Marx diante da França revolucionária na  
Crítica à filosofia do Direito de Hegel  
Marx towards revolutionary France in the  
Critic of Hegel´s Philosophy of Law  
Vitor Bartoletti Sartori*  
Resumo: Analisaremos a posição de Marx  
diante da Revolução Francesa e de seus  
desdobramentos na Crítica à filosofia do Direito  
de Hegel. Mostraremos que, já no início de  
1843, a revolução de 1789 não é um modelo  
para Marx ao se pensar o futuro. Antes, ela  
expressa a consolidação da oposição entre o  
social e o político, bem como o mútuo  
estranhamento entre sociedade civil-burguesa e  
Estado. Aquilo que se passa na França depois  
Abstract: We will analyze Marx's position in  
the face of the French Revolution and its  
consequences in the Critique of Hegel's  
Philosophy of Law. We will show that the  
revolution of 1789 is not a model for Marx  
when thinking about the future. It expressed the  
consolidation of the opposition between the  
social and the political, as well as the mutual  
estrangement between civil-bourgeois society  
and the State. What happens in France after the  
revolutionary events is seen as an advance, and  
as something superior to the German  
constitutional monarchy, defended by Hegel.  
However, both, the republican and monarchical  
state constitutions, are seen as marked by  
political representation and the typical  
abstraction of understanding. A clear defense of  
democracy would be necessary, which  
ultimately ends up considering that the State is  
a predicate of society, and not the opposite, as  
occurs in Hegel´s Philosophy of Law.  
dos  
acontecimentos  
revolucionários  
é
enxergado como um avanço, e como algo  
superior à monarquia constitucional alemã,  
defendida por Hegel. Porém, tanto  
a
constituição estatal republicana quanto a  
monárquica são enxergadas como marcadas  
pela representação política e pela abstração  
típica do entendimento, de modo que seria  
preciso uma defesa decidida da democracia, a  
qual finalmente acaba por reconhecer que o  
Estado é um predicado da sociedade, e não o  
oposto, como ocorre na Filosofia do Direito.  
Palavras-chaves: Marx; Crítica da filosofia do  
Direito de Hegel; Revolução Francesa;  
Estranhamento político.  
Keywords: Marx; Critic of Hegel´s philosophy  
of Law; French Revolution; Political alienation  
* Professor adjunto da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. Mestre em  
História social pela PUC SP e doutor em teoria e filosofia do Direito pela USP. ORCID: https://orcid.org/0000-  
DOI: 10.34019/1980-8518.2024.v24.42580  
Esta obra está licenciada sob os termos  
Recebido em: 25/10/2023  
Aprovado em: 06/11/2023  
Vitor Bartoletti Sartori  
Introdução  
No presente texto, intentamos analisar a transformação dos estamentos políticos em  
estamentos sociais na Crítica da filosofia do Direito de Hegel. Procuraremos demonstrar que,  
já no início de 1843, a distinção entre o âmbito político e social é de grande importância para  
Marx. Sua interpretação sobre a Revolução Francesa liga tal transformação à força do  
legislativo, à abstração presente no Estado e no Direito e, indiretamente, a possibilidade da  
emergência da forma política da democracia.  
A partir do que Chasin chamou de análise imanente1, explicitaremos como que, no texto  
aqui analisado, Marx não é um simples defensor da Revolução Francesa ao mesmo tempo em  
que não toma o atraso alemão como medida para tratar do presente.  
A peculiaridade da Crítica à filosofia do Direito de Hegel no percurso formativo de  
Marx  
As diferenças de Marx quanto à posição hegeliana já aparecem em seu doutoramento,  
em que o autor destaca a necessidade de uma posição reflexiva, e não imediata, com o autor da  
Fenomenologia (Marx, 1974). Não seria possível simplesmente adotar as conclusões de Hegel  
em uma época posterior àquela do autor. Seria preciso, pois, buscar mediações históricas, para  
que se enxergasse o pensamento hegeliano em sua época e para que se pudesse progredir, tendo  
em conta o desenvolvimento histórico do gênero humano, diante daquilo deixado pelo autor.  
Nesse sentido, A diferença entre as filosofias da natureza de Demócrito e de Epicuro,  
de 1841, trata de autores que pouca importância tiveram no sistema hegeliano. Marx, com isso,  
questiona o posicionamento hegeliano sobre a filosofia ao abordar os mencionados pensadores.  
Porém, haveria algo mais, e que nos é fundamental sobre a relação de Marx com Hegel: ao  
contrário do que acontece com parte substancial dos neohegelianos – exceção feita a Feuerbach  
(Cf. Marx; Engels, 2003; 2007) –, para Marx, seria preciso questionar os próprios princípios da  
dialética do autor da Filosofia do Direito. Ou seja, é preciso muito cuidado ao classificar Marx  
como um “neohegeliano”.  
2
Primeiramente, isso se dá porque os próprios grupos que se autoproclamavam discípulos  
de Hegel eram muito heterogêneos (Cf. Heinrich, 2019). Porém, e mais fundamental para nós:  
1
Como diz Chasin: “tal análise, no melhor da tradição reflexiva, encara o texto – a formação ideal – em sua  
consistência autosignificativa, aí compreendida toda a grade de vetores que o conformam, tanto positivos como  
negativos: o conjunto de suas afirmações, conexões e suficiências, como as eventuais lacunas e incongruências  
que o perfaçam. Configuração esta que em si é autônoma em relação aos modos pelos quais é encarada, de frente  
ou por vieses, iluminada ou obscurecida no movimento de produção do para-nós que é elaborado pelo investigador,  
já que, no extremo e por absurdo, mesmo se todo o observador fosse incapaz de entender o sentido das coisas e  
dos textos, os nexos ou significados destes não deixariam, por isso, de existir [...]” (Chasin, 2009, p. 26).  
Libertas, Juiz de Fora, v. 24, n. 1, p. 1-17, jan./jun. 2024. ISSN 1980-8518  
Marx diante da França revolucionária na Crítica à filosofia do Direito de Hegel  
ao passo que tais grupos reivindicavam o verdadeiro legado hegeliano, Marx já se encontra  
criticando os pontos de partida do hegelianismo.  
E, assim, a relação reflexiva que Marx reivindica para si levaria à impossibilidade de  
simplesmente se declarar como um “hegeliano” puro. Antes, tratar-se-ia de reconhecer o lugar  
de Hegel na história, ao mesmo tempo em que a superação do sistema e da dialética hegeliana  
estariam na ordem do dia para a filosofia e para o trabalho da filosofia.  
Levantamos tais aspectos para que a Crítica da filosofia do Direito de Hegel possa ser  
vista com mais cuidado: não se trata do primeiro momento em que Marx questiona Hegel.  
Também não se está diante de um autor que realiza uma autocrítica radical quanto à sua posição  
anterior: na mesma época em que escreve o texto, Marx continua a se referir, em suas cartas,  
aos textos da Gazeta Renana, por exemplo (Cf. Marx; Engels, 2020). Se há mudanças na  
posição do autor – e claramente elas estão no texto (Cf. Sartori, 2020) – elas são o resultado de  
um percurso longo, que precisa ser estudado com cuidado.  
E, como não poderia deixar de ser, tais mudanças dizem respeito tanto à sua posição  
política (que não se confunde mais com aquela da defesa do Estado racional, ou do Estado  
político pleno, como na Gazeta Renana)2 quanto às questões de princípio. Quanto a esse último  
aspecto, a especulação hegeliana é criticada na medida em que a própria política ficaria  
eclipsada diante do idealismo especulativo do autor, para quem:  
3
A essência das determinações do Estado não consiste em que possam ser  
consideradas como determinações do Estado, mas sim como determinações  
lógico-metafísicas em sua forma mais abstrata. O verdadeiro interesse não é a  
filosofia do direito, mas a lógica. O trabalho filosófico não consiste em que o  
pensamento se concretize nas determinações políticas, mas em que as  
determinações políticas existentes se volatilizem no pensamento abstrato. O  
momento filosófico não é a lógica da coisa, mas a coisa da lógica. A lógica  
não serve à demonstração do Estado, mas o Estado serve à demonstração da  
lógica (Marx, 2010, p. 38-39).  
A especulação hegeliana levaria a uma posição lógico-metafísica diante do Estado e do  
Direito. Esses últimos acabariam por ser subsumidos à esquemas lógicos e especulativos, nos  
quais as determinações políticas acabariam por se volatilizar.  
Marx, por outro lado, defende justamente a necessidade de captar a lógica da coisa, as  
determinações políticas, e o próprio Direito. E, assim, ao passo que, para Hegel, a filosofia  
acaba por subordinar em seu caráter abstrato a concretude da realidade, para Marx, tem-se o  
oposto: o trabalho filosófico deve apreender as determinações políticas existentes, o Direito e  
a lógica da coisa. Para o autor da Filosofia do Direito, tem-se a busca pela coisa da lógica; já,  
2 Sobre o assunto do Estado racional, Cf. Eidt (1998).  
Vitor Bartoletti Sartori  
em Marx, procura-se, ao contrário, a diferença específica colocada na própria realidade e na  
lógica específica do objeto específico. Tem-se, assim, uma inversão em Hegel: a realidade  
mesma aparece como um predicado da ideia, e não o oposto. Na síntese de Leonardo de Deus:  
“Marx critica Hegel por promover uma autêntica ontologização da ideia e, consequentemente,  
uma desontologização da realidade” (De Deus, 2014, p. 21). Marx, com isso, defende o estatuto  
ontológico (Cf. Chasin, 2009) das categorias, as quais, como ele dirá posteriormente,  
“expressam formas de ser determinações de existência” (Marx, 2011, p. 59)3. A posição da  
Crítica à filosofia do Direito de Hegel, com isso, é bastante importante no itinerário formativo  
de Marx.4 Mesmo que não traga uma reviravolta completa (pois Marx já criticava Hegel), e que  
na obra não se tenha a posição política comunista de Marx (como acontecerá ainda no final de  
1843), ela traz algo essencial: uma posição clara quanto ao estatuto do pensamento, que capta  
o movimento da própria realidade, cuja existência é objetiva.  
Revolução Francesa, estamentos políticos e sociais diante da vida política e da vida  
privada  
Marx, assim, critica substancialmente o sistema hegeliano.5 Trata de mostrar como seu  
princípio é marcado pela especulação e pela inversão entre sujeito e predicado. Ao analisar a  
política, o autor da Crítica da filosofia do Direito de Hegel explicita como que a classe universal  
trazida por Hegel (a burocracia) está maculada pelo particularismo, de modo que se coloca com  
tonalidades teológicas: “o espírito burocrático é um espírito profundamente jesuítico, teológico.  
Os burocratas são os jesuítas do Estado, os teólogos do Estado” (Marx, 2010, p. 65). Longe de  
se ter qualquer Estado racional, tem-se o nível da teologia (e não da filosofia, por exemplo), de  
modo que o Estado não se coloca como um instrumento de realização da razão na história, como  
quer Hegel. O trabalho filosófico, assim, não é realizado; a ideia aparece como uma espécie de  
demiurgo do real. A ideia de burocracia, assim, parece se sobrepor à burocracia mesma ao passo  
4
3 Para uma abordagem da teoria das abstrações de Marx, Cf. Chasin (2009) e Assunção (2014).  
4 Acreditamos ser importante estudar esse texto, portanto. Isso se dá também porque o melhor da crítica marxista  
ao Direito, infelizmente, acaba por não o estudar. No texto de Naves (2014), A questão do Direito em Marx, não  
há um tratamento dedicado ao livro que aqui mencionamos. Ele é abordado, muito rapidamente, em conjunto com  
outras obras supostamente anteriores ao “corte epistemológico” existente na obra marxiana a partir de A ideologia  
alemã.  
5 Também por essa razão, não podemos concordar com Furet quando diz que “o jovem Marx conhecia Hegel da  
primeira à última linha e foi por seu intermédio que tomou conhecimento da Revolução Francesa, antes de estudá-  
la na historiografia francesa” (Furet, 1989, p. 13). O autor francês parece tomar Marx como alguém que emula  
Hegel no seu tratamento da revolução de 1789 quando, em verdade, trata-se de entender justamente a peculiaridade  
do pensamento marxiano. Noutro momento, o pensador francês realiza o mesmo procedimento ao se ter a  
influência de Feuerbach: “o Marx de 1843-44 está em pleno entusiasmo feuerbachiano; propõe-se a criticar a  
concepção hegeliana de Estado e a fazer com o Estado hegeliano o mesmo que Feuerbach faz com a alienação  
religiosa” (Furet, 1989, p. 12). Em ambos os casos, o texto do Marx, ao fim, aparece como uma mera sombra do  
pensamento de outros pensadores.  
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Marx diante da França revolucionária na Crítica à filosofia do Direito de Hegel  
que essa última, em verdade, é mesquinha. Ela expressa “a real falta de espírito do Estado” que  
é transformada “em imperativo categórico. A burocracia se considera o fim último do Estado”  
(Marx, 2010, p. 65). Portanto, somente com uma logicização de uma classe universal – e com  
a suposição de que a monarquia constitucional é capaz de trazer uma pessoa, o monarca, como  
alguém que está acima da sociedade, bem como sem apreender o ser da burocracia mesma – é  
que Hegel toma a esfera estatal como racional, universal e capaz de reconciliar as contradições  
e as oposições da sociedade civil-burguesa.  
Após questionar o princípio especulativo da filosofia hegeliana, nosso autor ataca a  
leitura da Filosofia do Direito sobre a potencialidade do Estado moderno, portanto.  
Da crítica ao caráter especulativo – e, no limite, teológico – do pensamento hegeliano,  
vai-se à crítica da posição do autor sobre a política e sobre o Estado moderno.  
Marx, porém, já no início de 1843, não pode se contentar com tais conclusões.  
Uma das descobertas mais importantes de sua Crítica à filosofia do Direito de Hegel é  
aquela segundo a qual, na oposição entre Estado e sociedade, a sociedade civil-burguesa é o  
sujeito e a esfera política é um predicado dessa sociedade. Para nosso autor, ao contrário do que  
ocorre na especulação hegeliana, “família e sociedade civil[-burguesa] são os pressupostos do  
Estado; elas são os elementos propriamente ativos; mas, na especulação, isso se inverte” (Marx,  
2010, p. 30). E, dessa maneira, é preciso se voltar às próprias determinações da sociedade, no  
caso, como disse Marx posteriormente, da “‘sociedade [civil-]burguesa’, que se preparou desde  
o século XVI e que, no século XVIII, deu largos passos para sua maturidade” (Marx, 2011, p.  
54). Ou seja, mesmo que Marx ainda não traga em seu repertório uma crítica da economia  
política madura e posta de modo plenamente consciente, ele precisa se voltar à compreensão  
do elemento social, o qual se coloca na sociedade que analisa. E, com isso, o autor aborda o  
impacto da Revolução Francesa na história, mais precisamente: ele analisa como que a própria  
oposição entre o político e o Estado de um lado, e o social e a sociedade doutro se colocam na  
moderna sociedade civil-burguesa a partir dessa revolução e de suas consequências.  
5
Somente a Revolução Francesa completou a transformação dos estamentos  
políticos em sociais, ou seja, fez das distinções estamentais da sociedade  
civil[-burguesa] simples distinções sociais, distinções da vida privada, sem  
qualquer significado na vida política. A separação da vida política e da  
sociedade civil[-burguesa] foi, assim, consumada (Marx, 2010, p. 97).  
É também por perceber que a sociedade civil-burguesa é o sujeito e o Estado o predicado  
que Marx traz a Revolução Francesa à tona. A partir da análise desse acontecimento, resta claro  
que o elemento social e o político são distintos. E mais: em verdade, eles estão presentes na  
Vitor Bartoletti Sartori  
própria oposição entre sociedade civil-burguesa (e vida civil-burguesa) de um lado e o Estado  
(também a vida política) de outro.  
Tal contraposição é característica do modo pelo qual se conforma o Estado moderno,  
por meio de uma oposição e mútuo estranhamento entre a vida política e a vida civil-burguesa  
(Cf. De Deus, 2014). E, com isso, ao contrário do que acontecia em 1842 na Gazeta Renana,  
Marx não se baseia mais na superioridade do Estado político e racional diante do privilégio e  
do particularismo; ele enxerga esses dois últimos como determinações de uma situação em que  
a vida política e a privada se contrapõem (Cf. Sartori, 2020). As distinções estamentais se vão  
com a Revolução Francesa e o privilégio, bem como as prerrogativas privilegiadas, tornam-se  
algo já ultrapassado do ponto de vista histórico-mundial. No lugar deles, depois dessa  
revolução, tem-se o tempo do Direito baseado na oposição entre o público e o privado, bem  
como na existência de estamentos sociais. As distinções estamentais se tornam sociais e a  
oposição entre vida privada e vida política se explicita com força. Ou seja, Marx olha para a  
Revolução Francesa como um avanço diante da feudalidade; no entanto, o Estado trazido por  
essa revolução não é resolutivo das condições sociais do mundo moderno. Antes, ele consolida  
e reconhece o mútuo estranhamento entre o elemento político e a vida civil-burguesa.  
A Revolução Francesa traz à cena uma situação em que a contraposição entre o público  
e o privado não é resolvida. Antes, ela é reconhecida como um fundamento inatingível. A  
revolução acaba por superar os estamentos políticos, mas mantém os sociais e, desse modo, a  
vida civil-burguesa moderna prevalece de modo particularista.  
6
Os entraves que marcaram a feudalidade são, em linhas gerais, superados. Mas os  
entraves que marcam o mundo moderno emergem e são expressos na oposição, bem como no  
estranhamento, entre a sociedade e a vida civil-burguesa de um lado e o Estado e a vida política  
de outro. David Maclellan diz que “para todos os intelectuais alemães, a Revolução Francesa  
era a revolução. E Marx e seus amigos Jovens Hegelianos constantemente se comparavam aos  
heróis de 1789” (Mclellan, 2023, p. 146). E, pelo que vemos, ele está bastante enganado.  
Primeiramente, não é possível colocar Marx em conjunto com os neohegelianos sem inúmeras  
mediações. Em segundo lugar, o biógrafo de Marx está equivocado porque toma a Revolução  
Francesa como algo a ser resolutivo para o pensamento marxiano. Pelo que vemos, antes, ela  
traz os problemas tipicamente modernos; ela explicita questões que fazem parte da própria  
constituição da política e do Direito modernos, os quais são tratados na Crítica à filosofia do  
Direito de Hegel.  
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Marx diante da França revolucionária na Crítica à filosofia do Direito de Hegel  
AAlemanha diante da Revolução Francesa no começo de 1843  
Analisando a política e o Direito, Marx critica a posição hegeliana, a qual julga estar  
aquém daquela dada pela Revolução Francesa. A defesa da monarquia constitucional  
preservaria a contradição e o mútuo estranhamento entre sociedade civil-burguesa e Estado. E,  
assim, tanto seria necessário mostrar o anacronismo da política alemã quanto não bastaria  
remeter aos princípios da revolução de 1789. Ao analisar a centralidade que adquire o que Hegel  
chama de poder governamental (que seria exercido pelo monarca), o autor da Crítica à filosofia  
do Direito de Hegel acaba por remeter aos diferentes poderes presentes no Estado e os compara  
tendo em conta o seu potencial:  
O poder legislativo fez a Revolução Francesa; lá onde ele, em sua  
particularidade, apareceu como dominante, ele fez, em geral, as grandes  
revoluções universais orgânicas; ele não combateu a constituição, mas uma  
particular constituição antiquada, precisamente porque o poder legislativo era  
o representante do povo, da vontade genérica. Em contrapartida, o poder  
governamental fez as pequenas revoluções, as revoluções retrógradas, as  
reações; ele não fez a revolução por uma nova constituição, contra uma antiga,  
mas a fez contra a constituição, precisamente porque o poder governamental  
era o representante da vontade particular, do arbítrio subjetivo, da parte  
mágica da vontade (Marx, 2010, p. 97).  
Na contraposição à Hegel, Marx ataca a importância que o autor atribui ao monarca. Em  
sua visão, em verdade, o soberano aparece como uma pessoa (e não como o povo como um  
todo) dotada de arbítrio, e não como a expressão da liberdade. Com isso, sequer se chega ao  
patamar da Revolução Francesa em que a constituição (entendida aqui como uma configuração  
específica do Estado, como a da monarquia, e não no sentido do moderno constitucionalismo)  
consegue representar o povo, com sua vontade genérica.  
7
Ou seja, tanto no caso alemão quanto no francês a representação política está presente.  
Em ambos os países, têm-se sérios problemas, tanto porque ainda há estamentos políticos e  
privilégios quanto ao se trazer à tona o estranhamento político e os estamentos sociais. No  
entanto, seria gritante o anacronismo da defesa da monarquia constitucional.  
Nesta forma de governo, o arbítrio domina e o soberano representa uma vontade pessoal  
e particular, a qual Hegel acaba por dar uma tonalidade universal somente ao passo que põe em  
funcionamento o pior do idealismo especulativo: em meio à logicização da realidade, o real  
torna-se um mero fenômeno da ideia de soberania defendida por Hegel; porém, em verdade, a  
ideia não pode ser outra coisa que um espelhamento da própria realidade.6 A especulação  
6
Como bem coloca Rubens Enderle: “a inversão determinativa entre sujeito e predicado é, portanto, a inversão  
ontológica entre a determinação real e a determinação ideal, o conteúdo concreto e a ideia abstrata ou, poder-se-ia  
dizer, o ser e o pensar. A Ideia é feita sujeito, na medida em que a ela é conferido o poder de engendrar, a partir  
de si mesma, suas determinações concretas, finitas” (Enderle, 2005, p. 19).  
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hegeliana se coloca de tal maneira que “o real torna-se fenômeno; porém, a Ideia não tem outro  
conteúdo a não ser esse fenômeno. Também não possui a Ideia outra finalidade a não ser a  
finalidade lógica” (Marx, 2010, p. 30). Hegel quer resolver as contradições presentes na  
realidade a partir do que chama – de modo bastante sui generis, diga-se de passagem – de poder  
governamental.7 Ocorre, porém, que, na realidade mesma, o monarca corporifica o arbítrio, e  
não a liberdade, o particular, e não o universal (Cf. Palu, 2019). Há, portanto, um nexo  
ineliminável entre a crítica marxiana à posição política e ao funcionamento do sistema  
hegeliano.  
Para Marx, o poder legislativo, em oposição ao poder governamental, teria tido um papel  
progressista. No limite, foi ele que fez a Revolução Francesa. Nela, a vontade genérica e a  
universalidade (ainda abstrata, porque calcada na oposição entre sociedade civil-burguesa e  
Estado) prevalecem. Trata-se do que, nesse momento, Marx chama de revoluções orgânicas,  
em que as formas de constituição do Estado são questionadas em nome da perfectibilização da  
política. A representação, assim, coloca-se da maneira mais avançada possível: tem-se o povo  
e a vontade genérica representados. Porém, em conjunto com a representação, tem-se a o  
estranhamento entre a sociedade e o Estado.  
Na Revolução Francesa, o questionamento de um Estado antiquado é realizado pelo  
poder legislativo, o qual modifica a forma política procurando superar o arbítrio e o  
particularismo. Doutro lado, ao analisar a Alemanha do tempo de Hegel (e de seu próprio  
tempo) Marx traz a proeminência do poder governamental o qual, segundo a Crítica à filosofia  
do Direito de Hegel, só trouxe revoluções retrógradas, ou seja, reações.  
8
Marx, assim, critica a especificidade da constituição do Estado alemão ao ligá-lo à  
reação. Hegel, dessa maneira, mesmo que não seja um reacionário, objetivamente, acaba  
chancelando uma constituição do Estado que se liga às reações. Isso ocorre, ao fim, “porque o  
poder governamental era o representante da vontade particular, do arbítrio subjetivo, da parte  
mágica da vontade” (Marx, 2010, p. 97). E, dessa maneira, novamente, destaca-se o  
anacronismo da defesa hegeliana do Estado alemão.  
Como se diz na Crítica à filosofia do Direito de Hegel:  
também a constituição francesa representa um progresso. Ela reduziu, em  
verdade, a câmara dos pares a uma pura nulidade, mas essa câmara, segundo  
o princípio da monarquia constitucional, tal como Hegel tencionava  
desenvolvê-lo, só pode ser, por sua natureza, uma nulidade, a ficção da  
7 Colocamo-nos dessa maneira porque há em Hegel uma crítica à separação dos poderes; porém, ao mesmo tempo,  
ele traz, por meio de uma nomenclatura diferente, funções do Estado, dentre elas, aquela do poder governamental,  
cuja titularidade, no caso da monarquia constitucional, seria do príncipe. Trata-se de uma construção que, até onde  
conseguimos ir, não encontra paralelo exato em outro autor.  
Libertas, Juiz de Fora, v. 24, n. 1, p. 1-17, jan./jun. 2024. ISSN 1980-8518  
Marx diante da França revolucionária na Crítica à filosofia do Direito de Hegel  
harmonia entre príncipe e sociedade civil, ou do poder legislativo ou Estado  
político consigo mesmo como uma existência particular e, precisamente por  
isso, mais uma vez contraditória. Os franceses deixaram subsistir a  
perpetuidade dos pares, visando exprimir a independência destes em relação  
à escolha por parte do governo e do povo. Mas aboliram a expressão medieval:  
a hereditariedade. Seu progresso consiste em que eles não derivam mais a  
câmara dos pares da sociedade civil real, mas a criaram a partir de sua  
abstração. Eles deixam derivar a sua escolha do Estado político existente, do  
príncipe, sem ter ligado este último a qualquer qualidade social. A paridade é  
realmente, nessa constituição, um estamento na sociedade civil, um estamento  
que é puramente político e criado a partir do ponto de vista da abstração do  
Estado político; mas ele aparece mais como decoração política do que como  
estamento real, provido de direitos particulares. A câmara dos pares, sob a  
restauração, era uma reminiscência. A câmara dos pares da revolução de Julho  
é uma criação efetiva da monarquia constitucional (Marx, 2010, p. 128).  
O modo pelo qual se tem na França o questionamento da monarquia com a revolução  
de 1789 seria um grande avanço diante da forma anterior de colocação da política. Mesmo com  
o desenvolvimento da restauração, isso ainda seria uma verdade.  
A câmara dos pares, de início, em 1814, traz uma composição estamental e hereditária,  
conformada por estamentos políticos. Trata-se de uma câmara voltada à preservação dos  
interesses da nobreza. Posteriormente, porém, sua natureza hereditária (e medieval) é abolida  
e, com isso, Marx destaca como que essa câmara, em sua versão francesa, ao final, somente  
poderia ser uma ficção de harmonia entre o príncipe e a sociedade civil-burguesa. Uma classe  
ligada ao medievo tem sua existência medieval suprimida e, assim, essa classe, mesmo que  
preservada, deixa de se colocar com poder social. A constituição francesa, até mesmo quando  
se olha para a restauração, é um avanço, portanto. Ela exprime a superação da sociedade  
medieval e traz uma oposição entre os estamentos políticos e sociais. O resultado é a nulidade  
da câmara dos pares.  
9
O poder político e o Estado político também se opõem. Eles acabam formando uma  
existência contraditória e marcada pela oposição entre a sociedade e o Estado. Os pares – ou  
seja, os nobres nomeados pelo príncipe – colocam-se com certa perpetuidade. Nesse sentido,  
eles aparentam se colocar como um fruto da vontade política do príncipe e, como tal,  
independente, do governo e do povo, os quais aparecem representados essencialmente no  
legislativo. O poder político dos nobres, com isso é um anacronismo.  
Segundo Marx, a nobreza não traz mais uma relação imediata com a sociedade civil-  
burguesa. Antes, a câmara dos pares deriva da abstração do poder político que se pretende um  
sujeito (e não um predicado) da sociedade. A nobreza, bem como os pares, portanto, não trazem  
mais qualidades sociais que justifiquem sua perpetuidade. Essa última acaba aparecendo como  
fruto do arbítrio e, assim, precisa ser superada. O Estado político existente – colocado no  
Vitor Bartoletti Sartori  
príncipe – opõe-se de modo claro à sociedade; em verdade, o estranhamento entre Estado e  
sociedade se coloca de modo tão absurdo aqui que o príncipe não está ligado a qualquer  
qualidade social. Ele acaba por se configurar como alguém ligado a estamentos puramente  
políticos, de modo a se ter clareza: a abstração da representação política está contraposta ao  
elemento social, presente na sociedade. A contraposição e o estranhamento entre sociedade e  
Estado, que foi desenvolvido a partir da Revolução Francesa, com isso, é desenvolvido. Eles  
chegam a uma figura bastante extremada na restauração, em que hereditariedade ainda se  
coloca. Porém, mesmo na monarquia de julho de 1830, a existência da câmara dos pares  
significa que a oposição entre sociedade civil-burguesa e o elemento social de um lado e o  
Estado político de outro traz consigo a representação e o estranhamento políticos.  
Nesse sentido específico, a forma de existência da câmara dos pares na França é, na  
restauração, aquela de uma reminiscência medieval. E, com isso, já se tem claro que essa  
câmara é destinada a ser uma nulidade. No caso da monarquia de julho de 1830, as coisas já  
são diferentes: a câmara dos pares é uma representante autêntica da monarquia constitucional.  
Tanto num caso como noutro, a situação é melhor do que na Alemanha.  
No entanto, Hegel não poderia estar mais errado em tentar se basear nessa nulidade que  
é a câmara dos pares para se posicionar diante da existência alemã. Aquilo que expressa, de um  
lado, o caráter de mera reminiscência do passado e de outro o anacronismo da monarquia só  
prova que é preciso reconhecer a sociedade como o sujeito, e não com o predicado do Estado.  
E, dessa maneira, seria necessário superar a própria tentativa de fazer o Estado o sujeito do  
processo social; no limite, tratar-se-ia de superar a oposição entre a sociedade civil-burguesa e  
o Estado. Isso não seria possível com a monarquia constitucional, baseada no mútuo  
estranhamento entre o social e o político.  
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Democracia e a superação da oposição entre sociedade e Estado  
Nas distintas constituições, até então colocadas, há, de acordo com a Crítica à filosofia  
do Direito de Hegel, uma oposição entre o elemento formal e o elemento material. Na melhor  
das hipóteses, o Estado político se apresenta como uma abstração diante da sociedade; porém,  
o Estado acredita poder determinar politicamente o conteúdo social, o que, segundo Marx, seria  
impossível. Em Hegel, isso é explicito na inversão especulativa entre sujeito e predicado, no  
fato de que o autor pretende que o Estado (que aparece estranhado diante da sociedade) seja  
capaz de reconciliar as contradições sociais.  
Diante disso, Marx começa a criticar a própria representação política. Ao tratar das  
formas estatais, está criticando a representação. Porém, não questiona o Estado como tal ainda  
Libertas, Juiz de Fora, v. 24, n. 1, p. 1-17, jan./jun. 2024. ISSN 1980-8518  
Marx diante da França revolucionária na Crítica à filosofia do Direito de Hegel  
(Cf. De Deus, 2014; Palu, 2019). Sua solução está na superação da oposição entre sociedade  
civil-burguesa e Estado, o que, nesse momento de sua obra, traz a política como um elemento  
importante, ligado a uma forma específica de Estado, a democracia.  
Veja-se o que diz Marx no texto que aqui estudamos:  
Todas as demais formas estatais são uma forma de Estado precisa,  
determinada, particular. Na democracia, o princípio formal é, ao mesmo  
tempo, o princípio material. Por isso ela é, primeiramente, a verdadeira  
unidade do universal e do particular. Na monarquia, por exemplo, na república  
como uma forma de Estado particular, o homem político tem sua existência  
particular ao lado do homem não político, do homem privado. A propriedade,  
o contrato, o matrimônio, a sociedade civil [-burguesa] aparecem, aqui (Hegel  
desenvolve de modo bastante correto estas formas abstratas de Estado, mas  
ele crê desenvolver a ideia de Estado), como modos de existência particulares  
ao lado do Estado político, como o conteúdo com o qual o Estado político se  
relaciona como forma organizadora, como entendimento que determina,  
limita, ora afirma, ora nega, sem ter em si mesmo nenhum conteúdo (Marx,  
2010, p. 50).  
No Estado representativo, o particularismo se colocaria ao passo que a universalidade  
abstrata conflui com a separação entre forma e conteúdo que é típica do entendimento. E, assim,  
na compreensão marxiana o Estado político traz em seu bojo a oposição entre princípio formal  
e material, oposição essa que é tomada como insuperável.  
Para o entendimento, há uma oposição entre forma e conteúdo, do mesmo modo que nas  
formas estatais marcadas pela representação. A oposição entre o princípio formal e o princípio  
material, assim, diz respeito às formas de Estado que não poderiam ser chamadas de racionais:  
elas não alcançariam a superação das oposições (no caso, entre forma e conteúdo); antes,  
estariam baseadas nelas, tal qual ocorre no entendimento.  
11  
Assim, pode-se dizer que o mútuo estranhamento entre sociedade e Estado não é um  
acidente do Estado representativo moderno. É algo inerente a ele. E tal estranhamento se  
expressa no modo pelo qual as formas do Estado político são carentes de um conteúdo próprio;  
tal conteúdo, em verdade, está presente na sociedade, da qual a representação política é uma  
abstração. A inversão entre sujeito e predicado se dá, no caso, enquanto o Estado aparece como  
uma forma organizadora sem conteúdo ao passo que a sociedade se mostra como um agente  
passivo. No entanto, na realidade, o oposto que precisa ser compreendido: o Estado é um  
predicado da sociedade. Enquanto as constituições políticas não reconhecem isso, o máximo  
que se consegue é assumir o estranhamento político como algo insuperável. Tenta-se colocar  
como uma forma organizadora; no entanto, o conteúdo dessa forma está na própria organização  
social, na sociedade civil-burguesa.  
Vitor Bartoletti Sartori  
Na república, bem como na monarquia, o homem político, em verdade, é um particular.  
E, assim, ele não existe acima do homem particular. A consequência disso é que, nessas  
constituições do Estado, o mútuo estranhamento entre a política e a particularidade social são  
uma realidade insuprimível, a qual se assenta sobre o caráter abstrato do Estado diante da  
sociedade: a política é um predicado da organização social, a qual não é compreendida por  
Hegel de modo devido. Quando se pensa que se oscila entre a república defendida pela  
Revolução Francesa e a monarquia da restauração de 1814 ou 1830, ou mesmo na monarquia  
constitucional alemã, tem-se problemas insolúveis. Nessas formas de Estado a oposição entre  
Estado e sociedade é pressuposta.  
A propriedade, os contratos, o matrimônio são ligados ao Direito privado e ao  
particularismo da sociedade civil-burguesa. Eles se mostram como formas abstratas de Estado;  
a mediação jurídica que se interpõe na propriedade, no matrimônio e nos contratos reconhece  
o homem particular da sociedade civil-burguesa, e, assim, o homem político se mostra como  
um predicado dessas determinações. O Estado político é uma forma organizadora do conteúdo  
privado e particular, portanto. Ele não se encontra acima, mas ao lado do particularismo da  
sociedade civil-burguesa; o grande problema, porém, é que o Estado representativo é uma  
abstração da sociedade e, portanto, não tem em si qualquer conteúdo. Esse último, antes,  
contrapõe-se a ele na forma do homem privado. A oposição e o estranhamento entre sociedade  
civil-burguesa e Estado, portanto são reconhecidos como uma espécie de base natural na  
monarquia e na república.  
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Por isso, de acordo com Marx, seria necessária uma forma de Estado que não opõe o  
princípio formal e o material. Tratar-se-ia de um Estado que fosse capaz de reconhecer a  
sociedade como sujeito e que, com isso, pudesse trazer à tona a resolução da oposição entre  
sociedade civil-burguesa e Estado. Tem-se a constituição da democracia.  
Marx, na Crítica à filosofia do Direito de Hegel, não traz uma crítica à política como  
tal, mas ao Estado representativo. Ao opor-se tanto à situação alemã quanto àquilo que se  
desenvolve na esteira da Revolução Francesa, isso se explicita na obra.  
Para que o autor não traga uma crítica à própria política, é preciso que ele a veja como  
algo que tem tanto relação com o Estado quanto, e principalmente, com a organização da  
sociedade. Na concepção marxiana de democracia, a sociedade civil-burguesa mesma aparece  
como a verdadeira sociedade política. Nas palavras do autor: “a sociedade civil[-burguesa] é  
sociedade política real” (Marx, 2010, p. 133). Ou seja, diante da crítica à especulação hegeliana,  
Marx procura trazer a sociedade como o sujeito e o Estado como o predicado; ao tentar resolver  
a oposição entre os dois termos da relação, ele só pode se apoiar em uma concepção  
Libertas, Juiz de Fora, v. 24, n. 1, p. 1-17, jan./jun. 2024. ISSN 1980-8518  
Marx diante da França revolucionária na Crítica à filosofia do Direito de Hegel  
ontopositiva da política (Cf. Eidt, 1998) ao passo que a vê surgindo democraticamente no seio  
da sociedade a partir de uma concepção de democracia que nasce da crítica à representação  
política. Trata-se de uma crítica às próprias oposições políticas, típicas do que o autor chamará  
posteriormente, nas Glossas marginais, de entendimento político (Cf. Sartori, 2020). A maneira  
de se tratar racionalmente da política somente poderia trazer consigo a superação das oposições  
e dos entranhamentos colocados sobre os próprios pés depois da Revolução Francesa.  
A concepção de democracia marxiana, portanto, é avessa à representação. Essa última  
partiria do mútuo estranhamento entre sociedade e Estado; e seria justamente esse o problema  
político próprio à sociedade moderna. No limite, tratar-se-ia de buscar uma constituição política  
que conseguisse reconciliar indivíduo e gênero humano, portanto.  
Na democracia, cada homem, no limite, representa o gênero humano por meio de sua  
atividade. E, assim, Marx distancia-se substancialmente de qualquer concepção liberal sobre a  
oposição entre sociedade civil-burguesa e Estado, ao contrário do que pretende Furet ao dizer  
que “Marx vai buscar em Hegel a distinção Estado-sociedade civil, mas sua crítica à concepção  
hegeliana do Estado o conduz justamente à acepção liberal desta distinção” (Furet, 1989, p. 17).  
Em contraposição ao liberalismo, à economia política e ao próprio Hegel, não se trata, portanto,  
da partição do indivíduo em privado e político, mas na relação unitária entre aquilo que o  
homem é e o que faz:  
13  
A sociedade civil[-burguesa] é sociedade política real. E então é um absurdo  
colocar uma exigência que deriva apenas da concepção do Estado político  
enquanto existência separada da sociedade civil [-burguesa], uma exigência  
que deriva apenas da representação teológica do Estado político. Nessa  
situação, desaparece totalmente o significado do poder legislativo como poder  
representativo. O poder legislativo é, aqui, representativo no sentido em que  
toda função é representativa: o sapateiro, por exemplo, é meu representante  
na medida em que satisfaz uma necessidade social, assim como toda atividade  
social determinada, enquanto atividade genérica, representa simplesmente o  
gênero, isto é, uma determinação de minha própria essência, assim como todo  
homem é representante de outro homem. Ele é, aqui, representante não por  
meio de uma outra coisa, que ele representa, mas por aquilo que ele é e faz  
(Marx, 2010, p. 133-134).  
Se o trabalho filosófico busca a lógica da coisa, e não a coisa da lógica, há de se perceber  
que, na Crítica à filosofia do Direito de Hegel, ele se volta contra uma concepção teológica.  
Essa última, em verdade, não teria sido superada por Hegel, para quem a representação ainda é  
essencial. No caso da política, essa representação se põe seja na república, seja na monarquia,  
em que a separação e o mútuo estranhamento são a base da atividade e da política mesma. A  
teologia toma as determinações políticas como algo derivado do pensamento e subsumido a  
figuras lógico-metafísicas; mas, na filosofia, segundo Marx, o gênero não aparece como algo  
Vitor Bartoletti Sartori  
estranhado e apartado da atividade humana; ele mesmo passa pela essência humana ao passo  
que não se tem uma mediação extraterrena, seja ela estritamente teológica (como na religião)  
ou ela indiretamente teológica, como na representação política. A essência do gênero humano  
precisa ser apreendida, não mais por uma outra coisa, mas pela própria atividade humana.  
Sendo isso impossível com a representação política, trata-se de buscar uma atividade  
que se coloque mundanamente na sociedade, e não mais no Estado apartado e supostamente  
colocado acima da vida dos indivíduos. Assim, diz Marx ao se referir ao locus real da atividade  
humana que “a sociedade civil-burguesa é a sociedade política real” (Marx, 2010, p. 133); com  
isso, a atividade política não está mais colocada em um Estado apartado da sociedade. Com  
isso, supera-se a representação teológica do Estado político. O trabalho filosófico, então,  
consegue apreender as reais determinações da política, e, com isso, volta-se à sociedade como  
o sujeito e ao Estado como o predicado.  
O poder legislativo, altivo na Revolução Francesa, poderia deixar de ser meramente  
representativo. Afinal, ele não traria mais consigo a oposição entre o político e o social,  
justamente aquilo que caracteriza o moderno Estado representativo trazido pela revolução de  
1789. A legislação, assim, coloca-se, certamente. Porém, ela é representativa, não mais na  
medida em que traz a separação e a oposição consolidadas: ela coloca-se politicamente ao  
satisfazer necessidades sociais, ao reconhecer a verdadeira sede do poder na sociedade civil-  
burguesa, que já aparece como sociedade política real.  
14  
A atividade social, com isso, coloca-se como política, sem precisar de um corpo político  
apartado, sem que se tenha a oposição entre sociedade civil-burguesa e Estado.  
A atividade particular aparece relacionada harmonicamente com a atividade genérica,  
não se tendo a oposição entre a realização dos interesses privados e dos interesses políticos. A  
democracia que defende Marx, portanto, não está, seja em confluência com a república derivada  
do desenvolvimento da Revolução Francesa, seja com o anacronismo conformado na  
monarquia constitucional alemã. Ela tem uma formulação que busca nada menos que a  
superação da oposição entre o elemento social e o político. Um homem singular, com isso,  
representa todos os homens, não se colocando na democracia como concebida por Marx poderes  
estranhados entre cada indivíduo. Aquilo que os homens são e fazem os liga diretamente, sem  
que se tenha o Estado apartado da sociedade e contraposto a essa. Tem-se a crítica ao Estado  
representativo e a defesa da democracia como forma de Estado correspondente ao  
desenvolvimento racional do gênero humano. Nesse desenvolvimento, a separação, o apartar e  
estranhar-se mútuo entre sociedade civil-burguesa e Estado estão superados. As oposições  
Libertas, Juiz de Fora, v. 24, n. 1, p. 1-17, jan./jun. 2024. ISSN 1980-8518  
Marx diante da França revolucionária na Crítica à filosofia do Direito de Hegel  
típicas do entendimento não têm lugar, e a apreensão das determinações reais da política leva a  
uma concepção em que a superação da oposição entre sociedade e Estado é o central.  
Apontamentos finais  
Crítica à filosofia do Direito de Hegel é um texto peculiar. Isso se dá, não só porque ele  
não está completo e não foi publicado na vida de Marx. A matéria que o escrito trata é de grande  
interesse: a oposição de Marx diante de Hegel. Ao analisar tal tema, passa-se por questões  
essenciais para a filosofia, como a relação entre sociedade e Estado, a significação histórica da  
Revolução Francesa e a valorização das distintas constituições estatais. Aqui, tentamos deixar  
claro como Marx se posiciona no começo de 1843 sobre tais temas. E uma peculiaridade para  
o estudioso da obra do autor de O capital é: diante da ausência de uma crítica da economia  
política no texto aqui estudado, as posições do autor tendem a ser traçadas de modo bastante  
distinto do que na obra imediatamente posterior de Marx, em que categorias da economia  
política (e da sociedade civil-burguesa) como dinheiro e propriedade privada ganham um  
destaque acentuado. Com isso, a análise da textualidade marxiana, no limite, ganha um interesse  
muito distinto daquele que é trazido pelo autor na época da escrita: por vezes, somos pegos  
imaginando como seria a crítica marxiana caso ele não tivesse desenvolvido uma crítica da  
economia política como algo central. Claro que não é possível fazer especulações nesse sentido.  
No entanto, há a possibilidade de enxergar como o pensamento marxiano se conformava antes  
que tivesse investigado com o cuidado e com seriedade a anatomia da sociedade civil-burguesa.  
O cuidado do autor já é notável. Ele não cai em tentações gêmeas: de um lado, não toma  
acriticamente a Revolução Francesa e o Estado político pleno como modelo. Antes, critica o  
mundo trazido pela revolução de 1789 como aquela do mútuo estranhamento entre a sociedade  
e o Estado, entre o homem privado e o homem político. E, assim, vislumbra algo distinto do  
que se coloca na república nascida na França e da monarquia colocada na restauração e na  
revolução de 1830. A crítica marxiana ao desenvolvimento da Revolução Francesa também não  
o leva ao romantismo ou ao elogio ao atraso alemão (e nem mesmo à situação sui generis  
colocada naAlemanha). Marx mostra que mesmo a constituição francesa oriunda da restauração  
– em que a câmara dos pares se coloca – é superior que a alemã. As oposições que caracterizam  
o mundo moderno aparecem de modo muito mais claro no primeiro país que no segundo e,  
assim, fica mais evidente a necessidade de se superar o mútuo estranhamento entre Estado e  
sociedade. Ou seja, não há elogio acrítico da revolução de 1789 ou da miséria alemã.  
Marx, com isso, chega à sua formulação de democracia, que traz a própria sociedade  
como política e tenta trazer a superação da oposição entre sociedade civil-burguesa e Estado. A  
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Vitor Bartoletti Sartori  
relação entre a atividade singular e a atividade genérica não seria estranhada, como o que ocorre  
com um Estado apartado da sociedade. E, assim, a concepção democrática de Marx intenta  
trazer a superação da oposição entre o homem privado e o político, com uma crítica decidida à  
representação política. Ao tentar compreender a maneira pela qual a sociedade se coloca como  
sujeito e o Estado como predicado, o autor alemão se volta para os limites das constituições  
estatais e toma a política como um ponto de partida, o qual poderia operar de modo diferente,  
sem o estranhamento entre o político e o social, bem como sem potências estranhadas que se  
colocassem entre os indivíduos, como aconteceria na teologia e na política representativa.  
Não podemos sucumbir à tentação de pensar como seria o pensamento marxiano sem a  
crítica da economia política, com a qual Marx logo tomaria contato a partir do esboço de Engels  
para a crítica da economia política (Cf. Engels, 2020). Ali, Engels traz a correlação entre a  
crítica da teologia e a crítica da economia política, algo que Marx irá tomar como um ponto a  
ser desenvolvido nos próximos anos de sua vida (Cf. Sartori, 2020). Ou seja, a análise mais  
cuidadosa das determinações da sociedade civil-burguesa fará parte dos esforços de Marx logo  
depois do texto que analisamos. Podemos dizer, portanto, que o caminho tomado na Crítica à  
filosofia do Direito de Hegel seria, no mínimo, revisado, logo a seguir. E tal revisão é de enorme  
importância: sem ela, Marx não consegue trazer uma crítica ao Estado como tal e não consegue  
se colocar para além do terreno da sociedade civil-burguesa. Ou seja, aquilo de essencial ao  
pensamento marxiano posterior não aparece e, em seu lugar, há tentativas mais ou menos  
ilusórias de superar a oposição entre o Estado e a sociedade civil-burguesa sem suprimir ambas  
essas instâncias. A formulação marxiana no texto que aqui tratamos é bastante sofisticada,  
certamente. Mas há de se perceber que sua concepção de democracia é um tanto quanto difícil  
de compreender: como conceber a crítica à representação e ao estranhamento entre sociedade e  
Estado sem uma crítica às determinações da sociedade capitalista, como a divisão do trabalho,  
a propriedade privada, o dinheiro, a mercadoria etc.?  
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A resposta a essa pergunta, de certo modo, vem sendo buscada por muitos autores  
radicais que, por vezes, pretendem-se próximos do marxismo. Autores claramente  
antimarxistas também passam por esse caminho. E, assim, tem-se uma situação dúbia: Marx  
aparece como mais atual do que nunca. De um lado, aqueles que se colocam à esquerda ainda  
tentam responder a questões que foram colocados por ele no começo de 1843. Doutro, os  
problemas da formulação marxiana da questão precisam ficar claros para os marxistas: sem  
uma crítica da economia política realizada com cuidado, não é possível uma crítica às formas  
de governo, de Estado e àquilo que Marx chama na Crítica à filosofia do Direito de Hegel de  
constituições estatais. Talvez, a dubiedade da situação se coloque hoje porque falte mais  
Libertas, Juiz de Fora, v. 24, n. 1, p. 1-17, jan./jun. 2024. ISSN 1980-8518  
Marx diante da França revolucionária na Crítica à filosofia do Direito de Hegel  
cuidado na crítica à economia política e, nessa medida, mesmo marxistas, por vezes, caiam  
nas aporias do texto de 1843. Trata-se de algo a ser analisado noutro local. Porém, fica a  
atualidade de Marx, mesmo que de modo bivalente: para aqueles que se colocam como  
defensores da resolução política das questões do capitalismo e para aqueles que buscam se  
contrapor ao próprio capitalismo.  
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