DOI 10.34019/1980-8518.2023.v23.41603  
Estado, burocracia e poder: apontamentos  
sobre a teoria das elites e do poder  
State, bureaucracy and power: notes on the theory of elites and power  
Patricia da Silva Coutinho*  
Resumo: Este estudo busca analisar as nuances  
do pensamento de Charles Wright Mills frente a  
teoria social contemporâneo e sua “contraditória  
influência na sociologia norte-americana”, uma  
vez que sua concepção diminuta de “elite do  
poder” sepulta a burocracia como “modus  
operandi” da elite e de seus personagens,  
Abstract: This study seeks to analyze the  
nuances of thought by Charles Wright Mills in  
the face of contemporary social theory and his  
“contradictory influence on North American  
sociology”, since his diminutive conception of  
“power elite” buries bureaucracy as a “modus  
operandi” of the elite and its characters, limiting  
the bureaucratic and administrative resources of  
the State. It is important to emphasize that this  
work sought to emphasize how his formulations  
about power guided the American social  
organization and ideology.  
limitando os recursos burocráticos  
e
administrativos do Estado. importante  
É
destacar que este trabalho buscou salientar  
como suas formulações sobre o poder nortearam  
a organização social e a ideologia norte-  
americana.  
Palavras-chaves: Poder; Charles Wright Mills;  
Keywords: Power; Charles Wright Mills; Elite;  
Elite; Burocracia.  
Bureaucracy.  
Recebido em: 13/07/2023  
Aprovado em: 23/10/2023  
* Doutoranda em Serviço Social pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF); Mestra em Serviço Social pela  
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Bacharela em Serviço Social pela Universidade Federal de Juiz  
de Fora (UFJF). Assistente social da Prefeitura de Juiz de Fora. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7859-0683  
Revista Libertas, Juiz de Fora, v. 23, n. 2, p. 329-353, jul./dez. 2023. ISSN 1980-8518  
Patricia da Silva Coutinho  
Introdução  
Charles Wright Mills1 (1916-1962) foi um sociólogo norte-americano, que elaborou  
diversas análises acerca da economia americana e da sociologia, descrevendo as relações e  
“alianças” de classe, entre as elites políticas, militares e econômicas dos EUA. O autor era  
mestre em Artes, Filosofia e Sociologia pela Universidade do Texas, e doutor em Sociologia e  
Antropologia pela Universidade de Wisconsin. Mills foi professor de Sociologia na  
Universidade de Columbia e de Maryland, e publicou diversos artigos e livros, quais  
destacamos, e trataremos posteriormente, “A Nova Classe Média” (The American Middle  
Classes - White Collar) publicado em 1951 e “A Elite do Poder” (The Power) de 1956.  
Existem autores que afirmam que Mills foi responsável por popularizar o termo “nova  
esquerda”, através de sua preocupação com o “engajamento político” dos intelectuais na  
sociedade pós-Segunda Guerra Mundial. Foi através do livro “A Imaginação Sociológica”  
(“The Sociological Imagination”, 1959) que o escritor ganhou visibilidade, em que inspirado  
pelos preceitos weberianos, é realizado um chamado aos sociólogos e cientistas para que não  
abandonem a criatividade e reflexividade ao executarem seus estudos, buscando sempre a  
objetividade e a neutralidade do trabalho científico. O autor faz uma crítica a linguagem das  
pesquisas, asseverando que estas são desnecessariamente complicadas e inacessíveis ao grande  
público, pois para ele, o sociólogo, ou melhor, o intelectual, deve se engajar em debates  
públicos. Mills lançou críticas também ao patriotismo e a perspectiva de “funcionalismo  
estrutural” da produção de Talcott Parsons (“O Sistema Social”, 1951)” bem como ao conjunto  
da Sociologia norte-americana, considerada por ele como um “pensamento burocratizado no  
interior das universidades”. Em contrapartida, o autor propunha que a intuição e a imaginação  
do pesquisador pudessem levar ao seu comprometimento político com o tempo em que se vivia,  
e assim possibilitar a compreensão científica da realidade social contemporânea, assumindo  
então a “responsabilidade social”, e desenvolvendo a capacidade crítica mediante a sociedade  
em que viviam.  
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É evidente que para o autor havia uma nova forma de compreender as Ciências Sociais,  
agregando importância e materialidade para além do âmbito acadêmico, ampliando deste modo,  
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1 Mills nasceu em 1916 na cidade de Waco, no Texas, é reconhecido por representar uma tendência supostamente  
marginalizada na Sociologia norte-americana, que é responsável por apresentar uma visão “crítica e militante” da  
sociedade. Nos anos 60 e 70 Mills foi um dos sociólogos norte-americanos de grande presença no Brasil, que  
diferente de Parsons, não demonstrava um “americanismo” exacerbado, mas uma leitura crítica, mesmo que  
superficial, da sociedade norte-americana e do sistema capitalista. Com influência de Max Weber, Wright Mills  
procurou conciliar o conceito de “classe social” com o de “status”, buscando explicar processos e transformações  
sociais. Deste modo, em seus estudos tentou explicar as estruturas de poder das elites, que compreendia como uma  
“nova classe”, uma “classe média” (e não uma classe dominante).  
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o papel social desta profissão. “A tarefa política do cientista social - como a de qualquer  
educador liberal - é traduzir continuamente as preocupações pessoais em questões públicas, e  
estas em termos de seu sentido humano para uma variedade de pessoas” (Mills, 1969, p. 200-  
203). É importante destacar que Mills escreve seus estudos referenciando-se à realidade  
estadunidense após a Segunda Guerra Mundial, em que o escritor observava o exercício do  
poder desempenhado unicamente por um “grupo restrito”, que detinham não apenas o poder  
político, mas também o poder econômico e militar da nação norte-americana. Apesar de existir  
resistência a esta “elite do poder” as demais instituições marginalizadas, acabavam por se  
subordinar aos três polos de poder já mencionados.  
Deste modo, é importante destacar a ênfase que o sociólogo aponta a estes três polos  
centrais de poder: a política, a economia e as forças militares. Para Mills (1981)  
Dentro de cada uma dessas três grandes ordens, a unidade institucional típica  
ampliou-se, tornou-se administrativa e, com a força de suas decisões,  
centralizou-se. Atrás dessa evolução, há uma tecnologia, guiando-a mesmo  
enquanto modela e condiciona seu desenvolvimento. Aeconomia — antes um  
grande número de pequenas unidades produtoras em equilíbrio autônomo —  
tornou-se dominada por duas ou três centenas de empresas gigantescas,  
administrativa e politicamente ligadas entre si, e que juntas controlam as  
rédeas das decisões econômicas. A ordem política, outrora um conjunto  
descentralizado de algumas dúzias de Estados com uma débil espinha dorsal,  
tornou-se uma organização centralizada e executiva reunindo em si muitos  
poderes antes espalhados e que penetra atualmente em todas as reentrâncias  
da estrutura social. A ordem militar, antes uma frágil organização num  
contexto de desconfiança alimentado pelas milícias estaduais, passou a ser a  
mais ampla e mais cara das facetas do governo, e, embora bem versada no  
sorriso das relações públicas, tem agora toda a impiedosa e rude eficiência de  
um domínio burocrático em expansão. Em cada uma dessas áreas  
institucionais, os meios de poder ao alcance dos que tomam decisões  
aumentaram enormemente. Sua capacidade executiva central foi ampliada, e  
criaram-se e fortaleceram-se rotinas administrativas modernas. (Mills, 1981,  
p. 14-15, grifos nossos).  
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Alguns estudiosos declaram que os estudos de Mills, juntamente com de Vilfredo Pareto  
e de Gaetano Mosca, contribuíram para a teoria do “Elitismo”, e não apenas para uma “teoria  
do poder”, como o escritor é popularmente conhecido. O sociólogo sem dúvida foi responsável  
por influenciar o movimento da Nova Esquerda (New Left) nos EUA, chegando a “flertar” com  
o marxismo naquela época. Seu livro “A Elite do Poder” é considerado uma resposta aos  
governos liberais norte-americanos, que criticavam a ausência de democracia dos estados  
socialistas. Em diversos escritos do autor é denunciada a falácia da democracia Liberal, uma  
democracia formal. “A estrutura social dos Estados Unidos não é totalmente democrática. (...)  
Não conheço nenhuma sociedade que seja totalmente democrática - ela continua sendo um  
ideal” (Mills, 1969, p. 204).  
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Para autor havia um equívoco tamanho no uso da expressão marxiana “classe  
dominante”, pois este termo excluiria a noção de poder, e de uma “elite” formada pela  
exploração de outros setores não só o econômico. Deste modo, Mills realiza críticas ao  
pensamento marxiano2, fundamentando uma explicação para a existência da elite e das massas  
através do poder.  
A opinião marxista simples faz do homem das grandes empresas o verdadeiro  
depositário do poder; a opinião liberal simples faz do grande político o chefe  
do sistema de poder; e há quem considere os senhores da guerra praticamente  
como ditadores. São opiniões extremamente simplificadas. É para evitá-las  
que usamos a expressão “elite do poder”, ao invés de, por exemplo, “classe  
dominante”. “Classe dominante’’ é uma expressão cheia de conotações  
indesejáveis. “Classe” é um termo econômico; “dominante”, é político. A  
expressão encerra, portanto, a teoria de que uma classe econômica domina  
politicamente. Essa teoria simplista pode ou não ser por vezes autêntica, mas  
não desejamos tê-la implícita nos termos que usamos para definir nossos  
problemas. Queremos formular as teorias explicitamente, usando expressões  
de sentido mais preciso e unilateral. Especificamente, a expressão “classe  
dominante”, com suas conotações políticas habituais, não atribui autonomia  
bastante à ordem política e seus representantes, e nada diz sobre os militares.  
O leitor deve ter percebido, a esta altura, que não consideramos adequada a  
opinião simplista de que os homens da alta economia tomam, unilateralmente,  
todas as decisões de importância nacional. Sustentamos que essa opinião, um  
“determinismo econômico”, deve ser complementada pelo “determinismo  
político” e pelo “determinismo militar”; que os altos agentes de cada um  
desses três domínios têm frequentemente um apreciável grau de autonomia, e  
que somente pelos processos complexos da coalizão tomam e põem em prática  
as decisões mais importantes. São essas as razões principais de preferirmos  
“elite do poder” a “classe dominante’ como frase caracterizadora das altas  
rodas, quando as consideramos em termos de poder. (...) Nem a ideia de uma  
“classe dominante” nem de uma simples ascensão monolítica de “políticos  
burocratas” nem de uma “igrejinha militar” é adequada. A elite do poder  
compreende a coincidência, por vezes difícil, do poder econômico, militar e  
político. (Mills, 1981: 328-329).  
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Netto (2016) relata acerca da “extraordinária figura” que foi o texano Charles Wright  
Mills, que deve ser considerado como um “acadêmico”, mas nunca enquanto “academicista”,  
pois divergia dos autores da sociologia norte-americana de tempo, em que dominava o  
“sofisticado conformismo do estrutural-funcionalismo de Talcott Parsons (1902-1979)”. Mills  
buscava exaltar sua “objetividade” e “imparcialidade” com posições de esquerda, demolindo  
de modo nada diplomático a “regência intelectual parsoniana”.  
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Aobra de Mills, legatária do chamado radicalismo da “era progressista” norte-  
americana dos primeiros anos do século XX e em cuja base está uma eclética  
mescla de Marx e Weber, é um dos componentes mais ponderáveis da  
2
De acordo com Netto (2016, n.p) Mills “concebe a obra de Marx como parte constitutiva da ciência social”, e  
relata que “sem a obra de Marx e outros marxistas, ela não seria o que é hoje; (...) Quem não se viu às voltas com  
as ideias do marxismo não pode ser um cientista social competente; quem acredita que o marxismo encerra a  
última palavra, também não o pode ser’ (p. 13; itálicos não originais).”  
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Estado, burocracia e poder: apontamentos sobre a teoria das elites e do poder  
emergência e expansão da sociologia crítica nos Estados Unidos. (...) No  
entanto, não me parece que a partir dela se tenha constituído uma qualquer  
“escola” sociológica, o que não equivale a minimizar a sua influência, seja na  
academia (norte-americana ou não), seja sobre personalidades e movimentos  
sociais. (Netto, 2016, n.p).  
É importante relatar neste estudo que, além de elogiar a “obra de peso, sólida e densa”,  
Netto (2016) destaca duas de suas dimensões  
A primeira diz respeito à teoria sociológica: a contribuição de Mills foi além  
da crítica corrosiva ao generalizado empirismo rasteiro da sociologia norte-  
americana e ao pensamento de Parsons – a “grande teoria” –; ademais de  
apresentar, em alternativa à divulgada por este, uma leitura diversa de Weber,  
Mills propôs um diferente estilo de pensar e exercitar a sociologia,  
sublinhando a sua função social ou, mais precisamente, a responsabilidade  
social do sociólogo. E a segunda se mostra no seu esforço para analisar a  
sociedade norte-americana do seu tempo, com uma perspectiva abrangente do  
seu particular sistema de estratificação social, esforço que já comparece na  
sua pesquisa, de 1948, sobre as lideranças (...) – e que se completa em A elite  
do poder e A nova classe média (White Collar). Não me parece possível  
compreender os Estados Unidos de meados do século XX sem o recurso a tais  
trabalhos, ainda que se possa discordar de muitas das suas inferências. (Netto,  
2016, n.p).  
Burocracia e poder: apontamentos iniciais sobre a teoria das elites e do poder em  
Charles Wright Mills  
Neste item, faremos a análise de algumas produções de Mills, buscando apreender  
aspectos importantes que o autor trabalhou ao longo de sua literatura. No livro “A imaginação  
sociológica”, Mills (1969) pontua sobre o conceito de poder e de coação  
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O "poder", como a palavra é hoje usada geralmente na ciência social,  
relaciona-se com quaisquer decisões tomadas pelos homens em relação aos  
sistemas de acomodações sob as quais vivem, e sobre os acontecimentos que  
constituem a história de seu período. Os acontecimentos que podem estar fora  
da decisão humana ocorrem; os arranjos sociais se modificam sem o benefício  
da decisão explícita. Mas na medida em que essas decisões são tomadas e (na  
medida em que o poderiam ser, mas não são) o problema de quem está  
envolvido em tomá-las (ou deixar de tomá-las) é o problema básico do poder.  
Não podemos supor hoje que os homens devam, em última análise, ser  
governados pelo seu próprio consentimento. Entre os meios de poder que hoje  
predominam está o poder de influir e manipular no consentimento dos  
homens. Não conhecemos o limite desse poder e esperamos que tenha limites,  
mas isso não elimina o fato de que grande parte dele é hoje empregado com  
êxito, sem a sanção da razão ou a consciência do obediente. Sem dúvida não  
precisamos, em nossa época, argumentar que em última análise a coação é a  
forma "final" de poder. Mas não estamos constantemente em última análise.  
(Mills, 1969, p. 49)  
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O autor cita que a “autoridade” (poder justificado pelas convicções dos que obedecem  
voluntariamente) e a “manipulação” (poder desfrutado sem o conhecimento dos impotentes)  
devem ser também analisados levando-se em consideração a “coação”, para assim desvendar  
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Patricia da Silva Coutinho  
“a natureza do poder” (Mills, 1969, p. 49). Porém, observa-se que no mundo moderno cada vez  
menos o poder “se reveste de autoridade”, em comparação com o período medieval. Para o  
sociólogo norte-americano “toda política é uma luta pelo poder; e a forma básica do poder é a  
violência” (Mills, 1981, p. 171). O escritor alega ainda que “as ideologias que existem à  
disposição dos poderosos não são, com frequência, utilizadas” (Mills, 1969, p. 50). “As  
ideologias surgem habitualmente como uma reação a um desmascaramento efetivo do poder”  
(idem). Neste sentido, Mills critica a "teoria geral" parsoniana, que ao supor uma "hierarquia  
de valores" em toda sociedade acaba encapsulando a compreensão da realidade do poder nas  
estruturas institucionais, particularmente na esfera econômica, política e militar. Deste modo,  
não são explicitas as “estruturas de domínio”, as ideologias.  
O livro “A nova classe média”, escrito em 1951, é considerado por alguns autores como  
uma análise da “posição social”, da situação de trabalho, “ideologias” e dos tipos  
“racionalidade” da classe média norte-americana de sua época. Além de uma linguagem  
acessível, Mills apresentava em seus escritos certa “aspereza”. Permeando alguns preceitos da  
tradição weberiana, o autor busca realizar uma análise crítica do processo de burocratização da  
vida do sujeito social na contemporaneidade, afirmando que os indivíduos são subordinados as  
rotinas das instituições, que passam a controlar o destino de cada um, esmagando  
potencialidades e talentos. Para o sociólogo americano estas poderosas instituições, através da  
concentração econômica, furtam dos indivíduos a potencialidade de inovação e a capacidade  
criativa, debilitando a possibilidade de êxito empresarial e empreendedor do pequeno  
proprietário. Observa-se neste sentido, que a análise da “desigualdade social” capitalista é  
referenciada por Mills à uma lógica estrutural-funcionalista, em que as instituições com seus  
processos de organização é que são responsáveis pelos “fracassos” dos trabalhadores, sem levar  
em consideração o aspecto de totalidade das relações sociais.  
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Neste estudo, o autor busca explorar as alterações na organização, na relação e na  
estrutura das classes sociais norte-americanas, certificando que existe uma “nova classe média”,  
composta pelo “universo dos colarinhos-brancos”; uma elite que detém não apenas o poder  
político e econômico, mas também o poder militar. Mills (1976) constatava que as antigas  
classes médias foram alteradas mediante a transformação da propriedade3, a experiência do  
“desastre rural” e a “nova dinâmica de negócios”, chegando a apontar a existência de uma  
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3 Mills (1976) afirmava que “apesar das vítimas e das falências, a camada empresarial, como um todo, subsiste, e  
em determinadas fases do ciclo econômico alguns de seus membros vivem bastante bem. A maioria, no entanto,  
já não detém a função empresarial; não são mais produtores independentes. Nesse sentido, seu declínio provém,  
sobretudo, da modificação da natureza da concorrência observada na ordem econômica do século XX”. (Mills,  
1976, p. 54).  
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Estado, burocracia e poder: apontamentos sobre a teoria das elites e do poder  
espécie de “Lumpen-burguesia”.  
Se podemos falar de um lumpen-proletariado, distinto da classe operária,  
podemos igualmente falar de uma lumpen-burguesia, distinta dos outros  
elementos da classe média. De fato, há tamanha diferença entre os níveis  
inferior e superior do mundo dos empresários que talvez seja impossível  
classificá-los juntos. Na cidade, a lumpen-burguesia é composta de uma  
multidão de firmas com altos índices de mortalidade, que realizam apenas uma  
fração das vendas totais em suas linhas de atividades e empregam um número  
de pessoas proporcionalmente maior ao que permitiria sua participação no  
mercado. (...) A verdadeira lumpen-burguesia, porém, não emprega pessoal  
nenhum: o proprietário e os membros de sua família fazem todo o trabalho,  
frequentemente noite adentro. (Mills, 1976, p. 49).  
Neste âmago, o autor apontava para a “tenacidade política” destas “velhas classes  
médias” (Mills, 1976, p. 75), que ainda subsistem na sociedade norte-americana. O mundo do  
pequeno empresário (ou negociante) foi perpassado por diversas tensões econômicas, em que  
Mills apontava a existência de uma luta política travada entre os pequenos proprietários  
(agricultores) e os grandes proprietários (industriais e financistas), e não entre proprietários e  
não-proprietários. “A política transformou-se numa luta entre diferentes tipos e tamanhos de  
propriedade, enquanto uma parte crescente da população não tinha propriedade alguma, e cada  
vez menos possibilidade de adquiri-la” (Mills, 1976, p. 75).  
Para o sociólogo o grande elo entre a empresa e a propriedade – o que condiciona a  
democracia clássica – foi rompido na América, pois através da concentração da propriedade  
alterou-se as bases da estrutura social. Não existe mais uma sociedade de pequenos empresários  
– pois hoje, estes formam uma camada social entre outras. Acima desta camada estão o que o  
autor intitula de “altas finanças”; abaixo está o “empregado alienado”; adiante um destino de  
relíquias politicamente dependentes; e atrás, “o seu mundo” (Mills, 1976, p. 79). Para o pequeno  
empresário e seus defensores resistirem as mudanças, deveriam conservar a produção em um  
nível de pequena escala, o que fora impossível frente ao desenvolvimento das forças produtivas.  
Deste modo, o pequeno empresário ficou estagnado em um estágio inicial das relações  
capitalistas, não obtendo forças para resistir a este desenvolvimento, e passou a exigir do  
Governo a garantia de subsistência e de rentabilidade de suas pequenas propriedades.  
De acordo com Mills (1976), no início do século XIX, a maior parte da população ativa  
era formada por empresários independentes, passando a ser minoria já em 1940. Já neste  
cenário, encontravam-se entre os trabalhadores, os membros da nova classe média, os  
“colarinhos-brancos”, que recebiam salário-mês, configurando uma mudança da estrutura  
ocupacional. Deste modo, o autor anuncia que os empregados que passaram a compor a “nova  
classe média” não configuravam, no entanto, uma camada social compacta. Mills sustenta que  
naquela época, os três maiores “grupos ocupacionais” na camada dos colarinhos-brancos eram  
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os “professores, os vendedores, trabalhando dentro ou fora das lojas, e os vários tipos de  
empregados de escritório” (Mills, 1976, p. 84). Esta transformação da classe média representava  
negativamente para o sociólogo a passagem da propriedade para a não-propriedade, e  
positivamente, a passagem de uma estratificação social baseada na propriedade para uma  
estrutura baseada na ocupação, o que o faz salientar a importância de se analisar a “economia e  
a sociologia das profissões”. Neste sentido, é possível observar que Mills em suas análises  
considera alternativas para o capitalismo para além da revolução, bem como chega a realizar  
“discursos meritocráticos”. Não obstante, o autor desloca a noção de mais-valia da produção  
para uma ótica gerencialista, preocupando-se com a inserção massiva de maquinário, e com a  
queda de “indivíduos que manipulam objetos”, e o aumento de indivíduos que cada vez mais  
manipulam “pessoas e símbolos” (Mills, 1976, p. 86).  
Em meados do século XX, Mills já vislumbrava importantes tendências na  
transformação das qualificações exigidas da nova categoria de profissionais especializados que  
surgia nos Estados Unidos, já detectando essa propensão ao crescimento do peso relativo das  
profissões mais notadamente informacionais.  
Essa transformação das qualificações exigidas é apenas outra forma de  
descrever a ascensão dos empregados de colarinho branco, pois suas  
capacidades características referem-se à manipulação de papéis, de dinheiro e  
de pessoas. (...) São as pessoas que tomam nota, manejam a papelada  
necessária à distribuição da produção. Fornecem serviços técnicos e pessoais  
e ensinam aos outros as qualificações que eles próprios exercem, assim como  
as outras capacidades transmitidas pelo ensino. (Mills, 1976, p. 86).  
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Para o estudioso, haviam três tendências que explicavam o crescimento acelerado da  
categoria dos “colarinhos-brancos” entre as modernas ocupações: “o crescente aumento da  
produtividade da maquinaria empregada na indústria, o desenvolvimento da distribuição e a  
ampliação das funções de coordenação” (Mills, 1976, p. 86). Deste modo, o poder para o autor  
estava também interligado ao conhecimento técnico, necessário ao progresso do maquinário,  
pois para Mills (1976) foi a tecnologia a maior responsável pela redução do número de  
trabalhadores necessários ao volume de produção, e não a maior rentabilidade e lucratividade  
do capitalista, na busca pela expansão da mais-valia. Neste sentido, o pesquisador atesta que  
estas alterações levaram a mudanças nas proporções relativas à qualificação e a destreza técnica,  
pertencente a “elite dos engenheiros”. Mills (1976) aponta que um dos motivos principais da  
expansão dos empregos de “colarinho-branco”, esta nova classe média, se deve ao  
desenvolvimento das grandes empresas privadas e públicas, e, consequentemente, o  
crescimento regular da burocracia, que é conceituada pelo mesmo como “uma tendência da  
estrutura social moderna” (Mills, 1976, p. 89). Este ponto de análise é essencial para  
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Estado, burocracia e poder: apontamentos sobre a teoria das elites e do poder  
compreender a interlocução que o autor realiza entre a burocracia, a elite e o poder.  
Em cada setor da economia, à medida que as firmas se fundem e as grandes  
companhias se tornam predominantes, os empresários independentes  
transformam-se em empregados; em vez do livre “movimento de preços”, são  
os cálculos dos contadores estatísticos, guarda-livros e escreventes que  
funcionam como agentes coordenadores do sistema econômico. a ascensão de  
milhares de pequenas e grandes burocracias e a minuciosa especialização do  
sistema em geral criam a necessidade de que muitas pessoas planifiquem,  
coordenem e administrem as novas rotinas desempenhadas por outros. O  
desenvolvimento de unidades de atividades econômicas cada vez maiores e  
mais complexas aumenta a proporção de empregados dedicados a tarefas de  
coordenação e gerência. Há necessidade de dirigentes, técnicos e empregados  
de escritório de todos os tipos - supervisores de seção, contramestres, chefes  
de escritório; pessoas às quais os seus subordinados prestam contas e que, por  
sua vez, devem prestar contas a seus supervisores, elos das cadeias de poder e  
obediência, coordenando e supervisionando as experiências, funções e  
capacidades de outros. (Mills, 1976, p. 89).  
O sociólogo norte-americano reforça a existência de uma “pirâmide dos colarinhos-  
brancos”, que é delimitada não apenas pelo critério do tipo de emprego, mas pela classificação  
de cada um quanto a “posição social”. Além das atividades especificas que as ocupações  
estarem vinculadas a diferentes tipos e níveis de especialização, seu exercício preenche também  
determinadas funções dentro de uma divisão industrial do trabalho. Nessa acepção, além de  
servir como fonte de renda, as ocupações respaldam para o autor a “situação de classe”, “ao  
prestígio” e ao “status do indivíduo”. “As ocupações, portanto, estão vinculadas à classe, status,  
e poder, assim como a especialização e a função” (Mills, 1976, p. 91). Deste modo, estes  
trabalhadores colarinhos branco “estão em estreita ligação com cargos de direção”, e são  
“auxiliares da autoridade; o poder que exercem é atribuído por outros” (Mills, 1976, p. 94).  
Mills (1976) assegurava que a “situação de classe” era determinada pelo montante e pela fonte  
de renda, esta compreendida não mais pelo acúmulo de propriedade, mas pelo emprego e função  
que desempenhava em determinada ocupação. Como os colarinhos-brancos são menos  
numerosos, estes tendem a ter mais “prestígio” na sociedade.  
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Frente as transformações advindas com o “desenvolvimento e centralização dos meios  
de administração” no século XX, Mills (1976) aponta para o “crescimento de dirigentes” em  
todas as esferas da sociedade moderna, onde o “tipo humano do gerente” transforma-se em uma  
figura cada vez mais importante na estrutura social. Estes “demiurgos administrativos” (como  
o autor “dicteriosamente” os caracteriza) ou “novos homens de cúpula”, são considerados como  
produtos de um século de modificações nas classes superiores, e são escolhidos dentro das  
novas burocracias, onde passa a ser engendradas suas personalidades.  
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Seu papel no interior dessas burocracias e o papel das burocracias na estrutura  
social determinam o campo de ação do demiurgo administrativo. Esse estilo  
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Patricia da Silva Coutinho  
de vida burocrático é tão influente e penetrante, que com o tempo, os tipos  
mais antigos de homens de boas posições terminam por mudar de caráter e de  
maneira de trabalhar para se ajustarem à corrente administrativa, sob pena de  
perderem suas anteriores posições. (Mills, 1976, p. 97).  
Para o autor a palavra “burocracia”, além de ser um qualificativo que serve à vários  
objetivos, é um “vestígio da idade heroica do capitalismo”, em um tempo em que “o  
empresariado da classe média lutava contra a campanha mercantil e a dinastia monarquista”  
(Mills, 1976, p. 98). Destarte, o pesquisador anuncia três motivos principais pelos quais  
classifica a palavra “burocracia” como “inexata e enganosa”  
1) quando o dirigente de uma companhia faz objeções à burocracia, tem em  
mente os programas do Governo federal, e apenas na medida em que são  
contrários aos interesses de sua burocracia particular. 2) A maior parte do  
desperdício e ineficiência associados no conceito popular a esse termo é, de  
fato, devido a uma estrita e completa burocratização. A “bagunça”, e  
certamente o suborno, que predominam no exército americano são antes o  
produto de uma permanência da mentalidade empresarial em seu pessoal de  
que uma tendência inerente à burocracia em si mesma. Descritivamente, a  
burocracia refere-se a uma hierarquia de escritórios, cada uma com sua área  
específica de administração e sua equipe de especialistas. Neste sentido, a  
burocracia é o tipo mais eficiente de organização social que se conhece. 3) A  
burocracia governamental é, em grande parte, uma consequência, um plano  
público do desenvolvimento da burocracia privada que, centralizando a  
propriedade e equipamento, liderou a tendência. A própria amplitude da  
empresa moderna, que concentra o progresso tecnológico e as decisões  
financeiras, obriga à criação de organizações centralizadoras submetidas à  
regras formais e subdivisões racionais em todos os setores da sociedade, e  
especialmente no Governo. (Mills, 1976, p. 98).  
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Mills (1976) relata que com a transformação social, analisando como pano de fundo a  
economia americana, tanto o Governo, quanto as “burocracias privadas” são fortalecidas e  
aperfeiçoadas (enquanto organização racional), e apesar de em suas negociações, a burocracia  
do Governo e das empresas se oporem, acabam se entrosando por completo. Deste modo, por  
trás do “demiurgo administrativo”, é velada a gerência como uma “autoridade centralizada”  
(Mills, 1976, p. 100), em que apesar dos colarinhos brancos comporem parte da administração,  
esta gerência é muito maior. Estes indivíduos são apenas instrumentos da gerência, servidor das  
decisões, assistente da autoridade, estando mais próximos da administração do que dos  
operários. Deste modo, podemos inferir que para o autor as carreiras do novo empresariado e  
do simples empregado de colarinho branco tendem a ser administradas por outros homens ainda  
mais poderosos, que são “os altos dirigentes”, “os gerentes das grandes empresas”, que formam  
a “elite econômica” da nova sociedade.  
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A partir da expansão das empresas modernas, Mills (1976) relata que as propriedades  
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aumentaram e o poder e o controle direto dos proprietários4 diminuiu, sendo exercido de modo  
indireto. Ocorre, no entanto, que para o sociólogo, a separação entre propriedade e gerência,  
tende a aumentar o poder da propriedade, já que não apenas a função empresarial é  
burocratizada, mas ocorre a burocratização geral das relações de propriedade, mediante a  
distribuição do exercício do poder dentro do conjunto da classe proprietária5. No entanto, de  
modo bastante pragmático, Mills afirma que a acumulação de poder depende de alguns fatores  
(isto para qualquer camada social): “a vontade e habilidade, oportunidade objetiva e a  
organização” (Mills, 1976, p. 318), em que  
a oportunidade é limitada pela posição estrutural do grupo; a vontade depende  
da consciência que o grupo tem de seus interesses e das maneiras de defendê-  
los. A posição estrutural e a consciência interagem com as organizações, que  
reforçam a consciência e se tornam politicamente relevantes, de acordo com a  
posição do grupo na estrutura social. (Mills, 1976, p. 318).  
Aparentando parafrasear os escritos marxianos, Mills admite que “a posse de uma  
propriedade significa hoje muito mais do que o poder sobre as coisas possuídas; significa o  
poder sobre os homens que não tem essas coisas. É a propriedade que determina quem deve  
comandar e quem deve obedecer” (Mills, 1976, p. 125). Em suas análises, o autor aponta então  
a existência de três tendências que dão sentido e forma ao desenvolvimento do sistema do  
“demiurgo administrativo” nas instituições: “I) tanto as funções superiores quanto as inferiores  
da hierarquia foram racionalizadas; nesse processo. II) a empresa e o escritório tornaram-se  
fetiches; III) as formas de poder exercidas em todas as categorias passam da autoridade explicita  
para a manipulação de consciências” (Mills, 1976, p. 125). No entanto, aprofundando suas  
analises, o autor passa a afirmar que o poder está ligado a decisões “a experiência técnica e  
política”, que são características diferenciadas em uma “elite” e na grande massa de  
trabalhadores, ou seja, os homens e mulheres comuns (Mills, 1981, p. 8). Deste modo, para o  
sociólogo a burocracia e o poder acabam se relacionando de modo concatenado, pois a  
utilização racional dos recursos, ou melhor do trabalho em si, resulta em uma determinada elite,  
que passa a regular e ponderar sobre as decisões, ou seja, acessar (de diferentes modos) o poder,  
assim é notável as aproximações dos conceitos formulados pelo autor com a concepção de  
burocracia weberiana.  
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Além de expressar que as bases do poder da sociedade norte-americana estariam nos  
4 De acordo com Mills (1976) os proprietários são as pessoas que possuem direitos legais a participação dos lucros,  
e que delega àqueles que dirigem suas empresas a defesa de seus interesses. Já os gerentes são os indivíduos que  
detém o controle administrativo da empresa, e executam sua direção. (Mills, 1976, p. 120).  
5
Em “A Nova classe média” (1976) é apenas ao final de suas análises, e de modo superficial, que Mills discute  
sobre “Os caminhos do poder”, e realiza indicações acerca do papel político desta nova classe média, porém  
passaremos a nos ater ao aprofundamento destas análises presentes no livro “A elite do Poder” (1981).  
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domínios econômicos, político e militar – como já citado na introdução deste estudo – o autor  
relata a existência das “altas rodas”. A elite americana é marcada não apenas por “homens de  
negócios” - indivíduos que ocupam posições importantes na economia, mas também por  
homens que transcendem do círculo econômico para o político, homens com significativo poder  
de “influência e de decisões”. Deste modo, para Mills (1981) o poder é completamente  
interligado às decisões da sociedade, e neste sentido, diferencia a elite (detentora deste poder)  
da massa (composta por homens e mulheres “comuns”), e ainda, diferencia os atores envolvidos  
nos diversos níveis do poder. O autor atesta que os membros da elite tomam decisões de “grande  
consequência”, e ao ocuparem postos tão fundamentais,  
(...) comandam as grandes companhias. Governam a máquina do Estado e  
reivindicam suas prerrogativas. Dirigem a organização militar. Ocupam os  
postos de comando estratégico da estrutura social, no qual se centralizam  
atualmente os meios efetivos do poder e a riqueza e celebridade que usufruem.  
A elite do poder não é de governantes solitários. Conselheiros e consultores,  
porta-vozes e promotores de opinião são, frequentemente, os capitães de seus  
pensamentos e decisões superiores. Imediatamente abaixo da elite estão os  
políticos profissionais dos níveis médios do poder, no Congresso, e nos grupos  
de pressão, bem como entre as novas e as antigas classes superiores da cidade,  
da metrópole e da região. De mistura com eles, por processos curiosos que  
examinaremos, estão as celebridades profissionais, vivendo de serem exibidas  
constantemente, mas que nunca, enquanto permanecem celebridades, são  
exibidas o suficiente. Se tais celebridades não estão à testa de qualquer  
hierarquia dominante, frequentemente têm, por outro lado, o poder de distrair  
a atenção do público ou proporcionar sensações às massas ou, mais  
diretamente, de ser ouvidas pelos que ocupam posições de poder direto. (Mills,  
1981, p. 12).  
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Para compreender a elite americana é necessário, porém, elucubrar que além dos  
acontecimentos históricos que desenham os atores desta elite, estão situadas as principais  
instituições da sociedade moderna, ou seja, são as relações hierárquicas do Estado, das empresas  
e do exército que constituem os meios de poder. O estudioso argumentava que a chave  
sociológica para compreender o papel das “altas rodas” de decisão e poder na América,  
efetivava-se na medida em que as cúpulas destas instituições fossem mapeadas, pois ocupavam  
os pontos de comando da sociedade moderna. Assim, é através dos domínios político,  
econômico e militar, que a elite passa a ocupar postos do Estado, galgando unidade institucional  
para uma unidade administrativa através do desenvolvimento de tecnologias, o que amplia a  
capacidade executiva central destas áreas, e ainda fortalece as rotinas administrativas. É deste  
modo, que situamos a análise de burocracia de Mills (1981), que de modo raso e superficial,  
interliga a capacidade e evolução de rotinas administrativas ao poder da elite.  
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Se há intervenção governamental na economia das grandes empresas, há  
também interferência destas no processo de governo. No sentido estrutural,  
esse triângulo de poder é a fonte das diretorias interligadas, de grande  
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importância para a estrutura histórica do presente. Essa interligação se revela  
claramente em todos os pontos de crise da moderna sociedade capitalista —  
nas depressões, nas guerras e nas altas repentinas do mercado. Os homens que  
tomam decisões são, então, levados à consciência da interdependência das  
principais ordens institucionais. (Mills, 1981, p. 16).  
No entanto, este conceito de “elite do poder” não se baseia apenas na correspondência  
das hierarquias institucionais em questão, ou nos muitos pontos em que seus interesses  
coincidem. Para Mills (1981, p. 329) “a elite do poder, também depende da identidade entre os  
que a formam, de suas relações pessoais e oficiais entre si, de suas afinidades sociais e  
psicológicas”, em que se interligam “a origem, carreira e estilo de vida de cada um dos tipos de  
círculo cujos membros compõem a elite do poder” (idem). Destarte, a elite do poder da América  
é formada pelos líderes destas três áreas, esta cúpula (“senhores da guerra”, “chefes de  
empresas” e “diretório político”) compõe as “altas rodas”, e fazem interface ao constituir um  
“escalão superior” – articulando poder, dinheiro e prestígio. O poder para autor apresenta  
necessariamente um feitio funcionalista e institucional, mas é contraditório ao subjetivar esta  
categoria ao prestígio e apenas aos “cargos” que são ocupados por seus agentes, tanto quanto  
representar a riqueza de modo “institucionalizado”.  
Em suas análises o autor declara que as relações com o Estado são capazes de determinar  
as oportunidades de aquisição de riquezas, e, rendimentos (modernas formas de propriedade).  
Apesar da importante consideração acerca das empresas modernas, o autor situa os membros  
da elite em um “extrato social elevado”, ampliando, ou melhor, desconfigurando a noção de  
classe social marxista6, pois considera a existência de um círculo de “classes sociais superiores”  
- “grupo de status” (Mills, 1981, p. 20). Há uma noção de “coesão” implícita na perspectiva de  
“classe social” que elucida o sociólogo no estudo sobre as elites americanas, apesar de criticar  
análises que julga “conservadoras” (ou que afirma tratar com subjetivismo o tema), a pesquisa  
de Mills remete a uma coesão etérea, ou melhor, “imaterial”. Isentando o debate de consciência,  
a elite  
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forma uma entidade social e psicológica mais ou menos compacta; seus  
componentes tornaram- se membros conscientes de uma classe social. As  
pessoas são ou não aceitas nessa classe, havendo uma divisão qualitativa, e  
não simplesmente uma escala numérica, separando os que são a elite dos que  
não são. Têm certa consciência de si como uma classe social e se comportam,  
uns para com os outros, de modo diverso daquele que adotam para com os  
membros de outras classes. Aceitam-se, compreendem-se, casam entre si, e  
procuram trabalhar e pensar, se não juntos, pelo menos de forma semelhante.  
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6 Ressaltamos que Mills afirma que a dinâmica de crescimento do capitalismo é responsável por aumentar (absoluta  
e relativamente) a proporção de “trabalhadores de escritório” e de “colarinhos-brancos” não integrados ao  
proletariado tanto politicamente, quanto economicamente. Assim, em termos, desenvolve análises sobre a “classe  
média”, que descende de modelos teóricos da estratificação social, levando em consideração aspectos como  
“status/prestígio e renda”.  
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Não pretendemos, pela nossa definição, prejulgar se a elite dos postos de  
comando pertence conscientemente a essa classe socialmente reconhecida, ou  
se proporções consideráveis da elite vêm de uma classe assim tão clara e  
distinta. (...) A noção desse estrato dominante implica assim que a maioria de  
seus membros tem origens sociais semelhantes, que durante toda a sua vida  
mantêm uma rede de ligações informais, e que há um certo grau de  
possibilidade de intercâmbio de posição entre as várias hierarquias de  
dinheiro, poder e celebridade. (Mills, 1981, p. 20-21).  
Para compreender a elite como “classe social”, Mills afirma que é necessário perceber que  
é “um grupo de homens” nos postos de comando responsável por selecionar e formar certos tipos  
de “personalidade, rejeitando outros”. “A elite é um conjunto de altas rodas cujos membros são  
selecionados, preparados e comprovados, e aos quais se permite acesso íntimo aos que comandam  
as hierarquias institucionais impessoais da sociedade moderna” (Mills, 1981, p. 24). O sociólogo  
afirma que existem quatro conceitos que podem definir esta elite – nunca devendo ser analisada  
como “um todo”, para não corrermos o risco de haver uma “falta de rigor analítico e imaginação  
sociológica” (Mills, 1981, p. 25). O primeiro conceito define as elites “em termos da sociologia  
da posição institucional e da estrutura social que essas instituições formam”; já a segunda  
orientação direciona a elite em termos da “estatística dos valores escolhidos”; uma terceira  
vertente a condiciona em termos de participação “de um conjunto de pessoas semelhantes a  
uma ‘igrejinha’”; e o quarto conceito relaciona a elite a “moralidade de certos tipos de  
personalidade”. Mills (1981) simplifica “em termos menos elegantes” os quatro conceitos: “o  
que aparentam, o que têm, aquilo a que pertencem, e quem realmente são” (Mills, 1981, p. 25).  
Porém, o autor toma como genérica a interpretação da elite definida em termos da posição  
institucional, por isto elabora uma análise “estruturalista-pragmática” do poder e das elites, que  
alterna diversos conceitos da psicologia e sociologia. Abstraindo “vantagens prática e teóricas”  
desta da concepção “direta e simples” de elite Mills reconhece que sua explanação sobre o tema  
é uma forma “fácil e mais concreta de atingir o problema” pois busca sistematizar o volume de  
informação para a reflexão sociológica sobre os círculos e instituições das elites, ao mesmo  
tempo que, através de uma definição “institucional ou estrutural” da elite americana, é possível  
não “pré-julgar uma definição” e assim construir um conceito analítico mais preciso.  
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O sociólogo avalia que a elite deve ser considerada como “onipotente” – e não como  
“impotente” – detentora de um poder “como um grande projeto oculto” (Mills, 1981, p. 26),  
que historicamente jamais é medido como um “agente totalmente visível”. Neste sentido são  
realizadas críticas a esta concepção de espírito liberal de uma elite impotente, sem coerência ou  
força histórica, destituída de poder, observando a existência de uma espécie de “gradação de  
poder”, dentro de cada uma das ordens institucionais poderosas da sociedade moderna.  
Mills (1981) afirma que existem três pontos principais para compreender a elite do  
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poder: primeiro ponto se refere a “psicologia das várias elites em seus respectivos meios”, pois  
apesar das diferenças entre as origens educação e cultura, os membros dos “círculos  
superiores”, por terem carreiras e estilos de vida semelhantes, acabam por criar uma base  
psicológica e social comum. Para o autor, no entanto, esta base unidade “atinge seu ápice mais  
frívolo na partilha do prestígio que há para ser desfrutado no mundo da celebridade. Atinge uma  
culminância mais sólida no fato de serem intercambiáveis as posições dentro e entre as três  
instituições dominantes” (Mills, 1981, p. 29). O segundo ponto, se refere a “estrutura e a  
mecânica das hierarquias institucionais presididas pelo diretório político, pelos ricos associados  
e pelos altos militares” (Mills, 1981, p. 30). Para este estudo é essencial revelar que a base  
burocrática desta elite estaria, para Mills, associada a uma estrutura psicológica e social, pois  
“Quanto maior a escala desses domínios burocráticos, maior o alcance de suas respectivas elites  
de poder” (idem).  
A forma que tomam essas hierarquias principais e as relações que têm com as  
outras hierarquias determinam, em grande parte, as relações dos que as  
controlam. Se as hierarquias são dispersas e desunidas, as respectivas elites  
tendem a ser dispersas e desunidas; se têm muitas interligações e pontos de  
interesse coincidentes, então suas elites formam um agrupamento coerente. A  
unidade da elite não é um simples reflexo da unidade das instituições, embora  
homens e instituições estejam sempre ligados, e nosso conceito de uma elite  
do poder nos convide a determinar essa relação. Há hoje na América várias  
importante coincidências de interesses estruturais entre esses domínios  
institucionais, inclusive no desenvolvimento de uma organização de guerra  
permanente, promovido por uma economia particular dentro de um vazio  
político. (Mills, 1981, p. 29).  
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É interessante observar que a existência de uma elite “coesa” é, em termos, contrária à  
ideia liberal da concorrência, ou até mesmo aos novos ditames do capital imperialista, seus  
trustes, carteis e associações, que ao invés de tomarem forma de celebridade, buscam explorar  
suas bases materiais, e assim se fundem, e não sob aspectos culturais ou psicológicos.  
O terceiro aspecto se refere a indicativa contraditória de Mills de que a unidade da elite  
não se refere nem apenas a “semelhança psicológica e no intercâmbio social, nem se baseia  
totalmente nas coincidências estruturais dos postos de comando e dos interesses” (Mills, 1981,  
p. 30), mas é a coordenação explícita de interesses dos “círculos superiores”, desenhada na  
mecânica institucional de busca de interesses diversos pelos homens, “tanto nos processos  
informais como nos mais formais” dos nossos “comandantes” de colarinho-branco.  
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A descredito da confusa reflexão do autor, o quadro é agravado quando cita que a elite  
não é apenas responsável em todas as épocas da história humana e em todas as nações, uma  
“minoria criadora”, uma “classe dominante”, uma elite “onipotente”, e que condiciona os fatos  
históricos, apesar de tomarem decisões importantes não são os “fazedores da história”, mas  
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sofrem com a história. Apesar de afirmar que não se deve atarantar a concepção da elite como  
“uma teoria sobre seu papel” é simplesmente o poder para Mills que determina a história, um  
poder institucional e com raízes menos materiais do que deveria se pretender, já que “não  
importa a nossa definição, o poder de seus membros está sujeito a variações históricas”.  
Quando os jornalistas, que tudo sabem, nos dizem que “os acontecimentos,  
não os homens, modelam as grandes decisões”, estão fazendo eco à teoria da  
história como Fortuna, Acaso, Destino ou obra da Mão Invisível. Pois  
“acontecimentos” é apenas uma palavra moderna para essas ideias antigas,  
que isolam o homem da criação do processo histórico, já que todas levam a  
acreditar que a história se faz à revelia dos homens. Que a história é uma  
correnteza sem domínio; que dentro dela há ação, mas não há feitos; que a  
história é apenas acontecimento e fato que ninguém pretendeu curso de uma  
série inevitável. O este: quando dos acontecimentos em nossa época depende  
mais de decisões humanas do que de qualquer destino sentido sociológico de  
“destino” é simplesmente as decisões são numerosas e de pequenas  
consequências, todas elas se somam dando um resultado não pretendido pelo  
homem — a história como destino, portanto. Mas nem todas as épocas são  
igualmente fatídicas. À medida que o círculo dos que decidem se estreita, os  
meios de decisão se centralizam e as consequências das decisões se tornam  
enormes, então o curso dos grandes acontecimentos frequentemente depende  
das decisões de determinados círculos. Isso não significa necessariamente que  
o mesmo círculo de homens passa de um acontecimento a outro, de modo que  
toda a história seja apenas um enredo de sua autoria. O poder da elite não  
significa necessariamente que a história também não se modele por uma série  
de pequenas decisões, não conscientes. Não significa que uma centena de  
pequenas combinações, concessões e adaptações não se possam fundir para  
constituir a política existente e o acontecimento vivo. Aideia da elite do poder  
não subentende nada sobre o processo de tomar decisões: é um esforço de  
delimitar as áreas sociais dentro das quais se desenrola este processo, qualquer  
que seja seu caráter. É um conceito sobre quem está envolvido pelo processo.  
O grau de previsão e controle dos que participam das decisões de importância  
pode também variar. A ideia de uma elite do poder não significa que as  
estimativas e riscos calculados que servem de base às decisões não estejam  
frequentemente errados, e que as consequências sejam por vezes — na  
realidade, frequentemente — imprevistas. Muitas vezes, os que tomam  
decisões são iludidos pela sua incapacidade e cegados pelos seus próprios  
erros. (Mills, 1981, p. 31-32).  
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Não há como resolver esta capciosa contradição teórica, ao avaliar a história como  
apenas ocorrência de “um fato após outro” (sem sentido ou representa apenas como a  
“realização de uma determinada trama), em que “nós”, indivíduos de “uma massa” (ou a própria  
elite, apesar de compormos o enredo desta história) não possuímos “igual poder de fazê-la”, ou  
melhor de transformá-la, pois é absurdo que “qualquer grupo ou indivíduo é limitado,  
primeiramente, pelos meios técnicos e institucionais de poder à sua disposição”. É afastado o  
sentido da história da sociedade como a história da luta de classes, que apresenta uma  
perspectiva material do poder e da dominação. Para o sociólogo, não temos o mesmo “acesso  
aos meios de poder” ou “influência igual sobre sua aplicação”, e assim é inviável “pretender  
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Estado, burocracia e poder: apontamentos sobre a teoria das elites e do poder  
que “nós” sejamos todos fazedores da história” ... “é uma irresponsabilidade porque obscurece  
qualquer tentativa de localizar a responsabilidade pelas decisões importantes dos homens que  
têm acesso aos meios do poder” (Mills, 1981, p. 33). Deste modo, é desconsiderado o potencial  
de organização da classe trabalhadora, ou dos membros da “massa”, os indivíduos que  
“contestem” a elite estariam fadados a não transformar a história ou a realidade social, ao menos  
que alcançassem o poder (já que este não está em disputa), destituindo o caráter material e  
econômico da democracia, a um caráter institucional, normativo ou instrucional-“burocrático”.  
Para cada época e cada estrutura social devemos procurar uma resposta à  
questão do poder da elite. Os fins dos homens são, frequentemente, apenas  
esperanças, mas os meios são fatos mais ou menos controlados pelos homens.  
É por isso que todos os meios de poder tendem a se tornar fins para a elite que  
os comanda. E é por isso que podemos definir a elite do poder em termos dos  
meios do poder — como sendo os que ocupam os postos de comando. As  
principais questões sobre a elite americana de hoje — sua composição, sua  
unidade, seu poder — devem ser examinadas dando-se a devida atenção aos  
terríveis meios de poder à sua disposição. (...) Mesmo concordando que as  
estruturas integradas, econômica, militar e política, são feitas de modo a  
permitir essas decisões, podemos sentir ainda que “elas se governam a si  
mesmas”, que os homens nos altos postos são, em suma, levados às suas  
decisões pela “necessidade”, o que presumidamente significa pelos papéis  
institucionais que desempenham e pela situação dessas instituições na  
estrutura total da sociedade. (Mills, 1981, p. 34-35).  
É importante salientar a preocupação de Mills com a existência dos “muito ricos”, que  
expressam a desigualdade social latente norte-americana, apesar de narrativas de outros  
sociólogos afirmarem que, naquela época, os ricos passaram a compor apenas a classe média  
“Os fabulosamente ricos, bem como os simples milionários, ainda existem muito bem entre  
nós” (Mills, 1981, p. 113). Há uma explicação, para tamanha fortuna dos “barões ladrões” e  
“magnatas” que vistos como criminosos “exploraram os recursos nacionais, empenharam-se  
em guerras econômicas entre si, formaram combinações, transformaram o domínio público em  
capital particular, e usaram todo e qualquer método para chegar aos seus fins” (Mills, 1981, p.  
114). Os métodos além de vias criminais, passavam também por inovações e o uso da  
inteligência ao progresso do capitalismo, em que através da esperteza pessoal e esforço, foram  
criados empreendimentos privados mediante novas técnicas e novos processos financeiros, ou  
através de novas utilizações de técnicas e processos antigos. Assim, o rico acumulador é visto  
como a mistura do ladrão com o capitalista inovador, que através das relações institucionais  
desempenham importantes papéis na estrutura social, e que “embora os homens por vezes deem  
forma às instituições, estas sempre escolhem e formam os homens. Em qualquer período,  
devemos equilibrar o peso do caráter ou vontade ou inteligência do indivíduo com a estrutura  
objetiva institucional que lhe permite exercer esse papel” (Mills, 1981, p. 115). Por si só, estes  
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aspectos morais são também apontados como insuficientes para descrever a atividade dos  
acumuladores.  
Mesmo buscando traçar materialidade aos conceitos de elite, parece haver uma base  
psicológica e subjetiva maior, pois mesmo reconhecendo que a “chave mais útil, que melhor se  
coaduna com a mentalidade moderna, é proporcionada por circunstâncias mais objetivas” a  
estrutura objetiva das oportunidades se relaciona com os “traços pessoais”, que então “levam e  
estimulam determinados homens a explorar essas oportunidades objetivas que a história  
econômica lhes proporciona” (Mills, 1981, p. 116). O autor reconhece que foram as condições  
econômicas, materiais e políticas que permitiu aos homens acumularem as grandes fortunas,  
através de recursos “nacionais” – que mantiveram o “capitalismo como uma máquina produtiva  
e fazedora de dinheiro”. Afirmava que as grandes fortunas americanas são características de um  
determinado “modo de industrialização” ocorrido “num determinado país”, e assim através da  
empresa particular esta forma de industrialização possibilitou “aos homens ocuparem posições  
estratégicas” para dominar “os meios fabulosos da produção do homem; ligar o poder da ciência  
e do trabalho; controlar as relações do homem com a natureza — e ganhar milhões com isso”  
(Mills, 1981, p. 118).  
Não é a intuição que nos faz vê-lo — podemos prever facilmente isto em  
relação a países ainda não industrializados, e podemos confirmá-lo pela  
observação (...) na América foi a forma pela qual um vasto continente rural se  
transformou numa grande máquina industrial. E foi a forma que envolveu e  
permitiu aos grandes acumuladores juntar suas fortunas graças ao processo  
industrial. As oportunidades de reunir grandes fortunas com a industrialização  
da América incluíram muitos fatos e forças que não dependeram, e não podiam  
depender, do modo de ser dos muito ricos, ou de qualquer coisa que tenham  
feito ou deixado de fazer. (Mills, 1981, p. 118).  
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O sociólogo explicita acerca do processo de enriquecimento dos que podem ser  
considerados “muito ricos”, no entanto sem apresentar qualquer novidade, ou ao menos  
explicitar o processo histórico de exploração da força de trabalho negra nos Estados Unidos  
(EUA). Mills afirma que “os muito ricos têm usado as leis existentes, as têm burlado e violado,  
bem como criado leis para seu benefício direto”, e que foi o Estado o garantidor deste processo,  
assegurando “o direito da propriedade privada”7, porém de “capitão da indústria” o papel dos  
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De acordo com Mills, o Estado não apenas “garantiu o direito da propriedade privada”, mas também foi  
responsável por utilizar de meios legais em benefício dos ricos. O Estado “legalizou a existência da grande  
empresa, e por novas leis, pela interpretação de leis antigas e falta de autoridade tornou possível o seu  
desenvolvimento. Assim, os muito ricos puderam utilizar o recurso da sociedade anônima para empreender muitas  
aventuras ao mesmo tempo e especular com o dinheiro dos outros. Quando o truste foi considerado ilegal, a lei  
das companhias de holding permitiu, por outros meios, que uma empresa possuísse ações de outras. Dentro em  
pouco, “a formação e financiamento de companhias de holding proporcionaram o caminho mais fácil do  
enriquecimento rápido que já existiu legalmente nos Estados Unidos”. Nos últimos anos dos altos impostos, uma  
combinação de cancelamentos de impostos e lucros de capital ajudou a acumulação de fortunas particulares antes  
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Estado, burocracia e poder: apontamentos sobre a teoria das elites e do poder  
muito ricos passa a ser o de “general das finanças” em que são realizadas manipulações  
financeiras para o enriquecimento de uma parcela da população (Mills, 1981, p. 119).  
Mills (1981) reconhece que no século XX, nos EUA, é cada vez mais difícil ganhar e  
acumular dinheiro para se tornar rico, e “conseguir chegar ao alto” (Mills, 1981, p. 140), pois  
não é muito comum criar uma “grande fortuna americana apenas através de um pequeno  
negócio, ou até fazer dele uma grande empresa” (idem). Torna-se rico exige “um arrastar-se  
lento, burocrático” (idem), sendo mais fácil falir, e sendo mais seguro “nascer no alto” (idem).  
Nas gerações anteriores, a principal oportunidade, habitualmente, com o  
dinheiro de outros, constituía a chave. Nas gerações mais recentes, a  
acumulação de vantagens baseadas na posição do avô e do pai substitui a  
grande oportunidade. Nas três últimas gerações, a tendência é inequívoca:  
hoje, apenas 996 dos muito ricos vieram de baixo; apenas 2396 eram da classe  
média; 6896 vieram das classes superiores. (...) Suas atividades econômicas  
são, evidentemente, atividades de empresa: promoção, administração, direção  
e especulação. Além do mais, as famílias de fortuna ao penetrarem no mundo  
da empresa, ali encontraram os administradores dessas fortunas que, como  
tivemos oportunidade de ver, não são exatamente pobres, e não constituem na  
realidade uma espécie econômica totalmente diversa dos muito ricos. O centro  
de organização das classes de fortuna se deslocou, evidentemente, o bastante  
para incluir outros poderes além dos representados pelas grandes famílias  
ricas. O sistema de propriedade, do qual os homens ricos formam parte tão  
essencial, foi fortalecido pela sua reorganização administrativa, e vem sendo  
suplementado pela camada executiva, dentro e entre as grandes empreitas, que  
trabalha ativamente no interesse dos ricos associados. (Mills, 1981, p. 141-  
142).  
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As empresas passam então a instituir-se como “centros organizados do sistema de  
propriedade privada”, e assim seus principais executivos tornam-se os organizadores desse  
sistema”, passando a instaurar o que Mills (1981), chama de “revolução administrativa” em que  
os homens econômicos passam a transformar “a propriedade de uma ferramenta de operário”,  
para um “instrumento complexo pelo qual o trabalho deste é controlado, obtendo-se lucro com  
ele” (Mills, 1981, p. 145). No entanto, isto apenas não basta, é necessário, como critério para o  
progresso, ocupar a política, passando de administradores de empresas, ou melhor, “chefes”, à  
administradores do Estado, pois, “a tendência no mundo das empresas é unir as unidades  
financeiras maiores em complexas redes de administração”, e assim as corporações permeiam  
o poder político.  
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Deste modo, o autor chama atenção para a ausência de um autêntico serviço público  
norte-americano, já que é precária a estrutura e constituição do Poder Executivo nos EUA. Os  
executivos se mostram “homens estranhos à política que ocupam” e aos postos de comando do  
Executivo, compondo uma espécie de “ricos associados”. Assim, o sociólogo afirma que “nem  
de se tornarem incorporadas” (Mills, 1981, p. 119).  
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Patricia da Silva Coutinho  
o avanço através da burocracia nem a proteção partidária constituem a regra para o político não  
profissional. Como na organização particular, a regra é a escolha pelos que já assumiram os  
postos de comando e pertencem aos mesmos grupos” (Mills, 1981, p. 281), o que nos parece  
uma espécie de “vulgarização da política” e da democracia representativa. O autor então é  
irônico ao dizer que  
A ascensão do homem estranho à política no moderno diretório político não é  
simplesmente mais um aspecto da “burocratização” do Estado. De fato, como  
no caso da ascendência militar, o problema que o homem estranho à política  
cria para os teóricos da democracia está, em primeiro lugar, relacionado com  
a ausência de uma burocracia autêntica. Pois é em parte no lugar desta que a  
pseudoburocracia dos homens estranhos à política, bem como o regime de  
proteção partidária, passou a predominar. Por uma burocracia “autêntica”  
entendemos uma hierarquia organizada de capacitação e autoridade, dentro da  
qual todo posto e cargo se limitasse a suas tarefas especializadas. Os que  
ocupam tais postos não são donos do equipamento necessário para o  
cumprimento de suas obrigações, e pessoalmente não têm autoridade: a  
autoridade que desfrutam lhes é atribuída em função dos cargos que ocupam.  
Seu salário, juntamente com a consideração devida ao posto, é a única  
remuneração proporcionada. O burocrata ou servidor público, portanto, é  
acima de tudo um perito cujo conhecimento e habilidade foram comprovados  
por um exame de habilitação, e mais tarde em sua carreira, pela experiência.  
Como homem capacitado, tem acesso a seu posto, e seu progresso no sentido  
de postos mais altos é regulado por provas de competência mais ou menos  
formais. Pela aspiração e pelas realizações, está apto a uma carreira,  
regulamentada segundo o mérito e antiguidade, dentro da hierarquia  
predeterminada da burocracia. É além disso, um homem disciplinado cuja  
conduta pode ser facilmente prevista, e que colocará em prática a política  
adotada, mesmo que seja contra sua vontade, pois suas “opiniões meramente  
pessoais” estão rigorosamente distinguidas de sua vida, perspectivas e deveres  
oficiais. Socialmente, o burocrata é formal com seus colegas, já que o  
funcionamento tranquilo da hierarquia burocrática exige um equilíbrio  
adequado entre a boa vontade pessoal e uma distância social compatível com  
o posto. (Mills, 1981, p. 182-183).  
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Porém, para o estudioso, mesmo que os políticos apenas se aproximem da imagem da  
burocracia “romântica” descrita, a burocracia deve ser considerada como “uma forma de  
organização humana muito eficiente. Mas esse corpo orgânico é muito difícil de ser  
desenvolvido, e a tentativa pode resultar facilmente numa máquina barulhenta e desajeitada,  
tacanha e enredada em processos, ao invés de um instrumento de execução de políticas” (idem).  
Assim qualquer integridade da “burocracia como unidade de governo” estará subordinada às  
mudanças na administração política, já que a “integridade do burocrata profissional”, por sua  
vez, dependerá da representação da sua conduta oficial, da forma pessoal, de códigos oficiais,  
e, principalmente, “o da neutralidade política”. Este ponto além de inserir a burocracia em uma  
dinâmica utilitarista, altera a visão “universal” desta importante categoria para algo “simplório”  
e “singularizado”. A burocracia  
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Estado, burocracia e poder: apontamentos sobre a teoria das elites e do poder  
servirá a uma nova administração política e à sua orientação com a mesma  
lealdade que serviu à anterior. É esse o sentido político da burocracia  
autêntica. Pois o burocrata, como tal, não determina a orientação; proporciona  
informações importantes para isso, e põe em prática a política que se torna  
oficial. Com um quadro mais ou menos permanente, com uma hierarquia mais  
ou menos permanente, a burocracia só deve fidelidade à orientação que lhe for  
traçada. (Mills, 1981, p. 314).  
Mills (1981) relata de modo polêmico que o governo civil norte-americano jamais  
alcançou “uma burocracia autêntica”, uma vez que a constituição do Serviço Público se  
modificou, sempre, a partir das mudanças da administração política. Afirma que o “empecilho  
histórico” para o melhor desenvolvimento de uma “burocracia administrativa” nos Estados  
Unidos é o “sistema de proteção dos partidos, que como máquinas usam os empregos para dar  
compensações, tornando impossíveis a disciplina e o recrutamento à base de capacidade”  
(Mills, 1981, p. 287). Assim há um forte elo, que entrelaça “cargos públicos”8, “carreira  
comercial” ou “jurídica” executado nas empresas particulares, gerando instabilidade e  
insegurança para a carreira do corpo administrativo do serviço público, que vive ao léu das  
mudanças da administração política, já que “nem os políticos partidários nem os burocratas  
profissionais são hoje os centros executivos de decisão; esses centros estão ocupados pelo  
diretório político da elite do poder” (Mills, 1981, p. 288).  
É desta forma, que o autor busca criticar a ideia de “Teoria do equilíbrio”, demonstrando  
as nuances da “mecânica do poder”, em que parece haver pelos americanos a noção de que o  
governo “é uma espécie de máquina automática”, regulada pelo equilíbrio de interesses opostos,  
ou seja, “a imagem da política é simplesmente uma transferência da imagem oficial da  
economia”. Este ideal do “equilíbrio automático” atingiu o auge de sua elaboração nos termos  
econômicos do século XVIII, por John Adams, e tem na imagem do Congresso americano sua  
idealização.  
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Não há, porém, como alcançar o “Equilíbrio de poder” já que isto implica uma igualdade  
de poder, com honra e justiça, pois se para um homem se alcança o equilíbrio honroso, para  
outro se tem o “desequilíbrio injusto”. Nota-se a impossibilidade de equilibrar interesses  
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8 O servidor público, ou melhor “o homem superior”, da teoria millsiana, que pudesse se inclinar para uma carreira  
profissional no governo, não estaria disposto a enfrentar “os perigos políticos e a impotência administrativa”.  
(Mills, 1981, p. 288). “Será impossível atrair gente de capacidade intelectual para uma burocracia autêntica, se o  
Serviço Público for mantido num estado de apreensão política; isso serve apenas para escolher mediocridades e  
prepará-las para uma conformidade sem discernimento. Será impossível atrair pessoal moralmente adequado,  
enquanto os funcionários públicos tiverem de trabalhar num ambiente de desconfiança universal, paralisados pela  
suspeita e pelo receio. E numa sociedade que considera o dinheiro como o melhor indicador de valores, nenhum  
serviço público realmente independente poderá ser organizado — seja com recrutados da classe média ou da  
superior — se não proporcionar uma compensação correspondente à oferecida pelos empregos particulares.  
Aposentadoria e estabilidade não compensam os baixos salários dos funcionários públicos, pois os executivos de  
empresas, como já vimos, gozam hoje desses privilégios, e muitos outros” (Mills, 1981, p. 287-288).  
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comuns, a moral, a ambição, a justiça e o progresso.  
Os grupos ascendentes naturalmente se apressam a proclamar um justo  
equilíbrio de poder e uma verdadeira harmonia de interesses, pois preferem  
que seu domínio seja ininterrupto e pacífico. Por isso, os homens de grandes  
negócios condenam os pequenos líderes trabalhistas como “perturbadores  
da paz” e os consideram empecilhos aos interesses universais da colaboração  
entre o capital e o trabalho. Da mesma forma, as nações privilegiadas  
condenam as mais fracas em nome do internacionalismo, defendendo com  
noções morais o que já foi conquistado pela força contra os que nada têm, e  
que pretendendo mais tarde a ascensão ou a igualdade, só podem esperar uma  
modificação do status quo pela força. A noção de que a mudança social se  
processa por uma troca tolerante, pelas concessões e por uma rede de vetos de  
um interesse equilibrado pelos vetos de outros supõe que tudo isso ocorre  
dentro de uma estrutura mais ou menos estável, que não se modifica, que todas  
as questões estão sujeitas a concessões, e são, portanto, naturalmente  
harmoniosas, ou podem vir a ser. Aqueles que lucram pela estrutura geral do  
status quo podem sustentar, com mais facilidade do que os descontentes,  
opiniões como a mecânica da mudança social. (Mills, 1981, p. 297, grifo  
nosso).  
O autor declara que o poder do Congresso centraliza o controle da legislação, e que está  
sujeito a modificações decisivas da administração. Neste sentido, alerta que outra forma de  
exercício do poder através dos “políticos profissionais” é realizada dentro e entre as repartições  
“mais ou menos burocráticas” da administração.  
Cada vez mais, o político profissional procura conjugar-se com o  
administrador que chefia um departamento, uma comissão ou uma repartição,  
a fim de exercer o poder com ele, contra outros administradores e políticos,  
frequentemente através de processos radicais. A distinção tradicional entre  
“legislação” como elaboração de política, e “administração”, como sua  
realização, desapareceu de ambos os lados. A participação que o político tem  
na orientação do Estado moderno se faz menos pelo seu voto contra ou a favor  
de uma lei do que pela sua participação num grupo que esteja em condições  
de influenciar os postos de comando da administração executiva, ou pela não-  
investigação de áreas sensíveis e do interesse de certos grupos. É como  
membro desses grupos selecionados que o político profissional, representando  
interesses variados, por vezes se torna importante para as decisões de  
consequências nacionais. (Mills, 1981, p. 306-307).  
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O “poder” estaria então subordinado à pequenos grupos dentro da burocracia do Estado  
capitalista, e seus processos se realizariam mediante a relação e interação destes grupos, em que  
o congresso é rendido por um sistema de “compensações e concessões”. “A imagem do poder  
e da decisão é a imagem de uma sociedade equilibrada onde nenhum grupo é bastante forte para  
avançar senão um pouco de cada vez, contrabalançado por outras forças e na qual, portanto,  
não há unidade, e muito menos coordenação, entre os altos círculos” (Mills, 1981, p. 315).  
Deste modo, o sociólogo relata a ideia de um “sistema de poder”, que infere a existência de  
uma “sociedade equilibrada”, pois para Mills, os grandes interesses frequentemente “competem  
menos entre si, no esforço de promover seus vários interesses, do que coincidem em muitos  
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Estado, burocracia e poder: apontamentos sobre a teoria das elites e do poder  
pontos e, na realidade, se unem sob o manto do governo”. Esta ideia “conspiratória” reforça a  
perspectiva de que “as unidades em equilíbrio” da sociedade, são equilibradas de modo  
“independentes entre si”, “pois se o capital e o trabalho, ou o capital e o governo, por exemplo,  
não forem independentes um do outro, não poderão ser considerados como elementos de um  
equilíbrio livre e aberto” (Mills, 1981, p. 316). Nesta perspectiva analítica as relações sociais  
são ilustradas de modo fragmentado, como “unidades de poder interdependentes”, ou melhor  
“as unidades do poder político e econômico não só se tornam maiores e mais centralizadas  
como passam a coincidir em seus interesses e a celebrar alianças explícitas e tácitas” (Mills,  
1981, p. 315).  
É notável que para o autor a “teoria do poder” é estreitamente relacionada a um preceito  
de “burocracia elitista estatal”, em que intermediários do poder, “solucionadores de conflitos e  
harmonizadores de interesses vários e em choque”, representam e “personificam, interesses e  
políticas nacionais perfeitamente específicos”.  
Embora os políticos profissionais partidários possam, ainda por vezes,  
funcionar como intermediários do poder, harmonizadores de interesses,  
negociadores de questões, já não estão na cúpula do Estado, nem no alto do  
sistema de poder como um todo. A ideia de que o sistema de poder é uma  
sociedade em equilíbrio nos leva a supor que o Estado seja uma máscara  
visível para forças autônomas, mas na realidade a capacidade de decisão  
está agora firmemente assentada sobre o Estado. A “governamentalização  
das pressões” ocorreu tanto no Legislativo como no Executivo, e entre eles. A  
burocracia executiva se torna não só o centro de poder, mas também, a  
arena dentro da qual e em termos da qual todos os conflitos de poder são  
resolvidos, ou negam-se soluções a eles. A administração substitui a política  
eleitoreira, as manobras dos grupos substituem os choques dos partidos.  
(Mills, 1981, p. 317-318, grifos nossos).  
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A face subjetiva do poder, no entanto é resvalada por aspectos psicológicos e  
identitários, já que para Mills a noção da “elite do poder” não pode ser embasada  
exclusivamente na mecânica institucional que levou à sua formação, bem como também não  
podemos “baseá-la apenas na origem e carreira dos que a compõem”. Necessitamos de ambas  
e de outras bases para delimitar esta elite, um exemplo que aponta é a “mesclagem de status”.  
“A esfera do status social tem refletido as fases da elite do poder” (Mills, 1981, p. 333).  
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Toda a coincidência estrutural de seus interesses, bem como a realidade  
psicológica complexa de suas origens e educação, suas carreiras e ascensão,  
tornam possíveis as afinidades psicológicas que existem entre eles, e que lhes  
permitem dizer, uns dos outros: “Ele é sem dúvida um dos nossos.” E tudo  
isso indica o sentido básico, psicológico, da consciência de classe. Em nenhum  
outro setor da América existe uma “consciência de classe” como entre a elite;  
em nenhum outro é organizada tão eficientemente como na elite. Pois  
entendemos como consciência de classe, como fato psicológico, a aceitação  
pelo círculo, como a imagem do seu próprio eu. Dentro dos altos círculos da  
elite do poder, existem grupos e facções; há conflitos de orientação, e chocam-  
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Patricia da Silva Coutinho  
se as ambições pessoais. (Mills, 1981, p. 334-335).  
Em vista disto, a elite não pode ser realmente imaginada como homens que estão apenas  
cumprindo o dever. Seus membros não são meros burocratas: “comandam burocracias”.  
Enfrentam decisões para as quais simplesmente não há tradições (Mills, 1981, p. 337-338).  
Neste cerne da elite do poder observam-se que seus membros trocam entre si os papéis  
de comando “no alto da ordem institucional dominante” com os que ocupam – já que “o  
almirante que é também banqueiro e o advogado que chefia uma importante comissão federal,  
ou seja, durante sua carreira, os membros da elite do poder trocam de papéis e transcendem  
prontamente a particularidade de interesses de qualquer um desses meios institucionais. O  
mentor da ideia da “elite do poder” afirma, de modo resumido, que podemos através de seu  
conceito perceber o sentido das (1) “tendências institucionais decisivas” que caracterizavam a  
estrutura social, e os interesses objetivos parecidos entre as instituições econômicas, militares  
e políticas; (2) “as semelhanças sociais e afinidades psicológicas” dos homens de colarinho-  
branco nestas estruturas; (3) “as ramificações” do tipo de decisões tomadas no alto, e “a subida  
ao poder de um grupo de homens” pelo treinamento e vocação, que não sofrem as limitações  
da formação democrática dos partidos (Mills, 1981, p. 348-349). Assim, de modo negativo a  
formação desta elite repousa nos seguintes aspectos da sociedade capitalista  
(1) rebaixamento dos políticos partidários aos níveis médios do poder; (2)  
impasse semi-organizado dos interesses das localidades soberanas no qual a  
função legislativa caiu; (3) a ausência praticamente total de um serviço  
público que constitua um repositório politicamente neutro, mas relevante, de  
capacidade intelectual e executiva, e; (4) o aumento do sigilo oficial atrás do  
qual se tomam as grandes decisões, sem qualquer debate popular pelo  
Congresso. (Mills, 1981, p. 348-349).  
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Considerações Finais  
Este artigo teve por objetivo abordar alguns conceitos e categorias que Charles Wright  
Mills buscou formular ao longo de sua produção intelectual. Nota-se que sua visão limitada  
sobre a forma e o sentido da “elite do poder”, diminuta em três séries de “tendências estruturais”  
(econômica, política e militar), sepulta a burocracia como “modus operandi” da elite e de seus  
personagens, que subjetivamente e psicologicamente notam “identidade”, e se aliam para  
domínio e soberania de interesses apenas em momentos de crise. Esta visão limitada dos  
recursos burocráticos ocultam o potencial histórico de transformação da sociedade,  
permanecendo a crença de um Estado capitalista capaz de alcançar a “eficiência”.  
As análises do autor parecem revelar algo já conhecido, no entanto, não traçam ou  
abordam estratégias de transformação social, apenas desvelando (sob uma lupa seletiva) as  
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Estado, burocracia e poder: apontamentos sobre a teoria das elites e do poder  
desgraças norte-americanas. Essencialmente Mills parece esquecer de aprofundar o debate  
sobre poder, pobreza e exploração, preferindo discutir sobre a dominação e a massa que a elite  
sova.  
Sem dúvidas, é necessário salientar a importância de seus escritos em seu tempo, em  
que a sociologia norte-americana se apresentava de modo inacessível e academicista. Avalio  
que foi essencial o aprendizado ofertado pelo debate e leituras da produção de Mills, buscando  
compreender as mazelas da pós-modernidade e indícios do neoconservadorismo contraditório  
da sociologia norte-americana, que incidem sob a teoria social contemporânea.  
Referências bibliográficas  
MILLS, W. C. A elite do poder. Rio de Janeiro: Zahar editores, 1981.  
MILLS, W. C. A nova classe média (White Collar). Rio de Janeiro: Zahar editores, 1976.  
MILLS, W. C. A imaginação sociológica. Rio de Janeiro: Zahar editores, 1969.  
NETTO, J. P. De motocicleta e de marxismo saudades de C. W. Mills. Blog da Boitempo,  
São Paulo, 2016. Disponível em: <https://blogdaboitempo.com.br/2016/05/05/de-  
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