Atividade sensível e gênero humano nos Manuscritos econômico-filosóficos de Marx
Para Marx, o fato de que o homem seja um ser sensível – corpóreo, vital, real, dotado
de forças naturais, em suma, um ser objetivo – significa que o homem “tem objetos reais,
sensíveis, como objeto de seu ser, de sua expressão vital”, de modo que ele “só pode expressar
sua vida em objetos reais, sensíveis”. Assim, assinala que “[...] ser objetivo, natural, sensível e
ter objeto, natureza e sentido fora de si, como ser objeto, natureza e sentido para um terceiro,
são coisas idênticas” (Marx, 2010, p. 198). Marx utiliza a fome como exemplo de que o homem
só pode encontrar seu objeto, que satisfaz essa necessidade objetiva e sensível – objeto com o
qual se relaciona como ser, como natureza fora de si –, quando ele se coloca diante do mundo,
isto é, quando se volta para a objetividade que existe diante dele – tanto como seu produto, sua
criação, como mundo humano, quanto como mundo natural mesmo3:
A fome é uma necessidade natural; necessita, portanto, de uma natureza
externa, de um objeto externo para satisfazer-se, para aplacar-se. A fome é a
necessidade admitida por meu corpo de um objeto que existe fora dele,
indispensável para sua integração e expressão essencial. O sol é objeto da
planta, um objeto indispensável para ela, que garante a sua vida, assim como
a planta é objeto do sol, como expressão da capacidade vivificadora do sol,
como expressão da capacidade essencial objetiva do sol (Marx, 2010, p. 198).
Assim como as demais espécies de animais, o homem também está em contato direto
com a natureza orgânica e inorgânica para a sua própria existência.
Considerada por Marx como o “corpo inorgânico do homem”, a natureza é algo do qual
ele não pode prescindir e com o qual ele “deve ficar em um processo contínuo para não morrer”.
De modo imediato, ela “fornece” ao homem os meios de vida, tanto no “sentido de que o
trabalho não pode viver sem os objetos nos quais é realizado”, ou seja, toda atividade depende
dos materiais adequados para ser realizada, quanto no sentido mais “estrito”, pois oferece “os
meios de subsistência física do próprio trabalhador” (Marx, 2010, p. 107). Nesse sentido, a
natureza, “o mundo externo sensível”, é imprescindível para que o homem crie algo e produza
sua própria existência, configurando-se assim no material de seu próprio trabalho, a partir do
qual o homem produz.
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Ainda que seja o material da atividade do homem, a natureza não se encontra
imediatamente adequada para ele, e ela só existe “humanamente” para o homem em sociedade.
Assim, o homem confere à natureza uma forma humana que só ele pode fornecer, inclusive
3
Sobre a necessidade de voltar-se para o mundo no trabalho, José Chasin destaca que esta atividade é
compreendida como a “protoforma” do mundo humano dos homens, ou seja, é uma atividade “especificamente
humana porque consciente e voltada a um fim” (Chasin, 2009, p. 92). Assim, em última instancia, o trabalho
corresponde à “prática mesma da fabricação do homem, sem prévia ideação ou télos último, mas pelo curso do
‘rico carecimento humano’, aquele pelo qual a própria efetivação do homem ‘como necessidade [Notwendigkeit]
interior, como falta (Not)” (Chasin, 2009, p. 92-93). Nesse sentido, o homem precisa voltar a si mesmo para o
mundo concreto, objetivo, que existe diante dele, e deve apreender suas conexões e causalidades naturais para
colocar em movimento no mundo causalidades postas por ele.