DOI 10.34019/1980-8518.2023.v23.41535  
A universalização da democracia como tarefa  
da revolução proletária: as lições de Marx e  
Engels  
The universalization of democracy as a task of the proletarian revolution:  
the lessons of Marx and Engels  
Douglas Ribeiro Barboza*  
Resumo: A partir das formulações de Marx e  
Engels, o artigo busca explicitar como a  
ampliação e aprofundamento da democracia aos  
âmbitos econômico e social se configuram  
como um projeto exclusivamente proletário.  
Abstract: Based on the formulations of Marx  
and Engels, the article seeks to explain how the  
expansion and deepening of democracy in the  
economic and social spheres is configured as an  
exclusively proletarian project. Demonstrates  
the initial democratic concerns of these authors  
and their formulations about “true democracy”;  
the issue of political/human emancipation; the  
superficiality assumed by bourgeois democracy  
and the identity between radical democracy and  
communism. It is concluded that the way in  
which Marx and Engels welcome the political  
democracy that emerged on the horizon of  
history, as well as the ability to capture the  
weaknesses of this political democracy and  
suggest its deepening, reveal that the essentially  
revolutionary thought of these authors is  
fundamentally constituted by in a radically  
democratic way, based on a critique and  
democratic overcoming of moments of negative  
individual freedoms and limitation of State  
power defended by liberal thought.  
Demonstra  
as  
iniciais  
preocupações  
democráticas desses autores e suas formulações  
acerca da “verdadeira democracia”; a questão  
da  
emancipação  
política/humana;  
a
superficialidade assumida pela democracia  
burguesa e a identidade entre democracia  
radical e comunismo. Conclui-se que a maneira  
como Marx e Engels recepcionam a democracia  
política despontada no horizonte da história,  
assim como a capacidade de captarem as  
fraquezas dessa democracia política e sugerirem  
o
seu aprofundamento, revelam que  
o
pensamento essencialmente revolucionário  
desses autores se constitui, fundamentalmente,  
de forma radicalmente democrática, a partir de  
uma crítica e superação democrática dos  
momentos de liberdades negativas individuais e  
de limitação do poder do Estado defendidos  
pelo pensamento liberal.  
Palavras-chaves: Democracia; Revolução  
Keywords:  
Democracy;  
Proletarian  
Proletária; Marxismo.  
Revolution; Marxism.  
Recebido em: 01/07/2023  
Aprovado em: 22/11/2023  
*
Assistente Social. Professor Adjunto da ESS/PPGSSDR/UFF. Doutor em Serviço Social pela Universidade do  
Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Docente na Universidade Federal Fluminense (UFF). Vice-coordenador do  
Programa de Pós-graduação em Serviço Social e Desenvolvimento Regional (PPGSSDR - UFF). Integrante do  
Núcleo de Pesquisa e Extensão em Trabalho, Educação e Serviço Social (TEIA), da Universidade Federal  
Fluminense. Coordenador do Grupo de Estudos Marxismo e Realidade Brasileira (GEMARB - UFF). ORCID:  
Revista Libertas, Juiz de Fora, v. 23, n. 2, p. 389-416, jul./dez. 2023. ISSN 1980-8518  
Douglas Ribeiro Barboza  
Introdução  
A redução da democracia à condição de regras do jogo para a consecução e manutenção  
das prerrogativas liberais da liberdade individual em relação ao Estado e do governo-da-lei  
refluiu ao longo do século XX e desaguou no cenário deste novo século. Diante das promessas  
não cumpridas da democracia no tocante aos direitos materiais e à participação dos cidadãos  
nas escolhas políticas, urgiu a necessidade de preenchê-la de uma redefinição mínima e  
procedimental para que esta pudesse ser adaptada ao quadro existente.  
A limitação do exercício do poder político passou a se realizar paradoxalmente mediante  
a própria participação indireta de uma faixa mais ampla de cidadãos nesse poder político. Sob  
a cínica conclusão e difusão de que os problemas sociais afetam a todos indistintivamente, essa  
limitação do exercício do poder político dissolveu-se num enorme ceticismo assentado na  
premissa de que a ordem burguesa conseguiu integrar plenamente os trabalhadores, e que estes  
só deverão ser mobilizados por projetos direcionados para “parcerias sociais”, numa  
perspectiva de “colaboração de classes” e de abandono dos considerados “velhos chavões”  
(“luta de classes”, “partido”, “revolução” etc.).  
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Quando, na ótica liberal, a democracia é reduzida às regras do jogo que devem ser  
observadas para que o poder político seja exercido sem a violação da liberdade individual,  
efetua-se uma ocultação da distinção entre o conceito filosófico de liberdade e as formas de  
governo e os institutos políticos concretos do liberalismo e da democracia, difundindo a falsa  
prerrogativa de que a liberdade, na sua condição de iniciativa e criação humana ativa, é um dote  
peculiar dos regimes burgueses. Para igualar as classes dominantes às classes dominadas, a  
perspectiva liberal prescinde da colocação de cada um de seus integrantes no mecanismo  
produtivo e passa a situá-los no papel abstrato de cidadãos. Mascara-se, assim, o fato de que  
esses deverão efetuar um esforço megalômano para que consigam se sentir participantes da  
“soberania popular”, na medida em que a área das grandes decisões econômicas fica fora do  
controle dos organismos por eles eleitos e incide sobre sua qualidade mais humana, sobre sua  
fisionomia de trabalhador e sobre sua própria possibilidade de trabalhar.  
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Há maneira mais eficaz de repreender as classes subalternas do que mantê-las dóceis e  
forçadas a se controlarem devido às rédeas da lei severa da necessidade? Como nos alertara  
Gramsci (2002), se num combate os golpes não são dados de “comum acordo” (assim como  
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toda antítese deve se colocar como antagonista radical da tese), é possível exigir que as forças  
em luta “moderem” esta luta dentro de certos limites (os limites do Estado liberal), sem com  
isso cair numa condição de arbitrariedade ou de um objetivo pré-concebido?  
Por isso, em tempos de tentativas de fortalecimento e ascensão de perspectivas  
autocráticas de governo, é necessário sustentar a reivindicação democrática a partir dos marcos  
do autêntico pensamento marxista, pois ela é a concretização, no âmbito da política, da  
exigência de ruptura com situações de alienação, da criação de condições que propiciem o  
surgimento de autênticas personalidades, da verdadeira liberdade. A emancipação humana  
passa a ser concebida para além dos limites da supressão das relações de produção capitalistas  
colocadas como barreiras ao pleno florescimento das forças produtivas do trabalho social aberto  
por esse modo de produção (isto é, a socialização dos meios de produção e dos frutos do  
trabalho). Através da eliminação da alienação política e do isolamento das massas das grandes  
assembleias onde se decide sobre os negócios públicos, a emancipação humana exige a  
apropriação social dos mecanismos de governar o conjunto da vida social.  
Não se pode substituir por um conjunto de “regras” - qualquer que seja a natureza destas  
- o exame dos objetivos reais, econômicos e de poder que, numa dada realidade histórica, se  
apresentam aos diferentes grupos sociais e políticos, assim como das suas relações recíprocas,  
das circunstâncias de movimento e do grau de intervenção desses grupos no cenário político. A  
democracia não se constitui, em uma sociedade de classes, como um fim em si e para si, pois  
cada classe possui certos interesses particulares a serem atingidos mediante a “democracia” e  
sua relação para com ela varia de acordo com os seus interesses particulares; sendo possível  
(ou não) “[...] dispor de meios de acomodação para mesclar tais interesses com os interesses  
que decorrem do enquadramento nacional das classes, de suas aspirações sociais e de suas  
estruturas de poder” (Fernandes, 1995, p. 129).  
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Dada esta premissa, pode-se afirmar que, se a precisa e concreta determinação da  
conduta das classes dominantes e da relação entre os objetivos democráticos e os objetivos  
socialistas que se colocam a cada momento (e, portanto, da maneira mais eficiente de se lutar,  
nas circunstâncias conhecidas, para atingir tais objetivos) passam a ser substituídos por um  
conjunto de normas e regras estabelecidas pelas classes dominantes, estar-se-á garantindo,  
assim, a vitória e a manutenção de domínio a essas classes, já que lhes será sempre mais fácil  
argumentar que toda ação eficiente que vier a ser realizada - e que fira o coração de seus  
interesses - estará violando alguns dos “princípios democráticos”. É preciso compreender que,  
como realidade histórica viva, a democracia se equaciona ao nível dos “privilégios econômicos,  
sociais e políticos dessas classes, ou seja, como uma democracia restrita, da qual só participam  
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efetivamente os membros de tais classes (ou, conforme as circunstâncias, só as suas elites)”  
(Fernandes, 1995, p. 129).  
Pode-se afirmar, também, que é a própria perpetuação da ordem burguesa e capitalista  
que impõe o limite da democracia, já que o seu aprofundamento explicita o antagonismo de  
classes e estimula a sua superação; e que, não por menos, é a ação das classes subalternas para  
impulsionar a sociedade na direção do socialismo que dá conteúdo e eficiência à luta pela  
democracia. Nas palavras de Togliatti (1980), para se analisar as diversidades das formas e das  
etapas de desenvolvimento da democracia e do progresso para o socialismo, deve-se entrar num  
campo onde:  
[...] o que decide são as circunstâncias concretas da luta de classes; é o grau  
de desenvolvimento das forças produtivas e de maturação objetiva, no seio da  
própria sociedade capitalista, das condições de passagem ao socialismo; é a  
capacidade da classe operária e das massas trabalhadoras de lutarem com  
sucesso pela democracia e pelo socialismo; são as formas e os métodos da  
inevitável resistência das classes burguesas; é o nexo entre as situações  
internas e as relações internacionais, e assim por diante. (Togliatti, 1980, p.  
196).  
Isto posto, deve-se ter a convicção de que, para conseguirmos verdadeiramente abrir  
caminho para uma renovação tanto da democracia quanto da sociedade, é preciso (ou melhor,  
é um dever) jamais esquecer a existência de uma crítica marxista do conceito de democracia,  
cabendo-nos popularizar essa crítica de forma que “[...] ela se torne parte integrante da  
consciência de classe e da consciência política da classe operária, das massas trabalhadoras e  
de todos os bons democratas” (Togliatti , 1980, p. 185).  
392  
Neste sentido, o artigo analisa alguns textos pertencentes à fase de formação do  
pensamento de Marx e Engels (e que precedem a Revolução de 1848 e, não por menos, sofrem  
influência desse período), os quais nos permitem refletir acerca da dimensão das suas iniciais  
preocupações democráticas. Poderíamos dizer que é através de sua Crítica da filosofia do  
direito de Hegel (1843) que Marx chega à economia de Adam Smith e que, ao longo deste  
caminho, adota o ponto de vista de uma concepção democrática radical que, no plano filosófico,  
ainda é basicamente inspirada em Feuerbach, mas, na sua dimensão especificamente política,  
revela-se claramente a influência do Contrato Social de Rousseau. De forma mais específica,  
considera-se que o ponto de partida da crítica à democracia liberal e sua superação por parte da  
teoria marxiana possui como substrato um processo de superação dialética efetivado por Marx  
em relação às contribuições rousseaunianas e hegelianas para a construção da teoria moderna  
da democracia, contribuições estas que se inscrevem fora do universo liberal.  
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A universalização da democracia como tarefa da revolução proletária: as lições de Marx e Engels  
A verdadeira democracia como a superação da separação entre Estado político e a  
sociedade civil-burguesa  
Ao iniciar sua atividade jornalística na Gazeta Renana, nos primeiros meses de 1842,  
Karl Marx tratava da necessidade de efetivar um agrupamento de todos os elementos  
progressistas alemãs contra o regime reacionário de Frederico Gulherme IV. Os problemas  
enfrentados na luta ininterrupta contra a reação prussiana (e sua censura) cuja dialética interna  
conduzia a uma ultrapassagem do horizonte da sociedade burguesa - foram tratados por Marx  
a partir de uma abordagem democrata radical, jacobina; embora, nele, as ideias do Contrato  
Social já passassem a ser atravessadas por uma consciência dialética revolucionária.  
[...] ele abordou os problemas como contemporâneo de lutas de classe em  
escala mundial, certamente bem mais desenvolvidas do que as que tiveram  
lugar meio século antes, ou seja, na época da Revolução Francesa. Em tais  
lutas, o proletariado começava a se apropriar da ideologia socialista. [...] A  
evolução que leva de um decidido jacobinismo – construído a partir da  
simpatia em face das massas populares sofredoras e oprimidas – até a  
compreensão do papel universalmente revolucionário do proletariado foi, no  
jovem Marx, idêntica à sua evolução filosófica, na qual se deu a passagem da  
tentativa de desenvolvimento da dialética hegeliana em sentido radical-  
revolucionário para a inversão materialista desta dialética. (Lukács, 2007,  
p.135-136).  
Ao tratar das condições alemãs de sua época, Marx almeja desmascarar  
implacavelmente tanto o conjunto das instituições feudal-corporativas e absolutistas quanto  
também toda e qualquer tentativa de conciliação com tais instituições, realizando uma crítica  
que, apesar de partir de uma concepção idealista, torna-se “extraordinariamente concreta, tanto  
no plano histórico como no plano social” (Lukács, 2007, p. 136). À realidade alemã, Marx  
contrapõe a racionalidade que as instâncias do Estado e do direito adquirem “quando a lei é  
expressão consciente da vontade popular, quando é criada com e pela vontade do povo”  
(Lukács, 2007, p.136). Ao travar esta luta em favor dos direitos das massas populares  
oprimidas, manifestou uma concepção do Estado e do direito oposta à defendida por Hegel, a  
partir de um postulado democrático-radical que, na Alemanha da época, significava uma  
“crítica do romantismo coroado e do liberalismo aguado pela presença de um Estado interventor  
e censor” (Fernández Buey, 2004, p. 67)1.  
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Em 1843, Marx levanta a bandeira da democracia como forma de debate à ideia de um  
Estado abstrato que se configura quase como um ser fantasmagórico. Marx toma os “Princípios  
da filosofia do direito”, escrito por Hegel, como o paradigma da fundamentação filosófica e da  
legitimação concreta da separação entre Estado e sociedade civil. Porém, toma uma direção  
1 A esse respeito, ver Marx (1982a; 1982b).  
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bastante distinta ao efetuar a sua formulação acerca desta separação, cujo problema, mesmo de  
forma ainda incipiente, é apresentado de maneira articulada ao conceito de “verdadeira  
democracia2.  
Na democracia, o Estado, como particular, é apenas particular, como universal  
é o universal real, ou seja, não é uma determinidade em contraste com os  
outros conteúdos. Os franceses modernos concluíram, daí, que na verdadeira  
democracia o Estado político desaparece. O que está correto, considerando-  
se que o Estado político, como constituição, deixa de valer pelo todo. [...] Na  
democracia o Estado abstrato deixou de ser o momento preponderante. (Marx,  
2005a, p. 51).  
Para entendermos a proposta de Marx acerca da democracia como “verdade da  
organização política”, precisamos compreender que sua concepção de democracia se define em  
oposição às formas e substâncias através das quais nos acostumamos a concebê-la; é necessário  
superarmos o entendimento “moderno” de democracia, assim como a ideia e a forma de Estado  
que dele derivam. Num texto de 1846, denominado “O Festival das Nações em Londres”,  
Engels nos ajuda a revelar a excepcionalidade do conceito marxiano de democracia, afirmando  
que eles não estavam se referindo àquelas democracias “ruins e efêmeras” que, no século XIX,  
se verificava empiricamente ao redor do mundo; não se referiam à “democracia real que a  
Europa inteira apressa-se em adotar”, mas sim a uma “democracia bastante especial” e  
diferente, “que representa o meio-termo entre as democracias grega, romana, americana e  
francesa” (Engels, 1976a, p. 3).  
394  
Na sociedade capitalista a realização da democracia foi concebida na forma de uma  
aliança descabida entre dois termos inconciliáveis: um “Estado democrático”. Assim como para  
Rousseau do Contrato Social (Rousseau, 1999), para Marx “todas as formas de Estado têm  
como sua verdade a democracia e, por isso, não são verdadeiras se não são a democracia”  
(Marx, 2005a, p. 51). As democracias que não são verdadeiras, coincidem essencialmente com  
uma forma de Estado - seja ela aristocrática, monárquica ou republicana que é um produto da  
alienação política, uma forma ilusória daquela que deve ser a comunidade política real. Isto é,  
como a alienação política se torna o problema não apenas da monarquia ou da aristocracia, mas  
também da república, então em todas essas formas de governo só é possível realizar uma  
"democracia política" o que, em Marx, corresponde a uma democracia como abstração, a uma  
democracia liberal, burguesa (ou, à gosto da filosofia política, uma "democracia moderna").  
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2 “[...] de maneira alguma trata-se aqui da democracia republicana burguesa, mas de uma transformação radical,  
que implica a supressão do Estado político alienado e da sociedade civil ‘privatizada’. [Para Marx] a palavra  
democracia tem um sentido específico: abolição da separação entre o social e o político, o universal e o particular”.  
A república norte-americana e a monarquia prussiana são simples formas políticas que recobrem o mesmo  
conteúdo - a propriedade privada. (Löwy, 2002, p. 80).  
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A universalização da democracia como tarefa da revolução proletária: as lições de Marx e Engels  
A “verdadeira democracia” proposta por Marx insurge-se contra todas as formas  
políticas que acompanham a moderna ideia e forma de Estado, pois é uma democracia que se  
realiza por meio de uma experiência e uma prática que se situam ao mesmo tempo contra e para  
além do Estado (Abensour, 1997). É neste sentido que Marx se refere ao Estado moderno como  
um "Estado político" (ou uma "constituição política"), distinguindo-o do "Estado material" (ou  
do "Estado real") que é a verdadeira democracia (a qual significa a realização plena do Estado  
como universal concreto). Nestes termos, o verdadeiro significado da democracia só pode ser  
alcançado quando ela se liberta do Estado; quando for superada a separação entre Estado e a  
sociedade civil; quando for alcançada a construção da política para além do Estado, o que  
implicaria a construção de uma outra forma de organização política que venha a servir de lugar  
à “verdadeira democracia”.  
Conforme esclarece Frederico (1995), o eixo da crítica de Marx consiste no fato de que  
Hegel apresenta, em sua Filosofia do direito, a separação entre os “interesses privados  
radicados na sociedade civil e os fins universais pretensamente representados pelo Estado”,  
mas, astuciosamente, usando argumentos lógicos vazios de conteúdo, “procura passar a ideia  
de que as duas esferas, em essência, estão integradas” (Frederico, 1995, p. 58 e 60). Não por  
acaso, Karl Marx inicia sua crítica denunciando “uma antinomia sem solução” estabelecida por  
Hegel: “De um lado, necessidade externa; de outro, fim imanente. A unidade do fim último  
geral do Estado e dos interesses particulares dos indivíduos deve consistir em que seus deveres  
para com o Estado e seus direitos em relação a ele sejam idênticos”. (Marx, 2005a, p. 28, grifos  
do autor). Para conciliar, abstratamente, o universal e o particular, Hegel interpõe mediações  
entre essas duas esferas, disfarçando assim, o abismo que ele próprio descreveu ao tratar das  
relações entre Estado e sociedade civil. Apoiando-se em Feuerbach (mas extrapolando as idéias  
filosóficas do autor para muito além de suas intenções originais), Marx interpreta o Estado  
hegeliano como a essência alienada da sociedade civil, alienação esta que é fruto de um  
processo histórico:  
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“[...] o Estado político não pode ser sem a base natural da família e a base  
artificial da sociedade civil; elas são, para ele, conditio sine qua non. Mas a  
condição torna-se o condicionado, o determinante torna-se o determinado, o  
produtor é posto como o produto de seu produto.” (Marx, 2005a, p. 30-31).  
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No mundo greco-romano não existia algo que separasse a vida privada da vida pública,  
que diferenciasse o social do político, já que os cidadãos livres (excluindo-se os escravos e as  
mulheres) podiam participar diretamente da vida política. Na Idade Média, há uma identidade  
entre a vida do povo e a vida política; o público e o privado alcançaram um novo tipo de  
integração, pois a formação da propriedade tornou a esfera privada uma esfera eminentemente  
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política. Como, na era moderna, a ideia de Estado não poderia aparecer senão como a abstração  
do “Estado somente político” (ou como a abstração de si mesma da sociedade civil, de sua  
condição real), a separação da vida política e da sociedade civil foi, assim, consumada com a  
Revolução Francesa. Com a chamada emancipação política, a vida privada (e as atividades  
econômicas que a definem) torna-se autônoma ao se emancipar da regulamentação estatal, e,  
simultaneamente, o Estado liberta a sociedade civil de sua presença. Ocorre a cisão definitiva  
da vida humana em duas “esferas” (uma política e outra não política), sob a qual o homem  
separa-se do cidadão: os indivíduos podem agora perseguir livremente os seus interesses  
privados sem se preocuparem com a comunidade e o interesse universal (Marx, 2005a).  
Assim, a separação entre o particular (a “esfera socioeconômica”, ou a sociedade civil-  
burguesa) e o universal (a “esfera política”, ou o Estado) converte-se, por sua vez, na separação  
entre o social e o político. Isto é, a separação da sociedade civil e do Estado político aparece  
necessariamente como uma separação entre o cidadão político (o cidadão do Estado) e o  
indivíduo como membro da sociedade civil (a sua própria realidade empírica), de maneira que  
o homem é compelido a dividir sua própria essência (Marx, 2005a). O homem da sociedade  
moderna está dividido (bourgeois e citoyen) em sua própria vida real. Se o homem que vive no  
mundo real da “sociedade civil” (o bourgeios) conhece apenas interesses privados e  
particularistas, então esta separação impõe uma alienação da esfera político-estatal em relação  
ao homem real e concreto, impedindo que o Estado efetivamente represente uma “vontade  
geral” (conceito que está na base da construção da teoria democrática de Rousseau).  
Tomando como ponto de partida o postulado de Hegel de que, por um lado, o Estado  
consistiria na esfera da universalização, enquanto, por outro lado, o mundo da “sociedade civil”  
(a esfera das relações econômicas) seria o reino dos indivíduos atomizados e particularistas,  
Marx, em contraposição ao mesmo, revela o caráter puramente formal dessa universalidade do  
Estado em contraste com a esfera econômica da pura particularidade. A abstração da vida  
privada, característica da sociedade capitalista, indica justamente o movimento através do qual  
ocorre a separação entre Estado e sociedade civil e a produção da abstração da cidadania  
moderna.  
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Para Marx, o Estado está longe de ser o momento superior de realização da liberdade,  
pois ele passa a ser parte das contradições internas daquela sociedade civil-burguesa. E na  
medida mesma que o Estado não resolve suas contradições, a superação da sociedade civil-  
burguesa em Hegel é insuficiente. Ao contrário de Hegel (1997), que parte do Estado  
apresentando-o como materialização da Razão, e considera o homem uma subjetivação daquele  
- o que deságua numa legitimação do Estado prussiano de sua época -, Marx parte do homem e  
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A universalização da democracia como tarefa da revolução proletária: as lições de Marx e Engels  
procura ressaltar o caráter alienante do Estado. Não se pode dissociar o Estado real do povo: “o  
Estado é abstractum, somente o povo é concrectum” (Marx, 2005a, p. 48).  
Ou seja, o Estado é como um aspecto da sociedade civil, uma objetivação das qualidades  
subjetivas dos indivíduos, que, perdidas na etérea esfera estatal, são recuperadas pelo indivíduo  
na verdadeira democracia - o momento da superação da separação entre o particular e o  
universal, da reunificação das esferas social e política; o momento de reencontro entre o  
indivíduo egoísta da sociedade civil e o cidadão abstrato do Estado.  
Assim, a democracia é o momento em que a sociedade civil enfim se liberta da tutela  
do Estado político e torna-se um sujeito, e na qual o homem desalienado se reconhece na  
universalidade da espécie, em que cada indivíduo particular identifica-se com o homem, não  
cabendo, assim, conceber o “social” e o “político” como duas dimensões separadas. A  
democracia “é conteúdo e forma, e nela “o princípio formal é, ao mesmo tempo, o princípio  
material. Na medida em que, na democracia, o Estado político se encontra ao lado desse  
conteúdo e dele se diferencia, esse Estado político é, em si, um conteúdo particular, como uma  
forma de existência particular do povo. A verdadeira democracia é a verdadeira superação da  
separação entre Estado político e a sociedade civil-burguesa; nela “o Estado político  
desaparece, assim como desaparece o Estado não político (Marx, 2005a, p.49-51).  
Ao considerar que a democracia é “a essência de toda a constituição política”, e que se  
relaciona com as demais constituições “como o gênero com suas espécies”, Marx analisa que a  
fundamental diferença da democracia para as outras formas de Estado é que, enquanto nas  
últimas o homem é a existência legal, na democracia o homem é a existência humana. A  
democracia pode ser explicada a partir de si mesma, e nela, “cada momento é, realmente, apenas  
momento do dêmos inteiro”. Enquanto na monarquia, “uma parte determina o caráter do todo”,  
na democracia “o Estado é o homem objetivado”, realiza-se “a verdadeira unidade do universal  
com o particular”. (Marx, 2005a, p. 49 e 50).  
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A democracia é o enigma resolvido de todas as constituições. Aqui, a  
constituição não é somente em si, segundo a essência, mas segundo a  
existência, segundo a realidade, em seu fundamento real, o homem real, o  
povo real, e é, o produto livre do homem; [...] a diferença específica da  
democracia é que, aqui, a constituição em geral é apenas um momento da  
existência do povo e que a constituição política não forma por si mesma o  
Estado. (Marx, 2005a, p. 49 e 50).  
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Hegel (1997), ao fazer a defesa da monarquia constitucional, defende a soberania do  
monarca e a distingue da soberania popular, considerada como uma noção confusa ou uma ideia  
selvagem. Marx (2005a) contrapõe-se à defesa hegeliana da noção de soberania do monarca;  
mas, ao recuperar a noção de soberania popular, extrapola os limites desta última, pois conjuga  
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suas formulações com suas argumentações críticas em torno da representação e do sufrágio,  
questionando, assim, a própria ideia de soberania.  
Marx (2005a) qualifica a soberania como uma construção jurídica que funciona como  
mecanismo de sustentação à maior das abstrações reais, que é a separação entre Estado e  
sociedade civil; ou seja, tão abstrata quanto o Estado que a encarna, a soberania não pode deixar  
de ter um caráter e efeitos ilusórios (porém, que não deixam de surtir efeitos na realidade).  
Hegel concebe a soberania “[...] precisamente como idealismo de Estado, como a determinação  
real da parte por meio da ideia do todo” e, por isso, “[...] a soberania, o idealismo de Estado,  
existe somente como necessidade interna: como Ideia. [...] A soberania existe, portanto, por  
um lado, apenas como substância inconsciente, cega”. (Marx, 2005a, p. 43 e 45, grifos do  
autor).  
É importante destacar que a crítica marxiana à alienação política possui também um  
vínculo com o pensamento de Rousseau. Por um lado, o poder executivo, como um poder  
independente, passa a confrontar a vontade geral e deixa de ser uma “parte” a ela submetida;  
por outro, a vontade geral é reduzida à condição de um poder particular do Estado. Marx  
encontra a solução de tal problema seguindo os caminhos rousseaunianos: a partir do momento  
em que a constituição deixa de ser expressão real da vontade popular e se torna uma ilusão  
prática, o povo possui o direito de se dar uma nova constituição. (Marx, 2005a, p.76)  
Para Hegel (1997), o elemento democrático pode ser admitido apenas como elemento  
formal em um organismo Estatal, ou seja, “todos os indivíduos isolados deverão participar nas  
deliberações e decisões sobre os assuntos gerais do Estado porque todos são membros do  
Estado”, porém “na outra parte do elemento representativo se encontra o aspecto dinâmico da  
sociedade civil que só por intermédio dos deputados pode manifestar- se: exteriormente, pelo  
número dos seus membros, essencialmente pela natureza do seu destino e da sua atividade”.  
(Hegel, 1997, p. 283 e 282).  
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Marx se contrapõe a esta perspectiva hegeliana afirmando que esta é uma questão “que  
deriva da separação entre Estado político e sociedade civil”, e que o elemento democrático deve  
ser, antes, “o elemento real que dá a si mesmo, no organismo estatal inteiro, a sua forma  
racional” (Marx, 2005a, p. 132 e 130, grifos do autor). Dentro da constituição representativa,  
não se trata (conforme acredita Hegel) de determinar se a sociedade civil deve exercer o poder  
legislativo por meio de deputados ou todos singularmente; pelo contrário, se trata “[...] da  
extensão e da máxima generalização possível da eleição, tanto do sufrágio ativo como do  
sufrágio passivo.” (Marx, 2005a, p. 134-135).  
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A universalização da democracia como tarefa da revolução proletária: as lições de Marx e Engels  
É importante destacar que Marx se refere a um contexto muito particular e concreto:  
naquele momento, na Inglaterra e na França estava em jogo uma proposta de reforma política  
eleitoral referente à universalização do sufrágio; ou, de forma mais exata, referente às  
exigências em torno da concessão e extensão do sufrágio ativo e passivo (do direito de votar e  
também ser votado do sufrágio). Dadas as condições materiais existentes, o sufrágio universal  
se apresenta como o ponto mais próximo de encontro das esferas socioeconômica e política,  
como a única conexão existente entre a sociedade civil e o Estado (Pogrebinschi, 2009).  
Embora ainda operasse essencialmente no interior da problemática hegeliana, Marx já  
percebera a impossibilidade da emergência no Estado de uma “vontade geral”, pois a  
dominação da particularidade na sociedade civil-burguesa necessariamente estabelece a  
dominação da particularidade também do Estado3. Como vimos, a noção hegeliana de Estado é  
somente uma ilusão que falsifica as relações reais que os indivíduos são capazes de desenvolver  
entre si sem precisarem de mediação alguma. É uma aparência a camuflar a dominação de uma  
casta burocrática que, assim como todas as outras “corporações” da sociedade civil, não é uma  
“classe geral” nem é a efetiva portadora material da “vontade geral”, pois apenas está  
interessada em defender os seus próprios interesses particulares.  
É justamente na tentativa de superar este espírito burocrático-corporativo que Marx  
recupera uma democracia inspirada nas argumentações rousseaunianas do Contrato Social  
(Rousseau, 1999). Esse espírito burocrático-corporativo, particularista, somente pode resultar  
numa formação de uma “vontade de todos” (uma soma de interesses particulares, tal como  
atribuído por Rousseau), “[...] o que impede que a sociedade em seu conjunto, constituindo-se  
como vontade geral, possa se apropriar de fato do poder soberano”. (Coutinho, 2011, p. 60).  
Porém, esta retomada da problemática rousseauniana não se configura como um simples  
retorno. De certo modo, a solução proposta por Marx consiste em apontar contra Hegel a  
exigência que o próprio Hegel apontara contra Rousseau: “a de buscar determinações ainda  
mais concretas para a definição da vontade geral” (Ibidem).  
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3 Coutinho esclarece que “nessa etapa de sua evolução, Marx ainda não dera conta de uma determinação categorial  
que será depois uma de suas principais descobertas teóricas, ou seja, o fato de que a sociedade civil-burguesa,  
diferentemente do que supunha Hegel, não se divide apenas em corporações por ramo de atividade, mas também  
e sobretudo em classes sociais, que se constituem em função da diferente posição dos indivíduos no seio das  
relações de produção” (Coutinho, 2011, p. 59).  
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Douglas Ribeiro Barboza  
[...] não se trata de pressupor a sociedade civil-burguesa como algo “natural”,  
seja ao modo liberal-individualista, seja ao modo corporativo hegeliano, mas  
sim de transformar radicalmente (ou mesmo suprimir) essa sociedade, de  
forma que a exigência do predomínio da vontade geral não seja apenas um  
postulado moral, como em Rousseau, nem uma abstração imaginária, como  
em Hegel, mas sim algo que possa dispor de bases materiais efetivas.  
(Coutinho, 2011, p. 61).  
Netto (2004, p. 29) nos esclarece que o trânsito da análise jurídico-política à crítica  
social (à crítica da sociedade) não é levada às suas consequências na Crítica à filosofia do  
direito de Hegel, mas já é “um processo teórico metodológico perceptível [...] cujo  
aprofundamento extensivo e intensivo, nos anos seguintes, responderá precisamente pela  
emergência da teoria social marxiana”. Apesar da originalidade de Marx em transcender os  
limites da crítica anti-hegeliana “ao encaminhar a sua resolução para fora do político, ao impeli-  
la para o domínio do social” - não somente no eixo temático Estado/sociedade civil, mas  
também “na crítica à teoria hegeliana da representação, na funcionalidade da constituição, na  
concepção de soberania e na detecção das relações entre propriedade, trabalho e cidadania” -  
não podemos desconsiderar que o estado emergencial deste trânsito acarreta em muitas soluções  
insuficientes - como, por exemplo, a significação atribuída por Marx ao sufrágio universal e a  
consequente limitação da sua concepção democrática “que carece de uma crítica da sociedade  
burguesa moderna” (Netto, 2004, p. 30).  
400  
Contudo, sem desconsiderar essas limitações, é importante enfatizar a perspectiva de  
que o substrato ideo-político de Marx remetia à ideais democráticos-radicais, e a concepção  
marxiana de que a desalienação da sociedade civil deve levar à recuperação pela sociedade dos  
poderes alienados pelo Estado (ou a sua extinção), difere-se radicalmente da concepção liberal  
de que a sociedade civil (concebida por Marx como sociedade civil burguesa, baseada na  
exploração) é impensável sem o Estado e deve manter-se separada dele.  
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Ou seja, a formulação marxiana constitui-se numa crítica e superação democrática dos  
momentos de liberdades negativas individuais e de limitação do poder do Estado defendidos  
pelo pensamento liberal. A relevância desta construção de Marx se mostra não apenas em  
elucidar a realidade da contradição entre a sociedade e um Estado subordinado à propriedade  
privada (distante de representar o interesse geral), mas em demonstrar que, nessa contradição,  
o significado político do ser humano se separa de sua condição real como indivíduo privado, o  
que se constitui como um dos elementos fundamentais desta sociedade burguesa moderna, qual  
seja, a alienação política (Barboza, 2008).  
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A universalização da democracia como tarefa da revolução proletária: as lições de Marx e Engels  
A elevação do grau de radicalidade democrática no interior da tarefa de  
agrupamento das forças revolucionárias  
A inversão materialista da relação entre sociedade civil-burguesa e Estado e a  
descoberta da contraditoriedade interna ao Estado político (isto é, burguês) são as mais  
relevantes conquistas feitas por Marx a partir da crítica à filosofia de Hegel e se tornaram o  
ponto de partida que serão ulteriormente ampliados e mais claramente formulados em seus  
novos escritos. O seu esclarecimento teórico acerca das perspectivas da revolução alemã e sua  
maior clareza quanto às forças motrizes e aos objetivos da revolução, explicitaram para Marx  
as forças da democracia radical no interior da sua tarefa de agrupamento das forças  
revolucionárias. György Lukács (2007, p. 157) afirma que a concepção fundamental marxiana  
de que a revolução que se estava preparando na Alemanha seria democrático-burguesa, não  
sofreu modificações essenciais, “[...] mas a natureza, o método e os objetivos desta revolução  
aparecem neste momento de modo muito mais radical e concreto”.  
De acordo com o pensador húngaro, Marx desde o início considerou todas as medidas  
do regime “[...] exclusivamente do ponto de vista do fortalecimento e consolidação da  
consciência das forças de oposição liberais e, portanto, como contribuições involuntárias à  
causa da revolução democrática” (Lukács, 2007, p. 158). Todavia, os mesquinhos interesses  
materiais da burguesia estavam longe de se fazerem presentes nas concepções de Marx, mesmo  
quando este último ainda se situava na oposição democrático-burguesa. A tarefa permanecia a  
de unificação das forças revolucionárias, revolução esta que se situava na perspectiva  
democrático-burguesa. Porém, tão logo Marx percebe a incapacidade da burguesia alemã de  
fazer a revolução, começa a buscar aliados mais radicais, e necessariamente passa a ver na luta  
das desfavorecidas e oprimidas massas pobres populares a condição decisiva para levar a  
revolução alemã à vitória não somente na luta contra o absolutismo, como também “contra as  
debilidades, as hesitações e a tendência ao compromisso próprias do mundo filisteu” (Lukács,  
2007, p. 159)4. Elevando-se ao mais alto grau de radicalidade possível no quadro do  
democratismo jacobino, Marx, em sua posterior evolução político-filosófica, desenvolverá a  
tradição jacobina para além do horizonte burguês.  
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A tentativa de dar uma resposta mais concreta à exigência do predomínio da vontade  
geral que possa dispor de bases efetivas - e que não seja apenas um postulado moral (Rousseau)  
ou uma abstração imaginária (Hegel) é desenvolvida em Para a questão judaica, onde o  
principal alvo polêmico de Marx já não é Hegel, mas sim (mesmo que implicitamente)  
4 A esse respeito, ver também Marx (2010a).  
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Rousseau e seus discípulos jacobinos, de cujas propostas Marx procura sublinhar a sua  
diferença.  
Se, na Crítica à filosofia do direito de Hegel, Marx (2005a) demonstrara que o Estado  
moderno é expressão da alienação política do homem, e por isso esse Estado não pode superá-  
la; ao redigir A Questão Judaica, Marx (2000) critica as insuficiências da emancipação  
“política” (ou, poderíamos considerar, a instauração de liberdades democráticas formais) - cujo  
valor de sua defesa só se apresenta no contexto de um Estado de caráter essencialmente feudal,  
como o Estado prussiano na época. Ou seja, quando se avança para uma análise do significado  
das liberdades políticas nos Estados democráticos modernos (a Suíça e os Estados Unidos são  
os exemplos usados por Marx), é preciso submetê-los a uma crítica filosófica. Uma crítica que,  
ao reconhecer a afirmação da emancipação política do indivíduo no Estado capitalista, revele  
também os limites dessa emancipação, configurados na sua incapacidade de superar a alienação  
do ser humano nessa sociedade.  
Para Marx (2000, p. 23), onde o Estado político já atingiu seu verdadeiro  
desenvolvimento, o homem leva - não só no plano da consciência, mas também no plano da  
realidade - uma dupla vida: “[...] a vida na comunidade política, na qual ele se considera um  
ser coletivo, e a vida na sociedade civil, em que atua como particular; considera outros homens  
como meios, degrada-se a si próprio como meio e converte-se em joguete de poderes  
estranhos”. Na sociedade civil, o homem como um indivíduo real é apenas uma manifestação  
carente da verdade. No Estado, o homem - considerado como ser genérico - “[...] é o membro  
imaginário de uma soberania imaginária, acha-se despojado de sua vida individual real e dotado  
de uma generalidade irreal”. O desconhecimento da luta entre o interesse geral e o interesse  
privado, do divórcio entre o Estado político e a sociedade civil, nos oculta a percepção da  
contradição entre o membro da sociedade burguesa e sua aparência política, entre o bourgeois  
e o citoyen.  
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Assim, o limite essencial da proposta rousseauniana (e de seus discípulos jacobinos)  
residiria, para Marx, no fato de que a emancipação meramente “política” (como conquista da  
igualdade dos direitos políticos da cidadania), não é capaz de superar a cisão entre o  
particularismo do bourgeois e o universalismo do citoyen, pois ela transforma a vida política  
em um simples meio a serviço da vida civil-burguesa, e o homem como cidadão num servidor  
do homem como burguês egoísta (Löwy, 2002).  
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De acordo com Coutinho (2011, p. 61), “tal proposta só é capaz de afirmar o homem  
universal ou o predomínio da vontade geral no reino da abstração formalista, como um  
postulado apenas ético”, mantendo assim um insuperável e contraditório dualismo entre as  
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A universalização da democracia como tarefa da revolução proletária: as lições de Marx e Engels  
esferas do público e do privado, entre universal e particular, o que necessariamente irá desaguar  
“no colapso da vontade geral imaginária diante da irrupção do interesse privado”.  
As liberdades garantidas pelo Estado moderno são as liberdades individuais de cada  
qual perseguir interesses particulares próprios, sem se preocupar com os demais e com a  
comunidade. Isto é, a sociedade civil burguesa, ao adquirir a faculdade de se desenvolver por  
si mesma na esfera privada, instrumentaliza o Estado (em sua condição de esfera pública),  
convertendo-o num meio para garantir seus interesses particulares - os quais perdem seu caráter  
político, mas não são eliminados. Marx trata a questão ressaltando que a anulação política da  
propriedade privada (como a supressão - em alguns Estados norte-americanos - do aspecto  
riqueza para o direito de sufrágio ativo e passivo, por exemplo), não destrói a propriedade  
privada, mas sim, a pressupõe. Em outros termos, a emancipação política (ou seja, a revolução  
burguesa) pode apenas criar uma democracia formal, a qual, de acordo com Marx, proclama  
direitos e liberdades que não podem existir realmente na sociedade burguesa.  
Era preciso investigar o problema das relações entre essa emancipação política com a  
emancipação humana (a desalienação total do ser humano). Marx, então, propõe que a  
verdadeira emancipação universal, a única capaz de ultrapassar as contradições da sociedade  
civil burguesa, é a emancipação humana - uma “ultrapassagem dialética do conflito entre a  
existência individual sensível e a existência genérica dos homens” (Löwy, 2002, p. 97). Esta  
emancipação humana somente se processa quando:  
403  
[...] o homem individual real recupera em si o cidadão abstrato e se converte,  
[...], em ser genérico, em seu trabalho individual e em suas relações  
individuais, somente quando o homem tenha reconhecido e organizado suas  
próprias forças como forças sociais e quando, portanto já não separa de si a  
força social sob a forma de força política. (Marx, 2000, p. 42).  
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Marx faz uma “cerrada crítica aos direitos do homem, proclamados pela Revolução  
Francesa, momento histórico da completa emancipação política pela autonomização do Estado,  
de um lado, e a privatização dos indivíduos, de outro” (Frederico, 1995, p. 88), e trava uma  
polêmica (não explícita) com a utopia dos jacobinos (fiéis discípulos de Rousseau), ao mostrar  
que a tentativa de pôr o citoyen acima do bourgeois - mas conservando ao mesmo tempo as  
condições que reproduzem esse último na vida real - “conduz a um impasse, levando ao retorno  
da sociedade burguesa e ao consequente colapso do cidadão, tal como se manifestou claramente  
depois da queda dos jacobinos, com a reação termidoriana” (Coutinho, 1996, p. 129).  
Essa crítica de Marx à emancipação política como objetivo último da emancipação  
humana - ideologia jurídico-filosófica defendida pelo pensamento liberal - desvela a questão de  
que a necessidade da emancipação humana tanto “esbarra na existência do Estado político  
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enquanto órgão ainda visto como separado da sociedade civil” (Frederico, 1995, p. 100), quanto  
exige “a supressão dos fundamentos econômicas da sociedade civil e da alienação política: o  
dinheiro, o comércio, a propriedade privada" (Löwy, 2002, p. 97). Entretanto, não podemos  
considerar que Marx, ao buscar uma emancipação que supere os limites da emancipação  
meramente política, faça uma contestação radical de que essa simples emancipação política seja  
um progresso.  
Ou seja, ao propor a “emancipação humana” (expressão que logo depois será substituída  
por “comunismo”), Marx não está se opondo aos chamados “direitos do homem” ou à  
emancipação política, “mas sugerindo que eles devem ser dialeticamente conservados-  
superados através de uma forma de emancipação (ou de cidadania) ainda mais radical”; ou seja,  
a crítica de Marx ao modelo democrático de Rousseau não se efetiva devido ao fato deste ser  
democrático, mas sim ao fato deste se configurar como utópico, “por não contemplar as  
condições materiais que tornam possível a realização de uma ordem efetivamente democrática”  
(Coutinho, 2011, p. 62).  
Tratava-se, assim, de retornar o problema da construção da vontade geral de  
outro modo: um modo que implicasse não a repressão do privado pelo público  
(como em Rousseau e nos jacobinos) ou a coexistência falsamente superada  
de ambos (como em Hegel), mas sim a supressão das bases sociais – ou seja,  
da própria “sociedade civil-burguesa” (bügerlische Gesellschaft) – que  
reproduzem permanentemente a realidade do privado como móvel central da  
ação humana e condenam o público ao reino do imaginário. É na permanência,  
reprimida ou não, da sociedade civil-burguesa que reside a chave do enigma  
das aporias da vontade geral. (Coutinho, 2011, p. 62).  
404  
Nesta central questão política acerca da relação existente entre a emancipação política  
e emancipação humana, entre a revolução política e a revolução social, Marx, ao redigir a  
Introdução” à crítica da filosofia do direito de Hegel (escrito entre dezembro de 1843 e janeiro  
de 1844), argumenta que a emancipação política tal como efetuada pela Revolução Francesa -  
destinada a generalizar os direitos do indivíduo egoísta da sociedade civil através de uma  
revolução democrática sob a liderança da burguesia - lhe parece vergonhosamente anacrônica  
e insuficiente para a Alemanha de seu tempo, cuja situação social e política se configurava pelo  
despotismo de uma monarquia feudalizada e por uma burguesia frágil e incapaz de pôr-se à  
frente do processo revolucionário (Marx, 2005b).  
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Assim, para a realização na Alemanha daquilo que a emancipação política havia  
representado para a França e para a Inglaterra, exigia-se uma revolução social que, para tornar-  
se possível, necessitaria da existência de uma classe particular capaz de fazer valer seus  
interesses como se fossem os interesses universais. A possibilidade positiva da emancipação  
alemã reside, num segundo momento da Introdução, não mais naquela “humanidade sofredora”  
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A universalização da democracia como tarefa da revolução proletária: as lições de Marx e Engels  
como fora tratada nos escritos de 1843 (Marx, 2005a), nem mesmo no “povo” ou na “massa”,  
de acordo com a primeira parte da mesma Introdução; mas naquela “classe na sociedade civil  
[burguesa] que não seja uma classe da sociedade civil [burguesa]”; uma classe que, a partir da  
sua situação particular, é capaz de promover uma emancipação geral da sociedade, e que só  
poderá emancipar-se a si mesma e se emancipar de todas as outras esferas da sociedade se  
emancipá-las a todas: o proletariado (Marx, 2005b, p.155-156).  
A descoberta do comunismo operário em Paris e a sublevação dos tecelões silesianos  
foram os principais fatores para o “salto qualitativo” das formulações de Marx, cujas Glosas  
críticas apresentam uma significação crucial tanto com relação à sua evolução ideológica  
global, quanto à teoria da revolução.  
Marx (1995) introduz a diferença entre a luta voltada contra um determinado poder do  
Estado (a luta política) e a luta de classes entre o proletariado e a burguesia (a luta social). Sob  
esta contraposição se confirmou tanto a incapacidade da burguesia alemã para cumprir um papel  
social e político semelhante àquele que suas congêneres inglesas e francesas haviam à seu  
tempo assumido, quanto a maturidade da consciência do proletariado que, ao questionar o pilar  
básico da ordem social vigente (a propriedade privada ), revelaram o seu antagonismo com esta  
sociedade, mostraram a relação correta entre a economia e a política e identificaram  
precisamente a raiz dos males sociais e o caminho para a sua superação.  
405  
Na medida em que sua emancipação é a emancipação de toda a sociedade (pois não é  
apenas o fim de uma situação de opressão, mas o fim de toda a opressão), o proletariado, ao  
contrário da burguesia, resolve a tensão existente entre o particularismo e a universalidade, e  
afirma-se como agente social da mudança histórica, como elemento ativo da emancipação.  
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Deve-se admitir que a Alemanha tem uma vocação tão clássica para a  
revolução social quanto é incapaz de uma revolução política. Com efeito,  
assim como a impotência da burguesia alemã é a impotência política da  
Alemanha, assim a disposição do proletariado alemão - ainda que  
prescindindo da teoria alemã - é a disposição social daAlemanha. [...] Somente  
no socialismo pode um povo filosófico encontrar a sua práxis correspondente  
e, portanto, somente no proletariado o elemento ativo da sua libertação  
(Marx, 1995, p. 85, grifos nossos).  
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Opondo-se tanto à concepção de Estado como resultado de um pacto social (perspectiva  
liberal), quanto à compreensão deste como princípio superior de ordenamento da sociedade  
civil (concepção hegeliana), Marx demonstra que o Estado tem a sua raiz no antagonismo das  
classes sociais que compõe a sociedade civil. Ele é “a expressão ativa, autoconsciente e oficial”  
do atual ordenamento da sociedade, e, por isso, este Estado jamais encontrará nele mesmo e na  
organização da sociedade o fundamento dos males sociais (tendo em vista que os males sociais  
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são parte essencial da sociedade civil), mas apenas nas leis da natureza, na vida privada e na  
ineficiência da administração (Marx, 1995, p. 79-81).  
Assim, tenta demonstrar o equívoco em se tomar a esfera da política como princípio da  
intelegibilidade dos fenômenos sociais, pois esta esfera é apenas parte da totalidade social, é a  
razão fenomênica característica de uma perspectiva burguesa, da qual o intelecto político é  
incapaz de descobrir a fonte da miséria social, pois torna obscuras as suas raízes e falseia o  
conhecimento dos seus objetivos reais (Marx, 1995, p. 88).  
Por isso, a admissão da categoria da totalidade como decisiva implica, em sua  
concretude, admitir o trabalho como raiz ontológica do ser social e a perceber que a degradação  
da vida dos trabalhadores não é um mero “acidente de percurso”, mas um resultado ineliminável  
da forma das relações de trabalho; e, não por menos, é da própria natureza desta classe - de  
vocação universal - que emerge o fundamento da questão da revolução social como solução  
efetiva para a superação dos males sociais.  
Marx considera que a instauração de uma verdadeira comunidade humana tem como  
conditio sine qua non a realização de uma revolução socialista - ou, uma “revolução política  
com alma social” [a derrocada do poder existente e a dissolução das velhas relações]. E esta  
revolução é a um só tempo política e social, pois não é possível pensar em revolução sem  
combinar seus sentidos social e político (Marx, 1995, p. 91).  
406  
Ou seja, a perspectiva de uma revolução democrático-burguesa que se desenvolve numa  
revolução proletária (que se adensará no Manifesto Comunista), já se revela nas Glosas críticas  
de modo bastante claro. Este foi um aprendizado que Marx, e também Engels, tiveram com a  
Revolução Francesa, particularmente em seu momento jacobino. Em 1846, em um evento  
cartista na Inglaterra, Engels leu um texto em seu nome e no de Marx no qual afirma a  
necessidade de se conjugar o social e o político dentro de um entendimento político que não é  
em nada totalizante, embora seja autônomo (Engels, 1976a).  
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Considerados estes aspectos, poderíamos concluir que, se a política pode ser um  
instrumento nas mãos dos trabalhadores para destruir a velha máquina e preparar o terreno para  
a revolução social (sem, entretanto, avançar esses limites), uma revolução democrática não  
pode se resumir numa alteração profunda da sociedade sem a eliminação do poder político e  
das bases sociais as quais ele repousa, nem tampouco a simples derrubada de um poder político  
sem a dissolução da velha ordem social. A revolução democrática requer condições materiais  
para efetivar as transformações sociais capazes de permitir a ultrapassagem da democracia (que  
não se esgota numa determinada configuração institucional) e a construção da autêntica  
comunidade humana. Como negação da negação, o comunismo é “o momento efetivo  
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A universalização da democracia como tarefa da revolução proletária: as lições de Marx e Engels  
necessário da emancipação e da recuperação humanas para o próximo desenvolvimento  
histórico” (Marx, 2010b, p. 114).  
O comunismo na condição de suprassunção positiva da propriedade privada,  
enquanto [sic] estranhamento-de-si humano, e por isso enquanto apropriação  
efetiva da essência humana pelo e para o homem. [...] Ele é a verdadeira  
dissolução do antagonismo do homem com a natureza e com o homem; a  
verdadeira resolução do conflito entre existência e essência, entre objetivação  
e auto-confirmação, entre liberdade e necessidade, entre indivíduo e gênero.  
É o enigma resolvido da história [...]. (Marx, 2010b, p. 105).  
Assim como a “democracia é o enigma resolvido de toda a constituição”, o comunismo  
“é o enigma resolvido da história”. O comunismo “não é uma doutrina, mas um movimento; ele  
não parte de princípios, mas de fatos” (Engels, 1976b, p. 298); então, o comunismo é o  
“movimento total da história” que se completa no momento da verdadeira democracia. Em  
outros termos, o comunismo é a democracia referida não mais apenas aos princípios, mas sim  
às circunstâncias concretas; ele é a expressão empírica da verdadeira democracia. A verdadeira  
democracia é o que permite aos homens, por meio de sua atividade, revelar a essência  
comunista. Conforme esclarece Engels (1976a):  
Democracia é hoje comunismo. Qualquer outra democracia só pode existir  
ainda nas cabeças dos visionários teóricos que não se preocupam com eventos  
reais, na visão dos quais não são os homens e as circunstâncias que  
desenvolvem os princípios, mas os princípios desenvolvem-se por si. A  
democracia tornou-se o princípio proletário, o princípio das massas. As  
massas podem estar mais ou menos certas disso, do único significado correto  
da democracia, embora todos tenham pelo menos um sentimento obscuro de  
que a igualdade social dos direitos está implícita na democracia. As massas  
democráticas podem seguramente ser incluídas em qualquer cálculo do vigor  
das forças comunistas. E se as partes proletárias das diferentes nações se  
unirem essas estarão corretas em inscrever a palavra “Democracia” em suas  
bandeiras, uma vez que, com exceção daqueles que não contam, todos os  
democratas europeus em 1846 são mais ou menos comunistas de coração.  
(Engels, 1976a, p. 3)  
407  
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A identidade entre democracia e comunismo em Engels era estabelecida na medida em  
que a realização da igualdade política exigia como pressuposto a igualdade social. Por ser  
resultante da ação de um partido que se apoiava no proletariado, a democracia moderna nascida  
da Revolução Francesa de 1789 (da qual o comunismo francês e o cartismo inglês eram  
considerados como seu desenvolvimento histórico) era concebida não somente como um modo  
de organização político, mas, essencialmente como um movimento social depois do qual toda  
democracia puramente política se tornou um completo absurdo.  
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Desta forma, não era em relação à forma institucional adquirida pela democracia a partir  
da última metade do século XIX que Engels estabelecia a identidade com o comunismo.  
Estabelecia-se a identidade existente entre o princípio comunista da igualdade e o princípio  
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democrático de igualdade e entre o comunismo como movimento social e a democracia como  
movimento social. Isto não desconsidera o fato de que o movimento essencialmente  
democrático da classe trabalhadora vinha sendo, naquele período, mais ou menos subordinado  
ao movimento liberal dos burgueses. E, por isso, não menos importante era a necessidade de  
que, com essa identidade, o povo trabalhador pudesse ter a percepção - ainda não alcançada -  
da completa distinção entre liberalismo (onde o princípio eleitoral era acompanhado pelo voto  
censitário e a liberdade era reduzida à liberdade “perante a lei” nas condições de “desigualdade  
existente”) e a democracia (identificada com a emancipação das classes trabalhadoras, a  
liberdade do homem). (Engels, 1976c).  
O que garantia a confluência programática entre os movimentos democrático e  
comunista era uma reivindicação cartista: o sufrágio universal5. O cartismo, que sofrera um  
declínio entre 1843 e 1845, parecia retomar um segundo fôlego a partir de 1846, o que também  
influenciou o interesse de Marx pelo movimento durante o biênio seguinte. Tanto Marx quanto  
Engels passam a compreender o sufrágio universal como um momento da luta pela superação  
do Estado e da sociedade civil, uma consigna inseparável das liberdades políticas e das  
instituições representativas da soberania popular. É importante destacar que essa defesa do  
sufrágio universal não significa uma defesa da representação política, mesmo porque vimos que  
Marx, desde 1843, profere uma voraz crítica tanto à ideia de representação quanto ao poder  
legislativo (em geral) e ao parlamentarismo (em particular). O sufrágio universal funcionaria  
basicamente como técnica de escolha que não concebe em si princípios ou finalidades  
representativas (Pogrebinschi, 2009).  
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Consequentemente, dentro das reivindicações de ordem política acerca da substituição  
das instituições das monarquias despóticas (ainda restantes) ou da monarquia constitucional  
censitária (que se encontrava em crises), a democracia é vista como a reivindicação da  
libertação e da unificação nacionais dos povos oprimidos da Europa, como a efetivação da  
soberania popular e da supremacia da classe trabalhadora, que assume um conteúdo social ao  
considerar os meios para garantia da existência das categorias sociais que definem mais  
especificamente “o povo”. Trata-se de conquistar a democracia tanto quanto o comunismo; um  
discurso “democrático” que se torna uma constante nas formulações de Marx e Engels no  
período de 1845 a 1848 (Texier, 2005).  
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Não por menos, os esforços de Marx a partir deste período se concentrarão na crítica da  
sociedade burguesa, como campo da alienação do homem, e na crítica da economia política  
5 A esse respeito, cf. Bianchi (2007).  
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A universalização da democracia como tarefa da revolução proletária: as lições de Marx e Engels  
como forma dessa sociedade. Uma crítica que desvela a falsidade da relação entre liberdade  
negativa, igualdade e propriedade privada e demonstra o radical distanciamento entre o modo  
de produção capitalista e o modelo de contratualidade isenta de coerção. Em outras palavras,  
Marx não só percebe que a emancipação humana deve conter e superar as liberdades negativas  
presentes na emancipação política, como também deve possuir como requisito a eliminação da  
relação capital-trabalho como relação de exploração. Esta percepção ressalta não apenas o lugar  
do Estado como detentor do poder social, mas também o caráter central da relação capital-  
trabalho na construção das relações de poder (Barboza, 2008).  
Ao redigir a Ideologia alemã em colaboração com Engels, em 1845, Marx demonstra  
que uma verdadeira vontade geral (o homem como um ser prático conscientemente genérico)  
ainda não existe e não pode existir na sociedade capitalista consolidada pela Revolução  
Francesa e por seus desdobramentos napoleônicos. Não pode existir na consciência e na ação  
dos indivíduos “virtuosos” (tal como em Rousseau e nos jacobinos) ou no “Estado ético” e na  
“classe geral” de Hegel (Marx; Engels, 2007).  
Conforme nos esclarece Coutinho (2011), a construção concreta dessa vontade geral, a  
transcendência da divisão antagônica entre o público e o privado, da antinomia entre citoyen e  
bourgeois na realidade efetiva, somente é possível de se efetivar com a constituição de uma  
nova forma de sociedade, fundada na propriedade social dos meios de produção (no que  
posteriormente eles denominariam de “autogoverno dos produtores associados”); isto é,  
somente com a extinção da separação entre Estado e sociedade e com a eliminação do  
antagonismo de classes. O sujeito coletivo capaz de revolucionar o capitalismo, de realizar  
plenamente as promessas de emancipação contidas na modernidade é um típico produto da  
“sociedade civil-burguesa” moderna: a classe social que eles denominarão de “proletariado”.  
(Marx; Engels, 2007, p. 66-67).  
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O comunismo e a completa democratização da vida social  
Vimos até então que a teoria política elaborada por Marx no período anterior a 1848  
mantém uma estreita interlocução com a problemática da democracia, particularmente em sua  
versão rousseauniana. No período da redação do Manifesto do Partido Comunista - um  
programa teórico e prático encomendado a Marx e Engels, escrito no início de 1848 com o  
propósito de influenciar o processo revolucionário que se gestava em toda a Europa - o  
enfrentamento da questão democrática como momento essencial da revolução se mantém  
presente nas argumentações dos revolucionários alemães.  
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Na França, e em toda a Europa, a agitação política se tornava evidente em torno do ano  
de 1847. Mas Engels e Marx ressaltavam a importância em se distinguir a ativação da oposição  
na Alemanha daquela percebida para a França. Na Alemanha, o que estava na ordem do dia era  
a derrubada do antigo regime e de suas instituições políticas absolutistas, e, por isso, a luta pela  
emancipação política assume importância no contexto alemão, na qual a democracia seria um  
meio para a luta proletária, uma forma de simplificar o conflito de classe e tornar transparente  
o antagonismo que opunha burguesia e proletariado. Esta posição opunha-se à perspectiva dos  
verdadeiros socialistas” em recusar a integrar um movimento unificado contra o status quo e  
por uma profunda reforma política, o que, na visão de Marx e Engels, era uma tentativa de  
transportação mecânica do discurso comunista francês para um cenário social e político muito  
diferente.  
A diferença entre os comunistas e seus aliados democratas socialistas é que estes  
consideravam que as medidas políticas que visavam instaurar a democracia eram suficientes  
para melhorar a situação sócio-econômica das classes populares, enquanto os comunistas  
consideravam que a democracia era um meio para obtenção de medidas posteriores mais  
radicais, estas sim, responsáveis pela supressão da propriedade privada e pela conquista da  
emancipação social. As bases programáticas gerais dos comunistas e as diretrizes de ação  
particulares para alguns países foram explicitadas no Manifesto do Partido Comunista.  
Cabe aqui fazermos com que as propostas do Manifesto sejam analisadas em  
confluência com as elaborações formuladas por Engels em 1847, nos Princípios do comunismo,  
para melhor compreendermos essa união revolucionária do proletariado. Ao responder, na  
Pergunta 14, sobre a instauração de uma nova ordem social que eliminaria radicalmente os  
males sociais da ordem vigente, Engels (1975, p. 156) elucida que a abolição da propriedade  
privada - reivindicação principal dos comunistas, substituindo-a pela a utilização comum de  
todos os instrumentos de produção e a repartição de todos os produtos segundo acordo comum  
(a cunhada comunidade de bens) - é a expressão mais breve e eloqüente da transformação de  
toda a ordem social necessariamente resultante do desenvolvimento da indústria. A apropriação  
coletiva desta riqueza produzida só se efetiva através (e somente) da ação revolucionária da  
classe produtora (o proletariado) organizada em partido distinto, pois, devido a sua condição de  
“camada inferior da sociedade atual”, o proletariado “não pode erguer-se, pôr-se de pé, sem  
fazer saltar todos os estratos superpostos que constituem a sociedade oficial.” (Marx; Engels,  
1961, p. 30).  
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Mas Engels (1975) também alega que, da mesma maneira que não se pode, de um só  
golpe, fazer aumentar as forças produtivas já existentes na medida necessária para a edificação  
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A universalização da democracia como tarefa da revolução proletária: as lições de Marx e Engels  
do comunismo, a propriedade privada também não poderá ser abolida da mesma forma. Por  
isso, a revolução do proletariado se limitará a transformar a sociedade atual, e somente poderá  
abolir a propriedade privada quando estiver criada a massa de meios de produção necessária  
para isso (Engels, 1975, p. 157). Desta forma, o primeiro passo na revolução operária, como  
descrito no Manifesto, é “o advento do proletariado como classe dominante, a conquista da  
democracia” e, diante dos proletários em geral, a posição e o objetivo imediato dos comunistas  
“é o mesmo que o de todos os demais partidos proletários: constituição dos proletários em  
classe, derrubada da supremacia burguesa, conquista do poder político pelo proletariado”  
(Marx; Engels, 1961, p. 31 e 37).  
Podemos dizer que, se o “povo” da Crítica da filosofia do direito de Hegel já havia sido  
convertido em proletariado na sua Introdução; e se a verdadeira democracia ganha o seu escopo  
de conversão em comunismo principalmente nos Manuscritos econômicos-filosóficos (onde a  
questão da humanidade genérica passa a emergir); a partir do Manifesto consolida-se o  
amálgama da translação da verdadeira democracia ao comunismo, através dos quais se expressa  
e se explica a questão da emancipação plantada desde a Questão judaica.  
Todavia, essa democracia “seria totalmente inútil para o proletariado se ela não fosse  
utilizada imediatamente como meio para a obtenção de outras medidas que ataquem  
diretamente a propriedade privada e assegurem a existência do proletariado” (ENGELS, 1975,  
p. 158), e como consequência necessária das condições já existentes, eram então sugeridas - de  
acordo com o registro do Manifesto - dez “medidas” práticas para os “países mais avançados”,  
todas elas no sentido da extensão da democracia aos domínios econômico e social (Marx;  
Engels, 1961, p. 37).  
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Em outras palavras, é sugerido um programa democrático radical, onde as medidas  
propostas não se relacionam diretamente com a organização política do Estado (são políticas  
somente em sentido derivado). Dado o seu conteúdo socioeconômico, compreende-se (e  
assume-se as consequências disto) que “contra uma dominação de classe (burguesa) que  
viabiliza a satisfação de interesses minoritários e a exploração da maioria”, será necessária  
uma violação despótica do direito de propriedade e das relações de produção burguesas (Netto,  
2004, p. 79). Será necessária a aplicação de medidas que, do ponto de vista econômico, “[...]  
parecerão insuficientes e insustentáveis, mas que no desenrolar do movimento ultrapassarão a  
si mesmas e serão indispensáveis para transformar radicalmente todo o modo de produção”  
(Marx; Engels, 1961, p. 37).  
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Estas formulações nos trazem relevantes questões a serem consideradas. Primeiramente,  
a leitura feita por Marx e Engels sobre a possibilidade da revolução em solo alemão. No  
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Manifesto, a despeito da posição política da burguesia alemã, proclamava-se que a atenção dos  
comunistas deveria voltar-se para este país, onde o proletariado “era infinitamente mais  
desenvolvido que o da Inglaterra no século XVII e o da França no Século XVIII” e a iminência  
da revolução burguesa poderia ser o “prelúdio imediato de uma revolução proletária”. Ou seja,  
a particularidade da Alemanha exigia que o partido comunista lutasse “[...] de acordo com a  
burguesia, todas as vezes que esta age revolucionariamente contra a monarquia absoluta, a  
propriedade rural feudal e a pequena burguesia” (Marx; Engels, 1961, p. 46). Entretanto, sem  
esquecer que o triunfo da revolução burguesa não é a elevação do proletariado à classe  
dominante (conquista da democracia), mas sim apenas a conquista do poder político pela  
burguesia, em momento algum,  
[...] esse partido se descuida de despertar nos operários uma consciência clara  
e nítida do violento antagonismo que existe entre a burguesia e o proletariado,  
para que, na hora precisa, os operários alemães saibam converter as condições  
sociais e políticas, criadas pelo regime burguês, em outras tantas armas contra  
a burguesia, a fim de que, uma vez destruídas as classes reacionárias da  
Alemanha, possa ser travada a luta contra a própria burguesia. (Marx; Engels,  
1961, p. 46).  
Em segundo lugar, a concepção de que a referência feita pelos autores, no Manifesto,  
acerca do uso da violência política por parte do proletariado é estabelecida “[...] em função da  
ampliação maciça da participação efetiva dos trabalhadores na gestão socioeconômica, em  
função da ampliação das liberdades concretas” (Netto, 2004, p. 79). Pudemos observar, já em  
A questão judaica, que as críticas feitas à democracia moderna são referentes à limitação da  
democracia; ao seu caráter limitado de democracia política. Ou seja, não almejam a dissolução  
da democracia na sociedade futura, mas a sua realização integral, uma democracia que efetive  
a liberdade a partir da sua única possibilidade: a igualdade econômico-social.  
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De acordo com Coutinho (2011), Marx e Engels estavam convencidos de que a  
revolução comunista por eles defendida representava a oportunidade concreta de levar a cabo  
as promessas democráticas que a Revolução Francesa e, de modo geral, as revoluções  
burguesas dos séculos XVII e XVIII haviam proclamado, mas não cumprido.  
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Como vimos, a “emancipação política” (que é como o Marx de Sobre a  
questão judaica define os resultados da Revolução Francesa) devia ser  
completada – e não abandonada – pelo que, ainda sob a inspiração de  
Feuerbach, ele chamava então de “emancipação humana”. Essa emancipação  
recebe no Manifesto, como já em textos anteriores, o claro nome de  
comunismo. Ora, se a revolução proletária tem também como meta levar a  
cabo as promessas da Revolução Francesa, então ela deve ter uma relação  
positiva com a questão da democracia. (Coutinho, 2011, p. 68).  
Na construção de uma nova sociedade, onde as raízes de classe da democracia emergem  
claramente, a universalização da democracia implica uma direção de classe consciente: o  
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A universalização da democracia como tarefa da revolução proletária: as lições de Marx e Engels  
rompimento com os limites políticos da democracia é um projeto exclusivamente proletário  
(única classe para qual interessa a universalização da democracia) que supõe um período de  
transição no qual a democracia para a maioria comportaria mecanismos de coerção contra a  
minoria cuja dominação devia-se exatamente a esses limites políticos. Isto é, no que tange à  
propriedade e as relações de produção burguesas, a ampliação e o aprofundamento da  
democracia aos âmbitos econômico e social se revelam como estratégias de transição e  
consolidação da sociedade emancipada, de reapropriação, pela sociedade civil, dos mecanismos  
de gestão e direção da vida social, sob o custo de uma redução dos direitos democráticos para  
as parcelas da população cuja existência devia-se à exploração do trabalho alheio.  
Desvela-se, aqui, o ponto de ruptura no sentido em que Marx e Engels atribuíam à  
democracia na nova sociedade: a dominação política da burguesia e a vinculação dos interesses  
burgueses à democracia política denotam os limites desta democracia e a impossibilidade de  
que a sua evolução “natural” conduza à nova sociedade. A universalização da democracia seria  
uma atribuição da revolução proletária, na qual a legalidade restritiva da democracia ao plano  
político (como o direito à propriedade privada dos meios de produção, por exemplo) seria  
golpeada e seus beneficiários imobilizados, resultando na supressão de todas as limitações  
democráticas mediante a supressão das classes e dos antagonismos sociais (Barboza, 2008).  
Assim, ao considerarmos a introdução deste novo componente na dinâmica  
democrática - a dominância dos interesses de uma classe que quer erradicar as classes e seu  
regime - em consonância com as formulações anteriormente feitas por Marx (2009b) na Miséria  
da Filosofia - que as evoluções sociais deixarão de ser revoluções políticas quando se conformar  
uma ordem de coisas em que não existam mais classes e antagonismos entre classes -  
poderíamos concluir que o comunismo seria, assim, um estágio de desenvolvimento em que a  
supressão dos mecanismos coercitivos de poder político (logo, com a desaparição do Estado)  
decorrentes da completa democratização da vida social, permitiria a solução dos conflitos de  
interesse através de meios legítimos e pacíficos de negociação.  
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Considerações finais  
A partir das análises aqui apresentadas, pode-se afirmar que, no pensamento marxiano,  
a reivindicação democrática é a concretização, no âmbito da política, da urgência de extinção  
das situações de alienação, da criação de condições que façam emergir as autênticas  
personalidades, da verdadeira liberdade, e que a ampliação e aprofundamento da democracia  
aos âmbitos econômico e social revelam-se estratégias de transição e consolidação da sociedade  
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emancipada, de reapropriação, pela sociedade civil, dos mecanismos de gestão e direção da vida  
social.  
Apesar de não terem assistido ao desenvolvimento do processo de socialização da  
política, de não terem presenciado nenhuma forma de democracia comparável ao que passamos  
a entender por democracia após a II Guerra Mundial, Marx e Engels não se nutriram de total  
desprezo pelos aspectos democráticos da vida social de sua época. Mesmo ressalvando alguns  
aspectos “problemáticos” do ponto de vista da democracia nas formulações dos fundadores do  
socialismo científico, não se pode eliminar a consideração de que o pensamento marx-  
engelsiano, no seu conjunto, é essencialmente democrático, sob o qual a questão da democracia  
não se põe diretamente ou de maneira isolada, mas em relação com o problema das revoluções.  
Se, por um lado, Marx nos demonstra que a consideração do indivíduo igual/desigual  
exigido pela medida do trabalho faz com que, numa crítica à sociedade burguesa, não se possa  
separar teoricamente as questões da democracia e do socialismo (já que a questão do trabalho  
abrange não somente a desigualdade e a divisão econômica das classes, como também a  
exploração e a dominação); por outro, rechaça todas as concepções táticas e estratégicas de  
transição do capitalismo para o socialismo que possam vir a desaguar numa perda de autonomia  
da práxis revolucionária do movimento operário, afirmando que o Estado é explicado pelas  
relações sociais e suas contradições (as lutas de classe) e que a sociedade socialista - produto  
da ação autônoma dos trabalhadores - será uma obra da revolução, na qual o Estado (no sentido  
de máquina burocrática de dominação de classe) será somente um meio, uma ferramenta dos  
trabalhadores no período de transição socialista à sua fase superior o comunismo (Barboza,  
2008).  
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Pode-se afirmar, então, que o pensamento de Marx e Engels é essencialmente antiestatal  
e radicalmente democrático, pois busca realizar - também na esfera da política - o homem total,  
eliminando a alienação política, o monopólio dos mecanismos de poder e de decisão política  
por uma pequena parcela da população, que se utiliza da aparente universalidade do Estado para  
impor seus interesses particulares sob o conjunto da sociedade (monopólio este que está  
intimamente articulado com a necessidade do capital - para a sua valorização e acumulação  
crescentes - de restringir as decisões fundamentais da vida social a uma parcela mínima da  
sociedade).  
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