Vitor Bartoletti Sartori
em Marx, procura-se, ao contrário, a diferença específica colocada na própria realidade e na
lógica específica do objeto específico. Tem-se, assim, uma inversão em Hegel: a realidade
mesma aparece como um predicado da ideia, e não o oposto. Na síntese de Leonardo de Deus:
“Marx critica Hegel por promover uma autêntica ontologização da ideia e, consequentemente,
uma desontologização da realidade” (De Deus, 2014, p. 21). Marx, com isso, defende o estatuto
ontológico (Cf. Chasin, 2009) das categorias, as quais, como ele dirá posteriormente,
“expressam formas de ser determinações de existência” (Marx, 2011, p. 59)3. A posição da
Crítica à filosofia do Direito de Hegel, com isso, é bastante importante no itinerário formativo
de Marx.4 Mesmo que não traga uma reviravolta completa (pois Marx já criticava Hegel), e que
na obra não se tenha a posição política comunista de Marx (como acontecerá ainda no final de
1843), ela traz algo essencial: uma posição clara quanto ao estatuto do pensamento, que capta
o movimento da própria realidade, cuja existência é objetiva.
Revolução Francesa, estamentos políticos e sociais diante da vida política e da vida
privada
Marx, assim, critica substancialmente o sistema hegeliano.5 Trata de mostrar como seu
princípio é marcado pela especulação e pela inversão entre sujeito e predicado. Ao analisar a
política, o autor da Crítica da filosofia do Direito de Hegel explicita como que a classe universal
trazida por Hegel (a burocracia) está maculada pelo particularismo, de modo que se coloca com
tonalidades teológicas: “o espírito burocrático é um espírito profundamente jesuítico, teológico.
Os burocratas são os jesuítas do Estado, os teólogos do Estado” (Marx, 2010, p. 65). Longe de
se ter qualquer Estado racional, tem-se o nível da teologia (e não da filosofia, por exemplo), de
modo que o Estado não se coloca como um instrumento de realização da razão na história, como
quer Hegel. O trabalho filosófico, assim, não é realizado; a ideia aparece como uma espécie de
demiurgo do real. A ideia de burocracia, assim, parece se sobrepor à burocracia mesma ao passo
4
3 Para uma abordagem da teoria das abstrações de Marx, Cf. Chasin (2009) e Assunção (2014).
4 Acreditamos ser importante estudar esse texto, portanto. Isso se dá também porque o melhor da crítica marxista
ao Direito, infelizmente, acaba por não o estudar. No texto de Naves (2014), A questão do Direito em Marx, não
há um tratamento dedicado ao livro que aqui mencionamos. Ele é abordado, muito rapidamente, em conjunto com
outras obras supostamente anteriores ao “corte epistemológico” existente na obra marxiana a partir de A ideologia
alemã.
5 Também por essa razão, não podemos concordar com Furet quando diz que “o jovem Marx conhecia Hegel da
primeira à última linha e foi por seu intermédio que tomou conhecimento da Revolução Francesa, antes de estudá-
la na historiografia francesa” (Furet, 1989, p. 13). O autor francês parece tomar Marx como alguém que emula
Hegel no seu tratamento da revolução de 1789 quando, em verdade, trata-se de entender justamente a peculiaridade
do pensamento marxiano. Noutro momento, o pensador francês realiza o mesmo procedimento ao se ter a
influência de Feuerbach: “o Marx de 1843-44 está em pleno entusiasmo feuerbachiano; propõe-se a criticar a
concepção hegeliana de Estado e a fazer com o Estado hegeliano o mesmo que Feuerbach faz com a alienação
religiosa” (Furet, 1989, p. 12). Em ambos os casos, o texto do Marx, ao fim, aparece como uma mera sombra do
pensamento de outros pensadores.
Libertas, Juiz de Fora, v. 24, n. 1, p. 1-17, jan./jun. 2024. ISSN 1980-8518