A crítica ecológica marxista de Henri Lefebvre: recuperando uma contribuição fundamental para a
sociologia ambiental
necessidades mudam e se tornam mais sofisticadas, pois o trabalho as
modifica ao produzir novos bens ou posses. Assim, o homem emerge da
natureza e, ainda assim, permanece incapaz de romper com ela.5
Baseando-se explicitamente na análise dialética da emergência, fornecida pelo
matemático e cientista marxista escocês Hyman Levy (1938) em seu A Philosophy for a Modern
Man, Lefebvre ([1939] 1968a, p. 142) insistiu que
O mundo do homem, portanto, aparece como feito de emergências, de formas
(no sentido plástico da palavra) e de ritmos que nascem na Natureza e se
consolidam nela relativamente, mesmo que pressuponham o devir na
Natureza. Há um espaço humano e um tempo humano, um lado que está na
Natureza e o outro lado que é independente dela.
Foi essa visão complexa, materialista e dialética da natureza, incorporando o conceito de
emergência e alinhada com a ciência moderna, bem como com a própria filosofia materialista
de Marx, que serviu de base para as explorações posteriores de Lefebvre sobre espaço, tempo,
ruptura ecológica e sua crítica da vida cotidiana. Isso também torna a análise de Lefebvre
compatível com a ecologia dialética crítica dentro da ciência natural (por exemplo, Levins e
Lewontin, 1985). Sem rejeitar a dialética da natureza nem reduzir a sociedade a ela, mas
insistindo em uma coevolução dinâmica e interdependente da natureza-sociedade, completa
com níveis emergentes, Lefebvre desenvolveu uma estrutura analítica que lhe permitiu abordar
os dilemas ecológicos modernos à medida que surgiam, com base em uma compreensão da
crítica clássica de Marx e Engels. Isso também forneceu ao seu pensamento ambiental uma
relação concreta com a ciência natural crítica, que se tornou cada vez mais dialética ao lidar
com questões integrativas da ecologia e da ciência do sistema terrestre. Essa era uma relação
com a ciência natural que faltava em grande parte do marxismo ocidental, que deliberadamente
confinou a dialética marxiana às ciências sociais e humanas – a dominação do sujeito-objeto
idêntico.
609
T
R
A
D
U
Ç
Ã
O
Para Lefebvre ([1962] 2011, p. 138, p. 143), a natureza, além do reino humano
emergente, foi definida em termos dialéticos como uma “ausência” (ver também Bhaskar, 1993,
p. 152, p. 393), ou como physis (utilizando o termo grego antigo), representando o poder
elementar, que nunca poderia ser totalmente superado. Essa ausência significava que a
natureza, no sentido de physis (o reino intransitivo [Bhaskar 1993, p. 399-400]), só poderia ser
conhecida, epistemologicamente, indiretamente por meio de sinais (Lefebvre, [1962] 2011, p.
139) no contexto da práxis humana. Assim, a humanidade se deparou com uma dialética
permanente de primeira e segunda natureza, mediada pela práxis:
Em toda a sua obra [de Marx], o trabalho, a indústria e a tecnologia agem
como mediadores entre o homem, tal como ele é enquadrado por si mesmo, e
a natureza que ele controla. Essas mediações começam a criar um “mundo
Revista Libertas, Juiz de Fora, 23, n. 2, p. 604-626, jul./dez. 2023. ISSN 1980-8518