O homem para todas as estações: irracionalismo  
e neokantismo na sociologia de Max Weber  
Man for all seasons: irrationalism and neo-Kantianism in  
Max Weber's sociology  
Gabriel Magalhães Beltrão*  
Resumo: A sociologia de Max Weber emerge  
em uma Alemanha em que o irracionalismo era  
uma perspectiva ideológica muito forte. Deste  
ambiente intelectual marcado pelo pessimismo  
cultural (Löwy) o sociólogo de Heidelberg não  
passou incólume: na esteira de Georg Lukács,  
busca-se apresentar neste artigo as raízes  
irracionalistas do pensamento weberiano, sua  
Abstract: Max Weber's sociology emerged in a  
Germany where irrationalism was a very strong  
ideological perspective. From this intellectual  
environment marked by cultural pessimism  
(Löwy), the Heidelberg sociologist did not pass  
unscathed: in the wake of Georg Lukács, this  
article seeks to present the irrationalist roots of  
Weber's thought, its connection with the deeply  
subjectivist and fatalist ideological universe of  
Germany in its imperialist phase. However,  
these roots in Weber's thinking did not develop  
to the point of preventing him from erecting an  
epistemology that praises reason and science,  
moving away to a certain extent from the  
mythical and escapist thinking of German  
irrationalism. The author is presented as a  
beautiful synthesis of the "Head of Janus" that  
characterizes bourgeois thought of decadence  
(Coutinho), a "man for all seasons" (Mészáros),  
capable of synthesizing irrationalism and  
logical-formal reason, nihilism and the heroic  
resignation of life in bourgeois sociability in his  
theoretical corpus.  
conexão com  
profundamente subjetivista  
o
universo ideológico  
fatalista da  
e
Alemanha na fase imperialista. Entretanto, tais  
raízes do pensamento de Weber não se  
desenvolveram a ponto de o impedir de erigir  
uma epistemologia que enaltece a razão e a  
ciência, afastando-se em certa medida, do  
pensamento  
mítico  
e
escapista  
do  
irracionalismo alemão. O autor é apresentado  
como uma bela síntese da “Cabeça de Janus”  
que caracteriza o pensamento burguês da  
decadência (Coutinho), um “homem para todas  
as estações” (Mészáros), capaz de sintetizar no  
seu corpus teórico o irracionalismo e a razão  
lógico-formal, o niilismo e a resignação heroica  
da vida na sociabilidade burguesa.  
Palavras-chaves:  
Irracionalismo;  
Razão  
Keywords: Irrationalism; Formal reason;  
formal; Decadência ideológica.  
Ideological decadence.  
* Doutorando em Serviço Social pela Faculdade de Serviço Social/UFAL, mestre em Sociologia pelo Instituto de  
Ciências Sociais/UFAL, graduado em Ciências Sociais pelo Instituto de Ciências Sociais/UFAL. Professor EBTT  
de Sociologia do Instituto Federal de Alagoas. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8002-1589  
DOI: 10.34019/1980-8518.2024.v24.42805  
Esta obra está licenciada sob os termos  
Recebido em: 08/11/2023  
Aprovado em: 15/05/2024  
Gabriel Magalhães Beltrão  
1 - Decadência ideológica e a emergência do irracionalismo  
Na aurora da Modernidade, nos idos do século XV, as inovações sociais que emergem  
do interior da sociedade feudal produzem consequências ideológicas com alto potencial  
disruptivo. O crescente protagonismo do capital mercantil e o fortalecimento da produção  
manufatureira vai, paulatinamente, “assentando as bases para uma nova concepção de mundo,  
a qual coincide com um renovado interesse dessas classes pela riqueza material (…) e pela  
reivindicação do papel que ocupa o trabalho manual artesanal” (Gianna, 2022, p. 31). Do  
Renascimento até a primeira metade do século XIX, a burguesia pode ser considerada “porta-  
voz do progresso social, seus representantes ideológicos podiam considerar a realidade como  
um todo racional, cujo conhecimento e consequente domínio eram uma possibilidade aberta à  
Razão humana” (Coutinho, 1972, p. 8). A classe social emergente estava em conflito, ora aberto  
ora velado, com a sociedade feudal e seus ideólogos, de modo que a filosofia burguesa da época  
“codifica os princípios últimos e a concepção geral de mundo, próprios a este vasto movimento  
progressivo e libertador, que tão profundamente reformou a sociedade” (Lukács, 1979, p. 31).  
Dos renascentistas até Hegel, ápice do pensamento progressista burguês, os ideólogos  
sintetizavam – a despeito da heterogeneidade interna – valores que marcam essa etapa  
progressista da Modernidade. Nas palavras de Coutinho:  
Podemos resumi-lo, esquematicamente, em três núcleos: o humanismo, a  
teoria de que o homem é um produto de sua própria atividade, de sua história  
coletiva; o historicismo concreto, ou seja, a afirmação do caráter  
ontologicamente histórico da realidade, com a consequente defesa do  
progresso e do melhoramento da espécie humana; e, finalmente, a Razão  
dialética, em seu duplo aspecto, isto é, o de uma racionalidade objetiva  
imanente ao desenvolvimento da realidade (que se apresenta sob a forma de  
unidade dos contrários), e aquele das categorias capazes de apreender  
subjetivamente essa racionalidade objetiva, categorias que englobam,  
superando, as provenientes do ‘saber imediato(intuição) e do ‘entendimento’  
(intelecto analítico) (Coutinho, 1972, p. 14).  
320  
Segundo Lukács, entretanto, as revoluções 1830 e, principalmente, de 1848 produziram  
um efeito político e ideológico indelével sobre a burguesia: esta perde sua pulsão progressista  
apresentada até então, quando do seu embate com o feudalismo e suas reminiscências,  
convertendo-se numa classe social conservadora, orientada à preservação e à eternalização do  
realmente existente. O pensamento burguês desde então passa a refletir este compromisso social  
com o tempo presente, depurando-se, portanto, do humanismo, do historicismo e da razão  
dialética presentes na sua trajetória anterior.  
Deve-se frisar aqui que a decadência ideológica do pensamento burguês não se deve  
necessariamente a uma clara intencionalidade de classe dos ideólogos, mas principalmente ao  
Libertas, Juiz de Fora, v. 24, n. 1, p. 319-339, jan./jun. 2024. ISSN 1980-8518  
O homem para todas as estações: irracionalismo e neokantismo na sociologia de Max Weber  
avanço inaudito da mercantilização e o seu corolário, a fetichização de todas as esferas da vida  
humana. Nestas condições postas pelo capitalismo maduro – e que serão radicalizadas durante  
a fase imperialista – a atividade dos homens “tende a se ocultar à sua própria consciência, a  
converter-se na essência oculta e dissimulada de uma aparência inteiramente reificada”  
(Coutinho, 1972, p. 24). Assim, “Todas as relações sociais entre os homens aparecem sob a  
forma de relações entre coisas, sob a aparência de realidades ‘naturais’ estranhas e  
independentes da sua ação” (Coutinho, 1972, p. 24). O pensamento burguês da decadência  
expressa justamente essa coagulação da consciência à aparência fetichizada, a sua submissão  
ao espontaneísmo de uma sociedade reificada, eclipsando-se, portanto, a essência da realidade  
social: as relações sociais historicamente postas. Nas palavras de Coutinho:  
Esse traço essencial do pensamento decadente – o de ser um pensamento  
fetichizador – manifesta-se em todas as suas orientações, ‘racionalistas’ ou  
irracionalistas, ‘objetivistas’ ou subjetivistas, positivistas ou existencialistas.  
Nenhuma delas transcende a mera descrição da imediaticidade (Coutinho,  
1972, p. 25).  
A ciência e a filosofia sofrem uma inflexão com a decadência ideológica: despem-se do  
intuito da fase progressista de erigir uma concepção de mundo com base no reflexo  
desantropomorfizador, mirando a crítica do presente e o progresso emancipador da humanidade.  
A partir da segunda metade do século XIX, diversamente, emerge a tendência do pensamento  
burguês ao agnosticismo, “o qual pretende que não podemos nada saber da essência verdadeira  
do mundo e da realidade e que este conhecimento não teria aliás nenhuma utilidade para nós”  
(Lukács, 1979, p. 33). À ciência compete o papel de operacionalizar um conhecimento  
especializado, cujo objeto é artificialmente delimitado pelo sujeito cognoscente, criando-se uma  
série de ciências especializadas; à filosofia, por sua vez, compete o papel de “vigiar para que  
ninguém ultrapasse os limites definidos pelas ciências” (Lukács, 1979, p. 34), repudiando por  
princípio qualquer tentativa de se elaborar uma concepção de mundo coerente. Prevalece, desta  
maneira, a perspectiva segundo a qual o realmente existente, a sociedade capitalista e suas  
contradições intrínsecas, é uma condição ineliminável sobre a qual a consciência humana pode,  
na melhor das hipóteses, conhecer os fenômenos desconexos da totalidade social, bloqueando-  
se, assim, qualquer perspectiva ideológica orientada pelo vir a ser da realidade social. Segundo  
Gianna:  
321  
Esta tendência apologética que se esconde em tal “especialização míope”, uma  
vez que instaura uma ruptura aberta com a unidade contraditória dos  
fenômenos e suas mediações com o complexo de complexos. Em outras  
palavras, a ruptura com a totalidade acarreta a instauração de “barreiras  
artificiais” e “pseudocientíficas” entre os diferentes campos do conhecimento.  
Assim, produz-se uma forçação sobre o objeto porquanto ele é fragmentado  
em dimensões artificiais que obnubilam e colocam de lado seu dinamismo,  
Gabriel Magalhães Beltrão  
impondo-o cortes artificiais e a abordagem de aspectos parciais impostos pelo  
sujeito da pesquisa (Gianna, 2022, p. 121).  
O agnosticismo sob traços positivistas ou neokantianos se constitui enquanto um  
racionalismo funcional à reprodução ampliada do capital, visto ser um padrão de racionalidade  
sintonizado com a manipulação das variáveis empíricas necessárias à vida cotidiana na  
sociabilidade burguesa. No campo das ciências naturais, o agnosticismo satisfaz as  
necessidades do capital ao legitimar a cognição da natureza de forma suficiente para  
impulsionar o desenvolvimento das forças produtivas. Está obstaculizado, entretanto, qualquer  
“expressividade do ponto de vista histórico-universal”: “tais investigações limitam-se a  
domínios particulares, cuidadosamente delimitados, sem desempenharem o menor papel  
positivo na construção de uma concepção do mundo (de uma ética e de uma ontologia)  
científica” (Coutinho, 1972, p. 23). No campo das emergentes ciências sociais, o agnosticismo  
aprisiona a racionalidade à positividade mistificada da vida social burguesa, eclipsando a  
“malha de mediações objetivas inscritas na processualidade que ela sinaliza”, impedindo de se  
atingir um grau de cognição que “supera[e] a faticidade epidérmica da empiria” (Netto, 2005,  
p. 140)1. Assim como no caso das ciências naturais, este padrão de racionalidade é funcional à  
reprodução da sociedade do capital, conforme nos diz Netto:  
(…) pode oferecer diretrizes capazes para uma manipulação de variáveis  
empíricas da vida social, pode sistematizar a experiência do senso comum  
(indo além dela) no sentido de localizar nexos causais não perceptíveis numa  
observação aleatória, pode (no limite) elaborar uma explicação global  
reflexiva, intelectiva, para as evidências do movimento social (Netto, 2005, p.  
140).  
322  
Essa aceitação da imediaticidade como limite intransponível para o conhecimento (a  
chamada positividade) implica na aceitação acrítica da “alienação entre a vida pública e vida  
privada, entre a subjetividade individual e objetividade social”: em vez de se constituírem em  
dois momentos distintos de uma mesma realidade contraditória, “são transformados em fetiches  
falsamente autonomizados” (Coutinho, 1972, p. 26). Avida pública é identificada como a esfera  
da realidade regida pela imperiosa especialização das atividades, pela supremacia do intelecto  
e o banimento da sensibilidade, esta última excluída do domínio público e exilada na vida  
privada fetichizada – deseconomizada e hipostasiada. Dada esta cisão típica da razão formal  
(não dialética) - esta antinomia entre o “eu” e o mundo, entre o supostamente autêntico  
1
“Escusa dizer que aqui reina a Verstand, não a Vernunft: ‘O entendimento determina e mantém firmes as  
determinações. A razão é negativa e dialética, porque resolve no nada as determinações do intelecto; é positiva,  
porque cria o universal e nele compreende o particular (Hegel)’” (Netto, 2005, p. 140).  
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(privado/intuição) e o inautêntico (público/intelecto) -, emerge-se uma duplicidade do  
pensamento decadente burguês à qual Coutinho define como a “Cabeça de Janus”:  
Tanto o “intelecto” que se fixa nas formas coaguladas da ação humana ou nos  
“dados” homogeneizados, sem transcendê-los em busca de uma totalidade  
concreta, quanto a intuição hipostasiada que se fixa na imediaticidade da  
“vivência”, tanto o positivismo agnóstico quanto o irracionalismo  
existencialista capitulam diante do imediato, são incapazes de recompor no  
pensamento a essência dialética da objetividade. Em suma, aceitam como  
“condição humana” o dilaceramento histórico (historicamente condicionado)  
que a alienação capitalista – através da burocratização da práxis – introduz na  
vida humana (Coutinho, 1972, p. 30).  
A “coexistência sincrônica” (Coutinho, 1972, p. 30) entre o agnosticismo  
positivista/neokantiano e o irracionalismo não significa, entretanto, que se deva negligenciar  
suas diferenças. Segundo Lukács, o pensamento burocratizado e avesso à ideologia do  
agnosticismo precisa ser complementado – como “Cabeça de Janus” – por uma filosofia  
“interessante”, capaz de atrair aquela parcela da intelligentzia que demonstra incômodo com a  
cotidianidade burguesa cada vez mais reificada diante do avanço da etapa imperialista do  
capitalismo. Tratar-se-ia, portanto, de erigir um pensamento crítico, realmente distinto do gélido  
e necrosado agnosticismo, capaz de atrair aquela camada social insatisfeita com algumas  
manifestações da reificação. Esta camada social, entretanto,  
conhece cada vez menos a estrutura econômica da sociedade burguesa e se  
mostra mesmo cada vez menos inclinada a estudá-la enquanto problema  
filosófico. Certamente o tom da crítica torna-se aparentemente mais agressivo,  
mas quase diz respeito somente à cultura propriamente dita e à moral  
individual, isto é, problemas que interessam diretamente aos intelectuais  
enquanto camada social. Essa “intelligentzia” afasta-se, portanto,  
voluntariamente, dos problemas econômicos, políticos e sociais e é  
precisamente esse abandono que equivale ao respeito muito escrupuloso dos  
limites que foram traçados à filosofia pela burguesia imperialista (Lukács,  
1979, p. 38).  
323  
A crítica irracionalista à razão toma esta abstratamente, em total desvinculação à  
determinação social dos conteúdos e das formas que esta assume na processualidade histórica.  
Ou seja, a apologia à intuição em oposição à razão eleva a racionalidade formal-abstrata  
(Verstand) – típica da práxis manipulatória do cotidiano burguês – à condição universal da  
inteligibilidade, deslegitimando em absoluto a razão dialética (Vernunft). Diz Lukács que o  
irracionalismo “surgiu e operou em permanente luta contra o materialismo e contra o método  
dialético” (Lukács, 2020, p. 12), visto que este último, mesmo que na sua forma hegeliana,  
representava a “defesa histórica e de uma melhor formulação do conceito de progresso”,  
ultrapassado os limites do Iluminismo. As “diferentes etapas do irracionalismo surgiram como  
respostas reacionárias a problemas da luta de classes” (Lukács, 2020, p. 14). “O primeiro  
Gabriel Magalhães Beltrão  
período importante do irracionalismo moderno surge (…) em oposição ao conceito histórico-  
dialético idealista de progresso” através da pena de Schelling e Kierkegaard, refletindo a reação  
feudal à Revolução Francesa e à ideia burguesa de progresso. Após a Primavera dos Povos  
(1848) e, principalmente, a Comuna de Paris (1871), “a concepção de mundo do proletariado,  
o materialismo histórico e dialético, passa à condição de adversário, cuja natureza essencial  
determina o desenvolvimento do irracionalismo. O novo período terá Nietzsche como o  
primeiro e mais importante representante” (Lukács, 2020, p. 12).  
A despeito da heterogeneidade interna do irracionalismo, Lukács afirma que há  
“problemas metodológicos e de conteúdo” comuns suficientes para produzir uma forte coesão  
e unidade. Diz: “A depreciação do entendimento e da razão, a glorificação da intuição, a  
gnoseologia aristocrática, a recusa do progresso sócio-histórico, a criação de mitos são, dentre  
outros, motivos que encontramos em quase todo pensador irracionalista” (Lukács, 2020, p. 15).  
A apologética indireta do capitalismo inerente ao irracionalismo se deve ao fato de que nele o  
destino do homem do imperialismo é hipostasiado à condição de destino humano em geral2. O  
fatalismo diante de um mundo inautêntico, sombrio, paradoxalmente se converte em reconforto  
de “uma existência voltada sobre si, isolada de toda a vida pública e cujo equilíbrio repousa  
precisamente num pessimismo total a respeito do mundo exterior” (Lukács, 1979, p. 44)3. Em  
outros termos:  
324  
uma de suas mais importantes tarefas sociais para a burguesia reacionária  
consiste em oferecer ao homem certo confort no terreno da concepção de  
mundo, a ilusão de uma liberdade completa, a ilusão da independência  
pessoal, da superioridade moral e intelectual – quando seu comportamento o  
vincula em todos os seus atos reais à burguesia reacionária, colocando-o  
incondicionalmente a seu dispor (Lukács, 2020, p. 26).  
Para o filósofo húngaro, a teoria do conhecimento do agnosticismo neokantiano é a base  
mesma da teoria do conhecimento do irracionalismo, sem deixar de reconhecer que esta última  
representa “uma evolução considerável em relação à do período precedente” (Lukács, 1979, p.  
2
Importante ressaltar que Lukács entende que tanto a apologética indireta quando a apologética direta são  
inerentes ao universo ideológico do pensamento burguês da decadência. Enquanto a primeira vela sua apologia ao  
mundo burguês apresentando sua repulsa ao inautêntico como uma espécie de grito desesperado, mas impotente e  
blasé, lastreando uma resignação passiva; a segunda busca prescindir do universo dos valores, deslegitimando-os  
em prol de uma resignação entusiasmada ao existente, legitimando, portanto, uma práxis social manipulatória ao  
sabor da cotidianidade burguesa.  
3
No mesmo sentido, diz Coutinho: “A subjetividade erige-se idealmente na única fonte de valores autênticos,  
desprezas concretamente todas as mediações sociais, denunciadas como o reino da alienação. Mas esta  
subjetividade inteiramente vazia, convertida em mera negação abstrata do real, procura desesperadamente  
encontrar um Absoluto pleno de sentido. Nesta busca, as filosofias da subjetividade revelam um traço  
profundamente religioso (ainda que se trate de uma religiosidade ateia) e, desse modo, uma vinculação espiritual  
com formas de vida pré-capitalistas. Com o passar dos tempos, o combate à vida pública converte-se numa luta  
contra a democracia e numa defesa de posições ‘aristocráticas’ no plano ético e mesmo no político” (Coutinho,  
1972, p. 33).  
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O homem para todas as estações: irracionalismo e neokantismo na sociologia de Max Weber  
41). Pode-se afirmar que há no irracionalismo um aprofundamento do idealismo subjetivo sob  
uma empáfia de que suas antinomias teriam sido superadas. Expliquemos: enquanto que no  
pensamento kantiano há um ser em si para além das capacidades cognoscitivas do sujeito  
cognoscente, o irracionalismo ao mesmo tempo que segue as premissas da revolução  
copernicana pondo o sujeito no centro do processo de conhecimento, inova quando “escamoteia  
seus limites [agnósticos], apresentando a questão de uma maneira a parecer admitir  
implicitamente que as ideias e as noções que existem apenas na consciência são elas mesmas  
realidades objetivas” (Lukács, 1979, p. 47). Assim, “ideias e realidades são idênticas para eles”  
(Lukács, 1979, p. 48), dando-se um passo no idealismo subjetivo que os antecessores não  
ousaram dar. Segundo Lukács, a criação de mitos é o meio encontrado para “superar” o  
idealismo subjetivo, radicalizando-o. O mito enquanto construção do espírito “opõe-se  
primeiramente ao conhecimento científico”, representando uma atitude, “uma relação com o  
mundo que seria, por assim dizer, de uma essência superior à que é acessível ao conhecimento  
científico e que vai até mesmo condenar a ciência” (Lukács, 1979, p. 50). Assim, mantém-se  
“de um lado a teoria do conhecimento do idealismo subjetivo herdada do agnosticismo, mas,  
por outro lado, estamos em presença de uma função completamente nova desse agnosticismo,  
função que consiste em criar um novo pseudo-objetivismo, franqueando o limite que o separa  
do mito” (Lukács, 1979, p. 51).  
325  
O “novo objetivismo” seria atingindo por intermédio de um novo instrumento do  
conhecimento, a intuição, que se oporia ao pensamento racional e discursivo. Longe de se  
constituir em um momento do processo de conhecimento, a intuição adquire um lugar  
preponderante destinada a cumprir o papel de abandonar o formalismo da razão. O  
irracionalismo serve-se “do falso aspecto da intuição para abandonar aparentemente tanto o  
formalismo do conhecimento como o idealismo subjetivo e o agnosticismo, conquanto  
conservando-os sobre bases que parecem inatacáveis” (Lukács, 1979, p. 53). Apenas a intuição  
conduziria o sujeito a uma “realidade de essência superior e qualitativamente diferente daquilo  
que é acessível à reflexão discursiva” (Lukács, 1979, p. 53). Lukács ironiza ao afirmar que os  
“serviços apreciáveis” da intuição conduzem a “realidades” de natureza arbitrária e  
incontrolável. Segundo Coutinho, a “intuição - contraposta não apenas ao intelecto, mas à  
racionalidade em geral – é agora um instrumento inteiramente antropomorfizador, (…) simples  
projeção na realidade exterior (concebida como caos) de vivências e experiências subjetivas”  
(Coutinho, 1972, p. 34).  
O conhecimento suprarracional do período imperialista cumpre o papel de proporcionar  
ao pensamento burguês uma concepção de mundo, uma filosofia interessada, ideologizada,  
Gabriel Magalhães Beltrão  
diversamente à frieza do agnosticismo. À apologética direta desta última soma-se a apologética  
indireta do irracionalismo, cujo elemento mais importante é “transformar, mistificando-a, a  
condição do homem do capitalismo imperialista em uma condição humana geral e universal”  
(Lukács, 1979, p. 57). Ademais, tudo que “é social, racional e conforme às leis da evolução será  
declarado inumano e inimigo da personalidade. A personalidade será declarada antirracional e  
irracional por sua própria natureza” (Lukács, 1979, p. 57).  
2 - Weber: visão de mundo irracionalista e epistemologia positivista neokantiana  
Lukács em A Destruição da Razão afirma que Weber conscientemente se coloca como  
um adversário do irracionalismo, mas não faltariam “nuanças irracionalistas” na sua sociologia.  
Mais: o autor alemão “em sua luta contra esse irracionalismo o eleva a um grau ainda mais alto”  
(Lukács, 2020, p. 532). Weber, segundo esta interpretação, teria expulsado o irracionalismo da  
sua metodologia, da análise dos fatos, “apenas para introduzi-lo como base ideológica de sua  
imagem de mundo, e isso com uma decisibilidade até então desconhecida na Alemanha”  
(Lukács, 2020, p. 537). Sua rigorosa cientificidade não teria passado de “um caminho para o  
estabelecimento definitivo do irracionalismo como visão de mundo” (Lukács, 2020, p. 537),  
contribuindo decisivamente para o “assalto irracionalista” da intelectualidade alemã,  
desviando-a, portanto, do materialismo histórico e da alternativa socialista. Weber teria  
produzido um “ateísmo religioso” menos abertamente romântico, mitológico, em relação aos  
seus predecessores, mais cauteloso para não “perder o contato com a cientificidade”, afinal, “os  
imperativos do valor de troca em expansão apresentavam a ciência e a tecnologia (…) com suas  
inevitáveis exigências práticas” (Mészáros, 2004, p. 212).  
326  
Na esteira do pensamento lukacsiano, buscaremos tecer considerações sobre as bases  
filosóficas neokantianas de Weber, às quais o conduz a efetivar “pela primeira vez a transição  
real do neokantismo imperialista para a filosofia da existência irracionalista” (Lukács, 2020, p.  
537). É sobre esta visão de mundo irracionalista que emerge de forma ambígua a sua  
metodologia orientada a consolidar a sociologia alemã, sem que “essa depuração metodológica  
contra o irracionalismo” ocorra cem por cento.  
2.1 - Pensamento neokantiano e o aprofundamento do subjetivismo  
A decadência ideológica do pensamento burguês passa necessariamente pela negação  
do idealismo objetivo de Hegel e pela radicalização do idealismo subjetivo kantiano, cujo  
desfecho pode ser – ainda que não necessariamente – o mergulho no irracionalismo. O  
pensamento de Kant não deixa de oscilar entre o materialismo (realismo) e o idealismo  
Libertas, Juiz de Fora, v. 24, n. 1, p. 319-339, jan./jun. 2024. ISSN 1980-8518  
O homem para todas as estações: irracionalismo e neokantismo na sociologia de Max Weber  
subjetivo, está calcado na “antinomia entre o dogmatismo (a objetividade injustificada) e o  
ceticismo (relativismo)” (Lukács, 1979, p. 17). Kant parte da premissa de que há uma realidade  
verdadeiramente distinta da consciência do sujeito cognoscente, não nega jamais a existência  
da coisa em si, ainda que a considere incognoscível. O agnosticismo kantiano não avança a  
ponto de dissolver a realidade (o em si) na consciência, com isso, o conhecimento acessível ao  
sujeito é sempre aquém da verdade em termos ontológicos. Partindo desta premissa, Kant se  
ocupa com a lógica interna do entendimento. Diz Kant: “embora um conhecimento possa ser  
inteiramente conforme a forma lógica, isto é, não se contradiga a si mesmo, pode ainda estar  
sempre em contradição com o objeto” (apud Oliveira, 2008, p. 104). Pois bem, o neokantismo  
da decadência ideológica intensifica o subjetivismo ao silenciar sobre o em si, convertendo-o  
num não problema filosófico. Conforme Lukács, a “aspiração máxima do neokantismo e  
igualmente do positivismo e neopositivismo será eliminar completamente o ser da esfera da  
consciência” (apud Oliveira, 2008, p. 103), e com base nesta depuração acelerar o  
relativismo/subjetivismo/agnosticismo.  
Kant foi capaz de instaurar a dicotomia típica do pensamento burguês (ser e dever ser/ser  
e objeto, etc.), convertendo-se num filósofo universal na sociabilidade burguesa. Segundo  
Mészáros, encontrou um “lugar para a fé” ao mesmo tempo que afirmou a ciência, conciliando  
os antagonistas da sua época (dupla verdade). Weber, diz o marxista húngaro, também conciliou  
os inconciliáveis através de “duas estratégias intelectuais complementares”: por um lado, a  
“extrema relativização dos valores, acompanhada da glorificação da subjetividade arbitrária e  
de suas acomodações dúbias à ‘exigência da época’” (Mészáros, 2004, p. 211); por outro, o  
corte epistemológico capaz de excluir os juízos de valor, “o princípio orientador necessário e  
suficiente da objetividade científica”, capaz de tornar a história e o mundo social acessíveis à  
investigação científica, “sob condição de que tal empreendimento fosse dirigido para a  
construção de ‘tipos ideais’, conforme as exigências da ‘neutralidade ideológica’” (Mészáros,  
2004, p. 213). Dada essa capacidade de Weber de conciliar o profundo relativismo (idealismo  
subjetivo) de substrato fatalista (desencanto do mundo) com a defesa da universalidade da  
ciência - cujo resultado “deverá ser admitido como correto também por um chinês” (Weber,  
2011, p. 23) -, Mészáros o define como “um homem para todas as estações”, cuja  
“versatilidade” está adequada à evolução da realidade capitalista.  
327  
A visão de mundo weberiana visa criar uma alternativa burguesa a Marx, mediante a  
fuga “ao condicionamento das decisões individuais pelas circunstâncias postas” (Oliveira,  
2008, p. 97). Trata-se da defesa de escolhas puramente subjetivas por parte dos indivíduos, que  
é associada à ideia burguesa de liberdade. Cada indivíduo (mônada) é alçado à condição de  
Gabriel Magalhães Beltrão  
sujeito que significa e escolhe os valores “conforme sua consciência e sua concepção de  
mundo” (Weber, 2011, p. 16). O mundo não tem sentido per si, são os homens movidos por  
valores que atribuem sentido a ele: trata-se da significação cultural, base necessária do  
conhecimento científico – neste ponto Weber se distancia dos positivistas clássicos para quem  
a neutralidade axiológica é possível e necessária de ponta a ponta do processo de conhecimento  
(veremos mais a frente). A discussão kantiana acerca da coisa em si é um não problema para  
Weber, algo puramente metafísico. O equívoco, segundo Weber, seria imaginar que o sentido  
do mundo, sua verdade histórica, é decifrável pela razão. Essa indecifrabilidade não se deve à  
sua incognoscibilidade, como em Kant, mas sim ao fato de que a verdade histórico-ontológica  
é inexistente (neokantismo). Trata-se, portanto, de criá-la subjetivamente enquanto um  
“sentido/verdade” para nós (“nos cabe criá-lo nós próprios”), para o sujeito que age no mundo  
movido por valores (visão/concepção de mundo), “sentido” o qual, por sinal, jamais terá 1º)  
validade ontológica e mesmo 2º) científica sob os cânones do positivismo neokantiano de  
Weber (“’concepções de mundo’ jamais podem ser produto do avanço de um saber empírico”).  
Em suas palavras:  
É destino de uma época cultural que provou do fruto da árvore do  
conhecimento ter que saber que não podemos discernir o sentido do  
andamento do mundo nem mesmo da mais completa investigação, mas que  
nos cabe criá-lo nós próprios, que “concepções de mundo” jamais podem ser  
produto do avanço de um saber empírico, e que portanto os ideais mais  
elevados, que mais intensamente nos comovem, agora e sempre só se efetivam  
no combate com outros ideais tão sagrados para outros quanto os nossos são  
para nós (Weber, 2011, p. 21).  
328  
Cohn afirma que a ênfase de Weber em afirmar o caráter radicalmente destituído de  
sentido intrínseco ao mundo, cabendo aos “próprios homens outorgarem significado a alguns  
entre os infinitos eventos que o constituem, como condição prévia para o seu conhecimento e  
também para agirem nele” (Cohn, 1979, p. 102), é uma nítida influência de Nietzsche. Segundo  
o especialista na obra do sociólogo alemão, “Se há uma presença de Nietzsche em Weber, ela é  
sem dúvida incomparavelmente mais forte e mais fecunda que a de qualquer ‘neokantiano’,  
mas ainda é filtrada e atenuada, sem ir às últimas consequências” (Cohn, 1979, p. 103). Tratar-  
se-ia de um meio privilegiado de Weber na elaboração do seu esquema teórico.  
Pois bem, o relativismo dos valores em Weber parece dar eco ao paradoxo inerente ao  
irracionalismo: este ao mesmo tempo que detecta um ambiente asfixiante e mortal para o sujeito  
(indivíduo), reflexo hipostasiado/universalizado das condições sócio-históricas do capitalismo  
no seu estágio imperialista, apregoa ao indivíduo um escapismo místico diante da leitura  
escatológica de mundo. Diz Mészáros que seu discurso sobre valores na esfera da  
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O homem para todas as estações: irracionalismo e neokantismo na sociologia de Max Weber  
subjetividade isolada, exclui a priori a possibilidade de uma articulação coerente e  
objetivamente viável das ‘visões de mundo’ e dos valores a elas associados sobre uma base  
coletiva e socialmente eficaz” (Mészáros, 2004, p. 215). A prática histórica é o campo por  
excelência da “fé”, da crença, “jamais pode ser produto de um saber empírico”, o que há é um  
conflito insolúvel entre os valores. Não há bases ontológicas – classes sociais – nem científicas  
– cuja universalidade é puramente lógico-formal – que permitam a ultrapassagem da  
subjetividade isolada de forma orgânica e sistêmica4, como podemos detectar na citação abaixo:  
E não se disputa apenas, como hoje gostamos de acreditar, entre “interesses  
de classes”, mas também entre “concepções de mundo” – sem prejuízo,  
naturalmente, de que na questão de qual concepção de mundo o indivíduo  
defende torna-se decisiva, entre outras coisas – mas em muito alto escala - , o  
grau de afinidade eletiva entre ela e o seu “interesse de classe” – admitindo-  
se aqui esse conceito só aparentemente unívoco. (…) quanto mais ampla a sua  
importância cultural, tanto menos é acessível uma resposta unívoca a partir  
do material do conhecimento empírico, tanto mais incidem nele os axiomas  
últimos da crença e das ideias de valor (Weber, 2011, p. 20, negrito nosso).  
Essa atomização do sujeito expressa no relativismo dos valores é típica do  
irracionalismo, contudo, Cohn afirma que Weber não avança às últimas consequências da sua  
premissa filosófica, recuando para não cair no irracionalismo pleno. Como metaforicamente diz  
o ditado popular: Weber levanta a bola, mas se nega a cortar. Lukács diz que “fica faltando  
apenas um passo para o domínio absoluto do irracionalismo, um passo para que se renuncie  
decididamente aos ‘desvios’ do intelecto e da cientificidade” (Lukács, 2020, p. 537). “O fato é  
que Weber não expõe como se constituem esses valores” (Oliveira, 2008, p. 99), trata-se de  
axiomas, como dito acima. Ancorado em Mészáros, Oliveira sintetizam bem esse aspecto  
irracionalista do pensamento de Weber:  
329  
Existe o politeísmo de deuses e demônios pelos quais os indivíduos devem  
optar; porém, Weber não nos dá nenhuma informação a propósito de onde  
nasceram tais espiritualidades. Em um passe de mágica, elas estão dadas no  
imediato da vida social e é isso que importa ao sociólogo. Tanto para Weber  
quanto para a mitologia indiana, as espiritualidades são um fato. O processo  
da história que as engendrou não se releva (Oliveira, 2008, p. 99, negrito  
nosso).  
4
Em Weber, assim como em Durkheim, o “normal” é a continuidade, não a ruptura na história das sociedades.  
Seja por intermédio da dominação tradicional ou da racional-legal, a preservação das sociedades está posta, afinal,  
a contradição não é elemento intrínseco da vida social. Desta forma, a mudança só pode ocorrer por uma variável  
exógena, estranha ao ir sendo da sociedade. Em Weber, a dominação carismática é o fator explicativo para as  
transformações sociais, o que expressa sua filiação ao irracionalismo: as paixões e os sentimentos provocados pelo  
líder carismático, dotado de uma intuição criadora, cai como um “tiro de pistola” sobre uma sociedade e a  
desbarata. Nesta chave de leitura de natureza irracionalista, a mudança social é em si irracional e os sujeitos  
coletivos que operam a mudança são “massas” ignaras (e perigosas) movidas pelos sentimentos, mudanças as  
quais, ao fim e ao cabo, apenas irão surtir o efeito de substituir uma elite por outra, bem ao saber da teoria das  
elites de substrato reacionário (Pareto).  
Gabriel Magalhães Beltrão  
2.2 - Uma visão teleológica da história: razão hipostasiada e a “jaula de aço”  
Antes de avançarmos à defesa que Weber faz de uma ciência absolutamente formal –  
sem conteúdo histórico-ontológico – e supostamente axiologicamente neutra, faz-se necessário  
apresentar o sentido de história que caminha pari passu à sua relatividade dos valores. Não  
havendo sentido imanente à realidade, sequer uma atribuição de sentido subjetivo unívoco, o  
que impera é – ou deveria ser – o caos, a mais completa anarquia caleidoscópica do mundo.  
Entretanto, o que se observa em Weber é que o relativismo dos valores em luta insolúvel está  
subsumido a uma teleologia da história – um verdadeiro Deus ex machina que ao final de seu  
ciclo aprisiona o homem numa jaula de aço. Segundo Wood:  
Longe de levar a teoria social a superar as imperfeições do determinismo  
marxista, Weber a reduziu a uma teleologia pré-marxista, em que toda a  
história é um movimento no mais das vezes tendencioso a favor do  
capitalismo, em que o destino capitalista é sempre percebido nos movimentos  
da história, e em que as diferenças entre as várias formas sociais estão  
relacionadas aos modos particulares com que incentivam ou obstruem o  
movimento histórico único (Wood, 2011, p. 129, negrito nosso).  
Segundo a autora, Weber pressupõe a existência do que ele deveria explicar: o  
capitalismo. “Não havia necessidade de explicar um processo histórico único, mas apenas de  
descrever os obstáculos e sua remoção” (Wood, 2011, p. 131). O “interesse próprio [Homo  
economicus] guiado pela razão produziria o capitalismo” (Wood, 2011, p. 131). Nas palavras  
do próprio autor:  
330  
Para nosotros, un acto de economía “capitalista” significa un acto que  
descansa en la expectativa de una ganancia debida al juego de recíprocas  
probabilidades de cambio; es decir, en probabilidades (formalmente) pacíficas  
de lucro. (…) Cuando se aspira de // modo racional al lucro de tipo  
capitalista, la actividad correspondiente se basa en un cálculo de capital  
(Wood, 2011, p. 46, negrito nosso).  
(…)  
Lo que nos interesa señalar es que lo decisivo de la actividad económica  
consiste em guiarse en todo momento por el cálculo del valor dinerario  
aportado y el valor dinerario obtenido al final, por primitivo que sea el modo  
de realizarlo. En este sentido, ha habido “capitalismo” y “empresas  
capitalistas” (incluso con relativa racionalización del cálculo del capital)  
en todos los países civilizados del mundo, hasta donde alcanzan nuestros  
conocimientos: en China, India, Babilonia, Egipto, en la Antigüedad helénica,  
en la Edad Media y en la Moderna (Wood, 2011, p. 47, negrito nosso).  
Para Weber o capitalismo é antidiluviano, sendo identificável in nuce em todas as épocas  
e sociedades. É sinônimo de racionalização da atividade econômica tendo em vista um fim  
preciso: o lucro. Entre o capital mercantil da Antiguidade e o modo de produção capitalista  
haveria, portanto, uma relação orgânica, um movimento progressivo de afirmação de  
parâmetros estruturais eternalizados: o cálculo econômico/racionalização. Weber define o  
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O homem para todas as estações: irracionalismo e neokantismo na sociologia de Max Weber  
capitalismo - “com seletividade ideológica tendenciosa e a circularidade típico-ideal” – como  
uma “’cultura’ em que o ‘princípio orientador é o investimento do capital privado’” (Mészáros,  
2004, p. 75), num sentido supostamente “puramente econômico” em que a economia capitalista  
“existe em todos os lugares onde as pessoas se dedicam à busca do lucro comercial” (Wood,  
2011, p. 149). Segundo a autora, a exclusão dos “fatores sociais” – relações sociais de produção,  
formas de propriedade - da conceituação de capitalismo impede a “explicação da dinâmica  
específica de um modo capitalista de produção”, o “capitalismo moderno se torna mais um  
exemplo da mesma coisa – mais livre, mais maduro, mas sem qualquer diferença fundamental”  
(Wood, 2011, p. 149). Assim, a tautologia weberiana se afirma no capitalismo moderno em  
virtude da remoção dos impedimentos políticos e, principalmente, religiosos à plena afirmação  
da racionalidade econômica (cálculo econômico). Conforme Wood:  
A questão, para Weber, é sempre como o desenvolvimento da racionalidade  
econômica é acelerada ou retardada por instituições e valores não econômicos.  
Na Antiguidade clássica, assim como em muitos outros tempos e lugares, a  
atividade econômica burguesa foi restringida por forças externas a ela,  
especialmente a obstrução dos princípios econômicos pelos políticos, ou por  
crenças religiosas contrárias à racionalidade econômica (Wood, 2011, p. 150).  
Weber, de forma seletiva e arbitrária, pinça elementos fenomênicos do capitalismo - os  
quais, por sinal, não são inerentes ao capitalismo propriamente dito, ao modo de produção  
surgido na Europa Ocidental entre os séculos XVIII e XIX, mas estão presentes no antidiluviano  
capital mercantil e os universaliza, desistoricizando-os a fim de convertê-los em atributos  
inerentes à vida humana. A história, nestes termos, converte-se na marcha progressiva rumo a  
um futuro já presente desde sempre no passado. Obnubila-se, assim, a dimensão sócio-histórica  
do presente capitalista em benefício das classes dominantes, afinal, o que é o presente senão a  
afirmação plena desta dynamis anistórica? De forma não dialética, a descontinuidade/ruptura  
é sacrificada às custas da continuidade, a racionalidade econômica supra-histórica assume, no  
presente, a sua plenitude, à qual recebe o nome de Modernidade. O racionalismo moderno e  
Ocidental é específico por não ter encontrado obstáculos de tipo mental à condução da vida  
econômica de maneira puramente racional. Aética protestante cumpre no pensamento de Weber  
o papel de desobstrução das “vias” que conduzem ao capitalismo moderno, visto que engendra  
no homo economicus uma prática econômica plenamente racional, depurada de entraves éticos  
de natureza religiosas do passado.  
331  
A Modernidade em Weber assume feições anistóricas: enquanto racionalização  
econômica, esteve presente de forma larval desde o passado mais remoto e atinge a sua  
plenitude na Europa como consagração de um desígnio da história, superando-se o devir  
histórico (fim da história). Em Weber, qualquer iniciativa política que contradiga a  
Gabriel Magalhães Beltrão  
racionalidade econômica está fadada ao infortúnio, tratando-se de postura irracional. Segundo  
Mészáros,  
o tipo weberiano de abordagem ‘sistemática’ das contradições historicamente  
específicas da sociedade capitalista as desistoriciza, transformando as  
características estruturais (…) em uma matriz categorial na qual a  
‘modernidade’ (com seus ‘dissabores’) e a ‘racionalização’ (considerada  
responsável por tais dissabores e ‘desencantos’) ocupam a posição central  
(Mészáros, 2004, p. 76).  
Ao soldar a racionalidade ao antidiluviano cálculo econômico com fins de lucro, bem  
como ao identificar a racionalização ao amadurecimento dessa racionalidade sob os impulsos  
da ética protestante, Weber suprime a concretude sócio-histórica que explica a gênese e a função  
social da razão na sociedade capitalista, hipostasiando-a. Sem esta base fundante, a razão torna-  
se sinônimo de dominação, assim como a Modernidade se converte na plenitude desta  
dominação do homem pela razão (jaula de aço). Acinzenta-se não apenas o passado, mas  
principalmente o futuro. Descarta-se “a especificidade histórica a favor de uma noção genérica  
de ‘modernidade’. Continuamos com Mészáros:  
Como resultado, a problemática marxiana da ‘reificação’ – com suas  
consequências revolucionárias para a superação da ordem social capitalista –  
tem de ser abandonada por completo, e trocada por um discurso idealista  
sobre a ‘racionalização’ e a ‘realização da razão na história’. Além disso,  
liquida-se até aquele grau de objetividade e historicidade que ainda estava  
contido, embora de modo infeliz, dentro da estrutura do discurso hegeliano  
sobre a modernidade. Em seu lugar nos é oferecido um retorno – via Max  
Weber – a um idealismo transcendental kantiano privado de sua agudeza  
crítica (Mészáros, 2004, p. 78, negrito nosso).  
332  
Como havíamos apontado acima, a postura weberiana de identificar a razão à práxis  
manipulatória/burocrática - a um conjunto de regras formais, impessoais e calculáveis que  
submetem e esmagam a subjetividade dos indivíduos, a um conjunto de procedimentos formais  
homogeneizadores e que descarta à irracionalidade tudo que lhe escapa - é típica do período da  
decadência ideológica da burguesia. A razão e a esfera pública contrapõem-se à intuição e à  
vida privada, conformando o binômio autenticidade-inautenticidade. Segundo o sociólogo de  
Heidelberg, “O destino de nossa época é caracterizado pela racionalização e pela  
intelectualização e, acima de tudo, pelo ‘desencantamento do mundo’” (apud Mészáros, 2004,  
p. 214). À medida que a ética protestante suprimiu os entraves ético-religiosos ao pleno  
desenvolvimento da razão – leia-se razão formal-abstrata –, o corolário foi dissipar os  
sentimentos religiosos de outrora e que conectavam o indivíduo ao Absoluto na sua  
cotidianidade, tornando-a cheia de sentido. Continua Weber: “Foram justamente os valores  
fundamentais e mais sublimes que se afastaram da vida pública, refugiando-se no reino  
transcendental da vida mística ou na fraternidade das relações humanas diretas e pessoais”  
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O homem para todas as estações: irracionalismo e neokantismo na sociologia de Max Weber  
(apud Mészáros, 2004, p. 214). Weber atribui esta racionalização desencantadora do mundo a  
“forças impessoais”, obviamente a fim de ocultar a fonte histórico-social da universalização da  
razão burocrática: o capital enquanto relação social. A vida pública perde o sentido, reduz-se à  
práxis manipulatória, despe-se, portanto, de que qualquer dimensão emancipatória. Os valores  
fundamentais recolhem-se à subjetividade isolada e à sua vida mística. Diz Lukács em A  
Destruição da Razão:  
Com isso, a visão de mundo de Max Weber deságua no “ateísmo religioso” do  
período imperialista. A vida desencantada em virtude da ausência e do  
abandono de Deus mostra-se como a fisionomia histórica do presente, a que é  
preciso aceitar como condição histórica, mas que forçosamente provoca uma  
profunda tristeza, uma profunda nostalgia pelos tempos antigos e ainda não  
“desencantados” (Lukács, 2020, p. 535).  
Lukács reconhece, entretanto, que há em Weber uma ambivalência neste ponto: por um  
lado, “a falta de perspectiva do ‘ateísmo religioso’” do sociólogo o leva “mais longe que Dilthey  
e o próprio Simmel”, seus antecessores. “Como Jaspers, surge aqui imediatamente um ponto de  
contato com o niilismo dos pensadores existencialistas” (Lukács, 2020, p. 536); por outro lado,  
Lukács afirma que a postura de Weber “é menos abertamente romântica do que na maior parte  
dos ‘ateístas religiosos de sua época” (Lukács, 2020, p. 536). Seu ateísmo religioso seria mais  
“plástico”, segundo o marxista húngaro, “procurando com mais vigor não perder o contato com  
a cientificidade” (Lukács, 2020, p. 536). Segundo Löwy, Weber no seio do irracionalismo  
alemão – ao qual define como “pessimismo cultural”5 – pertencia ao grupo dos românticos  
resignados, isto é, “os que não acreditavam na possibilidade de restauração dos valores pré-  
modernos, e muito menos em uma utopia futura” (Löwy, 2014, p. 45). Ainda segundo Löwy, a  
“crítica” weberiana – à qual Lukács definiria como apologética indireta, não uma crítica  
propriamente dita – pregava uma “resignação heroica”, “a negação de qualquer ilusão e  
aceitação do destino moderno” (Löwy, 2014, p. 45). Lukács cita um trecho de Weber que nos  
parece corroborar com a definição de “resignação heroica” – cujo conteúdo épico certamente  
se restringe à intelligentsia pequeno burguesa, não ao proletariado explorado e mesmo à  
burguesia imersa na racionalidade econômica dos seus microcosmos produtivos. Diz Weber:  
333  
Donde podemos extrair um ensinamento de que não basta insistir e ansiar para  
que as coisas mudem: fazer nosso trabalho e cumprir as exigências do dia tanto  
humana quanto profissionalmente. As quais são claras e simples, se cada um  
sabe encontrar e escutar o demônio que sustenta o fio de sua vida (apud  
Lukács, 2020, p. 536).  
5“O pessimismo deles pode levar a uma espécie de visão trágica do mundo, baseada na convicção desesperada de  
que não existe nenhum meio de conter ou impedir o triunfo da civilização capitalista moderna, considerada uma  
fatalidade” (Löwy, 2011, p. 44).  
Gabriel Magalhães Beltrão  
2.3 - O recuo de Weber diante das suas premissas irracionalistas  
Como já apontado acima, Weber recua e bloqueia os desdobramentos potenciais da sua  
visão de mundo de natureza irracionalista. Ainda assim, pavimenta o caminho para o niilismo  
existencialista que desemboca no nazifascismo nos anos seguintes. No campo da teoria do  
conhecimento, Cohn diz que Weber é uma espécie de “Nietzsche tornado ‘positivo”: “quando  
há ameaça de limites críticos do pensamento serem atingidos, ele recua onde Nietzsche  
prossegue” (Cohn, 1979, p. 107). Enquanto o irracionalismo até as últimas consequências  
desdobra a irracionalidade do mundo para a teoria do conhecimento, alçando a intuição em  
instrumento privilegiado do saber, “Weber jamais chega ao ponto de negar a ideia de que se  
possa alcançar uma verdade científica a respeito da história e da sociedade, ainda que  
particularizada” (Cohn, 1979, p. 107). Conforme Oliveira, “Não há nada de místico na teoria  
weberiana do conhecimento” (Oliveira, 2008, p. 108). O próprio Weber ironiza: “Quem quer  
ter visões, que vá ao cinema” (apud Lukács, 2020, p. 533). Oliveira sintetiza nos seguintes  
termos:  
Ainda que padecesse de algumas fendas irracionais, Weber não deve ser  
equiparado a Scheler e Simmel quanto à concepção de ciência. Nestes dois  
últimos, a porta de entrada para o irracionalismo descomedido está  
completamente franqueada; já em Weber, está somente entreaberta (Oliveira,  
2008, p. 110).  
334  
Weber não está preocupado em “desmascarar radicalmente os valores e suas  
manifestações históricas”, “mas parte da vigência empírica e particular deles, para preocupar-  
se com o método adequado para estabelecer relações entre eles que possam ser aceitas como  
válidas por todos os que aceitam a verdade como valor legítimo, e a ciência como um modo de  
atingi-la” (Cohn, 1979, p. 107).  
Segundo a concepção neokantiana de cientificidade de Weber, o significado cultural do  
sujeito-pesquisador mira um fragmento da infinitude, configurando-se o momento inicial do  
fazer científico. O caos que é a realidade “só pode ser ordenado pela circunstância de que (…)  
unicamente um segmento da realidade individual possui interesse e significado para nós”  
(Weber, 2011, p. 54). Portanto, apenas alguns aspectos dos fenômenos particulares merecem  
ser conhecidos, justamente aqueles que conferimos significação, “pois apenas eles são objeto  
da explicação causal” (Weber, 2011, p. 54). Trata-se de um ato de escolha do sujeito-  
pesquisador selecionar o que pesquisar, sob que ângulo isso se dará. “A relevância não pertence  
ao objeto; ela submete-se à eleição arbitrária do cientista social” (Oliveira, 2008, p. 114).  
O meio científico necessário que permite a imputação de causalidade é o tipo ideal. Este  
nada tem a ver com julgamentos de valor, “não tem absolutamente nenhuma conexão com  
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O homem para todas as estações: irracionalismo e neokantismo na sociologia de Max Weber  
juízos de valor”. Trata-se de um construto puramente lógico, axiologicamente neutro e sem  
nenhuma conexão com o ser em si. Conforme Oliveira: “Leal aos pressupostos do relativismo  
burguês, Weber designa ao sujeito do conhecimento a tarefa de imputar sentido ao objeto  
mediante a construção de tipos ideais” (Oliveira, 2008, p. 112). Weber alerta que a construção  
de tipos ideais e a análise comparativa da realidade empírica deve ter sentido lógico, o que exige  
“autocontrole científico” do pesquisador, que deve se comportar enquanto cientista, afastando-  
se dos seus valores. Oliveira oferece-nos uma excelente distinção entre o positivismo clássico  
de Durkheim e o positivismo neokantiano de Weber no que tange à participação dos valores no  
processo de conhecimento. Diz:  
Abre-se um parêntese para dizer que Weber não fala de juízos de valor. Tanto  
quanto para Durkheim, Weber também pressupõe uma ciência social isenta  
dos juízos de valor. Durkheim não admite absolutamente nenhuma ingerência  
dos valores, sejam juízos ou referências; o cientista social “deve colocar-se  
face aos fatos sociais esquecendo tudo o que pensa saber, como face ao  
desconhecido” (Durkheim, 1975: 142). Ao contrário do sociólogo francês,  
Weber assinala que a referência a valores é necessária para a escolha do  
objeto; a diferença é tênue mas é uma autêntica diferença: a orientação é dada  
por uma concepção de mundo particular ao sujeito e não por julgamentos  
valorativos ou preconceitos (Oliveira, 2008, p. 114, negrito nosso).  
Weber, como já dito, fomenta o irracionalismo, mas se afasta das suas últimas  
consequências no terreno do conhecimento. Assim, segundo Oliveira, o tipo ideal significa um  
recuo diante do psiquismo de outros autores, como Simmel e Scheler, por exemplo. Como um  
construto puramente lógico, desprovido de contradições, Weber se afasta do método intuitivo –  
típico do irracionalismo – e resgata a necessidade das categorias do entendimento (pensamento  
discursivo), típico do agnosticismo burguês.  
335  
Weber, diferentemente daqueles desses autores e de Nietzsche, interessa-se por fazer  
ciência, insistindo no caráter causal da explicação em ciências sociais. Aqui, vale uma breve  
reflexão sobre o que Weber entende por causalidade. Segundo Cohn, a categoria de causalidade  
cria embaraços a Weber em virtude da sua visão de mundo. É um absurdo, para ele, imaginar  
que seja possível uma “regressão causal exaustiva” que capte sua plena realidade: “Apenas  
colocamos em relevo as causas a que se podem atribuir, num caso concreto, os elementos  
‘essenciais’ de um acontecimento” (Weber, 2011, p. 54). Na sua ótica,  
qualquer fenômeno singular resulta de uma infinidade de causas; a análise  
causal só adquire caráter empiricamente verificável quando toma como  
unidades as ações de sujeitos individuais; é impossível encontrar uma causa  
final ou sequer fundamental em relação às demais para a história ou para  
sociedades tomadas como um todo; (…) uma relação causal estabelecida para  
relacionar processos históricos (…) não é unívoca, mas pode ser lida nos dois  
sentidos possíveis, vale dizer, pode aparecer invertida em outra análise  
igualmente legítima (Cohn, 1979, p. 109).  
Gabriel Magalhães Beltrão  
Cohn diz que o recurso à fórmula da “afinidade eletiva” é uma alternativa encontrada  
por Weber para contornar seus embaraços com a categoria de causalidade. Tanto Cohn quanto  
Löwy tratam a afinidade eletiva como pouco precisa e demasiadamente complexa dentro do  
pensamento weberiano. Ainda assim, o marxista franco-brasileiro concorda em dizer que “o  
conceito de afinidade eletiva é inseparável de sua atitude pluralista, de sua rejeição de toda  
monocausalidade e de todo determinismo unilaterial” (Löwy, 2014, p. 70). Tudo indica que a  
categoria de afinidade eletiva conecta a epistemologia weberiana com sua visão de mundo  
neokantiana, imprimindo-lhe a marca do relativismo, aspecto inclusive utilizado para se fazer  
um contraponto à suposta monocausalidade do marxismo – que atribuiria tudo à causa  
econômica6. Não “apenas se dissolve de modo subjetivista o conjunto da realidade social  
objetiva, mas também se cria para as situações sociais uma complexidade aparentemente  
coerente, mas que no fundo é extremamente confusa” (Lukács, 2020, p. 531).  
Por fim, breves considerações sobre o estatuto da verdade científica em Weber. 1º) A  
verdade científica é possível e necessária, responde às exigências práticas da sociedade que  
provou do fruto da árvore do conhecimento. Weber se afasta, portanto, no irracionalismo pleno  
que negava a verdade científica em benefício de um suposto “conhecimento superior” obtido  
por fora dos cânones do pensamento discursivo, pela via da intuição; 2º) a verdade das ciências  
sociais é consequência de um construto lógico (tipo ideal) e da imputação causal operada pelo  
sujeito cognoscente – ambos momentos de forma axiologicamente neutra. A verdade é,  
portanto, forma desprovida de conteúdo de sentido ontológico; 3º) a verdade científica é  
universal no que tange à sua legitimidade, não à sua amplitude, como queria o positivismo  
clássico. A análise causal prende o pesquisador às regras universalmente aceitas do método  
científico, e “assegura o caráter também universal de suas conclusões” (Cohn, 1979, p. 110),  
ou seja, válido como conhecimento para todos os interessados - inclusive para um chinês. Weber  
se afasta, portanto, de Durkheim e do caráter nomológico da sua sociologia, cujo naturalismo  
contrasta com a visão neokantiana de mundo do sociólogo alemão. Segundo este, todo  
336  
6
Quanto a esta questão, vale trazer aqui as considerações de Wood que problematizam a autoproclamada  
pluricausalidade weberiana: “Os admiradores de Weber gostam de louvar sua concepção multidimensional da  
causação social. (…) Esse pluralismo causal, é o que se afirma, produz uma história melhor que a produzida pela  
abordagem monística de Marx. (…) o pluralismo causal de Weber foi conquistado a um custo considerável. (…)  
A autonomia, na verdade a definição, do poder político ou militar em relação ao ‘econômico’ tal como Weber os  
entende depende de uma concepção universalizadora do econômico que é peculiar a uma forma social capitalista  
– que pressupõe uma clara separação entre o poder econômico e o militar e político. (…) Para Weber, existe apenas  
um modo de atividade econômica, essencialmente capitalista, que pode estar presente ou ausente de vários graus.  
(…) Para Weber, essas formas extraeconômicas são na realidade externalidades que agem sobre, incentivam ou  
inibem, aceleram ou retardam, mas nunca transformam fundamentalmente o único, universal e trans-histórico  
modo de ação verdadeiramente econômica. Então, quem é eurocêntrico, teleológico e reducionista?” (Wood, 2011,  
p. 153).  
Libertas, Juiz de Fora, v. 24, n. 1, p. 319-339, jan./jun. 2024. ISSN 1980-8518  
O homem para todas as estações: irracionalismo e neokantismo na sociologia de Max Weber  
conhecimento científico pressupõe valores, o que implica em prismas/perspectivas/angulações  
sempre diversas, o que contrasta com as leis aplicáveis às ciências da natureza. Oliveira assim  
arremata essa concepção de verdade para Weber, distinguindo-a do naturalismo nomológico do  
positivismo clássico:  
Pondo a verdade sob um matiz puramente lógico, o sociólogo consegue  
destituí-la de seu caráter objetivo, isto é, a concordância entre as  
representações e o movimento real do objeto. Weber não possui a ingenuidade  
naturalista de Durkheim, mas a sua ideia de verdade é igualmente universal  
em um certo sentido: sendo o conceito típico logicamente correto, ele  
apresenta-se como verdadeiro “também a um chinês”. Assim, no mesmo  
instante, é uma verdade relativa, por ser referente às valorações subjetivas do  
sujeito da ciência, e universal, uma vez que detém a logicidade exigida pelo  
método compreensivo. O subjetivo particular transforma-se em objetivo  
universal em um salto antidialético, sem qualquer mediação (Oliveira, 2008,  
p. 147).  
Considerações finais  
Ellen Wood diz que Max Weber traz em sua obra “dois dos principais temas da cultura  
intelectual ocidental” (Wood, 2011, p. 153) do final do século XX. Por um lado, Weber traria a  
“convicção triunfalista de que o progresso atingiu seu destino no capitalismo moderno e na  
democracia liberal – a glorificação do ‘mercado’ e do ‘fim da história’” (Wood, 2011, p. 153);  
por outro, traz consigo o pessimismo de uma visão de mundo irracionalista, fitando com o  
misticismo mais despudorado que anima o pós-modernismo.  
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Como um “homem para todas as estações”, conforme Mészáros o define, Weber parece  
personificar em si mesmo a “Cabeça de Janus” que conforma o pensamento burguês desde a  
sua decadência ideológica. Enquanto pensador comprometido com sua classe e seu país na  
corrida imperialista, Weber fez questão de produzir uma obra cuja ideia-força é suprimir o  
socialismo como projeto político emancipatório do terreno da legitimidade histórica. Assim  
como Nietzsche a seu tempo, “Weber articulou o seu pensamento tendo em mente o socialismo  
como principal adversário” (Mészáros, 2004, p. 216). Com este fim, Weber elaborou uma  
teleologia da história que hipostasiou o capitalismo. Mais: identificou-o à racionalidade  
econômica, ao cálculo com fim de obtenção de lucro, depurando a razão do seu caráter crítico  
e emancipador oriundo do Iluminismo. Satisfaz com isso a perspectiva da sua classe, que desde  
1848 colocou a razão dialética como inimiga número um a ser combatida, primeiramente com  
Hegel e posteriormente com Marx. A Modernidade, portanto, é sinônimo de racionalização  
plena, livre de entraves religiosos como outrora. A mesma racionalização que desencanta o  
mundo - dissipando um após outro os encantos místicos que articulavam o indivíduo ao  
Absoluto e davam-lhe sentido à vida – e revoluciona a técnica e a produção, o aprisiona. Sai de  
Gabriel Magalhães Beltrão  
cena o sentido da vida proveniente dos Deuses e surge a dominação impessoal e absoluta da  
razão. Cai-se, por fim, na “jaula de aço” da Modernidade.  
Weber, desta forma, segue a tradição Iluminista no que tange à sua crença na razão e na  
sua vitória definitiva sobre os Deuses, obviamente destituindo-a da capacidade crítica e  
emancipatória. A economia de mercado e a democracia liberal são, para Weber, as principais  
expressões da racionalização/burocratização da vida moderna. Ambas teriam a capacidade de  
castrar qualquer perspectiva de vir a ser histórico. Segundo Mészáros, o Weber nacionalista  
alemão divergiu de muitos dos seus colegas irracionalistas ao defender que a democracia liberal  
– inexistente na Alemanha semiparlamentarista – era o meio necessário para que o país  
ascendesse ao rol de países imperialistas, não um regime aristocratizado ao sabor dos  
reacionários – como em certa medida era o caso da monarquia dos Hohenzollerns. Para o  
sociólogo de Heidelberg, a jaula de aço inerente à vida burocratizada moderna – a qual passa  
pela democracia liberal - não tende a produzir crítica e antagonismo, mas uma “resignação  
heroica”, como diz Löwy. Em Weber, a elitização/aristocratização da política brota da própria  
democracia liberal e surte efeitos mais profícuos para um país com ideais imperialistas do que  
um regime de ranço feudal.  
Com base nesse raciocínio, Mészáros justifica a difusão de Weber no pós-2º Guerra na  
Europa e nos EUA: com sua visão de mundo fatalista associada à sua epistemologia de substrato  
neokantiano e de desfecho positivista, Weber estava bem situado para ser a antípoda do  
marxismo. Ademais, sua posição política favorável à democracia liberal – com destaque na  
constituição da República de Weimar – o capacitava a ser alçado a paladino da democracia  
contra os “totalitarismos” (leia-se o socialismo e o fascismo). Essa faceta de Weber expressaria  
a sua face voltada à apologética direta do capitalismo.  
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Contudo, conforme a leitura de Lukács, a outra face da “Cabeça de Janus” é justamente  
a apologética indireta do capitalismo, a sua imagem do mundo fortemente comprometida com  
o irracionalismo alemão. Conforme procuramos apresentar nesse artigo, o Weber enquanto  
homem político é fortemente comprometido com a Alemanha e seus interesses imperialistas, o  
que não o permite que se deixe mergulhar totalmente no irracionalismo, mas está, digamos,  
com metade do seu corpo nele. Sua consideração de que a Modernidade é sinônimo de  
racionalização a qual conduz à burocratização da vida traz o atalho para o escapismo, para o  
misticismo irracionalista, que, nos tempos atuais, engrossa as fileiras da extrema direita e do  
neofascismo em variados países, imperialistas e dependentes. Diante de uma Alemanha  
fortemente industrializada, mas alijada das possessões coloniais, e de um forte e vigoroso  
movimento operário socialdemocrata, a visão de mundo pessimista de Weber muito mais do  
Libertas, Juiz de Fora, v. 24, n. 1, p. 319-339, jan./jun. 2024. ISSN 1980-8518  
O homem para todas as estações: irracionalismo e neokantismo na sociologia de Max Weber  
que apenas fomentar a resignação, pode ter contribuído para disseminar o clima intelectual que  
posteriormente endossou o reacionarismo chauvinista do nazifascismo. Afinal, como afirma  
Lukács, “não há nenhuma tomada de posição filosófica ‘inocente’”: “a possibilidade de uma  
ideologia fascista, reacionária e agressiva está contida objetivamente em toda a expressão  
filosófica do irracionalismo” (Lukács, 2020, p. 34).  
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LÖWY, M. A Jaula de Aço: Max Weber e o marxismo weberiano. São Paulo: Boitempo,2014.  
LUKÁCS, G. A Destruição da Razão. São Paulo: Instituto Lukács, 2020.  
LUKÁCS, G. Existencialismo ou Marxismo. São Paulo: Livraria Editora Ciências Humanas  
Ltda., 1979.  
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MÉSZÁROS, I. Filosofia, Ideologia e Ciência Social. São Paulo: Boitempo, 2008.  
NETTO, J. P. Capitalismo Monopolista e Serviço Social. 4ª ed. - São Paulo, Cortez, 2005.  
OLIVEIRA, R.C. As Raízes Históricas da Sociologia de Max Weber. Tese, 2008, ESS/UFRJ.  
WEBER, M. A Objetividade do Conhecimento nas Ciências Sociais. São Paulo: Ática, 2011.  
WOOD. E. M. Democracia contra o capitalismo: a renovação do materialismo histórico. São  
Paulo: Boitempo, 2011.  
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