulha militar com Rodrigo Rojas e Carmen  
Gloria Quintana, no ano de 1986. E, de fato, a história demonstrou que, em dadas condições de  
desmantelamento das organizações da classe trabalhadora, é a própria democracia burguesa um  
terreno suficiente à expansão do neoliberalismo.  
Nos países dependentes, que experimentam as capacidades destrutivas do capitalismo  
decadente em todas as esferas da vida, ainda que o avanço neoliberal possa preservar  
formalmente as liberdades políticas, não é possível evitar a violência como método para sua  
realização, pois a “queima” não apenas dos adversários, mas do conjunto dos excedentes do  
capital é elemento imprescindível à reprodução do tardocapitalismo.  
116  
Esse movimento tem implicações sobre recursos naturais, como demonstram, por  
exemplo, os desastres provocados pelo aquecimento do planeta. Afetam até mesmo os capitais  
constantes, como evidencia a desindustrialização no Brasil11. Não obstante, são os  
trabalhadores, especialmente aqueles trajados pela fantasia do empreendedorismo, que seguem  
como a lenha mais importante da fogueira do capitalismo, em suas novas e diversas formas.  
As teses sobre o pós-trabalho, que caminham lado a lado com as de Dardot e Laval, para  
os quais não há mais classes, apenas sujeitos atomizados, são refutadas pela realidade quando,  
no curso da pandemia de COVID-19, a burguesia implora para que os trabalhadores enfrentem  
a morte e salvem a economia. Isso demonstra não apenas que o capitalismo é incapaz de  
produzir riquezas sem o trabalho, mas que o faz sem nunca preterir a eliminação física. Opera  
seja pela fome, pelo COVID, pelos tiros que, apesar da democracia, tiraram a vida Marielle  
Franco em 2018, como o fazem com aqueles que, no campo, se levantam contra a expansão do  
11 Ainda que a mecanização do campo constitua fábricas a céu aberto, estamos tratando de produtos de baixo valor  
agregado, incomparáveis com a produção do que Marx (2017b) categorizou como departamentos I e II da  
produção.  
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Neoliberalismo: a lógica irracional do capitalismo em decadência  
latifúndio, ou no extermínio racial que diariamente controla nas favelas brasileiras o modo de  
ser dos trabalhadores negros, que constituem a camada mais pauperizada desta classe.  
Para Dardot e Laval o neoliberalismo seria então uma nova racionalidade desenvolvida  
a partir de dados artifícios voltados à construção do “homem-empresa ou do sujeito empresarial  
(...) inteiramente imerso na competição mundial” (Dardot; Laval, 2023, p. 322). Os franceses  
inclusive reivindicam Marx para afirmar a tese de que a subjugação cumpre papel principal na  
história; mas, para quê? O movimento pela dominação, segundo os autores, se apresenta como  
um circuito que gira em torno de si mesmo, no qual todos dominam e são dominados, não  
havendo finalidade e nem direcionamento.  
Concordemos, todavia, com Dardot e Laval quando afirmam que o neoliberalismo  
emprega técnicas de poder inéditas. Inéditas, contudo, também foram as técnicas do  
Imperialismo clássico, como a realização da Primeira Guerra Imperialista (Lenin, 2005) da  
história da humanidade, como recurso voltado à disputa por mercados. Tais transformações do  
neoliberalismo identificadas pelos franceses indicam, tão somente, a gigantesca plasticidade do  
próprio capitalismo, que se renova para seguir existindo. E se não há dúvidas de que as técnicas  
elaboradas na sua operacionalização foram capazes de engendrar condutas e subjetividades que  
lhes são particulares, podemos igualmente afirmar que a capacidade de transformar as relações  
e a conduta do ser social não é novidade nem característica especial, que a partir desta nova  
etapa teria se inaugurado.  
117  
Vejamos o fordismo, que consolidou a idade dos monopólios no início do século XX.  
A introdução da esteira constituiu muito mais do que uma técnica de produção. Forjou o  
operário-massa, estável, rígido, fragmentado pelo trabalho repetitivo. Operários que, por um  
lado, projetavam o american way of life no ideário fetichizado das camadas populares e  
fomentava o consumo massivo de mercadorias; por outro, era capaz de desenvolver  
solidariedade de classes, através da reunião do sofrimento comum e compartilhado nas grandes  
fábricas. Instituiu um tipo particular de que já estavam postas na sociabilidade burguesa, um  
ethos social que exigia “um novo sistema de reprodução da força de trabalho, uma nova estética,  
uma nova psicologia, em suma, um novo tipo de sociedade democrática, racionalizada,  
modernista e populista” (Harvey, 1992, p. 121).  
Estes termos se tornaram absolutamente incompatíveis com as demandas  
correspondente à ascensão do capital portador de juros. Um novo ethos é cultivado, como bem  
percebem Dardot e Laval, e segue profundamente ligado à forma como o trabalho se desenvolve  
nesta nova etapa, como nos demonstrou Marx e Engels (2007). E não foi por acaso que a  
construção desta nova subjetividade, que é o “ponto forte” da obra de Dardot e Laval, foi  
Natália Perdomo dos Santos  
precedida por profundas modificações, operadas pelas sucessivas reestruturações produtivas, as  
parteiras dos diversos “modos de ser da informalidade” (Antunes, 2013, p. 14), que implicaram  
diretamente no modo de ser da classe.  
E se é verdade que as capacidades e características portadas pelo neoliberalismo hoje  
não poderiam ser previstas na década de 1930, já que anteceder a realidade não é habilidade da  
não-teoria neoliberal, tampouco se pode negar que o Estado seguiu à risca as orientações de  
Hayek (2022) sobre a necessidade de destruir o poder de pressão dos sindicatos. A partir daí, e  
sucessivamente, foi possível criar manifestações novas e inimagináveis pelos pioneiros.  
Dardot e Laval afirmam que “A originalidade do neoliberalismo está no fato de criar um  
novo conjunto de regras que definem não apenas outro regime de acumulação, mas também,  
mais amplamente, outra sociedade” (Dardot; Laval, 2023, p. 24). Seguramente, o regime de  
acumulação capitalista admite distintas formas no processo histórico, que vão determinar  
modos de regulação que consistem exatamente nas engrenagens cambiáveis, que serão capazes  
de garantir a reprodução do regime de acumulação. Dardot e Laval somente não puderam  
explicar, ao longo de todo livro, qual seria a “nova sociedade” por eles identificada.  
Contudo, a nova gestão da acumulação de capital, que caracterizou o regime de  
acumulação flexível (Harvey, 1992) acelerou as contradições de uma sociabilidade que forja  
relações antissociais, instáveis, efêmeras e fungíveis, que admitem as formas da mercadoria  
conforme ela se apresenta nesta etapa. Sociabilidade esta que é precarizada, assim como o são  
os trabalhadores polivalentes, terceirizados, quarteirizados, deprimidos pela insegurança do dia  
de amanhã, cada vez mais desprotegidos, a ponto de perderem até o “status de assalariado”. E  
“se o comportamento dos indivíduos (...) não é mais inteiramente descritível e prescritível”  
(Dardot; Laval, 2023, p. 342), essa extrema individuação é desdobrada da exaustão, da busca  
permanente pela inovação, da instabilidade permanente da vida, que atomizaram a classe, a  
cada dia mais heterogeneizada, pulverizada e imersa no estranhamento.  
118  
A eliminação da regulação sobre a relação capital/trabalho, serviço ao qual o Estado  
neoliberal se dedica, catalisa a transformação do ser social em empresas que concorrem entre  
si. É a base material de um convencimento ideológico, que se dá pela interiorização das  
deformações sociais na psique do ser, demonstrando que “aquilo que aparece invertido na  
ideologia é expressão de um mundo invertido” (Iasi, 2017, p. 108). Só assim foi possível  
converter a classe trabalhadora em “empreendedores de si mesmos”, a serem responsabilizados  
por manter, inclusive, os meios de produção utilizados na exploração de si mesmos, operada  
via aplicativos. O trabalhador entende-se como “proprietário de capital humano” (Dardot;  
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Neoliberalismo: a lógica irracional do capitalismo em decadência  
Laval, 2023, p. 346). E assim seguem como meros detentores de sua força de trabalho, sem  
sequer encontrar onde pô-la à venda.  
E se o trabalhador não está mais 14 horas por dia confinado à fábrica, como outrora,  
tem sua vida transformada em um impulso permanente para o trabalho de sua empresa/corpo.  
E tudo isso, porque não é o capitalismo, e nem tampouco o neoliberalismo em si, apenas um  
regime de acumulação, mas um conjunto de relações sociais que avança na reificação e  
reproduz no ser social as características necessárias à reprodução do capitalismo decadente.  
Dardot e Laval (2023, p. 24), entretanto, afirmam categoricamente que “a sociedade  
neoliberal não é reflexo de uma lógica do capital”. Concordamos mais uma vez. Ela não é  
reflexo, pois é A lógica irracional do capital em tempos de decadência societária. A lógica  
organizativa que permite que o hiato existente entre a riqueza imaterial negociada pelo capital  
fictício e a riqueza real socialmente produzida possa ser mitigado. E essa mitigação só pode ser  
dada pela captura de valores reais, visto que o capital portador de juros nada produz (Iamamoto,  
2007), que no fundo público, formado pelo trabalho, encontra recurso fundamental ao  
distensionamento de uma inquebrantável crise de liquidez.  
2.2 - A crítica ao marxismo que não leu Marx  
De fato, não é possível esperar de Marx uma decodificação do neoliberalismo ou  
subsídios suficientes para a análise do conjunto das relações contemporâneas. A obra de Marx  
não configura um saber total, e sua epistemologia é subordinada ao modo de ser do objeto que  
investiga, o que determina seu caráter ontológico. Isto quer dizer que a teoria do conhecimento  
proposta por Marx não se destina a elaborar uma teoria geral do ser genérico (Netto, 2009) pois  
o conhecimento decorre precisamente do ser socialmente determinado ao qual nos pomos a  
estudar, sendo tal objeto também determinante da forma de conhecê-lo.  
119  
Esta concepção metodológica hipoteca o conhecimento à perquirição sucessiva da  
realidade que, para ser apreendida, demanda esforços investigativos permanentes, já que o real  
é um processo dinâmico contraditório e em constante transformação. Aventar a hipótese de que  
Marx, Rosa, Lênin ou Trotsky bastariam para a leitura das relações contemporâneas seria um  
erro atroz e a primeira mutilação do método Marxiano. Negá-los, contudo, não acarreta um erro  
menor.  
2.2.1 - Em defesa do marxismo  
É no próprio desenvolvimento da sociedade burguesa que a História se consolida como  
o guia imprescindível para a compreensão do movimento da sociabilidade humana ao longo do  
Natália Perdomo dos Santos  
tempo; e demonstra que nela somente é permanente a sua incapacidade de manter-se estática.  
A dialética e a história vertebram a filosofia da práxis, desenvolvida por Marx, no curso da sua  
obra. É justamente a materialidade em movimento que permitiu a descoberta da lei do valor,  
regente da sociedade burguesa em todas as suas fases. É esta que sustenta a perspectiva  
revolucionária que compreendeu a amovibilidade da realidade, na qual “os homens fazem sua  
própria história, mas não a fazem como querem” (Marx, 1986, p. 17). Isto resulta de uma  
concepção  
do mundo da natureza, da história e do espírito como um processo, isto é,  
como um mundo sujeito à constante mudança, transformações e  
desenvolvimento constante, procurando também destacar a íntima conexão  
que preside este processo de desenvolvimento e mudança. (Engels, 1979, apud  
Netto, 2010, n.p.)  
Desenvolver-se – o que não necessariamente se equipara a uma ideia valorativa de  
positividade e progresso – é condição da sociabilidade humana, acelerada pelo salto ontológico  
alçado através do trabalho. O capitalismo, que é contradição em processo, dinamiza essa  
capacidade como nenhuma outra forma social e no curso do neoliberalismo, não poderia ser  
diferente. Esta concepção cambiante e contraditória da vida social atravessa a obra Marxiana e  
é, de fato, surpreendentemente vulgar a acusação de que aos olhos do marxista a história poderia  
apresentar-se sempre igual, pois nada pode ser menos marxista do que tal afirmação.  
A leitura de Marx e do marxismo realizada por Dardot e Laval objetivamente bebe mais  
do estruturalismo, que também influenciou a crítica de Foucault, referência hors concours12 dos  
autores. Consiste aí o primeiro erro de Dardot e Laval, que os impede de ir além dos detratores  
clássicos do marxismo e se não servirá de arrimo aos que seguirão, muito os ajudará.  
Categoricamente, podemos afirmar que os autores miram em Marx, mas atingem o  
maniqueísmo desdobrado do que chamou Lefebvre (1979) de dia-mat, ou dialética materialista  
estalinista.  
120  
Em tempo, a lógica do capital não é, para Marx, o motor da história; ao contrário, a  
lógica do capital torna-se um entrave ao desenvolvimento das forças produtivas, entendidas  
como um sistema que vai além do desenvolvimento da tecnologia, que abarca a natureza e a  
humanidade em sua objetividade e subjetividade. Por isso, a crise que atravessamos e que tem  
a radicalização do neoliberalismo como desdobramento, tampouco poderia ser entendida pelo  
marxista como uma crise qualquer, como afirmam os franceses.  
Importa lembrar que é sobre isso que Rosa Luxemburgo tratava quando bradava  
“socialismo ou barbárie". Ela demonstrava não a existência de um caráter teleológico da história  
12 Fora de concurso ou referência incomparável.  
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Neoliberalismo: a lógica irracional do capitalismo em decadência  
em Marx, ou do que nossos autores chamariam de determinismo da “ruína final”. Não se trata  
em nenhuma hipótese o que inclusive traria muito conforto e descanso aos lutadores de  
tratar o socialismo como um dado inescapável, que um dia chegará. Trata-se apenas de  
historicizar o capital que, como qualquer produto da humanidade, não pode ser eterno e que, se  
não for socialmente superado, ainda assim ruirá na barbárie que caracteriza a sua força  
civilizatória.  
Estamos, pois, de acordo com Barreto (2022, n.p.) e dizemos apenas o seguinte: “Se ao  
correr o monstro pega e ao ficar o monstro come, mate o monstro”. Se seremos capazes de  
matar o insaciável monstro da burguesia, que quanto mais come, mais tem fome, já é outro  
assunto. Enquanto isso, a síntese de Rosa se demonstra fiel à realidade, pois, dia após dia se  
avizinha de nós não o socialismo, mas revela-se a barbárie como a única face que se mantém  
viva de uma sociedade que, ao permanecer, apodrece sobre suas próprias bases.  
O fato é que, verdadeiramente, o motor da história seria, para Marx, a contradição. Mais  
especificamente, a das classes em luta. E o que Dardot e Laval que nem sequer consideram  
as classes não parecem compreender, é que o capitalismo e sua estratégia neoliberalizante se  
modificam justamente para que esta sociedade permaneça. E é essa transformação que oculta  
aos desatentos o caráter conservador por ela portado. Conservadorismo este que ergueu uma  
sociedade capaz de criar as condições de superação do sofrimento coletivo, mas que não o faz,  
pois tal superação contradita a sua própria existência.  
121  
Lamentavelmente, quando tentam ser irônicos, nossos autores acertam na realidade: a  
burguesia, e não apenas para o marxismo, é mesmo um sujeito coletivo que perdura no tempo  
ainda, acrescentamos por conta própria. Isso não que quer dizer que ela seja um sujeito eterno,  
assim como tampouco foram os Tzares na Rússia; fato que não os impediu de perdurar muito  
mais no tempo do que a própria burguesia aparentemente perdurará enquanto classe dominante,  
haja vista a degradação do planeta legada à nossa e às gerações porvindouras. Por isso,  
inclusive, é que o marxismo permanece atual, como foi bem observado pelos autores já na  
introdução de A nova Razão do Mundo. Permanece atual e mais atual do que nunca, pois,  
gostem ou não Dardot e Laval, o neoliberalismo, e as suas tragédias, seguem sendo explicadas  
pela Lei do valor.  
Os franceses afirmam que os marxistas fazem da “economia a única dimensão do  
neoliberalismo” (Dardot; Laval, 2023, p. 24). Ora, a crítica liberal da existência de um  
fatorialismo economicista na concepção de Marx não é nova e abstém-se do rico debate acerca  
do processo de formação da consciência que será determinada pelas relações travadas na  
Natália Perdomo dos Santos  
materialidade da vida pelos seres sociais, os quais antes de satisfazer as necessidades da  
fantasia, precisam satisfazer as necessidades do estômago, como bem demonstrou Marx (2014).  
Tivessem Dardot e Laval se debruçado seriamente sobre a obra de Marx, poderiam  
capturar não apenas as implicações que a materialidade da vida traz à construção da  
subjetividade quando se estão em jogo questões substanciais, como a ameaça à garantia da  
reprodução biológica do ser. Seria ainda possível compreender que “As ideias da classe  
dominante são, em cada época, as ideias dominantes, isto é, a classe que é a força material  
dominante da sociedade é, ao mesmo tempo, sua força espiritual dominante.” (Marx; Engels,  
2007, p.47). Isso quer dizer que se a consciência do entregador de aplicativo, que vê no espelho  
um empreendedor competitivo, não faz dele nada mais que um reprodutor de ideias que não são  
suas e que tampouco correspondem à realidade de uma superexploração aparentemente  
autogerida.  
Tampouco “a estranha faculdade do neoliberalismo de se estender por toda parte apesar  
de suas crises e das revoltas que suscita em todo o mundo” (Dardot; Laval, 2023, p. 21), lhes  
pareceria assim tão estranha, se tivessem novamente examinado com atenção a obra Marxiana.  
Foi esta que revelou o caráter eminentemente expansionista do capitalismo, que permitiu sua  
constituição como uma universalidade. Este modo de ser não involuiu; ao contrário. O  
neoliberalismo justamente é resultado e dinamizador do processo de mundialização do capital,  
como afirma Chesnais (1996), que associa o caráter expansionista do capitalismo sob a direção  
do capital portador de juros a uma dada política e a uma dada ideologia.  
122  
É ainda o neoliberalismo a forma mais capaz de fazer do Estado um capitalista total  
ideal (Mandel, 1982), que a qualquer custo precisa criar contratendências de crescimento  
econômico, habilitado a criar as condições adequadas para a reprodução de um novo modo de  
ser, necessário a sua manutenção. E tudo isso só se torna possível graças à faculdade portada  
pela sociedade burguesa de se estender por toda parte, apesar de suas crises e das revoltas que,  
desde a Primavera dos Povos de 1848, passou a suscitar pelo mundo.  
Considerações finais  
Dardot e Laval querem nos dizer que suas pesquisas revelam a verdadeira face  
neoliberal, e seus artifícios de poder, que resultam na sujeição dos indivíduos. Essa sujeição  
não seria uma relação puramente vertical, pois a gerência do Estado teria se espraiado  
socialmente, norteando o comportamento individual, controlando suas almas e corpos e  
impondo a cada um o controle de si mesmo. Os indivíduos/empresas que competem entre si,  
no entanto, resultam de uma “multiplicidade de processos heterogêneos” (Dardot; Laval, 2023,  
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Neoliberalismo: a lógica irracional do capitalismo em decadência  
p. 34) que engendram a tal nova racionalidade do mundo, que os autores expõem como um  
processo livre de teleologia. Não indicam a quem tais processos beneficiam ou ferem,  
justamente porque, segundo eles, não há o que chamam de “orquestramento”. O processo social  
trata-se, assim, da simples obra do caos, capaz de proporcionar um engajamento múltiplo,  
aleatório e independente de um ultrapassado interesse de classe. O desenvolvimento social não  
porta mais sentido e finda-se em si mesmo, admitindo fundamentos incognoscíveis.  
Dardot e Laval, em seu neoidealismo pós-estruturalista, são capazes de perceber e  
descrever características concretas da sociabilidade neoliberal e alcançam consequências  
genuínas deste processo. Fortalecem-se ainda na dificuldade enfrentada pelos marxistas, que,  
sob as influências da Terceira Internacional, pouco desenvolveram estudos substanciais sobre  
o movimento da subjetividade no curso do processo histórico contemporâneo. No entanto, seu  
ultra-subjetivismo não atinge o núcleo duro que responde pelas inegáveis transformações  
operadas no ser social, restritos que estão à epiderme do problema sobre a qual flutuam.  
Os franceses não percebem, principalmente, que a crise do neoliberalismo nada mais é  
que a incapacidade por ele portada para cumprir a tarefa de recompor as taxas de lucro, ainda  
que a política dos mais distintos governos, dos mais distintos países portem como finalidade  
primeira a garantia da transferência do maior quantum possível de valor real para encarnar os  
capitais fictícios. E, nesta direção, seja para garantir a apropriação do fundo público, o  
financiamento da guerra, ou a espoliação do que ainda resistiu a ser expropriado, a  
irracionalidade neoliberal é a lógica que expressa o capitalismo decadente, que só pela  
mediação da violência e do cerceamento irrestrito do ser pode manter-se de pé.  
123  
Se o neoliberalismo lhes parece a nova razão do mundo no qual o exercício do poder,  
não tem razão de ser, conforme sintetizam Dardot e Laval, tal construção se confunde com os  
elementos do irracionalismo por trás de seus autores. Estes, importa salientar, tal qual o Estado  
neoliberal, constituem sua obra em perfeita compatibilidade com o capitalismo tardio, na  
medida em que não o enfrenta. Há, portanto, um conteúdo conservador nos autores, ainda que  
este se apresente numa forma transgressora, pois seus argumentos obliteram os fundamentos  
do neoliberalismo e não podem dar conta de nada além do que está imediatamente posto.  
Dardot e Laval descreditam o marxismo, pois não os interessa romper as margens da  
sociedade burguesa. Daí surge o fatalismo que os impede de identificar a construção de “uma  
nova razão no mundo”, comprometida com a emancipação humano-genérica. Afinal, é o  
neoliberalismo que lhes importuna e nada mais. Tais aliados da crítica precisam ser, portanto,  
questionados. E para isso, invocamos novamente a poesia dos anos 1980: “Quem é o inimigo,  
quem é você?” (Russo, 1984). Ou, ainda, de que serve a crítica que não ajuda na construção das  
Natália Perdomo dos Santos  
duras lutas que precisam ser travadas para derrotar não apenas a forma contemporânea que o  
capital utiliza para seguir, mas a totalidade de uma sociabilidade para a qual o lucro vale mais  
que a chance de seguirmos vivos?  
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