Fernando Araújo Bizerra
mercadoria, tenham consciência disso ou não. Os produtores estabelecem contato social com
outros produtores mediante a troca dos produtos do seu trabalho tornados mercadorias;
relacionam-se, rigorosamente, e em todo caso, por meio deles.
O “misterioso” da forma mercadoria é que, para os homens, “as características
sociais do seu próprio trabalho” são refletidas “como características objetivas dos próprios
produtos de trabalho”, “como propriedades naturais sociais dessas coisas”. Em decorrência, a
relação social dos produtores com a totalidade da produção (“o trabalho total”) aparece “como
uma relação social existente fora deles, entre objetos”. Através deste “quiproquó”, uma
determinada relação social estabelecida entre os produtores apresenta-se como uma relação
“natural” entre coisas fisicamente diferenciadas. O fetichismo, intrínseco à produção de
mercadorias, penetra, dissemina-se e satura a sociedade capitalista, singularizando-a como
aquela sociabilidade em que as coisas ganham acentos humanos e as relações humanas
assumem “a forma fantasmagórica de uma relação entre coisas” (Marx, 1996a, p. 198)
inexplicáveis, supostamente dotadas de vida própria, encaradas como algo superior aos próprios
sujeitos que a criaram. Para os produtores, as relações sociais entre seus trabalhos privados
revelam-se “não como relações diretamente sociais entre pessoas em seus próprios trabalhos,
senão como relações reificadas entre as pessoas e relações sociais entre as coisas” (Marx, 1996a,
p. 199). Por causa desta inversão fetichizante, as relações humanas passam a transfigurar como
relações objetuais, coisificadas, independentes dos homens.
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Na sociedade burguesa, onde predomina3 o valor, para que a compra e venda da
mercadoria se realize uma mercadoria precisa assumir o papel de equivalente geral. O dinheiro
é a mercadoria que cumpre esta função social, equiparando todas as mercadorias oferecidas4.
Seja em moedas metálicas, seja em cédulas de papel, o dinheiro funciona como medida geral
dos valores. Mas, para não incorrer numa interpretação equivocada, vale registrar que não é o
dinheiro o que torna as mercadorias comensuráveis. Qualquer incursão por esta linha desvia da
3
Carcanholo (2013, p. 28) ressalta: “o desenvolvimento mercantil é um processo por meio do qual, partindo da
sua gênese com a chamada forma simples, o valor impõe cada vez mais seu domínio sobre o valor de uso e chega
a converter-se em polo dominante. Essa dominação culmina com a consubstantivação, mas continua o processo
de desenvolvimento mercantil – agora capitalista – e prossegue cada vez mais intensa a dominação do valor sobre
o valor de uso, da forma sobre o conteúdo da riqueza. [...] sendo a riqueza mercantil unidade valor de uso e valor,
ela se torna, com o desenvolvimento, cada vez mais valor e cada vez menos valor de uso. No capitalismo, a dialética
permite entender que o valor chega a ser a própria natureza da riqueza, embora o valor de uso continue existindo
(não pode desaparecer) como aspecto subordinado”.
4 O dinheiro, quando a produção se amplia e se supera aquele estágio histórico em que as trocas eram acidentais e
fortuitas, funciona também como “meio de troca – possibilitando a circulação de mercadorias”, “medida de valor
– oferecendo um padrão de mensuração para todas as mercadorias”, “meio de acumulação ou entesouramento –
podendo ser guardado para uso posterior”, “meio de pagamento universal – servindo para quitar dívidas públicas
e privadas” (Netto; Braz, 2009, p. 89, grifos dos autores).
Libertas, Juiz de Fora, v. 24, n. 1, p. 66-89, jan./jun. 2024. ISSN 1980-8518