DOI 10.34019/1980-8518.2023.v23.41525  
Estado, capitalismo dependente e racismo no  
Brasil: considerações teórico-metodológicas  
State, dependent capitalism and racism in Brazil: theoretical-  
methodological considerations  
Ana Paula Ornellas Mauriel*  
Resumo: Este artigo tem como objetivo  
apresentar uma aproximação teórico-  
Abstract: This paper aims to present a  
theoretical and methodological approach to the  
themes of the State and dependency. It takes the  
dependent capitalism category and the racial  
question as a guide for analysis to understand  
the constitution of the historical-concrete  
particularities of the State under our economic-  
social formation. Fruit of theoretical research  
based on a bibliographic review, the text starts,  
in the first item, from the Marxist debate on the  
State, and then points out elements of the  
dependent character of Latin American States.  
Finally, it explains the main determinations of  
our socio-economic formation as constitutive  
conditions of the socio-historical formation of  
the State and of the forms of domination in  
Brazil, and concludes by showing the centrality  
of racism in the state's action to maintain  
dependency.  
metodológica com os temas do Estado e da  
dependência, tomando a categoria capitalismo  
dependente e a questão racial como guias de  
análise para entender a constituição das  
particularidades histórico-concretas do Estado  
sob a nossa formação econômico-social. Fruto  
de pesquisa teórica com base em revisão  
bibliográfica, o texto parte, no primeiro item, do  
debate marxista do Estado para, em seguida,  
apontar elementos do caráter dependente dos  
Estados latino-americanos. Por fim, explicita as  
principais determinações da nossa formação  
econômico-social como condições constitutivas  
da formação sócio-histórica do Estado e das  
formas de dominação no Brasil, e conclui  
mostrando a centralidade do racismo na atuação  
estatal para manutenção da dependência.  
Palavras-chaves:  
Estado;  
Capitalismo  
Keywords: State; Dependent capitalism;  
dependente; Racismo; Formação econômico-  
social brasileira.  
Brazilian economic and social formation.  
Recebido em: 01/07/2023  
Aprovado em: 17/08/2023  
*
Assistente Social. Doutora em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Pós-  
Doutora em Serviço Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Professora Associada da Escola  
de Serviço Social da Universidade Federal Fluminense (UFF). ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7348-7898  
Revista Libertas, Juiz de Fora, v. 23, n. 2, p. 307-328, jul./dez. 2023. ISSN 1980-8518  
Ana Paula Ornellas Mauriel  
Introdução  
O objetivo desse artigo é trazer elementos que tornem possível o entendimento das  
particularidades do Estado brasileiro na dinâmica contraditória do capitalismo dependente no  
Brasil. O intuito é alimentar os debates que têm sido feitos a muitas mãos, no âmbito do Serviço  
Social, e contribuir para desmistificar a realidade concreta na qual atuamos como assistentes  
sociais e, portanto, como sujeitos que compõem parte dos contraditórios mecanismos de  
dominação do Estado. Haja vista que, ao ocuparem os espaços ocupacionais que têm lugar no  
Estado no Executivo, Legislativo e no Judiciário assistentes sociais atuam na formulação,  
no planejamento e na execução de políticas públicas nas mais diversas áreas, inspirados num  
projeto profissional emancipatório, na perspectiva da defesa e na ampliação dos direitos da  
classe trabalhadora.  
O Serviço Social brasileiro tem seus fundamentos calcados em um projeto profissional  
radical, inovador e crítico, que adquire materialidade em um conjunto de regulamentações1,  
entre as quais as Diretrizes Curriculares para formação profissional, que tem como eixo  
articulador de seus conteúdos a questão social. O referido documento destaca que os processos  
de trabalho em que se insere o/a profissional de Serviço Social são determinados “[...] pelas  
configurações estruturais e conjunturais da questão social e pelas formas históricas de seu  
enfrentamento, permeadas pela ação dos trabalhadores, do capital e do Estado, através das  
políticas e lutas sociais” (ABEPSS, 1996, p.5)  
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Ao se entender a questão social a partir dos fundamentos principais dados por Netto  
(2001) e por Iamamoto (2001), resumidos por Castelo (2021) como um triplo vetor da seguinte  
forma: pela relação entre capital e trabalho, calcada na exploração, na alienação e na  
subordinação da força de trabalho no modo de produção capitalista; pelas lutas de classe de  
trabalhadores/as contra as sequelas da exploração pela via de reformas ou pela supressão do  
modo de produção capitalista por vias revolucionárias; pelas múltiplas formas de atuação do  
Estado burguês para enfrentar a questão social, lidando com suas expressões e com os conflitos  
advindos dela, atuando na manutenção da ordem pela via da dominação de classe entende-  
se que o Estado é parte desses elementos fundamentais.  
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O debate sobre o Estado brasileiro tem destaque no âmbito das Diretrizes Curriculares  
da ABEPSS, no Núcleo de Fundamentos da Formação Sócio-Histórica da Sociedade Brasileira,  
que remete ao conhecimento da constituição econômica, social, política e cultural da sociedade  
1 Podemos citar como as mais relevantes: Código de Ética Profissional (1993); Lei de Regulamentação da Profissão  
(1993); e as Diretrizes Curriculares da formação acadêmica (ABEPSS, 1996; MEC-SESU/Comissão de  
Especialistas, 1999; MEC-SESU, 2001).  
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Estado, capitalismo dependente e racismo no Brasil: considerações teórico-metodológicas  
brasileira, na sua configuração dependente, urbano-industrial, nas diversidades regionais e  
locais, articulada com a análise da questão agrária e agrícola. De acordo com as orientações  
pedagógicas ali sugeridas, o Estado brasileiro pode ser entendido como parte dos fundamentos  
da formação sócio-histórica da sociedade brasileira e, para ser analisado, deve-se considerar:  
A constituição do Estado brasileiro, seu caráter, papel, trajetória e as  
configurações que ele assume nos diferentes momentos conjunturais, seus  
vínculos com as classes e setores sociais em confronto. Trata-se, portanto, de  
apreender as relações entre Estado e Sociedade, desvelando os mecanismos  
econômicos, políticos e institucionais criados, em especial as políticas sociais,  
tanto no nível de seus objetivos e metas gerais, quanto no nível das  
problemáticas setoriais a que se referem (ABEPSS, 1996, p.11).  
Contudo, seus conteúdos também estão organicamente ligados a componentes do  
Núcleo de Fundamentos Teórico-Metodológicos da Vida Social, que, partindo do trabalho  
como elemento fundante, visa a compreender, entre outros elementos, a configuração da  
sociedade burguesa em suas especificidades, no que se refere à divisão social do trabalho, à  
propriedade privada, à divisão de classes, a suas relações de exploração e dominação, a suas  
formas de alienação e de resistência.  
Considerando que o pressuposto central das diretrizes curriculares é a permanente  
construção de conteúdos teóricos, éticos, políticos e culturais para a intervenção  
profissional nos processos sociais para que estejam organizados de forma dinâmica, e  
considerando que a própria apreensão do real é uma apreensão histórica, teórico-conceitual,  
sensorial, a concretude do marxismo vai além da tangibilidade, em uma realidade que está em  
constante movimento. Dessa forma, entendemos que o processo de renovação da profissão não  
pode ser considerado apenas um momento histórico já realizado, cristalizado nesse conjunto  
teórico articulado.  
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A intelectualidade do Serviço Social e de seus parceiros de áreas afins à profissão têm  
reivindicado redirecionamentos críticos no campo do trabalho e da formação profissional,  
mostrando que as Diretrizes necessitam de incorporar novas determinações do real,  
essencialmente a questão racial, que deve ser apreendida como um eixo estruturante das  
relações capitalistas em sua totalidade histórica e na particularidade da formação brasileira  
(Elpídio; Valdo, 2022). E, em particular, no que se refere aos debates sobre o Estado, mostra-  
se necessária uma análise racializada da formação sócio-histórica centrada na divisão  
sociorracial do trabalho (Silva, 2021).  
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Nesse sentido, o texto também é fruto desse movimento coletivo de reflexões teóricas e  
de amadurecimentos que partiram de debates, ao ministrar disciplinas sobre Estado e políticas  
sociais no âmbito da Graduação e da Pós-Graduação, de participação no grupo interinstitucional  
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sobre Capitalismo Dependente e Questão Social no Brasil, em curso desde 2018, além das  
revisões bibliográficas resultante de pesquisa do pós-doutoramento.  
Partindo desses acúmulos coletivos, corroboramos com Castelo (2021), ao somar às  
determinações da questão social citadas, as dimensões das expropriações, das colonizações e  
das opressões, neste artigo, tratamos, particularmente, do racismo, como estrutural e  
estruturante das relações sociais capitalistas, o que reitera ainda mais a importância dos estudos  
sobre o Estado no âmbito na formação profissional.  
O tema do Estado, da dependência e do racismo tem estreita ligação com o presente,  
com o papel do Estado brasileiro sob a radicalização neoliberal e a financeirização no contexto  
pós-crise 2008, de sua atuação violenta e crescentemente militarizada na gestão da crise que  
avança sobre a população negra e pauperizada. A análise dos avanços e dos entraves vividos na  
conjuntura atual, assim como das perspectivas futuras pressupõe uma cuidadosa recuperação  
do nosso passado e das marcas deixadas pela nossa formação econômico-social para  
entendermos o reacionarismo, a violência, o racismo estrutural, o machismo, a lgbtfobia, enfim,  
várias outras violências materiais e simbólicas que se manifestam no atual padrão de reprodução  
do capital.  
Sob essa perspectiva, o primeiro aspecto para pensar o Estado brasileiro é que ele é  
essencialmente um Estado capitalista. Nesse sentido, parte-se do método materialista histórico-  
dialético, recorrendo à obra marxiana e a autores da tradição marxista, para os quais o Estado  
não pode ser entendido por si mesmo, por suas próprias instituições e aparatos, mas pelas  
articulações com as relações de dominação e de poder entre as classes sociais que se organizam  
nas formas produtivas, a partir de relações sociais, políticas e culturais em luta no movimento  
histórico.  
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Outro aspecto fundamental é que o Estado brasileiro é um Estado dependente e deve ser  
pensado a partir das complexas condições constitutivas e determinações próprias que advêm do  
desenvolvimento capitalista desigual e combinado da América Latina e que se expressam por  
meio das lutas de classe nessa formação econômico-social concreta. Ou seja, devemos entender  
a forma particular pela qual o desenvolvimento capitalista é materializado no continente latino  
americanoe o Brasil é parte desse continente. Entende-se essa condição histórica dependente  
regional como fundamento para entender as condições constitutivas desse Estado dependente  
(Granato, 2021).  
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Netto (2006) assinala como desafio teórico a pesquisa das diferencialidades histórico-  
culturais, pois o problema teórico estaria justamente em empreender análises de formações  
sociais específicas e observar quais os determinantes que, em tais formações, tencionam a  
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concretude social.  
Nesse sentido, um terceiro aspecto da análise para entender a natureza sócio-histórica  
do Estado brasileiro requer que consideremos nossa formação econômico-social, partindo do  
legado colonial, observando a transição para o capitalismo dependente, passando pelo  
desenvolvimento do capitalismo no âmbito da formação econômico-social brasileira,  
considerando as lutas e as resistências que acompanham esses processos, como condições  
constitutivas do Estado e das formas de dominação constituídas no Brasil.  
O texto se divide, além da introdução e conclusões, em três partes, que apresentam  
considerações teórico-metodológicas nessas três dimensões de análise do Estado, ainda que seja  
em um nível mais conceitual e abstrato. Na primeira seção, descreve-se o Estado com base na  
tradição marxista; na segunda, analisa-se a questão do Estado, da dependência e do racismo; na  
terceira, caracteriza-se o Estado brasileiro a partir da formação econômico-social.  
O Estado brasileiro a partir dos pressupostos da tradição marxista  
Conforme já colocado na Introdução deste artigo, o primeiro aspecto a se considerar  
acerca do Estado brasileiro reside em constatar o fato de que ele é essencialmente um Estado  
capitalista. Nesse sentido, a partir do método materialista histórico-dialético, recorreu-se à obra  
marxiana e a autores da tradição marxista, para os quais o Estado não pode ser entendido apenas  
por si mesmo, por suas próprias instituições e aparatos, mas pelas articulações com as relações  
de dominação e de poder entre as classes sociais que se organizam em formas produtivas, com  
base nas lutas sociais do movimento histórico.  
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Foi a partir das contribuições marxiana e marxista que surge uma visão crítica ao Estado  
Moderno e a concepção liberal e burguesa de democracia, pois, para Marx, Estado e sociedade  
civil possuem uma natureza histórica e não fazem parte de nenhum tipo de “natureza humana”  
eterna e imutável, como pressupunham os contratualistas. Entre os principais pilares dessa  
crítica está a afirmação de que o poder político tem por fundamento a dominação de uma classe  
sobre a outra para controle da propriedade privada (Marx; Engels, 2007). E mesmo a essência  
dessas relações de classes é constituída historicamente e precisa ser explicada sob a perspectiva  
histórica.  
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O Estado é visto como resultante do desenvolvimento econômico, ligado,  
necessariamente, à divisão da sociedade em classes, à diferenciação da posição dos homens  
(principalmente) nas relações sociais de produção, quando começa a exploração de classes e os  
conflitos entre elas. A partir daí, a classe que detém o controle da propriedade produtiva (terra,  
meios de produção, excedente), afirma seu poder sobre todos os outros grupos e classes, se  
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estabelece juridicamente (com regras e leis) e culturalmente, para justificar seu domínio  
(ideologias dominantes) (Marx; Engels, 2007).  
Marx recorre ao estudo concreto do Estado burguês desde a assim chamada acumulação  
primitiva, apresentando como os processos históricos clássicos de expropriação dos meios de  
subsistência e de acesso à terra (meio de produção) ocorrem simultaneamente às conquistas dos  
direitos burgueses (de proteção aos contratos e às propriedades). Nessa fase inicial de formação  
do capitalismo o papel violento do Estado se dá nos “momentos em que grandes massas são  
despojadas súbita e violentamente de seus meios de subsistência” (Marx, 2017, p. 787), quando  
já se forma uma massa de trabalhadores reserva para o mercado de compra e venda da força de  
trabalho assalariada que se formava.  
Ainda acionando os mecanismos de expropriação, Marx indica o sistema colonial como  
um dos processos que tornou possível a formação do capitalismo na Europa. De acordo Clovis  
Moura (1994), a colonização teve por base um discurso racista que serviu de alicerce para o  
advento e estruturação do capitalismo, sendo que a subjugação dos povos africanos na forma  
da escravidão foi fator fundamental para que os países colonizadores da época e outros que com  
eles tinham relações comerciais acumulassem riquezas e, depois perpetuassem as formas de  
dominação exercida através de uma economia criada com essa exploração escravista.  
Importante ressaltar que o discurso de superioridade europeia foi instrumentalizado para  
fortalecer as potências da época legitimando a escravidão e dando suporte ao comércio  
triangular entre Europa, África e as Américas colonizadas, reforçando uma nova economia  
baseada essencialmente no comércio e utilização de mão de obra escravizada africana e  
indígena. Conforme Góes:  
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[...] as Américas passaram a ser concebidas como um meio de crescimento de  
riquezas para as burguesias europeias, tanto de mão de obra quanto de  
quantidade de ouro e prata. Mais tarde, serão outras mercadorias que vão  
requerer braços para sua produção, como, por exemplo as plantações  
exponenciais de cana-de-açúcar, a extração de diamantes e, mais à frente, a  
produção do café e da borracha no Brasil (Góes, 2021, p.35).  
Em O Capital, Marx, ao delinear os fundamentos da sociedade capitalista, revela o  
“esqueleto que sustenta o Estado burguês” (Gruppi, 1986, p.28), ou seja, existem formas  
específicas dessa dominação de classe se manifestar na sociedade burguesa, que a diferencia  
política e juridicamente das sociedades anteriores. A sociedade civil burguesa, que tem como  
marco político a Revolução Francesa de 1798, liberta-se dos entraves da aristocracia feudal, o  
que lhe permite acionar, de forma plena, os meios de produção capitalistas e o mercado. Assim,  
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Estado, capitalismo dependente e racismo no Brasil: considerações teórico-metodológicas  
regida pela lógica da acumulação do capital, lança milhares de seres humanos a uma situação  
de pauperismo extremo, ao gerar e reproduzir uma superpopulação relativa2.  
O Estado burguês teria um papel na regulação dessas relações sociais de produção,  
intervindo antes, ainda na acumulação primitiva, cuja violência faz emergir o proletariado e, ao  
mesmo tempo, a concentração de propriedade nas mãos de grupos burgueses, e depois a  
generalização de regras na compra e venda da força de trabalho, no controle dessa população e  
na reprodução da superpopulação relativa (Brunhoff, 1985).  
O Estado burguês nasce de uma determinada configuração de classes em luta, para  
representar os interesses da classe burguesa que se torna paulatinamente dominante, mas se  
coloca como representante de toda a sociedade. Nesse sentido, o Estado se apresenta com uma  
autonomia relativa sobre a sociedade, em nome dos interesses dominantes. Isso significa dizer  
que o Estado é, essencialmente, dominação de classes, mas também condensação das relações  
de poder e uma forma política de violência concentrada e de relações que conformam uma  
comunidade ilusória (Osorio, 2019).  
Marx e Engels percebem que essa separação entre Estado e sociedade tem uma  
especificidade no Estado Burguês: a igualdade jurídica, que conforma a base da cidadania  
moderna. Com isso, a separação entre Estado e sociedade característica do capitalismo, entre  
proprietários dos meios de produção e vendedores da força de trabalho requisita, como condição  
de sua existência, relações jurídicas que tomem uns aos outros como indivíduos livres e iguais.  
É isso que permite ao Estado se colocar como representante do conjunto de cidadãos, pois  
fortalece essa dominação legítima sobre a sociedade. Por isso, a representação burguesa do  
Estado (filosófica, teórica e culturalmente) aparece como sendo do “povo”, de uma  
coletividade, ou seja, uma expressão do conjunto dos cidadãos, de uma vontade comum.  
Para Marx, todavia, essa relação é aparente. O Estado se apresenta, assim, na sua  
dimensão visível como um possível garantidor dos direitos sociais e do trabalho, da igualdade  
e da liberdade. Contudo, essa aparência não é falsa, pois tem uma base real. Essas relações  
jurídicas devem garantir que ambos (produtores diretos e proprietários) sejam politicamente  
incorporados sob a figura de cidadãos nas relações sociais de produção, como se fossem livres  
e iguais. Essas condições de liberdade e igualdade ganham base real no processo de troca.  
No capítulo 2 do livro I de “O Capital”, Marx aponta como a circulação é o lugar por excelência  
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2 No capítulo XXIII do livro I, observando o movimento de acumulação do capital, Marx diferencia e classifica o  
conjunto de expropriados entre os segmentos que estão ocupados (trabalhando para os capitalistas), um exército  
industrial de reserva (que está expropriado e em condições de entrar, a qualquer momento, nas relações  
capitalistas de produção), e outros segmentos “reservas” de força de trabalho entendidas por Marx como uma  
superpopulação relativa (dividida em três grupos: latente, flutuante e estagnada) (Marx, 2017).  
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Ana Paula Ornellas Mauriel  
da liberdade e da igualdade, porque apenas na troca os indivíduos encontram correspondência  
como proprietários de algo (de meios de produção ou de sua própria força de trabalho)3 (Marx,  
2017).  
Essa circulação é funcional e necessária, pois permite que a dominação de classe apareça  
mascarada como expressão do interesse geral. Isso é possível, porque a produção da mais-valia  
não ocorre na circulação, mas na produção, ela só se realiza na circulação, na compra e venda  
de mercadorias. Por isso, “[...] a opressão, no capitalismo, ao contrário do escravismo ou do  
modelo servil, se esconde. Há uma ilusão de que o trabalhador é livre, porque escolhe quem o  
explorará” (Mascaro, 2016, p.156).  
Nesse sentido, ao se apresentar como uma instituição alheia ao domínio econômico do  
capital sobre o trabalho, o Estado alimenta a ficção real capitalista de um mundo no qual todos  
os indivíduos são livres e iguais, regidos por um árbitro neutro. Tal ficção se expressa por meio  
da democracia burguesa.  
De acordo com Osorio (2019), entre as inúmeras particularidades do Estado na  
sociedade capitalista, ele destaca quatro, que se caracterizam como úteis para fins da síntese  
aqui proposta: 1) a primeira está na capacidade de o Estado ser a única instituição capaz de  
apresentar interesses particulares da classe dominante (em suas diferentes frações como bloco  
no poder) como interesses de toda a sociedade; 2) a segunda é que o Estado sintetiza valores e  
costumes compartilhados, projeta rumos comuns e gera um sentido de comunidade  
(normalmente identificado nacionalmente, distinto da identificação de classe ou das opressões);  
3) a terceira está no fato do Estado condensar todas as redes e relações de poder nessa sociedade,  
tornando-se o centro do poder político (assim, as lutas de classe em torno do Estado não  
expressam a totalidade da política, mas centralizam forças políticas em luta nessa sociedade);  
4) por fim, a quarta concerne ao papel do Estado na reprodução social em todos os campos da  
vida, material e simbólico.  
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Nesse sentido, as contribuições de Gramsci são valiosas, pois ele buscou compreender  
como a dominação de classe se convertia em aceitação por parte das classes subalternas.  
Partindo das formulações marxianas e leninianas, observando particularidades históricas  
concretas de seu tempo, Gramsci entende que, a partir de determinado estágio do  
desenvolvimento capitalista, aquilo que ele considera “sociedade política” ou esfera  
estritamente estatal se torna insuficiente para manter a dominação de classe, requerendo uma  
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3
Igualdade, porque são possuidores que trocam mercadoria por mercadoria, equivalente por equivalente.  
Liberdade, porque são atos de sua vontade e os contratos de compra e venda são expressões legais das vontades  
de ambas as partes. Propriedade, porque cada um dispõe do que é seu (seja bens seja força de trabalho).  
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Estado, capitalismo dependente e racismo no Brasil: considerações teórico-metodológicas  
complexa rede de relações que passa a ser realizada no âmbito daquilo que se concebe como  
sociedade civil (organismos cuja associação ocorre voluntariamente), que passa a ser  
incorporada ao que Gramsci entende por Estado Integral, pois,nessa dimensão,também se  
organiza a dominação (Liguori, 2007).  
Com o imperialismo, nova fase de “colonização” do mundo4, surge um novo conjunto  
de determinações econômicas que marcam o processo de mudança do Estado e alteram toda a  
sua anatomia, tanto no que se refere ao seu aparato jurídico-militar quanto na sua atuação que  
incorpora funções realizadas pelos aparelhos privados na sociedade civil.  
A relação Estado-sociedade pode ser entendida, portanto, como uma “relação dialética  
de unidade-distinção entre Estado e sociedade civil (em todos os sentidos, econômica e não)”  
(Liguori, 2007, p.18), sendo esta distinção entre estrutura e superestrutura apenas metodológica,  
mas não orgânica. Ou seja, o Estado é um movimento formado por um centro representado na  
sociedade política, que é composta por seus aparatos executivo-burocráticos e jurídico-  
militares, e se dissemina pela sociedade, representada nas associações, organizações da vida  
civil, como escolas, igrejas, partidos políticos, entidades filantrópicas, sindicatos, etc.; que  
servirão de palco para as lutas de classe, para lutas contra as opressões e, ainda, como trincheiras  
daquilo Gramsci define como “guerra de posição”5.  
Há um entendimento de que as formas de dominação a partir do capitalismo monopolista  
e as lutas contra esse processo complexo de dominação ocorrem, também, por fora das  
instâncias políticas formais do Estado (sociedade política), pois as frações burguesas não agem  
unicamente pela via dos aparelhos do Estado. Ou seja, as mediações do Estado no processo de  
dominação não ficam restritas aos aspectos jurídicos e legais, mas também são respaldadas por  
construções de consensos nos organismos da sociedade civil.  
315  
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Por isso, para Gramsci, o Estado Integral produz o conformismo, tanto por meio da força  
quanto pelo convencimento, agindo com essas duas estratégias simultaneamente, pois o  
consenso é fundamental para que a coerção seja legitimada, naturalizada, justificada ou mesmo  
considerada inevitável (Gramsci, 2007). Com o desenvolvimento expansivo do capitalismo e a  
complexificação das funções do Estado, o consenso passa a ser cada vez mais importante,  
ê
4Ao considerar os traços típicos do imperialismo, Lênin aponta que o capital financeiro e a formação de trustes  
não atenuam, ao contrário, exacerbam a diferença de desenvolvimento dos diversos componentes da economia  
mundial, haja vista que “o capitalismo cresce mais rapidamente nas colônias e nos países ultramar. Entre eles  
surgem novas potências imperialistas (o Japão). A luta entre os imperialismos mundiais se agrava” (Lenin, 2012,  
p.134).  
5 “Guerra de posição significa, então, guerra de trincheira [...] ou seja, é preciso identificar os gânglios essenciais  
da vida social e estatal e levar adiante uma política que abarque toda a sociedade, que leve em conta toda a  
complexa articulação da sociedade” (Gruppi, 1986, p.80).  
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porque a coerção também aumenta. Gramsci utiliza o termo hegemonia para definir essa  
estratégia burguesa de dominação, como resultado da atuação desse Estado Integral, mas indica  
que a classe trabalhadora deve construir uma hegemonia própria.  
O consenso, para Gramsci, é produto de uma ação social deliberada e politicamente  
construída. Daí o entendimento de que, tanto na sociedade política quanto na sociedade civil,  
constroem-se práticas que visam à obtenção de “educar” as classes subalternas, por meio da  
disseminação de ideias, valores e visões de mundo, mas também usando a coerção quando  
necessário. Mas este consentimento não significa uma submissão total e passiva por parte das  
classes subalternas que, embora possam considerar inviável uma transformação social,  
adquirem confiança de que podem conquistar reformas, dentro dessa ordem, e, por isso dão seu  
apoio (Granato, 2021).  
Entretanto, o Estado possui particularidades espaço-territoriais em um determinado  
tempo histórico. Considerando esse pressuposto, o Estado apresenta instituições e aparelhos  
que são dinâmicos historicamente, suas funções variam de acordo com a correlação de forças  
dos conflitos sociais e com as contradições existentes no próprio capitalismo (Mascaro, 2013).  
Isto nos liga ao próximo elemento, para pensar o Estado brasileiro. Somos um Estado  
dependente.  
316  
Estado, dependência e racismo  
O Estado dependente é, ao mesmo tempo, capitalista, pois se desenvolveu em condições  
constitutivas que têm por base o desenvolvimento capitalista, mas sob a condição de  
dependência. Assim, entender a dependência significa entender as particularidades do processo  
de formação econômica e social da América Latina e do Brasil, o que não significa dizer apenas  
que se trata de uma generalização distinta daquela que torna peculiar a produção e a reprodução  
capitalista de modo geral. Trata-se de considerar formas particulares, com suas devidas  
especificidades constitutivas, que regem a reprodução do capital nas Economias dependentes,  
no marco do desenvolvimento desigual e combinado do capitalismo como sistema mundial.  
Nessa dimensão de análise é fundamental entender que o Estado deve ser considerado  
com base nas complexas condições constitutivas e determinações próprias advindas do  
desenvolvimento capitalista desigual e combinado da América Latina e que se expressam por  
intermédio das lutas de classe nessa formação econômico-social concreta. Ou seja, nessa  
dimensão se trata de considerar que formas particulares são essas, que regem a reprodução do  
capital nas Economias dependentes, suas respectivas formas de dominação, como parte do  
desenvolvimento desigual e combinado do capitalismo no sistema mundial. Isto é, não é só  
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Estado, capitalismo dependente e racismo no Brasil: considerações teórico-metodológicas  
afirmar que são formas particulares, mas é preciso demonstrar de onde surgem e de que forma  
se reproduzem.  
Para entender a relação entre Estado, dependência e racismo, partimos da contribuição  
da Teoria Marxista da Dependência, depois utilizaremos os aportes de Clovis Moura e de  
autores do Serviço Social que têm estudado a obra de Moura e sua relação com o capitalismo  
dependente.  
Ruy Mauro Marini (2011) entende que a dependência se configura a partir da forma  
subordinada que marca a integração historicamente constituída das Economias latino-  
americanas no mercado mundial, que possui três condições constitutivas fundamentais: a  
transferência de valor, a superexploração da força de trabalho e a ruptura do ciclo de capital.  
De acordo com o referido autor, a dependência tem como fundamento a transferência  
de valor, porque as relações de produção são desiguais, baseadas no controle do mercado e no  
controle político por parte das nações imperialistas. Isso ocorre por meio de um intercâmbio  
que é desigual, ou seja, o conjunto de condições tecnológicas e técnicas em que se produziram  
as mercadorias, no qual as composições orgânicas dos capitais são diferenciadas, mas, mesmo  
assim, há uma equalização das taxas de mais-valia nesse intercâmbio no mercado mundial, no  
qual os preços de produção regem todas as trocas de um determinado ramo. Por isso, ocorre a  
transferência de valor entre setores tecnologicamente menos avançados (com menor  
composição orgânica) para setores mais avançados (com maior composição orgânica). Setores  
que, hoje, devido às cadeias de valor, dividem-se entre os países mais ou menos desenvolvidos  
em termos tecnológicos.  
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Neste ponto, assume-se que os requisitos do padrão de desenvolvimento que são  
inerentes ao capitalismo dependente não são apenas econômicos, mas necessitam, outrossim,  
de forma específica de estabilidade política e de controle efetivo do poder do Estado por parte  
da burguesia nativa. Isto ocorre, porque temos uma dupla expropriação do excedente econômico  
(pela burguesia externa e pela interna) (Fernandes, 1981)6, realizada com base na  
superexploração da força de trabalho, que requer constantes ações de legitimação da ordem,  
com a implementação de ações que dão base para a reprodução do racismo, do machismo, da  
homofobia e da xenofobia em sua forma especificamente capitalista.  
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Originalmente, houve uma incorporação violenta e desigual dos países colonizados no  
mercado mundial, que tem determinado o desenvolvimento do capitalismo nesses países até os  
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Para Fernandes (1981), ocorre um padrão dual de expropriação do excedente econômico, pela via de uma  
drenagem de recursos permanentes e alimenta interna e externamente a manutenção do poder econômico e  
político.  
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Ana Paula Ornellas Mauriel  
dias atuais, pois, na base dessa inserção subordinada, está a exportação de matérias-primas de  
origem agrária que marcam uma organização de produção.  
[...] A produção de matérias-primas e alimentos para o mercado mundial, ao  
contrário, não exige a expansão de atividades produtivas complexas que a  
acompanhem e a estimulem. Assim, não se gesta uma locomotiva interna que  
incite o desenvolvimento de outros setores produtivos fundamentais para  
sustentar a produção exportadora. (...) Por outro lado, o tipo de valores de uso  
produzidos exige níveis baixos de desenvolvimento das forças produtivas, se  
comparados com a ebulição que tem lugar no mundo industrial (Osorio, 2016,  
p.502).  
Essa situação dependente se estabelece paulatinamente, não por mera imposição  
externa, mas se constitui a partir de uma brecha crescente que se forja entre as Economias  
centrais e as de origem colonial. As diferenças estão no ponto de partida, ou seja, no tipo de  
valores de uso que ambas produzem e trocam, na forma pela qual os produzem e para quem o  
fazem (Osorio, 2016). Contudo, a dependência se estabelece a partir de uma “[...] relação de  
subordinação entre nações formalmente independentes, em cujo marco as relações sociais de  
produção das nações subordinadas ou recriadas para a reprodução ampliada da dependência”  
(Marini, 2011, p.134).  
Essa é a principal razão pela qual as Economias dependentes buscam compensar as  
perdas resultantes dessas transferências de valor recorrendo à superexploração da força de  
trabalho, no âmbito da produção interna, o que se reflete em uma forma particular do ciclo de  
capital das Economias dependentes, que perpetua e reproduz esses mecanismos, mantendo,  
assim, a reprodução da própria dependência (Marini, 2011).  
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Seguindo Marini, Luce (2018) assevera que as várias formas de cisão que se manifestam  
no ciclo do capital das Economias dependentes cisão entre mercado interno e o externo; cisão  
entre esferas alta e baixa de consumo; não generalização da mais-valia relativa para todos os  
ramos e setores da produção; fixação da mais-valia extraordinária no setor produtor de bens de  
luxo; integração subordinada dos sistemas de produção e industrialização não orgânica -  
provocam um divórcio entre a estrutura produtiva e as necessidades das massas, pois tais  
particularidades das formações econômico-sociais dependentes agudizam as contradições nas  
relações entre distribuição e apropriação já imanentes do próprio capitalismo.  
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Segundo Marini (2011), para aumentar a massa de valor produzida internamente, a  
superexploração da força de trabalho corresponde a uma situação em que o trabalhador é  
remunerado abaixo de seu valor, sistematicamente, mesmo fora de situações de crise. Marini  
considera que, nas Economias dependentes, a despeito de a classe trabalhadora ser submetida  
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cotidianamente ao prolongamento da jornada e ao aumento da intensidade de seu trabalho, não  
recebe reajuste de salário que compense esse desgaste.  
Essa é uma situação estrutural nas Economias dependentes, pois a dialética externo-  
interno exige que a burguesia local programe políticas (econômicas, sociais etc.) que criem  
condições para a manutenção do imperialismo (Lenin, 2012), cujas condições são reproduzidas  
pelo Estado, o que requer processos extremamente violentos, para manter os trabalhadores  
dentro de padrões de vida, estruturalmente, no limite da sobrevivência ou mesmo abaixo dela,  
o que não ocorre sem resistências e lutas.  
Os Estados latino-americanos precisam reproduzir essas condições nos campos político  
e econômico, de modo a atender aos interesses das classes dominantes nos países imperialistas,  
ao mesmo tempo em que acolhe os interesses das burguesias internas. Uma vez que as relações  
de poder de diferentes Estados no sistema mundial são desiguais, fazendo com que tenham uma  
soberania frágil no plano internacional, as burguesias locais operam sempre com base em  
associação aos capitais imperialistas em diversos momentos históricos sob acordos que se  
processam de diferentes formas (Bichir, 2018). Ou seja, de acordo com a autora, pode-se inferir  
que a dependência ocorre simultaneamente na Economia e na política.  
Contudo, apesar de uma soberania frágil no plano externo (ou seja, pouca autonomia  
para decidir ou de criar sobre seus projetos próprios), os Estados dependentes possuem forte  
poder político local (interno) e o utilizam em seus respectivos territórios nacionais, a partir dos  
aparatos do Estado (poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, burocracia estatal, poder  
militar e de polícia), para garantir a dependência, particularmente, a partir do controle e da  
regulação da vida da classe trabalhadora, construindo e gerindo condições políticas, ideológicas  
e sociais que permitam a perpetuação da superexploração (Osorio, 2019).  
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Vale ressaltar que, se na situação de exploração já ocorre a produção de uma  
superpopulação relativa, nas condições de reprodução da superexploração, a produção dessa  
massa de trabalhadores/as excedentes é ainda mais agigantada, o que funciona para reforçar a  
manutenção da própria condição de superexploração, já que colabora para rebaixar os salários  
e manter a violação do valor da força de trabalho.  
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De acordo com Fagundes (2020), no período da Escravidão do século XIX, durante o  
processo de transição do trabalho escravo ao assalariado, um conjunto de determinações  
econômicas, políticas e sociais foram sendo criadas, com o intuito de estabelecer um exército  
industrial de reserva, hegemonicamente constituído pela população negra, que passou a ser  
funcional e estruturante da forma capitalista dependente.  
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Essa enorme oferta da força de trabalho é o fundamento do desenvolvimento capitalista  
dependente, que permite as condições de violação do valor da força de trabalho, intensificação  
da exploração e o prolongamento de jornadas extenuantes, ou seja, a superexploração (Souza,  
2020).  
Vale ressaltar que, nos países dependentes, a dimensão da superpopulação relativa,  
particularmente em sua fração no pauperismo, é muito maior do que a população inserida  
ativamente no mercado de trabalho, quando se compara com os países centrais (Souza Filho,  
2016) e, mesmo a população trabalhadora ativa tem um grande percentual em postos de trabalho  
precários, temporários, sem direitos, isso sem considerar as recentes reestruturações produtivas  
que flexibilizaram ainda mais as condições de compra e venda da força de trabalho7.  
Diante disso, as burguesias latino-americanas, ao responderem aos interesses  
imperialistas, garantindo seus próprios interesses internos diferentemente dos países  
centrais, onde a população sob o pauperismo conforma uma minoria acionam o Estado para  
atuar sobre a maioria da população, composta majoritariamente por negros e negras, indígenas  
e migrantes. “[...] E o fato de serem maioria, em conjunto com uma formação social  
estruturalmente racista e patriarcal, faz com que o grau de coerção vivenciado por essas  
populações tenha uma maior amplitude” (Rodrigues, 2022, p.79).  
A dominação externa só se realiza por meio da interna, com parceria das burguesias  
locais. Por isso, pensar o capitalismo dependente é chegar à análise da formação econômico-  
social8, observando as mediações categoriais fundamentais dessa formação concreta, a partir de  
momentos da realidade, ou seja, observando como as tendências gerais do capitalismo como  
determinações específicas da dependência se manifestam na concretude das relações sociais  
dessas diferentes formações sociais – “[...] o modo de produção dependente de participar do  
processo de desenvolvimento da Economia mundial capitalista traz uma face interna. Não é  
outro modo de produção, é o modo específico da produção capitalista em nossos países”. (Luce,  
2018, p. 210, grifos do autor)  
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Isso nos conduz ao terceiro elemento de fundamentação do Estado brasileiro, as  
determinações da formação econômico-social brasileira.  
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7 Contrato Zero hora, Trabalho Just in Time, plataformização do trabalho, uberização, são algumas das formas que  
renovam a terceirização, a informalidade e a flexibilização advindas com a Indústria 4.0 e aprofundado com o  
capitalismo pandêmico (Antunes, 2020).  
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“O sentido da formação econômico-social, categoria cunhada por Marx, contém a mediação entre o modo de  
produção e as determinações recíprocas entre forças produtivas e relações de produção, com relações de classe  
correspondentes, em uma dada formação histórico-concreta” (Luce, 2018, p.211).  
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Estado, capitalismo dependente e racismo no Brasil: considerações teórico-metodológicas  
O Estado brasileiro a partir da formação econômico-social  
O Estado brasileiro é capitalista dependente, mas com suas próprias dimensões  
constitutivas nacionais. Sob essa perspectiva, entender a natureza sócio-histórica do Estado  
brasileiro requer que consideremos o nosso legado colonial, a transição para o capitalismo  
dependente, os fundamentos das determinações do desenvolvimento do capitalismo  
dependente, no âmbito da formação econômico-social brasileira, além das lutas e resistências  
que acompanham esses processos, como condições constitutivas do Estado e das formas de  
dominação racistas no Brasil.  
A nossa entrada naquilo que, historicamente, identificamos como sociedade capitalista  
não significou que as formas e métodos de dominação das classes imperialistas e das burguesias  
locais tenham deixado de utilizar métodos elaborados durante os processos de colonização. Ou  
seja, os processos prévios apropriação de riquezas por meios políticos perduraram para além do  
sistema colonial, todavia, agora associados e renovados pelas relações capitalistas de produção.  
No que se refere ao legado colonial e à transição para o capitalismo dependente, para  
fins de síntese neste artigo, utilizamos a periodização proposta por Moura (2014) em “Dialética  
Radical do Brasil Negro”, em que o autor define o escravismo em duas fases: o escravismo  
pleno e o tardio.  
Conforme resumem Silva e Fagundes (2022), o Escravismo Pleno conforma o período  
de 1550 a 1850, quando se criou uma “[...] estrutura rígida e centralizada na unidade  
administrativa e judiciária, de modo a racionalizar o sistema do governo da Colônia e criar  
condições repressivas contra as revoltas negras e indígenas” (Silva; Fagundes, 2022, p.226).  
Segundo Silva (2021), os conflitos de classe entre senhores e escravizados são um aspecto  
central para o reconhecimento das rebeliões negras e seu papel constitutivo na formação  
brasileira.  
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O período colonial brasileiro assentado no latifúndio monocultor voltado para a  
exportação mediante mão de obra escravizada contribuiu para dinamizar a expansão do  
capital comercial na Europa (especialmente a Inglaterra), colaborando para criar as condições  
estruturais para a formação do capitalismo (como parte do sistema colonial). Por isso, entende-  
se que esse legado é fator essencial para pensar a origem da nossa dependência e das atuais  
formas de dominação e de controle do trabalho assalariado com base no racismo e em outras  
formas de opressão.  
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Diante disso, podemos considerar que as pilhagens e os processos de escravização que  
ocorreram simultaneamente à exportação de matérias-primas de baixo custo no período colonial  
brasileiro, como parte dos modos de produção coloniais vinculados à produção de mercadorias,  
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deixaram determinações tanto sobre o sentido da propriedade da terra como propriedade  
privada, legal e juridicamente organizada como também sobre o sentido do trabalho, ao  
separar violentamente os povos originários de seus meios de produção e, posteriormente, a  
população negra que chegava escravizada, que também era expropriada material e  
simbolicamente, gerando uma impossibilidade de acesso generalizado a qualquer meio de  
subsistência (Souza, 2020).  
Entretanto, não era suficiente traficar pessoas para escravizar sob variadas formas  
violentas e extenuantes de trabalho forçado: os colonizadores precisavam construir argumentos  
tanto religiosos como científicos com base na ideia de raça como justificativa para a  
continuidade do processo violento de dominação que perdurava. Sob o argumento de uma  
suposta superioridade por parte dos colonizadores e inferioridade por parte dos povos  
colonizados e escravizados, uma noção de “raça” criou uma classificação hierarquizada por cor  
e, com isso, novas identidades: índios, negros, brancos, mulatos, caboclos, mestiços etc. Essa  
codificação emblemática fez com que os conquistadores assumissem para si a categoria de  
brancos, sendo esta entendida por eles uma raça superior em relação às demais (Goes, 2021).  
Essa racialização como forma de classificação social que se estabeleceu com as colônias  
europeias, se enraizou também aqui no Brasil, e resultou na concretização do racismo, que se  
renovou com os processos históricos posteriores.  
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Considerando o início do século XIX, podemos antever a formação de um novo  
conteúdo do Estado a partir de 1808, com a vinda da Coroa portuguesa para o Brasil, motivada  
pela grave crise do sistema colonial ultramarino e pela geopolítica britânica.  
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De acordo com Marquese e Salles (2016), isso significou um divisor de águas para o  
sistema escravista brasileiro, à medida que a corte veio para o Rio de Janeiro e não para a capital  
da época, que se localizava em Salvador. Entre as principais medidas, concedeu-se a liberdade  
comercial dos portos e o estímulo aos empreendimentos manufatureiros, com a quebra do Pacto  
Colonial que vigia havia séculos e abertura dos portos a partir de 28 de janeiro de 1808, ato  
emitido por um decreto real do regente D João. Isso conectou os produtores escravistas ao  
mercado mundial de artigos tropicais, aumentou a demanda por escravos no Brasil, o que  
ocorreu em um contexto contraditório: de um lado, o aumento do tráfico de pessoas  
escravizadas e, de outro, com uma pressão antiescravista britânica, que vinha junto aos acordos  
comerciais.  
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Com a independência do Brasil, em 1822, marco jurídico formal de ruptura entre Brasil  
e Portugal, houve uma cisão entre o que era a política da escravidão no período colonial e a  
escravidão que se estabelecia sob o Estado Imperial. A partir daí, a reprodução do escravismo  
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Estado, capitalismo dependente e racismo no Brasil: considerações teórico-metodológicas  
passou a ser responsabilidade do Governo monárquico instaurado no Brasil e seu sentido  
continuou sendo a reiteração das relações escravistas, que dependia, a cada passo, da atuação  
do aparato estatal (por vias legais ou ilegais) (Marquese; Salles, 2016).  
A aceleração das atividades agroexportadoras e a intensificação do tráfico de pessoas  
escravizadas aconteceram sob um contexto político bastante conturbado, marcado, no plano  
local, pelos conflitos em torno da independência e, no plano internacional, pela Revolução  
Francesa, pelas guerras napoleônicas e pelo sucesso da Revolução Haitiana, que teve impacto  
significativo nas sociedades escravistas, suscitando muitos levantes e resistências por partes de  
escravizados. Diante disso, o ato estatal de D. Pedro I foi de conter qualquer potencialidade  
antiescravista, dissolvendo a Assembleia Nacional em 1823 e promulgando uma Constituição  
em 1824, com um claro sentido pró-escravista (Marquese; Salles, 2016).  
Já o Escravismo Tardio, que compreende o período entre 1850 a 1888, caracterizou-se  
pela fase de transição para o capitalismo dependente e de passagem do trabalho escravo para o  
trabalho livre, em que se criaram condições que Moura (2014) caracteriza como de  
“modernização conservadora”, que se traduziu por uma série de mudanças econômicas, nos  
processos de exploração da força de trabalho, no que se refere à incorporação de padrões  
científicos europeus, mas que, ao mesmo tempo, manteve a reprodução da opressão racial nas  
relações sociais.  
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Uma série de legislações promulgadas sob o regime monárquico influenciou a  
reorganização das relações de trabalho no país, mantendo condições de vida e trabalho  
degradantes para a população negra, entre as quais se destacam: Tarifa Alves Branco (1844);  
Lei da Terra (1850); Lei Eusébio de Queiroz (1850); a política integracionista do final do século  
XIX (Fagundes, 2020).  
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Moura (2014) revela que, por meios repressivos e pela construção de ideologias racistas,  
negros e negras foram sendo relegados aos trabalhos mais degradados e mal pagos, enquanto  
os serviços mais qualificados, o trabalho intelectual e os trabalhos bem pagos foram sendo  
selecionados para os segmentos racializados como brancos. Isso gerou, desde o início do  
capitalismo no Brasil, um processo de hierarquização que promove uma divisão sociorracial do  
trabalho que ajudou e facilitou a superexploração e a dominação necessária à manutenção da  
dependência.  
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Por outro lado, uma parcela da população escravizada atravessou esse período sem  
incorporação em atividades laborais, formando uma massa reserva de trabalhadores,  
colaborando para constituir uma relação capital-trabalho particular no desenvolvimento do  
capitalismo dependente brasileiro. “[...] Agudizado pelas características nacionais e as  
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Ana Paula Ornellas Mauriel  
determinações inerentes ao período transitório, acabou por focalizar todo proletariado brasileiro  
a um regime de superexploração” (Fagundes, 2020, p.62). Isso proporcionaria o rebaixamento  
do valor da força de trabalho negra que colaborou para “puxar para baixo” a média geral do  
valor da força de trabalho, permitindo a expropriação de uma parcela maior de mais-valia do  
conjunto da classe trabalhadora.  
Para Moura (2014), o Escravismo Tardio teve fim com a abolição do trabalho escravo  
em 1888, entretanto, tal mudança jurídica, é importante salientar, não significou garantia de  
melhoria de condições de vida, de trabalho ou de acesso a bens de subsistência para a população  
negra.  
No contexto pós-abolição, o capitalismo dependente incorporou a estrutura agrária do  
período colonial, sendo pouco permeável às demandas apresentadas pela classe trabalhadora  
que se formava, erguendo-se sob contradições desse legado escravista, gerou desdobramentos  
importantes nas configurações das classes sociais e da relação do Estado com a sociedade no  
Brasil, e nas possibilidades das respostas às expressões da questão social, via políticas e  
serviços, que, estruturalmente, sempre tenderam historicamente a ser mínimos.  
A consequência disso está no estilo peculiar do Estado brasileiro, que, sob controle e  
tutela das classes dominantes, possui como fundamento o liberalismo formal e o  
patrimonialismo como prática, a fim de garantir seus privilégios. Logo, a burguesia brasileira  
absorveu e redimensionou as características estruturais anteriores à sociedade burguesa,  
assegurando assim “[...] um entranhado conservantismo sociocultural e político” (Fernandes,  
2005, p. 205), fundamentalmente racista.  
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Nesse contexto, o racismo foi a base dos mecanismos ideológicos que justificaram as  
ações do Estado, que não criou condições de sobrevivência e de inserção para a população negra  
no contexto pós-abolição e início do século XX, ao contrário das ações voltadas aos imigrantes  
que chegaram aqui e assumiram vários postos no centro do desenvolvimento produtivo e, por  
isso, ganharam condições objetivas e subjetivas para responder a isso, com empréstimos, acesso  
à terra, a direitos trabalhistas etc.  
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A estrutura da classe trabalhadora também sofreu com a atuação racista do Estado, pois  
frações foram criadas pela ativação de preconceitos, dificultando o reconhecimento de  
trabalhadores e trabalhadoras negras como parte dela, criando oposições entre a própria classe,  
seja pela desvalorização dos trabalhos que a população negra realizava, seja pelo não  
reconhecimento de suas tarefas como trabalho, como no caso do trabalho doméstico.  
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Estado, capitalismo dependente e racismo no Brasil: considerações teórico-metodológicas  
É nesse sentido que se entende que o racismo é uma peça-chave fundamental da  
dominação burguesa no Brasil, base para a atuação do Estado para fragmentar e gerir condições  
para a superexploração da classe trabalhadora brasileira.  
Contudo, o racismo não fica à mostra, embora, segundo Almeida (2020, p.3), crie “[...]  
uma estratificação social que se reverte em inúmeras desvantagens políticas e econômicas [...],  
vivenciadas na forma de pobreza, salários mais baixos, de menor acesso aos sistemas de saúde  
e educação, maiores chances de encarceramento e morte”, ele tem a particularidade de ficar  
escondido sob o véu do mito da democracia racial (Elpidio, 2020). É um mito, pois a formação  
social brasileira que resultou em uma sociedade multirracial e multiétnica não fundamenta  
relações democráticas por si só (Silva, 2021).  
[...] No Brasil, o sistema legalizado de desumanização, que permitiu a compra  
e venda de pessoas como “escravos”, acabou em 13 de maio de 1888; porém,  
ao confrontar o modo como foi promulgada a “liberdade”, entendemos a  
origem das condições de miserabilidade que mantêm tanto as formas análogas  
à escravidão como a ultra precarização e a superexploração de grandes  
contingentes de trabalhadores, que são maioria negras e negros (Silva, 2021,  
p.71).  
Atualmente, não basta dizer que nossa burguesia age “pelo alto”, mas precisa explicar  
o que aconteceu com os “de baixo”, que têm sido, historicamente, massacrados.  
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Conclusões  
Toda escolha teórico-metodológica, em si, parte de um horizonte político e ideológico  
que transcende os limites da Academia e do conhecimento racional formal, ainda que este seja  
o espaço central da construção das pesquisas. Assim, o caminho teórico-metodológico que  
propomos e os desdobramentos conceituais e categoriais que advêm dele são fruto de uma visão  
social de mundo que se formou, paulatinamente, com base nas experiências de militância e de  
inúmeras reflexões individuais e coletivas, na busca de uma consciência antirracista.  
Por se compreender que o conhecimento é algo construído coletivamente e sob relações  
históricas determinadas, e ainda por considerar-se que a disputa teórica faz parte da luta de  
classes, em que a batalha das ideias é partícipe do processo de construção da própria consciência  
de classe é que se tratou, aqui, de apresentar algumas vias possíveis para o momento de crítica,  
de negação e de construção de nova síntese, na tentativa de tornar possível a construção de um  
caminho de pesquisa coletivo, profícuo, com caráter cientifico crítico histórico-dialético acerca  
do Estado brasileiro.  
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Ana Paula Ornellas Mauriel  
Ao estimular a reflexão do tema Estado relacionado à dependência e ao racismo, buscou-  
se trazer contribuições teórico-metodológicas aglutinadas ao longo dessa trajetória, que  
pontuam algumas questões:  
1) utilizar como ponto de partida a teoria marxiana e a tradição marxista para entender  
o Estado brasileiro como capitalista, buscando trazer mediações entre a formação do  
capitalismo, a consolidação do Estado burguês e as colonizações, que instituem o racismo como  
base fundamental para dominação;  
2) considerando o desenvolvimento desigual e combinado, sendo o Estado brasileiro um  
Estado dependente, procurou-se trazer pistas sobre a forma particular de desenvolvimento  
capitalista na América Latina, especialmente a partir da Teoria Marxista da Dependência. E,  
sendo o Brasil parte desse continente, também carrega as manifestações dessa condição  
histórica dependente regional; por isso, buscou-se mostrar que a superexploração da força de  
trabalho tem no racismo uma base fundamental;  
3) na última seção, visou-se a entender o Estado brasileiro a partir da formação  
econômico-social concreta brasileira. Considera-se o escravismo, o colonialismo, bem como a  
transição para o capitalismo dependente, com foco na atuação do Estado sobre a transição do  
trabalho escravizado para o trabalho assalariado, observando como as manifestações  
particulares do racismo servem de eixos de sustentação das formas de dominação burguesa no  
Brasil e se mantêm contemporâneas.  
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