Gabriel Magalhães Beltrão
período importante do irracionalismo moderno surge (…) em oposição ao conceito histórico-
dialético idealista de progresso” através da pena de Schelling e Kierkegaard, refletindo a reação
feudal à Revolução Francesa e à ideia burguesa de progresso. Após a Primavera dos Povos
(1848) e, principalmente, a Comuna de Paris (1871), “a concepção de mundo do proletariado,
o materialismo histórico e dialético, passa à condição de adversário, cuja natureza essencial
determina o desenvolvimento do irracionalismo. O novo período terá Nietzsche como o
primeiro e mais importante representante” (Lukács, 2020, p. 12).
A despeito da heterogeneidade interna do irracionalismo, Lukács afirma que há
“problemas metodológicos e de conteúdo” comuns suficientes para produzir uma forte coesão
e unidade. Diz: “A depreciação do entendimento e da razão, a glorificação da intuição, a
gnoseologia aristocrática, a recusa do progresso sócio-histórico, a criação de mitos são, dentre
outros, motivos que encontramos em quase todo pensador irracionalista” (Lukács, 2020, p. 15).
A apologética indireta do capitalismo inerente ao irracionalismo se deve ao fato de que nele o
destino do homem do imperialismo é hipostasiado à condição de destino humano em geral2. O
fatalismo diante de um mundo inautêntico, sombrio, paradoxalmente se converte em reconforto
de “uma existência voltada sobre si, isolada de toda a vida pública e cujo equilíbrio repousa
precisamente num pessimismo total a respeito do mundo exterior” (Lukács, 1979, p. 44)3. Em
outros termos:
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uma de suas mais importantes tarefas sociais para a burguesia reacionária
consiste em oferecer ao homem certo confort no terreno da concepção de
mundo, a ilusão de uma liberdade completa, a ilusão da independência
pessoal, da superioridade moral e intelectual – quando seu comportamento o
vincula em todos os seus atos reais à burguesia reacionária, colocando-o
incondicionalmente a seu dispor (Lukács, 2020, p. 26).
Para o filósofo húngaro, a teoria do conhecimento do agnosticismo neokantiano é a base
mesma da teoria do conhecimento do irracionalismo, sem deixar de reconhecer que esta última
representa “uma evolução considerável em relação à do período precedente” (Lukács, 1979, p.
2
Importante ressaltar que Lukács entende que tanto a apologética indireta quando a apologética direta são
inerentes ao universo ideológico do pensamento burguês da decadência. Enquanto a primeira vela sua apologia ao
mundo burguês apresentando sua repulsa ao inautêntico como uma espécie de grito desesperado, mas impotente e
blasé, lastreando uma resignação passiva; a segunda busca prescindir do universo dos valores, deslegitimando-os
em prol de uma resignação entusiasmada ao existente, legitimando, portanto, uma práxis social manipulatória ao
sabor da cotidianidade burguesa.
3
No mesmo sentido, diz Coutinho: “A subjetividade erige-se idealmente na única fonte de valores autênticos,
desprezas concretamente todas as mediações sociais, denunciadas como o reino da alienação. Mas esta
subjetividade inteiramente vazia, convertida em mera negação abstrata do real, procura desesperadamente
encontrar um Absoluto pleno de sentido. Nesta busca, as filosofias da subjetividade revelam um traço
profundamente religioso (ainda que se trate de uma religiosidade ateia) e, desse modo, uma vinculação espiritual
com formas de vida pré-capitalistas. Com o passar dos tempos, o combate à vida pública converte-se numa luta
contra a democracia e numa defesa de posições ‘aristocráticas’ no plano ético e mesmo no político” (Coutinho,
1972, p. 33).
Libertas, Juiz de Fora, v. 24, n. 1, p. 319-339, jan./jun. 2024. ISSN 1980-8518